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12º Encontro da ABCP. 19 a 23 de outubro de Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB) Área Temática: Política, Direito e Judiciário

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12º Encontro da ABCP 19 a 23 de outubro de 2020

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB)

Área Temática: Política, Direito e Judiciário

A CARTA: DIÁLOGOS ENTRE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA SOBRE REFORMAS CONSTITUCIONAIS

Rogerio Barros Sganzerla UFF/UERJ

Matheus Rodrigues Silva de Castro EMERJ

Lucas Daniel Germano da Silva FGV Direito Rio

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Resumo

Duas perspectivas discutem a dinâmica e os impactos das reformas constitucionais no Brasil: a primeira, com maior destaque na Ciência Política, tem como objeto as reformas em razão dos elementos centrais ou governamentais de uma Constituição; a segunda, com maior foco no Direito, tem como objeto as reformas em razão da estrutura normativa adotada. Este trabalho tem como objetivo a união entre Direito e Ciência Política em torno do estudo da Constituição, especialmente no que tange às suas reformas. Mais do que uma simples referência a ela, o título deste trabalho é uma citação direta ao consagrado estudo de Rogerio Arantes e Cláudio Couto que, desde 2002, já produziu diversos artigos sobre as reformas na Constituição Federal de 1988. O último deles, em 2019, parte integrante do livro “A Carta”, faz uma análise dos trinta anos de constitucionalização, sendo um ponto histórico e temporal para resumo e confronto das suas metodologias. A intenção é comparar essas duas pesquisas sobre o mesmo objeto (reformas constitucionais), sob perspectivas distintas (Direito e Ciência Política) a fim de encontrar formas de complementação, aprimoramento e também lacunas que possam ser supridas em prol de novos resultados.

Palavras-chave: Constituição, reformas constitucionais, emendamento, resistência.

Abstract

Two perspectives discuss the dynamics and impacts of constitutional amendments in Brazil: the first, with greater emphasis on Political Science, has as its goals the amendment due to the governmental elements of a Constitution; the second, with a greater focus on Law, has as its goals the amendments due to the normative structure adopted. This work goal is to unite Law and Political Science around the study of the Constitution, especially with regard to its amendment. More than a simple reference to it, the title of this work is a direct quote to the renowned study by Rogerio Arantes and Cláudio Couto who, since 2002, has produced several articles on the amendments of the 1988 Federal Constitution. The last one, in 2019, a chapter of the book “A Carta”, makes an analysis of the thirty years of constitutionalization, being a historical and temporal state for summary and comparison of its methodologies. The intention is to compare these two studies on the same object (constitutional amendments), under different perspectives (Law and Political Science) in order to find ways of complementing, improving and also gaps that can be filled in favor of new results.

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1. INTRODUÇÃO

Há uma carência – comparativamente ao que vem sendo feito no cenário internacional – de pesquisas nacionais1 empíricas constitucionais de qualidade que foquem nos estudos das reformas2. Grande parte dos trabalhos aborda apenas a parte teórica deste conhecimento ou então têm como objeto apenas partes de dados, sem o olhar completo sobre todo o universo de reformas.

Este artigo tem como objeto de estudo as metodologias na quais se baseiam as pesquisas sobre reformas da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, dois estudos recentes discutem este objeto, permitindo uma visão plena sobre o cenário e as implicações em torno desse tema: a primeira, dos autores Rogério Arantes e Cláudio Couto3, com um olhar voltado para a Ciência Política, tem como objeto as emendas constitucionais e adota uma perspectiva política sobre as modificações realizadas na Constituição Federal de 1988 em razão das dimensões normativas de polity e policy; já o segundo4, com um olhar mais para o Direito, tem como objetivo investigar as propostas de modificação e modificações da Constituição em razão da sua estrutura normativa.

Nesse sentido, mais do que apresentar suas divergências, este trabalho tem como foco a união do Direito e Ciência Política em torno do estudo da Constituição, especialmente

1 Contudo, importante apontar algumas que possuem, atualmente, maior destaque: (i) COUTO, Cláudio Gonçalves;

ARANTES, Rogério Bastos. Constituição, governo e democracia no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 21, n. 61, jun/2006, p. 41-62; (ii) ALMEIDA, Rodolfo; ZANLORENSSI, Gabriel. 30 anos: o quanto a Constituição preserva o seu texto original. Nexo, 5 out. 2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/grafico/2018/10/05/30-anos-o-quanto-a-Constitui%C3%A7%C3%A3o-preserva-de-seu-texto-original>. Acesso: 18 nov. 2018; (iii) ARANTES, Rogério B.; COUTO, G. Cláudio. 1988-2018: Trinta anos de constitucionalização permanente. In: MENEZES FILHO, Naercio; SOUZA, André Portela (Org.). A Carta. Para entender a Constituição brasileira. São Paulo: Todavia. 2019; (iv) ARANTES, Rogério B.; COUTO, Cláudio G. Construção democrática e modelos de Constituição. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 53, nº 3, pp. 545-585, 2010; (v) ARANTES, Rogério B.; COUTO, Cláudio G. Uma Constituição incomum. In: CARVALHO, Maria Alice Rezende; ARAÚJO, Cícero; SIMÕES, Júlio Assis. A Constituição de 1988: passado e futuro. São Paulo: Hucitec; Anpocs, 2009, pp. 17-51; (vi) ARANTES, Rogério B.; COUTO, Cláudio G. A Constituição sem fim. In: DINIZ, Simone; PRAÇA, Sérgio (Orgs.). Vinte anos de Constituição. São Paulo: Paulus, 2008, pp. 31-60; (vii) ARANTES, Rogério B.; COUTO, Cláudio G. Constituição, governo e democracia no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 21. N. 61, pp. 41-62, 2006; (viii) ARANTES, Rogério B.; COUTO, Cláudio G. Constituição ou políticas públicas? Uma avaliação dos anos FHC. In: CHAIA, Vera; MACHADO, Eliel (Orgs.). Ciências sociais na atualidade: tempo e perspectiva. São Paulo: Paulus, 2009, p. 33-89; e (ix) NORONHA, Lincoln Narcelio Thomaz. Em Direção a uma Teoria Geral de Emendamento Constitucional. 09º Encontro Nacional da ABCP, 2014. Disponível em: <https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/direcao-teoria-geral-emendamento-constitucional-660.pdf>. Acesso em: 30.08.2020.

2 O termo faz referência apenas às reformas constitucionais que passam pelo processo legislativo (Congresso

Nacional) e são aprovadas conforme as regras do artigo 60 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988). Mutações constitucionais e diversos tipos de decisões que de alguma forma restrinjam ou ampliem o escopo legal/constitucional por meio de interpretação realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não se enquadram neste conceito e no presente estudo.

3 ARANTES, Rogério B.; COUTO, G. Cláudio. 1988-2018: Trinta anos de constitucionalização permanente. In:

MENEZES FILHO, Naercio; SOUZA, André Portela (Org.). A Carta. Para entender a Constituição brasileira. São Paulo: Todavia. 2019.

4 SGANZERLA, Rogerio; VASCONCELLOS, Fábio; SCOVINO, Fernanda; CASTRO, Matheus. Trinta anos de

propostas e modificações constitucionais. In: CERDEIRA, Pablo; VASCONCELLOS, Fábio, SGANZERLA, Rogerio (Org). Três décadas de reforma constitucional: onde e como o Congresso Nacional procurou modificar a

constituição de 1988. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, 2018. pp.

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as suas reformas. Para além de uma simples referência a ela, o título deste trabalho é uma citação direta às consagradas pesquisas de Rogério Arantes e Cláudio Couto que, desde 2002, já produziram mais de oito artigos. O último deles, em 2019, parte integrante do livro “A Carta”, faz uma análise dos trinta anos de constitucionalização no Brasil, razão pela qual adotaremos este texto como ponto de conexão entre essas duas ciências humanas.

2. COMPARATIVO METODOLÓGICOS

O método de investigação comumente utilizado nas pesquisas sobre reformas constitucionais investiga as Emendas Constitucionais (EC) na tentativa de entender como uma Constituição resiste ao tempo e a contextos políticos distintos sem ser revogada ou trocada por uma nova. Apesar de não ser o foco deste trabalho, entende-se que utilizar somente as ECs para tentar compreender esse fenômeno é um fator limitador no entendimento de uma dinâmica que envolve muitas outras variáveis.

Por isso, para não incorrer nesse problema, em estudo anterior sobre a matéria já nos voltamos para o fluxo desse processo, ou seja, tanto àquilo que entra (Proposta de Emenda à Constituição - PEC) quanto àquilo que sai (Emenda Constitucional - EC)5. Com isso, é possível comparar os temas constitucionais em razão do seu interesse, sucesso, retração/expansão e modificação. Já no estudo de Arantes e Couto, as análises se restringiram às EC, ou seja, aquilo que foi aprovado e transformado em norma jurídica, bem como às dimensões normativas denominadas polity e policy6.

Polity se refere às normas constitucionais que estabelecem os elementos centrais da organização política e os parâmetros gerais do jogo político munidos de generalidade e relativa neutralidade. Na Policy, a normatividade se estabelece a nível governamental, ou seja, das normas produzidas por governos com vistas à implementação de suas políticas. Em um bom regime democrático, Polity e Policy não se confundem, e enquanto a primeira se encarrega da estabilidade, a segunda se presta à mudança. Se a dimensão Polity mudasse ao sabor das rivalidades entre os atores, o regime seria necessariamente instável; se a dimensão da Policy tivesse resultados substantivos congelados no tempo, de nada ou muito pouco serviria a alternância no poder entre os contendores.7

5 Uma nova etapa da pesquisa investigará o processo legislativo a fim de formar um tripé analítico sobre a

resistência das Constituições. Por enquanto, utilizamos apenas a entrada e saída.

6 Explicaremos e analisaremos as questões acerca desses conceitos no próximo capítulo. 7 ARANTES, Rogério B.; COUTO, G. Cláudio. Op. Cit., 2019, pp. 20-21.

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A metodologia de Arantes e Couto, ao estabelecer tal divisão, classifica o texto a partir da normatividade constitucional e a normatividade governamental8. Assim, ao estudarem o texto constitucional, revelam uma maior preocupação do constituinte em definir as regras gerais de organização, direitos e jogo político do que em se concentrar nas normas políticas. Mesmo com essa preocupação originária, os autores advertem que o constituinte não conseguiu garantir a estabilidade buscada com as normas de polity.

O fato de a pesquisa de Arantes e Couto se restringir às emendas constitucionais não é, de forma alguma, uma insuficiência. Trata-se apenas de um limitador metodológico sobre o objeto. Isso permitiu diversos avanços e o surgimento de novas pesquisas que fossem além das suas análises a fim de agregar novos resultados e metodologias, como é o caso da pesquisa de Sganzerla (et al).

Além disso, outro ponto divergente está na forma de classificação sobre o que é entendido como “dispositivo”. Em ambos os estudos é utilizado como medida para quantificar as reformas constitucionais e também em ambas ele se refere a cada parte integrante de um artigo, seja ela o caput, o parágrafo, alínea, inciso ou letra. Contudo, nos estudos de Arantes e Couto, exige-se a presença do sentido completo9 para que determinado dispositivo seja contabilizado e compreendido como tal, ao passo que no estudo de Sganzerla (et al), não, aferindo-se cada uma das partes integrantes de um artigo de forma única em quantidade10.

A pesquisa de Arantes e Couto, ao exigir o sentido completo de uma norma para verificar seu âmbito de atuação, permite descobrir os processos políticos envolvidos no processo de criação e emendamento do texto constitucional. Como exemplo, têm-se indicadores como a taxa de edição de medidas provisórias, a taxa de aprovação de leis enviadas pelo Presidente e o número de ações do concreto concentrado de constitucionalidade.

O que permite à pesquisa de Sganzerla (et al) inovar em análises sobre indicadores e temas é simplificar a sua classificação para o menor e mais simples unidade de análise, sem

8 ARANTES, Rogério B.; COUTO, G. Cláudio. Op. Cit. 2019, p. 20.

9 A fim de esclarecer o sentido de completude empregado pelos autores, estes apresentam o seguinte argumento:

“O terceiro passo da metodologia é quantificar Polity e Policy no interior dos textos constitucionais. Pesquisadores estrangeiros dedicados ao estudo empírico de cartas constitucionais costumam usar o número de palavras como medida do tamanho das Constituições e, quando realizam estudos qualitativos, costumam partir de uma tábua prévia de elementos (direitos ou funções governamentais, por exemplo) para identificar sua presença ou não nos textos constitucionais comparados. Nenhuma dessas formas nos permitiria uma codificação exaustiva do inteiro teor das Constituições, nem uma maneira segura de compará-las. Por isso, nossa metodologia trabalha com dispositivos, definidos como a menor unidade de texto dotada de sentido completo. Alcançar empiricamente essa unidade nos obriga a examinar artigos, parágrafos, alíneas e inciso de uma Constituição, isolando cada trecho capaz de formar um dispositivo. Por vezes, o caput de um artigo encerra sentido completo e assim ocupa uma linha de nosso banco de dados. Outras vezes ele depende do parágrafo subjacente para se completar e ambos reunidos formam então um dispositivo. A situação da incompletude pode se estender por incisos, alíneas e letras até que se forme o sentido completo e nesse corte e costura da Constituição podemos chegar finalmente não só ao seu tamanho real, mas a unidades que podem ser examinadas e classificadas qualitativamente.” (Ibidem, p. 23-24).

10 SGANZERLA, Rogerio; VASCONCELLOS, Fábio; SCOVINO, Fernanda; CASTRO, Matheus. Op. Cit., 2018. p.

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se importar com seu sentido, mas sim sua estrutura. Explica-se: na pesquisa de Arantes e Couto, há um interesse maior nos processos políticos envolvidos. De outro lado, para o Direito, a regulação é o ponto central do estudo. Isso faz com que a contagem final de dispositivos seja diferente.

Nas EC, esses problemas de classificação e quantificação se destacam. É possível que dispositivos presentes em uma emenda constitucional se referiram a um ou mais dispositivos do texto (original ou modificado) da Constituição. Por exemplo, um único dispositivo presente em uma EC pode revogar vários dispositivos da Constituição. Logo, o dispositivo de uma EC não deveria ser utilizado para contagem, mas sim os dispositivos constitucionais a que eles se referem. Significa dizer que a medida para contabilizar a frequência de dispositivos acrescidos, revogados ou alterados não está nas emendas constitucionais, mas sim na própria Constituição, ADCTs ou ECs. Na prática, significa que a contabilização do número de dispositivos modificados na Constituição não deve estar nas Emendas, mas sim na própria Constituição11.

Inclusive, utiliza-se o termo “modificação” como um gênero que compreende revogações, criações e alterações de dispositivos. Na pesquisa de Arantes e Couto, “alteração” e “modificação” muitas vezes são utilizados como sinônimos, gerando dúvidas e questionamentos quanto às informações que realmente estão sendo passadas. Além disso, entende-se que o conceito de Constituição adotado pelos autores pode dificultar uma análise temática e enviesar os resultados em torno de dispositivos específicos. Para a pesquisa de Arantes e Couto, por estar no documento formal do texto constitucional, o ADCT é contabilizado “Constituição”12. Já para a pesquisa de Sganzerla (et. al), esta parte pertence

11 Como exemplo, são citados 34 dispositivos presentes nas ECs que se referem a 97 dispositivos retirados

(polity+policy). Além disso, contabilizam que há 719 aditivos que se referem a 912 dispositivos acrescidos. Logo, “novos dispositivos” não são 1.319, mas sim um número bem maior. Nesse sentido, utilizar a contagem de dispositivos adicionados pelas emendas constitucionais como forma de contagem induz a valores diferentes se fossem contados a partir do texto constitucional (CRFB+ADCT).

12 Importante levantar alguns apontamentos sobre o referido aspecto. Conforme apresentado, o entendimento aqui

proposto é de que os ADCTs, em que pese estejam formalmente no texto constitucional, não são compreendidos como sendo a própria Constituição, mas como conjunto de normas constitucionais. Consequentemente, considerá-los como “Constituição” traz impacto significativo no resultado do estudo. Isso porque, para a pesquisa de Arantes e Couto, por estar no documento formal do texto constitucional, o ADCT é contabilizado para fins de quantificação dos dispositivos constitucionais. Já para a pesquisa de Sganzerla (et. al), apenas pode ser interpretado como conjunto de normas constitucionais, mas não como Constituição. Do contrário, caso o conjunto de normas constitucionais fosse o mesmo que “Constituição”, ter-se-ia, igualmente, que contabilizar as normas referentes aos tratados internacionais aprovadas na forma do art. 5º, § 3º, da CRFB/88, o que certamente impactaria ainda mais no resultado do estudo. Nesse sentido, nos ensina José Afonso da Silva no trecho a seguir: “(...) [os ADCTs] trazem um conjunto de normas geralmente separado do corpo da constituição, como a nossa de 1946 e a vigente, com numeração própria dos artigos. Essa é a melhor técnica, porque se trata de regular e resolver problemas e situações de caráter transitório, geralmente ligados à passagem de uma ordem constitucional a outra. Tendo sido elaboradas e promulgadas pelo constituinte, revestem-se do mesmo valor jurídico da parte permanente da constituição. Mas seu caráter transitório indica que regulam situações individuais e específicas, de sorte que, uma vez aplicadas e esgotadas os interesses regulados, exaurem-se, perdendo a razão de ser, pelo desaparecimento do objeto cogitado, não tendo, pois mais aplicação no futuro.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 204-205). Semelhantemente, Carlos Antonio de Almeida Melo: “Em conclusão: I – os dispositivos contidos no ADCT configuram, tal qual as regras da parte permanente do texto constitucional, exercício do poder constituinte originário, consistindo em normas de transição e de adaptação, dispondo sobre a passagem da idéia de direito anterior para a nova ordem jurídica inaugurada pela

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ao conjunto de normas constitucionais, assim como os tratados internacionais aprovados na forma do §3º do art. 5º da Constituição e também às regulamentações presentes no texto das Emendas Constitucionais. Contudo, não pertencem formalmente à Constituição. A consequência direta dessa exclusão é que não há no ADCT divisão em Títulos, Capítulos e Seções, sendo um texto único e emaranhado de dispositivos constitucionais, impedindo uma análise temática sobre eles.

Além disso, a metodologia utilizada na contagem dos dispositivos e da restrição dos estudos à CRFB/1988 feita por Sganzerla (et al) permite a organização por “temas”. Ela se baseia na estrutura da Constituição de 1988 em três níveis: títulos contém capítulos que contém seções13. Todos os dispositivos da CRFB/1988 estão inseridos em algum título, mas não necessariamente em algum capítulo ou seção. Quando determinado título contém um ou mais capítulos ou quando um capítulo contém uma ou mais seções, cada uma delas é um tema. Logo, dado que cada dispositivo da Constituição só pode estar associado a um tema, independente da quantidade de ramificações existentes a partir do título, os temas podem ser compostos por apenas o título, a combinação de um título/capítulo ou de um título/capítulo/seção. Na CRFB/1988, há 74 temas14 formados pela composição de títulos, capítulos e seções da CRFB/1988. Por fim, apresentamos uma tabela comparativa entre as duas pesquisas com seus números quantitativos sobre os dispositivos constitucionais e também um pequeno glossário metodológico dos termos utilizados até aqui:

Tabela 01 – Resumo dados pesquisas sobre reformas constitucionais no Brasil

Arantes & Couto Sganzerla (et al)

Data 05/10/1988 a 31/12/2018

Medida (Dispositivos) Sentido completo Independente

Propostas de Emenda à Constituição (PEC) - 5.142

Propostas de Modificação (CRFB/1988) - 21.499

Propostas de Modificação (ADCT) - 2.300

Constituição, consistindo essa característica no fundamento de sua transitoriedade; (...) III – nas emendas constitucionais, os artigos próprios são de hierarquia paraconstitucional enquanto não perderem a eficácia, funcionando como normas de transição e adaptação do texto (...)” (MELO, Carlos Antonio de Almeida. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: proposta de um critério objetivo para o estabelecimento do referencial temporal implícito. Revista de Informação Legislativa, out./dez. 2001, v. 38, n. 152. p. 49-53. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/720>. Acesso em: 29.08.2020). Em face das disposições acima, nota-se que considerar os ADCTs como sinônimo de “Constituição” configura a tecnicidade, tendo em vista seu caráter paraconstitucional.

13 Importante assinalar que não foram consideradas, para efeitos de análise, as subseções.

14 SGANZERLA, Rogerio; VASCONCELLOS, Fábio; SCOVINO, Fernanda; CASTRO, Matheus. Op. Cit., 2018. p.

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Dispositivos 1988 (CRFB/1988) 1.627 1.74

Dispositivos 1988 (ADCT) 228 -

Total 1988 (CRFB/1988+ADCT) 1.855 -

Emendas Constitucionais (EC) 105 105

Modificações (CRFB/1988) ? 893 Modificações (ADCT) ? - Modificações (CRFB/1988+ADCT) 1.319 - Dispositivos 2018 (CRFB/1988) ? 2.148 Dispositivos 2018 (ADCT) ? - Total 2018 (CRFB/1988+ADCT) 2.670 -

Essa divergência metodológica (Constituição, dispositivos e modificação) afeta diretamente os resultados e as problematizações. Na base de tudo está a classificação do que é ou não dispositivo. Entende-se que o conceito de Arantes e Couto, ao exigir a presença do sentido completo, permite que um dispositivo seja contado duas ou mais vezes, seja como proposta de modificação, seja como modificação constitucional. Tomamos como exemplo a redação atual do § 1º do art. 61 da CRFB/1988:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

Admitir que um dispositivo possa ser formado pela soma de caput, parágrafos, alíneas e letras implica que o inciso II, do § 1º do art. 61 só possa ser considerado completo quando vier acompanhada da letra “a”, por exemplo. Nesse sentido, quando houver uma proposta ou modificação somente do inciso II, ela não poderá ser considerada. Isso também gerará um problema quando se modificar o texto normativo de ambos excluindo o inciso II e renomeando as demais letras. Como fica a contagem de dispositivos “pela metade”?

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Além disso, há um problema subjetivo em torno dessa classificação entre polity e policy. Para que determinado dispositivo constitucional seja classificado entre uma dessas opções, é entender os seguintes passos: 1) Identificar se o dispositivo está inserido nas hipóteses possíveis e predefinidas de polity15; 2) em caso negativo, o enquadramento como policy em estado puro depende de um vínculo com políticas públicas, na forma direta de ações governamentais, e também não possuir qualquer relacionamento com algum dos quatro tipos de polity16; 3) caso contrário, dispositivos que, embora relacionados aos quatro tipos de polity, possuam formulações específicas e controversas que acabam por afrontar os princípios da generalidade e neutralidade que se esperam das normas constitucionais, ganham a classificação de policy (não em estado puro)17.

Logo, as perguntas metodológicas não esclarecidas são as seguintes: é possível que um dispositivo constitucional (CRFB+ADCT) seja categorizado concomitantemente em polity e policy? Todo dispositivo constitucional precisa estar alocado em uma dessas classificações? Há casos claros nos quais dispositivos se enquadram como polity ou como polity, mas eles são maioria ou minoria?

Os questionamentos acima são importantes devido à zona de penumbra na classificação de diversos dispositivos que podem configurar como polity, mas, ao mesmo tempo, podem ser categorizados como policy (não em estado puro), haja vista que, apesar de estarem relacionados aos quatro tipos, possuem formulações específicas e controversas. Ou seja, o que difere a classificação de um dispositivo que se enquadra em um dos seus fatores? A sua especificidade e controvérsia? Ou o fato de ser ou não uma política pública?

Para além disso, entende-se que também há um problema teórico conceitual na sua definição. Partindo do pressuposto teórico adotado por Arantes e Couto, todo dispositivo da constitucional ou é polity ou é policy, ou seja, uma relação disjuntiva exclusiva na qual somente uma pode ser verdadeira, não ambas (também partindo da suposição, dado o não esclarecimento metodológico, que não é possível que ambos possam coexistir, ou seja, uma norma não pode ser polity e policy ao mesmo tempo). A indução realizada é que o primeiro enquadramento é no pertencimento ou não a quatro tipos de fatores que contemplam a polity. Contudo, é possível que, mesmo presentes, podem afrontar princípios de generalidade e neutralidade que se esperam das normas constitucional, sendo assim policy não em estado puro. Logo a grande exclusão não está na presença ou ausência de algum desses quatro fatores da polity, mas sim no vínculo direto de políticas públicas na forma de ações

15 Mais especificamente: (i) o Estado, a nação e a nacionalidade; (ii) direitos civis e políticos; (iii) regras do jogo

institucional, estruturas e procedimentos fundamentais do sistema político; (iv) direitos materiais orientados para o bem-estar. ARANTES, Rogério B.; COUTO, Cláudio G. Op. Cit., 2019, p. 21.

16 Ibidem, 2019, p. 23. 17 Ibidem, 2019, p. 23.

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governamentais (policy em estado puro). Quando este vínculo com políticas públicas está presente não há possibilidade de ser uma norma de polity.

Figura 01 - Diferença de enquadramento entre polity e policy

A partir dessa conclusão encontra-se um problema. Não é possível garantir de forma teórica e lógica, prévia e futura, que todos os dispositivos constitucionais ou contemplem um dos quatro fatores de polity ou veiculem políticas públicas na forma direta de ações governamentais (policy em estado puro). Na prática, também não é possível garantir que todo dispositivo ou contemple uma das quatro ordens de fatos da polity (i - Estado, nação e nacionalidade; ii - direitos civis e políticos; iii - regras do jogo institucional, estruturas e procedimentos fundamentais do sistema político e iv - direitos materiais orientados para o bem-estar) ou se enquadre na conceituação de “normas produzidas por governos com vistas à implementação de suas políticas”18, veiculando “preferências daqueles que conquistaram o poder de governar legitimamente e delas não se deve esperar neutralidade ou generalidade”19 (policy em estado puro).

Como exemplo desses problemas, podemos citar o artigo 37 da CRFB/1988 no qual possui algumas normas que podem ser enquadradas ao mesmo tempo como polity e policy. Já como um exemplo de dispositivo que não se aplica a nenhum dos dois conceitos está o § 2º do artigo 242 da CRFB/1988: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”.

Portanto, não é possível garantir que o universo de normas constitucionais passadas, presentes e futuras sempre estiveram/estejam/estarão abrangidas por uma dessas duas condições, tampouco, de forma prática, é possível garantir todas as normas constitucionais, com sentido completo ou não, podem ser enquadrados em um dos dois conceitos. Logo, o que seriam esses dispositivos? A consequência e implicações destas divergências metodológicas serão abordados no próximo capítulo.

18 Ibidem, 2019, p. 20. 19 Ibidem, 2019, p. 20. 4 tipos de fatores da polity afrontam generalidade e neutralidade

(policy não em estado puro)

veiculam políticas públicas na forma direta de ações governamentais

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3. IMPLICAÇÕES PARA O DEBATE SOBRE REFORMAS CONSTITUCIONAIS

Passado o comparativo metodológico em torno das metodologias das duas pesquisas, voltamos a atenção para a grande questão prática: de que forma elas impactam no estudo das reformas constitucionais?

Independentemente de erros e acertos, é possível citar outras pesquisas internacionais sobre este tema e, quase de forma unânime, busca-se uma forma de entender, mensurar e até prever a resistência de uma Constituição, ou seja, até quando ela resiste sem ser substituída por outra. Lutz (1995, 2006), Lijphart (2003), Lorenz (2005), Negretto (2008) e Elkins, Ginsburg e Melton (2009), na esfera internacional, bem como Arantes e Couto (2002, 2003, 2006, 2008, 2009, 2010, 2012, 2018) e Celina Souza (2008), na esfera nacional, foram nessa linha. Todos olham para apenas um lado, o de saída.

Por isso, em 2018, a pesquisa apresentada ainda no âmbito do projeto Congresso em Números da FGV Direito Rio se propunha a resgatar a essência dessas análises e também aprimorá-las com a adição de novos métodos e dados investigativos. O primeiro ponto de

inflexão resgata os indicadores que permitem monitorar a transformação de uma constituição.

● Taxa de Modificação: este indicador aborda a proporcionalidade entre o texto original e as suas modificações de forma a não desfigurar, ainda que de forma pontual e temática, aquilo que foi pensado pelo Constituinte Originário. É expresso pela razão entre a soma dos dispositivos modificados (alterados, criados e revogados) e os originais de 1988 cujo objetivo é identificar o peso as modificações no texto original. Há 14 temas que possuem taxa de modificação acima de 100%, ou seja, o número de dispositivos modificados (acrescidos, revogados ou alterados) foi igual ou superior aos originais. De certa forma, pode-se dizer que esses números representam um dissenso entre o Constituinte Originário e o Poder Reformador, seja alterando aquilo originalmente proposto, seja adicionando novas regulações a ele ou revogando completamente seu texto20.

● Taxa de reforma (M/tempo): média do número de modificações aprovadas por ano desde que a Constituição foi promulgada (Sganzerla, 2018).

○ Taxa de emendamento/Amendment rate (EC/tempo): Média do número de emendas aprovadas por ano (Lutz, 1995) ou mês (Arantes e Couto, 2018) desde que a Constituição foi promulgada.

● PM/PEC: média da quantidade de propostas de modificação em razão das propostas de emenda à Constituição para cada período específico (legislatura, ano, mês). Pode ser lido de forma individual (dispositivo) ou em conjunto (temas). O indicador mede a quantidade média de dispositivos presentes em cada PEC apresentada. Quanto mais perto de 1, menor a quantidade.

20 SGANZERLA, Rogerio; VASCONCELLOS, Fábio; SCOVINO, Fernanda; CASTRO, Matheus. Op. Cit., 2018. p.

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● M/EC: média da quantidade de modificações em razão das emendas à Constituição para cada período específico (legislatura, ano, mês). Pode ser lido de forma individual (dispositivo) ou em conjunto (temas). O indicador mede a quantidade média de dispositivos presentes em cada EC aprovada. Quanto mais perto de 1, menor a quantidade.

● Interesse: este indicador aborda o interesse do Congresso Nacional na alteração da Constituição, isto é, quanto mais PMs se acumularem em determinada seção, maior o interesse específico em determinados temas constitucionais21. É expresso a partir da razão entre as propostas de modificação e a quantidade de dispositivos originais em 1988 para cada tema. Uma média alta significa que, independente desse campo ser muito ou pouco extenso, há uma discrepância significativa entre a quantidade de propostas e a quantidade de dispositivos em um tema específico. Esse número significa o número de vezes de propostas existentes em razão dos dispositivos presentes naquele tema.

● Sucesso: esse indicador aborda o êxito nas tentativas de modificar a Constituição. É expresso a partir da razão entre a soma de dispositivos da CRFB/1988 alterados, criados e revogados. Com isso, identifica-se temas nos quais a quantidades de modificações aprovadas foi mais próxima das apresentadas por meio das PECs22. É expresso pela razão entre a quantidade de modificações (M) e a quantidade de propostas de modificação (PM). Quanto mais próximo esse percentual de 100% maior é a efetividade das tentativas.

● Expansão/Retração: esse indicador aborda o aumento ou diminuição do tamanho da Constituição para cada tema. Na forma original, é expresso na forma percentual por meio da razão entre a quantidade de dispositivos presentes em determinado momento do tempo e a quantidade de dispositivos originais em 1988. Na forma relativa, o que altera é que o denominador pode ser a quantidade de dispositivos presentes em qualquer momento no tempo23. Não há limite para este percentual, seja máximo ou mínimo.

O segundo ponto de inflexão aborda a terminologia e os conceitos utilizados, não só por Arantes e Couto, mas também nas diversas outras pesquisas nacionais e internacionais. Diversas pesquisas e análises a cada hora trazem mais termos e conceitos, muitas vezes em discordância com outros estudos prévios. O surgimento e a complexidade cada vez maior de variáveis pode nos desorientar no fim proposto em razão de diversas questões complexas que surgem.

À exceção dos demais, Arantes e Couto estudam a medida “dispositivo” enquanto os demais focam no seu instrumento “Emenda Constitucional”. Ou seja, até este momento, a fim de compreender como as Constituições resistem, entendeu-se que a melhor forma de investigar isso seria estudando as aprovações. A ideia geral é que as modificações na Constituição descaracterizam aquilo que foi originalmente promulgado (ou editado) e, assim, mesmo que necessárias, deve haver um meio termo entre reformas e estabilidade.

21 Ibidem, 2018. p. 55.

22 Ibidem, 2018. p. 50. 23 Ibidem, 2018. p. 62.

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A consequência direta do uso dessas terminologias, conceitos e indicadores reflete-se no terceiro ponto de inflexão: taxa de emendamento24. Tanto a metodologia de contagem dos dispositivos quanto a classificação política têm consequências diretas nas conclusões extraídas a partir do indicador utilizado em diversas pesquisas sobre reformas constitucionais. Como visto, na pesquisa de Arantes e Couto, utiliza-se a taxa de emendamento a fim de encontrar a proporção de emendas ou dispositivos por mês, ao invés (do convencional) número por ano.

Apesar de compreender a sua relevância, seja por mês ou ano, entende-se que não se pode, por si só, extrair muitas informações dessa taxa ou inferir conclusões sem maiores refinamentos, pois cada emenda constitucional pode ter um número diferente de dispositivos modificados, fazendo com que essa comparação nos induza a conclusões sobre este instrumento (emenda) e não sobre a modificação (dispositivo).

É por isso que a pesquisa de Sganzerla (et al) utiliza duas razões: PM/PEC e M/EC. Elas têm como objetivo indicar a quantidade média de dispositivos propostos à modificação ou modificados para cada período específico (legislatura, ano, mês). Quanto mais perto de 1 está a razão, menos dispositivos estão presentes em cada instrumento, ou seja, cada emenda conteria no mínimo um dispositivo. Quando maior a média, mais dispositivos estão sendo regulados em apenas uma proposta.

Essa diferença metodológica resulta em conclusões diversas das achadas por Arantes e Couto. Para eles, a uniformidade desta razão (emendas/mês) nos governos que sucederam a Revisão Constitucional (1994) segue a tendência crescente de dispositivos por mês. Porém, além da crítica levantada anteriormente (a discrepância de dispositivos contidos em cada emenda constitucional), há também a questão da medida utilizada para contagem (dispositivo das emendas e não da Constituição) e do próprio conceito de Constituição utilizado (leva-se em conta também a ADCT).

É importante frisar que as críticas aqui realizadas não sugerem que a metodologia de Arantes e Couto está “certa” ou “errada”, mas sim chegam a conclusões diversas e possuem limitações nas suas inferências. Diz-se isso, pois ao restringir a análise das emendas e dispositivos somente para a Constituição (e não para outras normas constitucionais, tais como a ADCT e tratados internacionais), percebemos que apesar do número de emendas aprovadas refletir uma linha de tendência ascendente, as modificações apresentam uma tendência decrescente. Esse fato fica mais evidente quando utilizamos a razão entre essas duas variáveis (emenda/dispositivos) para concluir que, desde os anos 2000, há uma forte tendência de queda tanto no número de aprovações de ECs, quanto nas modificações dos

24 Na definição original de Lutz, “amendment rate does not refer to the number of amendments a constitution has.

Rather it refers to the average number of amendments passed per year since the constitution came into effect”. (LUTZ, 1995, p. 243)

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dispositivos da Constituição e também no número de dispositivos regulados em cada emenda. Nesse sentido, é possível que a abrangência conceitual do “texto constitucional” e a utilização de variáveis mais genéricas em razão deste objeto indiquem um cenário diferente, pois, de fato, há uma limitação lógica e metodológica nas análises realizadas por Arantes e Couto.

Assim, entendemos que a taxa de emendamento (amendment rate), por si só, não é um bom indicador para monitorar (e não medir) as transformações de uma constituição e seus impactos. Por isso, acredita-se que, terminologicamente, a “taxa de reforma” encontra mais fidelidade com aquilo que se pretende analisar, ou seja, os dispositivos constitucionais (M/tempo). Entende-se que é difícil conceber a possibilidade de uma “taxa de emendamento” com capacidade de comparação entre 32 países olhando apenas o seu instrumento (EC), bem como ter um olhar apenas paras a aprovação.

Ao utilizarmos a organização por “temas”, podemos juntar diversos dispositivos em grupos e contá-los em cada uma dessas etapas. Isso permite elaborar indicadores de interesse, sucesso, modificação e expansão. Acredita-se que as consequências de um determinado padrão de comportamento não são captadas somente olhando para esses atos, mas também para seus antecedentes. Os indicadores são novas variáveis capazes de medir o contexto político histórico a ponto de encontrar limites razoáveis para a sobrevivência de uma Constituição. Ao encontrar aquilo que a faz adoecer (ou até morrer), podemos nos prevenir com previsões constitucionais mais ou menos rígidas para cada tema.

Por fim, chegamos ao quarto ponto de inflexão, resultado direto do primeiro (dispositivos), do segundo (terminologias) e do terceiro (taxa de emendamento): a resistência constitucional. Utiliza-se aqui o termo “resistência” em razão de uma pergunta simples: qual o objetivo final quando se analisam as reformas constitucionais? Entender o tempo, a sua flexibilidade ou compreender a sua força? Acredita-se que o foco esteja na terceira variável, pois é nela que se encontra o equilíbrio entre a permanência de valores essenciais e a mudança daquilo que é contingente dentro da realidade mutável. Por isso que se discorda de Noronha (2014, p. 05) ao utilizar o termo “durabilidade” como tradução direta para endurance25. Entende-se que, para significar o tempo, devem-se utilizar os termos “estabilidade” (stability) e “durabilidade” e, para a flexibilidade, o termo “rigidez” (rigidity). Tempo e flexibilidade, assim, são variáveis secundárias (ainda que extremamente importantes) dentro do objetivo final que é a compreensão da resistência de uma Constituição.

25 NORONHA, Lincoln Narcelio Thomaz. Em Direção a uma Teoria Geral de Emendamento Constitucional. 09º

Encontro Nacional da ABCP, 2014, p. 05. Disponível em: <https://cienciapolitica.org.br/eventos/9o-encontro-abcp/anais?page=18> ou <https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/direcao-teoria-geral-emendamento-constitucional-660.pdf>. Acesso em: 30.08.2020.

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● Resistência/Endurance (força): capacidade em não ser substituída por uma nova Constituição.

● Estabilidade/Durabilidade/Stability (tempo): durabilidade da constituição original. Nesta visão, a vida útil de uma constituição é o período de tempo que passa entre sua promulgação e sua substituição formal por outra constituição. Quanto mais uma constituição sobrevive sem ser substituída, mais estável ela é (Negretto, 2008, p. 2). ● Rigidez/Rigidity (flexibilidade): dificuldade para a reforma da Constituição. Quanto

mais requisitos se exigem para a modificação da Constituição (quórum, turnos, tempo, exceções), maior é sua rigidez.

Nesse sentido, revisitamos a pergunta original de Arantes e Couto: quanto mais cresce uma Constituição, mais tempo ela dura (Arantes e Couto, 2018, p. 46)? Propomos algumas variações em torno dessa questão: i) quanto mais se modifica (criação, alteração, revogação), maior sua durabilidade? ii) quanto mais se expande (criação menos revogação de dispositivos), maior durabilidade? iii) o tema modificado e sua expansão afetam a sua durabilidade? iv) há (qual o) limite para certos tipos de modificações em determinados temas que determinam a resistência máxima (morte) de uma Constituição?

Nota-se que o termo original utilizado (“crescer”) pode gerar duas análises distintas em torno de dispositivos criados e a expansão da Constituição. Além disso, a pergunta – realizada genericamente em torno de todo texto constitucional – permite resultados muito discrepantes ou até mesmo a sua infindável procura. Por isso, utilizar microdados (dispositivos) e micro análises (temas) é de extrema importância neste estudo.

Essa necessidade vai de encontro com outras perguntas e afirmações realizadas por Arantes e Couto no decorrer do trabalho. Vejamos:

i. Se uma Constituição nunca é reformada, corre o risco de se tornar desimportante ou de ser substituída integralmente por outra (2018, p. 47). E se partes de uma Constituição nunca tenham sido tocadas por reformas, enquanto outras tenham sido intensamente, o quanto isso afeta a sua resistência? ii. O excesso de reformas significa que a policy se desconfigurou e talvez o

melhor seja substituir a Constituição por outra completamente nova (2018, p. 47). Segundo o estudo, 92% (720) dos dispositivos presentes nas emendas eram de policy e tinham como objetivo acrescer, enquanto 8% (64) revogar. Nesse sentido, grande parte do que foi reformado foi para aumentar, não retirar, políticas públicas. Da conclusão principal, algumas perguntas: por que a expansão de proteção constitucional a políticas públicas desconfiguraria a Constituição de 1988? Partindo do princípio que foi desconfigurada, não seria mais fácil retirá-las (dado que são policy ao invés de matar toda a Constituição)? Supondo que o problema não estivesse no acréscimo, mas na

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revogação, o que fazem desses 8% tão importantes a ponto de desconfigurar a Constituição?

iii. No caso brasileiro, verificamos que o emendamento constitucional teria ultrapassado o limite do razoável identificado por Elkins (et al) de modo que, por esse indicador, a Constituição de 1988 estaria condenada a morrer em breve (2018, p. 47). Há um limite? Qual? Supondo que ele exista e seja factível, o emendamento geral da Constituição (número de emendas constitucionais) seria suficiente para decretar sua morte ou alterar partes específicas (temas) de forma substancial (extensão) levaria a tal ponto? Também é possível que a morte não esteja ligada nem a temas, nem à quantidade de emendas aprovadas, nem à quantidade ou tipo de modificações realidades (criações, revogações ou alterações), mas sim à qualidade (conteúdo) dessas modificações. Mais ainda, é possível que a sua morte não esteja ligada a apenas um desses fatores, mas na conjunção de alguns ou de todos eles, ou seja, o que (conteúdo), quanto (extensão), onde (temas) e de que forma (tipo de modificação) as reformas constitucionais modificam a Constituição.

iv. O excesso de emendamento não desfigurou a polity democrática instituída em 1988 e seguimos praticando o jogo democrático de competição e exercício do poder político basicamente sob as mesmas regras há trinta anos (2018, p. 47). Somente 20% aproximadamente (incongruência nos dados) focaram na modificação da polity constitucional, mas isso é suficiente para manter o jogo democrático? E se os 33 dispositivos retirados ou os 192 acrescidos afetassem significativamente os procedimentos de debate? Novamente, ainda que estejamos praticando o jogo democrático, o número emendas constitucionais aprovadas e a quantidade de reformas a menor na polity foram a razão significativa para isso? É possível que o número alto de reformas na polity tenha afetado temas, tipos de modificação e conteúdos específicos, não se atendo somente à questão da extensão (quantidade) a razão da sua manutenção. Ainda assim, trata-se de uma sentença/conclusão verdadeira e suas insuficiências não invalidam seu argumento.

Por tudo isso, acredita-se que é possível avançar muito nos estudos de reformas constitucionais a partir das perguntas realizadas por Arantes e Couto e também pelos aprimoramentos metodológicos sugeridos e detalhados no decorrer deste texto. As principais inflexões estão em três pontos fundamentais desse processo: dispositivos, taxa de emendamento e resistência constitucional. Cada etapa afeta a seguinte, razão pela qual o estudo da sua metodologia é de extrema importância.

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As questões trazidas neste capítulo não visam questionar a validade do estudo de Arantes e Couto, mas sim seus objetivos. Tendo em vista os conceitos, termos e indicadores utilizados, as implicações nos estudos sobre reformas constitucionais podem ficar restritas à Ciência Política e a conclusões genéricas sobre a resistência de durabilidade da Constituição de 1988. Além de trazer novos questionamentos, pretendemos responder os anteriores, trazendo novas hipóteses e resultados mais específicos sobre o objeto.

4. CONCLUSÕES

Para este trabalho, propusemo-nos apenas a fazer uma análise metodológica dessas duas pesquisas e suas implicações para o Direito e Ciência Política. Os próximos trabalhos, já no âmbito do Centro de Estudos sobre Reformas Constitucionais (CERC), analisarão hipóteses e investigações com esses indicadores em torno da resistência constitucional, não só da Constituição do Brasil de 1988, como também na Constituição dos Estados Unidos de 1776. Além disso, o projeto também vai expandir suas análises para emendas, pareceres, etc., ou seja, o terceiro eixo (processo) a fim de complementar os dois atuais (entrada e aprovação) nos estudos das reformas constitucionais. Isso permitirá uma compreensão maior do grande quadro que é o processo legislativo brasileiro (e também de outros países) com uma análise pormenorizada da sua porta de entrada (apresentação), porta de saída (aprovação) e seu movimento (processo).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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