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A HISTORIOGRAFIA MILITANTE DE EVERARDO DIAS: REFLEXÕES SOBRE A MEMÓRIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO Patrícia Sposito Mechi

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A HISTORIOGRAFIA MILITANTE DE EVERARDO DIAS: REFLEXÕES SOBRE A MEMÓRIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO

Patrícia Sposito Mechi

Lutar? Por que, para que? Sempre tem porque e para que lutar os que fazem da vida uma afirmação e colocam o porvir do homem na Terra Everardo Dias

A epígrafe acima foi retirada de um texto que, pelo título, indica a complexidade da produção e da atuação militante de Everardo Dias: A Loja Ordem e Progresso e Everardo Dias, maçom e líder operário e libertário. Não se trata de um texto acadêmico, mas sim um texto produzido pelo maçom José Castellani, disponível em um site da internet mantido pela maçonaria1.

Dias dá nome ao Centro de Estudos Everardo Dias, que editou, a partir de 1978 a revista Cara a Cara, importante periódico de discussão sobre o movimento operário, que surgiu nos estertores da ditadura militar, na esteira dos movimentos sociais e sindicais do final dos anos 70; Everardo Dias também é nome de Loja Maçônica, a Loja Simbólica Everardo Dias, fundada na cidade de São Paulo no ano de 1966, mesmo de sua morte, aos 83 anos. O militante é lembrado quando de trata de discutir a fundação do PCB, ou quando se faz referências ao anarquismo do início do século XX; também é referência fundamental quando se discute a Greve Geral de 1917, em que ele aparece como um de seus principais articuladores, autor do famoso manifesto aos marinheiros.

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O texto a que nos referimos pode ser encontrado na página da internet

www.lojaordemeprogresso.com.br/hist_everardo.html, contendo também outras referências sobre Everardo Dias.

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Ainda está por ser feito um estudo profundo sobre a atuação de Everardo Dias que dê conta de compreender sua complexa trajetória, suas inflexões teóricas frente às diversas matrizes que o influenciavam, além de seu papel na organização e na reflexão interna do movimento operário brasileiro.

De modo a contribuir com o tema, trabalharemos aqui com aquela que talvez seja a sua mais importante colaboração nos meios acadêmicos para o estudo do movimento operário: o livro História das Lutas Sociais no Brasil, referência obrigatória em estudos sobre as lutas sociais no Brasil até, pelos menos, a primeira metade do século XX. Não temos nem de longe a pretensão de esgotar o texto, tampouco de fazer uma análise exaustiva das inúmeras questões que o autor discute. Pretendemos apenas apresentar alguns aspectos, a nosso ver, representativos da obra como fonte para os estudos tanto dos comunistas nos anos 60, já que Everardo Dias era, no momento em que escreveu o livro, militante do PCB, e também apontar para uma reflexão sobre a obra como fonte de estudos sobre o movimento operário no início do século XX, que pode ser lida como depoimento do autor, participante destacado em diversos episódios muito caros à memória de partidos e organizações do movimento operário.

Procuramos apontar neste texto uma possibilidade de trabalho com as temporalidades que perpassam a obra, articulado a um conceito de memória que não é uma construção do autor externa à obra, imputada pelo pesquisador; ou seja, procuramos pensar como a memória do movimento operário na obra de Everardo Dias é em si, também história.

O livro de Everardo Dias é citado de maneira recorrente na historiografia do movimento operário, uma historiografia que tem apresentado inúmeros estudos, particularmente a partir do final dos anos 70, com a emergência do novo sindicalismo no Brasil e do ressurgimento dos movimentos populares organizados. Acompanhando o

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movimento das pesquisas que trabalham os séculos XIX e XX e que pode ser agrupada, para fins desta reflexão, como uma “historiografia da modernidade brasileira”, o tema do movimento operário também passou a apresentar novas dimensões, novos objetos e novas problematizações. Essa ampliação do campo e das abordagens nem sempre está preocupada em responder questões e dilemas internos ao próprio movimento operário, característica marcante nos trabalhos anteriores à década de 80. Penso ser precipitado falar em fim da hegemonia das organizações e partidos “de esquerda” sobre a sua própria história, mas de qualquer forma a esquerda não é a única a falar de si mesma.

As novas conformações historiográficas contemporâneas, que deslocam o campo da história da ciência para as franjas da ficção, questionam seu estatuto de cientificidade e, consequentemente apontam para uma falta de objetividade intrínseca ao fazer historiográfico, numa tentativa de desmontar as possibilidades de projetos coletivos e de horizontes utópicos como motivações dos historiadores, convivem com alternativas historiográficas que procuram apontar caminhos diferentes.

As perspectivas marxistas da historiografia contemporânea tem se destacado no interior dessas discussões. Depois de pelo menos duas décadas de ataques à matriz estalinista que era identificada como o marxismo pelos seus críticos, e de reflexões produzidas pelos próprios historiadores marxistas é possível pensar numa historiografia que trabalha na perspectiva da possibilidade da transformação, tem a verdade como um valor, mas que reconhece sua transitoriedade, sua relatividade e seu papel no interior de uma sociedade de classes. É uma historiografia sem dúvida vigorosa e que ainda traz categorias que não perderam sua função explicativa da sociedade, cuja centralidade ainda está na luta de classes.

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É a partir da constatação da vitalidade dessa historiografia que pensamos em recuperar a obra de Everardo Dias que, dentre as múltiplas possibilidades de interpretação imanentes à obra, destacamos a interseção de diversas temporalidades que correspondem à momentos fundamentais na constituição do movimento operário, sempre pensado a partir do lugar que ocupa e da função social que realiza.

Ao discutir a obra, estamos lidando com duas temporalidades: a primeira delas, a do presente, e externa à obra, em que aparece como preocupação dos historiadores dedicados à história da esquerda, compreender quais os elementos fundantes de seu projeto, quais matrizes teóricas o conformavam, em que medida esse projeto se remetia e correspondia à realidade brasileira e finalmente, porque o projeto não logrou êxito em momentos aparentemente favoráveis à mudanças.

Hoje, com setores da esquerda que abandonaram a perspectiva de um projeto revolucionário e que participam do poder, ocupando postos de destaque na burocracia, aliando-se às forças conservadoras e caracterizada pelos remendos que faz ao capitalismo sem apresentar um horizonte de sua superação, as questões que movem os historiadores incidem justamente sobre a compreensão do projeto da esquerda em outros momentos, num movimento que inclui compreender em quê a esquerda “falhou” e, na mesma medida, em que mudou para sair vitoriosa contemporaneamente. Procurar compreender a incapacidade dessa esquerda em projetar transformações profundas e essenciais na sociedade brasileira e ao mesmo tempo uma grande capacidade de acomodação, via a criação de vínculos subordinados com os segmentos sociais conservadores, tem estado entre as preocupações desses historiadores.

Outra temporalidade é a do próprio texto de Everardo Dias. História das Lutas Sociais no Brasil foi escrito em 1961, um momento de efervescência do movimento operário, de grande ascensão das lutas

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sociais de trabalhadores urbanos e rurais. Segundo Jacob Gorender, o início dos anos 60 "marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros", com a ascensão dos movimentos de massa, das lutas sindicais, greves, e, conforme apontava Florestan Fernandes tratava-se da ascensão de um movimento em que provocava, nas forças conservadoras, estratégias em que se procurava

impedir a transição de uma democracia restrita para uma democracia de participação ampliada que ameaçava o início da consolidação de um regime democrático-burguês, no qual vários setores das classes

trabalhadoras (mesmo de massas populares mais ou menos

marginalizadas, no campo e na cidade) contavam com crescente espaço político

Uma situação, na avaliação de Gorender, pré-revolucionária, de grande ascensão lutas sociais e que apontavam para a ampliação da participação democrática de setores que até então não haviam conseguido espaço na vida política, econômica e social do país e que sofreria posteriormente o golpe civil-militar.

É no bojo de avanço das lutas sociais e de “convocação” do PCB para a direção do movimento que Dias escreve. O militante inicia o texto indicando a data da escrita de sua Introdução: Estamos escrevendo essas linhas no 1.º de maio de 1961 e, imediatamente se remete ao passado, descrevendo a atmosfera da militância no início do século, destacando a importância da atuação dos militantes ao incutir no ânimo dos trabalhadores o princípio elementar da solidariedade, da união e da unidade proletária (DIAS, Everardo, 1961:18); o autor atribui importância também às atividades de propaganda através de jornais, folhetos, comemorações, conferências, festivais, conhecidas estratégias anarquistas de atividade educativa e de elevação da consciência dos trabalhadores.

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O texto de Everardo Dias discute também as dificuldades de organização, particularmente sindical, pois segundo ele os sindicatos tinham vida muito precária, expostos constantemente ao fechamento arbitrário, à visitas policiais, à prisão de seus membros mais destacados, à remoção de seus móveis e livros para serem destruídos como planta perigosa e amaldiçoada. (DIAS, Everardo, 1961:.20)

Da mesma forma o autor aponta para a repressão dos grupos dominantes – uma constante na historiografia do movimento operário -

afirmando que os cárceres policiais sempre estiveram cheios de trabalhadores, passando por terríveis padecimentos, martirizados sem qualquer espírito de respeito pelo ser humano, expulsos do País ou então mandados para lugares onde a morte os esperava irremissivelmente, deixando a família ao desamparo (DIAS, Everardo, 1962: 21)

Destacamos esses elementos (o primeiro de maio, os sindicatos, a repressão e a elevação do nível de consciência das massas) pela presença constante que esses temas – destacados já na Introdução, terão em toda a obra e pela importância que tem para responder questões do momento em que Dias escreve. Aqui, abordaremos apenas o primeiro de maio,

O Primeiro de Maio que aparece logo de início, como momento da escrita do texto, novamente aparece problematizado quando o autor está discutindo o caminho para a superação do atraso brasileiro, se remetendo a um dos famosos pronunciamentos de Vargas à nação: Achamo-nos numa encruzilhada, onde teremos que escolher entre dois caminhos: o da reforma social voluntária e consciente ou a violência que nada constrói.(DIAS, Everardo, 1962:21)

O recurso a essa fala de Vargas, tem diversos significados: Everardo Dias, militante do PCB, expressa a visão do partido da via

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pacífica para o socialismo, tática adotada em 1958 após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e que modificava o tipo de intervenção social a ser feita pelos Partidos Comunistas do mundo todo; expressa também, naquele início da década de 60, os vínculos que se estabelecem entrem os comunistas e os trabalhistas.

A subentendida via pacífica ganha contornos mais importantes quando levamos em consideração que Dias critica a violência, pensando especificamente na violência dos anarquistas no início do século. Os anarquistas são alvos de duras críticas do autor, por exemplo, a respeito da estratégia dos libertários em utilizar as greves não como uma ação voltada à conquista de melhorias no interior do sistema capitalista, e sim como um instrumento de tomada do poder; as greves eram entendidas como o início e o fim das lutas sociais.

Ninguém, que não alimente sonhos como realidades, terá a fantasia de sustentar hoje a teoria do golpe de Estado, ou a tomada do poder mediante uma greve geral revolucionária, antes tão preconizada e que encheu o cérebro de tantas coletividades, e que fazia parte das pregações de não poucos teóricos anarquistas, coletivistas, comunistas (DIAS, Everardo, 1962:.22)

As debilidades da organização operária no início do século são identificadas, pelo autor, como a ausência de um operariado volumoso, com longa trajetória de luta, já que o proletariado brasileiro

não existia, a não ser nas roças, e era incapaz de se submeter a horário regrado e apitos e exigindo certo aprendizado. (p.18) Por outro lado a presença de estrangeiros também contribuía para as dificuldades das primeiras organizações operárias, já que esse elemento era instável, discordante, ambicioso dissidente. Ainda não tinha sido aglutinado, absorvido, não era ainda o ‘ povo brasileiro’ de nossos dias (DIAS, Everardo, 1962:. 19)

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Outra referência significativa ao primeiro de maio é a polêmica que o autor trava com Rodrigo Duque Estrada, a respeito do marco fundacional do movimento operário brasileiro. Duque Estrada publicou um artigo na Revista Brasiliense, no ano de 1958, intitulado “Primeiras Idéias Socialistas no Brasil” e Dias produz um capítulo, no História das Lutas Sociais no Brasil , de mesmo nome, como resposta. No artigo de Duque Estrada, segundo Dias, o autor apresenta um marco fundacional do movimento operário que não corresponderia a realidade.

Dias apresenta nesse capítulo, assim como ao longo de sua obra, a idéia de que o marco de fundação do movimento operário organizado no Brasil é a fundação do PCB. O autor, inspirado nas teses leninistas da necessidade de um partido de vanguarda, só identifica como válido o marco de nascimento do movimento operário, aquele que se refere ao da fundação daquele que era, no seu entendimento, o partido de vanguarda.

Não é nossa intenção enveredar pela crítica interna à idéia de partido de vanguarda ou então trilhar a idéia da invenção de uma memória pelo partido. Não estamos pensando na memória como construção arbitrária, numa invenção intencional de um mito fundador. Pensamos que Dias, ao definir como divisor de águas o nascimento do PCB opera a partir de um campo de referenciais teóricos, de questões e dilemas que indicam uma dada compreensão da história, em que as expressões da luta de classes, compreendidas em seu sentido amplo, são tomadas como explicativas da sociedade, e é a partir dessa concepção que Dias apresenta a fundação do PCB.

Em síntese, Dias não constrói uma memória a respeito da fundação do movimento operário; ele apresenta essa memória, que é também história, a partir da imanência do próprio movimento operário, no interior do qual ele se coloca como intérprete. Isso significa dizer

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que Everardo Dias, escreve a história de do movimento operário a partir de vínculos profundos com a compreensão que tinha da década de 60, e fazia da sua atividade intelectual uma ação voltada para a emancipação social, dando uma consistência prática a seus escritos historiográficos.

Não pretendemos discutir a produção de Everardo Dias a partir da crítica a seu método, empreitada que não seria comportada pelos limites deste trabalho. O que pretendemos é apenas apontar, pensando nessa segunda temporalidade da obra, para alguns dos aspectos que o autor procura historicizar e, a partir deles, extrair elementos para a compreensão da conformação das lutas sociais em que está imerso o Brasil no início dos anos 60.

Isso nos leva a uma consideração fundamental. A de que a historiografia de Everardo Dias não como construção da memória, mas sim como uma memória, que é histórica, percebida a partir de sua vinculação às lutas sociais do presente; não havendo nesse sentido, nada de arbitrário ou deliberado, e sim uma dada percepção do passado, determinada pela visão, por que não dizer – de classe - o autor carrega.

As temporalidades apresentadas são externas ao texto de Dias. Pelos limites do texto, não é possível discutir a temporalidade sobre a qual o autor dedicou os seus estudos mas que é, a nosso ver, essencial para a compreensão da obra em todo o seu potencial para a reflexão sobre a história dos trabalhadores do Brasil. Isso implicaria no debate metodológico, cuja inviabilidade da discussão aqui, complexidade já apontamos anteriormente.

As perspectivas apresentadas são iniciais, incipientes e que carecem de aprofundamento. São, contudo, possibilidades de análise que podem ser consideradas como fios condutor para pensar a produção tão importante de Everardo Dias.

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Referências Bibliográficas

DIAS, Everardo. História das Lutas Sociais no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1962.

FERNANDES, F. Brasil, em compasso de espera, São Paulo: Hucitec, 1980. CARONE, Edgard. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: DIFEL, 1984.

GORENDER, Jacob - Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo, Ática, 1987.

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