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A abordagem acerca da conquista e colonização do território brasileiro nos livros didáticos de História: Brasil, uma terra de ninguém?

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Academic year: 2021

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didáticos de História: Brasil, uma terra de ninguém?

LUCAS ALMEIDA FIGUEIREDO RIBEIRO

Resumo

Esse estudo propõe analisar a forma de como o processo da conquista e colonização do Brasil tem sido abordado nos livros didáticos de História. É um tema que deve ser visitado, na medida em que possibilita uma análise crítica sobre as formas de circulação do conhecimento histórico acerca desses aspectos. Atualmente trabalhos e pesquisas acadêmicas relacionados com esse tema vêm ganhando enorme importância e espaço nos debates decoloniais e coloniais, ainda assim acaba sendo limitado ao meio acadêmico. Ainda hoje, a compreensão que a sociedade brasileira tem a respeito da presença indígena no contexto colonial, bem como da complexidade das relações que envolveram essas populações no processo de colonização é bastante defasada e centrada na ideia de que os indígenas foram meros coadjuvantes, comportando-se de forma passiva diante dos colonizadores, resultando dessa postura, o total extermínio dessas populações durante a colonização. A falta de informações adequadas sobre essas questões é reforçada no ensino da História, especialmente por meio dos livros didáticos, pela política educacional em si e pelo despreparo que muitos professores ainda têm para tratar dos temas relativos aos povos indígenas, dada a deficiência na formação desses profissionais, já que a invisibilidade dessas questões compôs e compõem ainda boa parte dos currículos dos cursos de História. Outro aspecto a ser observado é o entendimento de que a compreensão acerca das questões referidas ainda é fruto de uma perspectiva colonial dominante que prevalece nas demais esferas educacionais e dificulta a propagação e o aprendizado sobre essas populações, cujas abordagens sempre foram feitas na perspectiva evolucionista centrada na suposta inferioridade delas. Portanto, o presente trabalho tem o objetivo de debater a abordagem do processo de conquista e colonização do território brasileiro, dando visibilidade a presença indígena que constituía o território quando da chegada do europeu, apontando a complexidade das relações estabelecidas nesse processo em contraponto com a simplificação oferecida pelo livro didático. O principal objetivo é contestar a visão de espaços desprovidos da presença indígena, apresentando a terra Brasilis maciçamente habitada antes e durante a chegada dos portugueses, criticando e dialogando com o modo como esse assunto é apresentado nos livros didáticos que serão utilizados nessa discussão. Para essas análises serão utilizadas as seguintes referências: Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil, A temática indígena no livro didático, os indígenas nos livros didáticos: uma abordagem crítica, Povos indígenas e história do Brasil: invisibilidade, silenciamento, violência e preconceito, 1499 o Brasil antes de

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Cabral e América latina e o giro decolonial. Em relação aos livros didáticos usaremos: História Global, Brasil e Geral 2; e História da Civilização ocidental 2. 1

Palavras-chave: Povos Indígenas, conquista, colonização, livro didático e conhecimento histórico.

1. INTRODUÇÃO

Estimasse que no ano de 1500 no território que hoje é o Brasil, havia cerca de 8 milhões de habitantes e cerca de 1300 línguas faladas por todo o território. Talvez um dado bastante assustador e quase não conhecido pela maioria pela maioria da população brasileira, inclusive aqueles que ainda se encontram nas salas de aula. O mais perigoso disso tudo não é o fato de terem habitado cerca de 1300 línguas diferentes no Brasil, mas sim a ideia de que o território brasileiro era um grande “pedaço de terra com um pingo de índio dentro” ainda seja aceita como verdade absoluta, negando a complexidade social e cultural existente aqui no Brasil. Desde cedo somos acostumados com a ideia romântica de que após o dia 22 de abril de 1500, tudo ficou melhor e o “Brasil passou a ser Brasil”, apenas devido à presença portuguesa sem que houvesse nenhuma interferência indígena nesse processo de formação do país. O fato é que devido essa dominância portuguesa sempre estar em ascensão, possibilitou diversos avanços, porem a maioria desse progresso foi nocivo a terra “brasilis” e a toda população indígena que aqui habitava.

Desse modo, com o surgimento dessa colônia e com a formação da nova sociedade brasileira ainda impera essa mentalidade colonizadora que nega a pluralidade territorial indígena, qual possui extrema importância na construção da identidade brasileira e da compreensão do território brasileiro. A partir da fundamentalização dessa ideia colonial, o passado e toda a história pré 1500 passa a ser apagada, mesmo que haja uma produção acadêmica pautada nisso e inúmeras descobertas sobre tal período, não é algo de conhecimento de todos. Para facilitar essa compreensão, Dora Shellard em Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil cita o seguinte quadro elaborado por Capistrano de Abreu (1924) e depois aprimorada por Caio Prado Júnior (1942):

a imagem que temos do Brasil no século XVI é que este possuía pequenos espaços, núcleos com fazendas e vilas formados pela população colonial, pequenos enclaves ambientais e paisagísticos transplantados para o litoral de um continente virgem, embora se saiba que os índios também estavam ali. (DORA, 2006)

A partir da análise acima, podemos dizer que a temática abordada acaba reforçando essa ideia de terra vasta, isso já em 1942, quando inúmeras descobertas já foram feitas, porem tal mentalidade permanece e é a partir dai que observamos que essa visão acaba compondo parte da estrutura social brasileira, que só é compreendida como, só após o início da colonização,

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datada em meados de 1530. Ainda trabalhando com o ponto de vista colonial de forma crítica e que será abordado mais a frente nesse trabalho, é de como o dia 22 de Abril de 1500 é retratado nos livros didáticos como um dia belo e poético, retratado no quadro a seguir: 2

Oscar Pereira, 1922.

Essa representação da chegada dos colonizadores limitada a obras idealizadas ignora todo o processo de chegada e primeiro contato, anulando o fato de que centenas de povos indígenas foram dizimados nesse primeiro momento de colonização com os novos habitantes. A crítica feita aqui não é pela obra em si, mas sim o fato de não haver uma explicação problemática em cima disso e por consequência haver uma enorme romantização. Usando o artigo de Rosa Maria de Carvalho, A temática indígena no livro didático, como referência para tal explicação, é possível compreender o modo como o indígena e suas relações são tratados, de forma que eles são isolados e tidos como extintos. Talvez essa perspectiva didática tenha tido papel fundamental para formar o pensamento que temos hoje, a respeito dos povos indígenas, práticas como: dia do índio, fantasia, uso de cocar e demais artigos como algo engraçado, fortalecem o romantismo e ainda mais o isolamento, marcando como uma cultura única e distante da nossa. Quando abordo o processo de colonização do Brasil e sua representação nos livros didáticos, quero além de tratar essa temática discutir também o povoamento indígena, sua relação com a terra brasilis, a dimensão territorial e suas línguas, não limitar, mas trazer dados simples que mostram a quantidade de tribos e etnias que habitavam nossa terra. Compreender esse processo é primordial para ter a uma noção próxima de terra povoada e não se prender aos relatos de Pero Vaz de Caminha, qual dizia que havia apenas um punhado de índios no território brasileiro. Além do mais, criticar esse debate no processo didático é também trazer para os dias atuais e explicar as motivações de ainda haver discursos territoriais, além de também sinalizar a importância disso, quebrando a ideia de que “índio é coisa do passado”.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. OS LIVROS DIDÁTICOS EM CONTRAPONTO

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Como já foi abordado, esse trabalho parte das inquietações obtidas a partir das leituras dos livros didáticos que serão analisados aqui. É comum sempre que abrimos os livros, nos depararmos com as mesmas informações referente a temática indígena, algumas com dados ultrapassados, outras românticas demais para serem utilizadas. Um aspecto bastante presente, é que na maioria desses livros a visão do colonizador é sempre tida como ideia central de um debate, e a perspectiva indígena é sempre colocada numa posição de subordinação, o que de fato nega uma construção histórica pautada na luta de resistência indígena e que inclusive é evidente ainda hoje.

No entanto a maior parte dessas lutas existentes se concentram na questão territorial, problemática que dura mais de quinhentos anos, na busca de um dia haver uma divisão de terras democrática e justa. Em diálogo com título desse trabalho, voltamos a questão da representação territorial, tendo em vista de que seja um das principais problemáticas a ser revista nos livros didáticos e no contexto social em si. A projeção criada em cima da crença de um “Brasil de ninguém” é comumente reproduzida pela população brasileira em si, claramente percebemos um tom altamente eurocêntrico nessa fala, no sentido de reforçar a necessidade que o Brasil tinha de ser colonizado.

O silenciamento de uma complexidade territorial existente nesse Brasil do primeiro século de colonização, é fruto justamente de uma cultura colonial que tem a necessidade de trazer aspectos indígenas apenas distantes de uma sociedade “comum”. Grande parte da produção encontrada a respeito de um território povoado e complexo, são de cronistas e viajantes, que vieram ao Brasil com intuito de retratar, catalogar e representar essa vastidão territorial por meio dos relatos de viagem, como foi o caso de Hans Staden, aventureiro natural da Prússia que viajou cerca de sete anos pelo Brasil e nos ultimo nove meses foi prisioneiro de um grupo Tupinambá. Hans iniciou sua viagem em 1547, portanto se trata de uma experiencia feita nesse primeiro contato da colonização portuguesa. A respeito dessa imagem do território do Brasil colônia Dora Shellard Correa em um texto para a Revista Brasileira de História faz o seguinte comentário “A paisagem construída pelos índios, é omitida nessa memória já consolidada na historiografia brasileira”. (SHELLARD, 2006). No entanto a análise de Dora se refere a concepção de Capistrano de Abreu a respeito da paisagem brasileira, que em seguida afirma que “os índios eram racialmente inferiores aos europeus e não chegaram a ter influência na formação do Brasil”. O que chama atenção é que essa concepção exposta por Capistrano de Abreu foi feita no século XX em suas produções historiográficas.

Partindo para a composição do conteúdo dos livros didáticos acerca do tema aqui abordado, utilizaremos duas obras utilizadas no ensino médio, tal no ensino público tal no ensino particular, visto que ambas se encontram e desencontram em diversos sentidos, principalmente na representação da composição indígena do território brasileiro no início da colonização portuguesa. No primeiro livro analisado, História Global 2 de Gilberto Cotrim, é perceptível a preocupação do autor retratar os objetivos financeiros da coroa portuguesa e seu interesse no Brasil. Nesse material, no capítulo selecionado para essa discussão intitulado o “início da colonização”, existe apenas um tópico referente ao papel dos povos indígenas nesse processo de colonização do Brasil. O fato é que além de só existir um único tópico, ele acaba sendo muito

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defasado e relata apenas a condição de exploração em que o indígena se encontra nesse período relatado. Na primeira página desse capítulo, há uma menção ao indígena apenas para se referir a denominação do Pau-Brasil.

O tópico citado acima aparece no livro denominado de “Trabalho indígena”, ou seja, o único tópico referente aos indígenas no início da colonização, remetem apenas a condição de servidão. O trabalho indígena mencionado no livro se trata da extração do Pau Brasil, muito provavelmente no litoral da terra brasilis, onde havia a derrubada, o corte e o carregamento dessa madeira até as feitorias, sou seja o trabalho era totalmente manual e derivado da força de trabalho indígena, desde a derrubada até o carregamento do material as feitorias. No entanto, há um silenciamento de uma possível resistência desse processo, relatado como se essa relação fosse obtida a partir de uma relação amigável e sem conflitos. É que o retratado na seguinte parte:

Esse trabalho era conseguido de forma amigável, por meio do

escambo. Em troca de uma série de objetos (como pedaços de

tecido, anzóis, espelhos e, às vezes, facas e canivetes), os indígenas eram aliciados a derrubar as árvores com os machados fornecidos pelos europeus. (COTRIM, 2013)

É importante ressaltar que se trata de um livro adotado pelas escolas públicas da Bahia, o que representa um outro problema, pois por se tratar de um material didático do ensino público ele por conseguinte deveria estar completo e com uma perspectiva de valorização da temática indígena, visto que o ensino público ainda se encontra defasado e que boa parte dos alunos que o compõe não possui acesso a outras possibilidades de material de apoio, o que acaba deixando o aluno preso apenas aos livros didáticos. Desse modo a concepção criada pela sociedade a respeito dessa relação “amigável” de trabalho consiste em tratar o indígena como “burro” e “preguiçoso”, pois trocaram nossas terras por “espelho e bijouteria”. No entanto em outros momentos da história do Brasil o indígena é afastado pela historiografia desse processo de construção da nação visto que o trabalho dos povos indígenas foi substituído pelo trabalho escravo dos povos africanos, pois os indígenas eram “preguiçosos”. Entretanto no artigo elaborado por Fernando Gaudereto, Gabriel Braga, Natasha Mayrink, para a revista caderno de estudos, é posta a seguinte discussão a respeito da criação de um ideal imaginário sobre o trabalho indígena:

Essa forma de entender trabalho é fruto de uma perspectiva ideológica que tenta neutralizar as questões que perpassam o trabalho em nossa sociedade. (FARIA,1984:20) Em outras palavras, ainda prevalece uma visão histórica acerca do trabalho, ou seja, uma percepção de que a forma de trabalho vigente atualmente sob a lógica capitalista sempre existiu e de que todas as demais formas que não se enquadram dentro dos limites estreitos propostos pela visão dominante são “primitivas”e/ou “equivocadas”(POSTONE, 2014).

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Portanto a criação de um ideal de trabalho, é fruto de formação histórica a partir de uma mentalidade eurocêntrica, refletida também no pensamento colonial julgando qualquer sociedade e sua importância a partir da quantidade de trabalho que ela exerce. No entanto a criação de um ideal imaginário a respeito do trabalho indígena se trata de um pensamento altamente xenofóbico, que considera apenas o padrão de trabalho europeu como modelo a ser seguido, em virtude disso qualquer outra forma ou modelo de trabalho, é vista como “coisa de preguiçoso”, concepção então formada a respeito do modo de vida indígena.

De volta a análise dos conteúdos dos livros didáticos, utilizaremos o material “História da Civilização Ocidental’ de Antônio Pedro Lizânias, para dar seguimento a discussão aqui iniciada. A abordagem utilizada pelo autor antes de iniciar o capítulo 14 “A conquista e a colonização da América”, se aproxima de uma possível valorização dos povos americanos, presente no tópico “A américa antes de Colombo e Cabral”. Nesse tópico é explorado a ideia de valorização, dando enfoque a cultura e técnica assim como os processos interrompidos em que esses povos foram submetidos através da colonização portuguesa na américa e no Brasil. O autor desse material, diferente do outro dialoga melhor com o leitor, possibilitando um certo conforto entre o aluno e o assunto, já que também o autor faz usos de elementos extras como imagens, textos e poemas, facilitando a aproximação do aluno com o tema. No início desse tópico, o autor faz uma crítica a respeito do modo em que história da américa é tratada nos livros de didáticos de história, de modo que os povos Europeus são tratados com mais ênfase enquanto os povos americanos são apenas vistos de forma superficial.

Um ponto bastante positivo a ser levado em conta nessa análise, é a forma que o autor introduz o debate e aborda o assunto, um trabalho voltado mais para a criticidade histórica onde ressalta a importância de elementos que são fundamentais para o desenvolvimento do aluno como ser crítico e pensante. Nesse primeiro pedaço que antecede o capítulo 14 é perceptível uma falta de enfoque nos povos indígenas do Brasil, qual deveria ser ressaltado visto que também há uma explicação para os povos andinos, mesmo que seja algo simples e superficial, no entanto se trata de um tópico pré capítulo. A necessidade de ressaltar a importância da construção de uma identidade própria e compreender esse processo de construção a partir dos conteúdos do livro é reforçado ainda por Antônio Pedro Lizania: “Dessa forma , o que é possível perceber a partir de uma visão mais crítica, é que a conquista e a colonização da América pelos europeus implicavam uma grande ruptura de vários processo de evolução cultural que ocorriam na América” (PEDRO, 2005). A partir dessa análise de Antônio Pedro, observa-se a preocupação com um entendimento crítico a respeito da construção de uma identidade latino-americana, em que prevaleça a preservação dessa raiz primordial.

As relações indígenas abordadas por Antônio Pedro Lizania já no capítulo 14, acaba voltando a mesma ideia aqui criticada, a valorização dos colonizadores em detrimento dos povos indígenas nativos, o modo com que o autor trata o território brasileiro, sugere apenas um interesse econômico. Para o aluno, ao ter contato com esse material acaba criando uma espécie de “conhecimento inibido” visto que o conhecimento a cerca do real sentido de Brasil a partir de uma visão decolonial, não é passado, mais uma vez é notável a presença ainda de uma ideia colonial nos livros didáticos. No mesmo capítulo o escambo também é abordado, mas agora

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sendo considerado algo de caráter predatório visto que a extração sem controle do pau-brasil “contribuiu para a destruição das florestas do litoral brasileiro” (PEDRO, 2005).

Ainda nesse livro, há um tópico em que dialoga com antropologia, nele preserva-se um pouco dos relatos de viagem dos primeiros cronistas, o autor ressalta a dificuldade em dialogar com os povos nativos, visto que “essa dificuldade de entender o outro, o diferente, acabando por nos informar muito mais sobre quem descreve do que sobre quem é descrito”. No entanto é apresentado um relato de Claude D’Abbeville, os atenienses brasileiros, “Em verdade imaginava que eu iria encontrar verdadeiros animais ferozes, homens selvagens e rudes. Enganei-me, porém, totalmente. Nos sentidos naturais, tanto internos como externos, jamais achei ninguém- individuo ou nação- que os superasse.” (D’ABBEVILLE, 1975, P.243)

No entanto quando nos deparamos com a representatividade territorial encontrada nesses livros didáticos aqui analisados, observamos apenas mapas antigos e limitados que representam um Brasil uniforme habitado apenas por um “punhado de índio”, essa ideia representada a partir desses mapas reforçam o ditado popular em que diz que o “Brasil era terra ninguém”. Segue abaixo os mapas encontrados nos livros aqui analisados:

Mapa Terra Brasilis (1515-1519) - Lopo Homem e Pedro Reinel. Imagem utilizada no livro didático História Global 2.

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Mapa do Brasil (1556) - Giovanni Battista Ramusio. Imagem utilizada no livro didático História da Civilização Ocidental.

Desse modo percebemos a diferença de conteúdo entre os dois livros didáticos, assim como também a dificuldade apresentada nos livros que reflete diferente no aprendizado quem consome esse conteúdo, de fato o material mais incompleto acaba sendo o que é utilizado nas escolas públicas. Porém é notável que apesar dessas diferenças, “os livros” continuam seguindo um padrão colonial de conteúdo, o que preocupa ainda mais, observa-se também um tratamento bastante homogêneo quando se refere aos povos indígenas que habitavam na terra que hoje é compreendida com Brasil. Considera nesses livros os povos indígenas de forma unilateral ignorando o fato de que existiam centenas de etnias espalhadas pelo território, ou seja, era um território altamente complexo, seja em línguas ou etnias, porem a forma que esses povos são retratados, acabam sempre homogeneizados como se “índio fosse um só”. Estimasse que em 1500 havia cerca 8 milhões de habitantes no Brasil, sendo 5 milhões concentrados na grande Amazônia.

A maioria dos povos indígenas classificados e que talvez compreendessem uma certa homogeneidade eram os povos do litoral, já que faziam parte do mesmo tronco linguístico, assim retrata Boris Fausto:

Quando os europeus chegaram à terra que viria a ser o Brasil, encontraram uma população ameríndia bastante homogênea em termos culturais e lingüísticos, distribuída ao longo da costa e na

bacia dos Rios Paraná-Paraguai. Podemos distinguir dois

grandes blocos que subdividem essa população: os tupis-guaranis com os tapuias. Os tupis-tupis-guaranis estendiam-se por quase toda a costa brasileira, desde pelo menos o Ceará até a Lagoa dos Patos, no extremo Sul. Os tupis, também denominados

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tupinambás, dominavam a faixa litorânea, do Norte até Cananéia, no sul do atual Estado de São Paulo; os guaranis localizavam-se na bacia Paraná-Paraguai e no trecho do litoral entre Cananéia e o extremo sul do que viria a ser o Brasil. Apesar dessa localização geográfica diversa dos tupis e dos guaranis, falamos em conjunto tupi-guarani, dada a semelhança de cultura e de língua. Em alguns pontos do litoral, a presença tupi-guarani era interrompida por outros grupos, como os goitacases na foz do Rio Paraíba, pelos aimorés no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo, pelos tremembés na faixa entre o Ceará e o Maranhão. Essas populações eram chamadas tapuias, uma palavra genérica usada pelos tupis-guaranis para designar índios que falavam outra língua. (FAUSTO, 1996)

Esses estudos compreendem algo novo fruto de trabalhos recentes, no entanto as classificações feitas a respeito do território que hoje é o Brasil seguem ainda uma concepção a partir de olhar europeu de se entender território, visto que todas as descrições que temos desse período são de cronistas, viajantes e aventureiros europeus, porem são fontes extremamente importantes para se ter noção da dimensão étnica que esse território possuía. Nisso afirma (SHELLARD,2006) “torna-se difícil inferir sobre a consciência da realidade de um território étnico por parte dos índios”, mas é de fundamental importância mesmo que não seja possível trazer essa realidade por parte dos índios, mas debater esse assunto e propor discussões que rompam esse colonialismo impostos nos debates indígenas e territoriais.

Trazendo para a atualidade, o debate territorial indígena continua presente nas demais esferas da sociedade visto que durante 500 anos continuam sendo tratados como “o outro”, e que não deve ser amparado por leis ou demarcações territoriais. Hoje dentro de todo o território brasileiro existem 723 reservas destinadas a grupos indígenas, ou seja 13.8% das terras do Brasil são indígenas. O que acaba sendo muito pouco, visto que 98.25% dessas reservas se concentram na chamada Amazônia Legal e os 1,75% estão espalhadas pelo resto do país.3

3. CONCLUSÃO

Após as análises dos conteúdos livros didáticos aqui abordados podemos concluir que ambos se encontram limitados e inconclusos, e sempre valorizando um conteúdo em detrimento do outro, essa forma utilizada é fruto de um colonialismo estrutural já tratado aqui. O intuito desse trabalho foi justamente o de criticar essa forma de produção, dando sentido a uma nova narrativa, visando quebrar o preestabelecido possibilitar um debate desses novos sujeitos. Na verdade, não são novos, são sujeitos que sempre participaram ativamente do processo de formação de uma sociedade brasileira, a questão é que devido a utilização de um único padrão de narrativa histórica esses povos acabaram sendo apagados ou afastados, sempre sendo tratados como “os outros” e não como parte de nós. É perceptível que essa modalidade de

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narrativa histórica é a que prevalece nos dois materiais didáticos que foram utilizados aqui, mesmo que em um deles há uma tentativa por parte do autor de quebrar esse padrão, que foi marcada pela presença de elementos críticos e que ressaltam a importância da construção de um conhecimento histórico complexo e crítico.

A principal questão desse trabalho foi motivada por uma fala muito comum de ser ouvida nas ruas ou até mesmo nas escolas, “brasil era terra de ninguém”, e que acaba sendo fruto dessa narrativa colonial. Por meio do diálogo com textos, livros, artigos e dados, foi possível desconstruir de forma positiva essa concepção ultrapassada de pensar o território brasileiro no início da colonização como uma terra vazia pouco habitada e homogênea. Outro fato é que própria cultura escolar uniformiza esses conteúdos, mesmo que haja diversas pesquisas e trabalhos que provam o contrário. A tentativa de construir trabalhos como este é justamente possibilitar uma nova produção a cerca de “mitos” cultuados pela sociedade brasileira em que ainda acredita e reproduz falas em que denominam o território brasileiro pré-colonização como uma terra de ninguém. Fazer com que as pessoas entendam uma nova narrativa ou na verdade uma narrativa não mascarada, é fazer com que novas possibilidades de fazer história apareçam e fato é enriquecedor romper padrões estabelecidos que ainda são frutos de uma sociedade arcaica e colonialista. Desse modo analisar esses conteúdos e sua composição a partir de uma perspectiva crítica, é possibilitar o surgimento de novos modelos e novos debates didáticos, tendo em vista que a tendência educacional é ser reformulada a cada dia.

De um modo geral quando observamos novos conteúdos didáticos surgindo e possibilitando o acréscimo de novas narrativas, temos a noção de que algo está sendo mudado e isso realmente gera folego a mais para quem pesquisa e luta para questões como essas sejam vistas a partir de um novo olhar. Claro que isso não é só função dos materiais didáticos, mas sim de toda a esfera social e acadêmica que o abrange, cabe a todos que lutam com a educação fazer parte desse processo. Os materiais didáticos de fato são um norte para as práticas educacionais, mas é importante lembrar que além disso ele faz parte de um programa educacional a ser seguido, que muitas vezes não possibilita a utilização de vias alternativas. Portanto proporcionar estudos em que priorizam a ascensão de uma nova perspectiva histórica é fazer com que povos “apagados” na história façam parte desse processo de narrativa e de construção, de forma ativa sendo reconhecido como sujeitos inclusos “em nós” e não mais sendo vistos como “os outros”.

Referências

BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc. Polít. 2013, n.11, pp.89-117.

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CAVALHEIRO, R. M.; COSTA, F. L. A Temática Indígena no Livro Didático. O Professor PDE e os Desafios da Escola Pública Paranaense 2007, p. 1 - 15, 20 dez. 2008.

CORRÊA, Dora Shellard. Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil. Revista Brasileira de História, v. 26, p. 63-87, 2006.

COTRIM, Gilberto. História Global Brasil e Geral. 2.ed, Saraiva, 2013. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo, Edusp, 1996.

GAUDERETO, F.L.; BRAGA, G.V.; MAYRINK, N. Revista Cadernos de Estudos e Pesquisa na Educação Básica, Recife, v.2, n.1, p.124-139, 2016. Cap UFPE.

JESUS, Z. R. Povos Indígenas na História do Brasil: Invisibilidade, Silenciamento, Violência e preconceito. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. Anpuh. São Paulo, julho 2011.

LOPES, Reinaldo José. 1499: O Brasil antes de Cabral. 1.ed, Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017.

PEDRO, Antônio Lizania. S. L. História da Civilização Ocidental. 2.ed, São Paulo, FTD, 2005.

Referências

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