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Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Sociologia. Programa de Pós-Graduação em Sociologia

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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Sociologia

Programa de Pós-Graduação em Sociologia

ALEXANDRE PIRES

STUDIUM

Universidade, Ciências Sociais e Inovação Intelectual

(Versão Original 2018)

Versão Corrigida

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Alexandre Lucas Pires

Studium: universidade, ciências sociais e inovação intelectual

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, como requisito final para obtenção do título de Doutor em Sociologia.

Área de Concentração: Sociologia da Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Sergio Miceli Pessôa de Barros.

Versão Corrigida

Versão Original (2018) Disponível na

Biblioteca “Florestan Fernandes” da FFLCH-USP e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) da USP

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

P667s Pires, Alexandre [Lucas] Studium: universidade, ciências sociais e inovação intelectual/ Alexandre [Lucas] Pires ; orientador Sergio Miceli [Pessôa de Barros]. - São Paulo, 2018. [Corrigida, 2020]

195 f.

Tese (Doutorado)- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de Sociologia. Área de concentração: Sociologia.

1. Sociologia. 2. Universidade. 3. Ciências Sociais. 4. Inovação. 5. Intelectualidade. I. Miceli [Pessôa de Barros], Sergio, orient. II. Título.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE F FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

ENTREGA DO EXEMPLAR CORRIGIDO DA DISSERTAÇÃO/TESE

Termo de Ciência e Concordância do (a) orientador (a)

Nome do (a) aluno (a): ALEXANDRE LUCAS PIRES________________________ Data da defesa: 28/02/2019

Nome do Prof. (a) orientador (a): SERGIO MICELI PESSÔA DE BARROS_______

Nos termos da legislação vigente, declaro ESTAR CIENTE do conteúdo deste EXEMPLAR

CORRIGIDO elaborado em atenção às sugestões dos membros da comissão Julgadora na

sessão de defesa do trabalho, manifestando-me plenamente favorável ao seu encaminhamento e publicação no Portal Digital de Teses da USP.

São Paulo, 31/01/2020

___________________________________________________

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ALEXANDRE PIRES

Studium: universidade, ciências sociais e inovação intelectual Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas da Universidade de São Paulo, como requisito final para obtenção do título de Doutor em Sociologia. Área de Concentração: Sociologia da Cultura. Orientador: Prof. Dr. Sergio Miceli Pessôa de Barros.

Aprovado em 28 de fevereiro de 2019

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Dr. Sergio Miceli Pêssoa de Barros, USP

______________________________________ Prof. Dr. Fernando Antonio Pinheiro Filho, USP

______________________________________ Profa. Dra. Maria José de Rezende, UEL

______________________________________

Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa, UNICAMP

______________________________________ Profa. Dra. Maria Conceição da Costa, UNICAMP

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DEDICATÓRIA

A Dona Esperança, minha avó, que não viu o fim desta jornada, mas apoiou muito de seus passos.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho não seria possível sem a confiança e a compreensão de meu orientador, Prof. Sergio Miceli, a quem sou imensamente grato.

Meu pai e minha mãe, Sebastião e Maria, tudo é por eles e tudo para eles.

Ricardo e Rodrigo, meus irmãos, são o sentimento de fraternidade e irmandade em carne e osso.

Citar amigos e colegas importantes é sempre um exercício de injustiça, ainda que escusável, mas alguns tenho de nomear. Agradeço o convívio caloroso e inteligente que tive e tenho com Lucas Azambuja, Pablo Silva, Eugenio Braga e Milene Suzano, amigos de longa data e de valor incomensurável.

Agradeço também aos colegas, que dispensaram a mim a gentileza acadêmica e conversas instigantes, e também boas rodadas de comidas e bebidas: Frederico Barros, Eduardo Dimitrov, Maíra Volpe e Lidiane Rodrigues.

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Alguns professores me marcaram por uma combinação de exemplo de rigor acadêmico e de generosidade intelectual, tudo envolto em muito afeto fraternal: Profa. Heloisa Pontes, Profa. Maria José de Rezende, Prof. Benilson Borinelli, Prof. Fernando Pinheiro, Prof. Luiz Jackson, Prof. Brasilio Sallum, e Prof. Sergio Adorno.

Gostaria de agradecer aos colegas funcionários do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, sem eles teria sido muito difícil conciliar as tarefas docentes que assumi ali com os afazeres e as atividades do doutoramento: Leci, Érica, José Antonio e Raphael.

E também agradeço à equipe da secretaria do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, que muito me ajudaram: Angela, Gustavo e Evania.

Muitas outras pessoas povoam minhas memórias desses anos de doutoramento, a lembrança delas e as vivências que me proporcionaram são objetos da minha mais profunda gratidão.

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RESUMO

Studium: universidade, ciências sociais e inovação intelectual

Esta tese é um estudo teórico e histórico da universidade e das ciências sociais. A investigação teórica procura conceituar e definir sociologicamente a universidade a partir da historiografia disponível. A investigação histórica descreve e analisa o desenvolvimento da universidade com o estudo do caso das ciências sociais brasileiras e o estudo do interesse dos cientistas sociais pela causa do meio ambiente. O ensaio de teoria da universidade resulta no conceito de studium e os esboços de história das ciências sociais e dos cientistas sociais resulta nos conceitos de inovação institucional e inovação intelectual. A conclusão é que o desenvolvimento da universidade e de suas disciplinas e de seus assuntos estão condicionados pelos aspectos não-educacionais e extra-educacionais da universidade. O conceito de studium opera a ruptura analítica com o enquadramento educacional da universidade, abrindo caminho para a descrição e a explicação das condicionantes sociológicas da inovação intelectual e inovação institucional na universidade.

PALAVRAS-CHAVE:

Sociologia; Universidade; Ciências Sociais; Inovação; Intelectualidade.

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ABSTRACT

Studium: essays on university, social sciences and intellectual innovation

This doctoral thesis is a theoretical and historical research on university and social sciences. Its theoretical programme conceptualised and definited sociologically the usage of word university elaborating on the university literature written by historians. And its historical programme intended to illustrate the evolution of university by brief case-studies of social-science institutional advancement and social-scientist intellectual endeavours in Brazil. The attempted conceptualisation of university brought forth a sociological definition of studium. The short introductions to historical scenes where social sciences and their scholars performed this academic activity bridged the gap between theory and history through the evolutionary concepts of institutional innovation and intellectual innovation. The research findings on the growth and unfolding of university and its set of disciplines and subjects disclosed the non-educational, extra-educational rules and incentives of processes occurring at the modern learning institutions par excelence, the national universities. Studium is the concept able to realise a sociological turning of the established educational framming of research on university. It redesigned and refitted the very useful concepts of intellectual and institutional innovation to sociology’s purpose of inquiring the rich history of the most western institution, the university.

KEYWORDS:

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17

I CAPÍTULO. UNIVERSIDADE 25

II CAPÍTULO. ESTADO E DESENVOLVIMENTO 53

III CAPÍTULO. GRANDES PROJETOS E PROBLEMAS NACIONAIS 71 IV CAPÍTULO. ESTADO E UNIVERSIDADE 92

V CAPÍTULO. CIÊNCIAS SOCIAIS E SUAS INOVAÇÕES 109 VI CAPÍTULO. FRONTEIRA DISCIPLINAR E SUA ADUANA 135 CONCLUSÃO 157

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INTRODUÇÃO

Esta tese de sociologia versa sobre universidade e ciências sociais. São assuntos que trazem dados, materiais e literaturas variados em escala histórica, volume bibliográfico e localização geográfica. Ainda que seja uma platitude anotar que o tempo é curto para trilhar exaustivamente certas aventuras intelectuais, o estudo desses dois assuntos já extrapolou o tempo que se reserva a consecução de um doutoramento, nem um para cada seria suficiente para rematá-los sociologicamente. Mas uma das características mais marcantes da universidade é ela ser uma tecnologia social para a consecução, plena ou parcial, de projetos intelectuais. Essa grande invenção humana denominada prazo, mecanismo essencial para o bom funcionamento da organização universitária e também dos universitários, faz com que entregue o texto da tese para que se encerre o ciclo doutoral, tão prazeroso intelectualmente,

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mas mentalmente gravoso. O prazo se cumpre, mas o trabalho não se encerra, haverá oportunidade, oxalá, de corrigir este texto original e deixá-lo mais perto da forma definitiva que havia projetado anos atrás, mas que ficava, a cada nova escavação na história da universidade e das ciências sociais, com contornos menos nítidos e dimensão mais modesta e abreviada.

As ciências sociais é uma disciplina intelectual que nasce na universidade. São raros os precursores da disciplina ou seus pais fundadores que não eram professores em universidades ou que não receberam formação universitária. Por ser disciplina que ganha seus contornos típicos ao longo do século XIX, as ciências sociais se desenvolvem já na universidade moderna, e na universidade moderna nacional, quer dizer, na universidade regida ou mantida por um estado-nação. A universidade de hoje, a do século XIX, ainda é uma universidade nacional. Essa “coetaneidade” da história das

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ciências sociais com história contemporânea permite (até mesmo autoriza) muitas soluções de continuidade, e certamente não obriga que se recue historicamente para períodos pré-nacionais, ou para antes do século XIX, ou mesmo para antes do século XX. Mas conforme minha pesquisa avançou, ainda que a passos lentos, mais em direção a uma sociologia calcada na história da universidade e da universidade nacional e menos em uma sociologia calcada na história das ciências sociais nacionais, as deficiências conceituais e teóricas de universidade exigiram que eu fizesse parte de um trabalho que erroneamente supunha já bastante adiantado pela academia.

A historiografia e a paleografia sobre a universidade é primorosa, sendo difícil não encontrar até mesmo muitas publicações tipográficas de manuscritos medievais, com glosas refinadas, muitas dessas glosas postas em forma de livros avulsos e literariamente independentes. Contudo, o

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burilamento sociológico desse material histórico não é algo que encontrei sistematizado, e muito disso é feito pelos próprios historiadores e paleógrafos. No fim, a universidade enquanto fato sociólogico e conceito teórico de sociologia é uma dentre tantas empreitas que convida a dedicação dos sociólogos.

Talcott Parsons escreveu um livro sobre a universidade americana, dentro da visão de teoria que esposava. Fui lê-lo após a generosa sugestão de um dos leitorres de uma das várias versões anteriores desta tese, que havia ficado surpreso ao ouvir-me defender que não havia algo que seria apropriado chamar de teoria de universidade. Busquei Parsons (1973) e, depois de esquadrinhar seu livro, fiquei surpreso como ele era um bom exemplo dessa sorte de ceteris paribus teórico-histórico. Parsons pode escrever sobre uma das universidades nacionais mais importantes do século XX, a americana, tendo de recuar de cronologicamente poucas décadas dentro do próprio país e tendo de cruzar o atlântico para fazer algumas

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menções perfuntórias sobre as três universidades nacionais mais importantes do século XIX: a britânica, a francesa e a alemã. A universidade alemã ganha mais destaque, dada a vivência alemã de Parsons e a influência que o modelo humboldtiano exerceu nas outras universidades nacionais, especialmente na americana. Porém, Parsons nem sequer menciona a universidade moderna absolutista, ou a universidade medieval. Ainda que para Parsons faça todo o sentido essa postura sobre assunto, pois ele encaixa a universidade (a escola superior, o ensino superior etc.) com grande facilidade em sua teoria do sistema social, não é uma postura investigativa aceitável dentro do que sabe hoje sobre a história da universidade e sua dispersão pelo mundo. (É inegável que a educação universitária fornece um excelente material indiciário a respeito de dois assuntos clássicos das ciências sociais: a estratificação e a integração. Veja-se o primeiro capítulo desta tese.)

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Naturalmente, não tenho a pretensão de preencher essa lacuna e outras a respeito do estudo da universidade, nem intento com isso indicar que os estudos sobre universidade são defectivos em razão dessa ou daquela solução de continuidade ou artifício metodológico. O ponto destas considerações iniciais é destacar que os meus estudos iniciais sobre o desenvolvimento e a organização das iniciativas intelectuais dos cientistas sociais me levou a investigar a hipótese de que esses processos de inovação, (termo usado aqui sem nenhum caráter valorativo ou apreciativo,) que modificam o repertório da disciplina em um certo momento e até mesmo sua divisão departamental ou seu orçamento financeiro, poderiam ter a ver com alguma dimensão da universidade, que poderia estar a escapar-me em razão da predominância da visão dos estudos de educação ao tratar da universidade.

A tese, portanto, começa pelo fim, pois o primeiro capítulo é o ponto de chegada da investigação que empreendi. O ensaio de

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teoria de universidade que alinhavo no capítulo inicial é uma tentativa de estudo da universidade sem tomá-la tão somente como uma criação humana que serve ensino, seja escola de profissões (liberais) seja escola de elites ou para elites, etc. Para escapar da visão educacional de universidade, tento conceituar sociologicamente a universidade como studium, aspecto da universidade que se torna mais e mais invisível com o surgimento e crescimento dos estados-nação.

Nos capítulos seguintes, descrevo e discuto a sociologia e a história que embasam minhas investigações sobre a universidade, as ciências sociais e suas inovações. Os capítulos se debruçam sobre a agenda intelectual do estado vis-à-vis a agenda da universidade, revelando que seria limitado dizer que o estado e os governos de turno serem capazes de dirigir e pautar as iniciativas intelectuais dos acadêmicos. São capítulos de descrição e análise do desenvolvimento das ciências sociais e suas inovações

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institucionais e intelectuais. No capítulo final, retomo o estudo de caso sobre o engajamento intelectual dos cientistas sociais com a questão ambiental, especialmente nos anos de 1980. Na conclusão, mais que fazer uma resenha dos capítulos, tento fazer uma síntese do argumento, que vejo como a melhor maneira de encerrar, ainda que provisória e momentaneamente, uma tentativa de estudo teórico da universidade, calcado em esboços de história das ciências sociais e suas inovações.

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I CAPÍTULO. UNIVERSIDADE

1. Introdução

A universidade é uma invenção humana com enorme plasticidade social. Os documentos da universidade medieval revelam em menos de um século de registros o crescimento de atividades e associações que se amalgamavam sob os regramentos universitários. Essa plasticidade continuou presente na universidade moderna, tanto pré-nacional, quanto nacional, como se vê em sua bem sucedida absorção da filosofia natural moderna, dos teatros de anatomia, dos laboratórios de ciência natural, depois, da estatística social, da economia pólitica, entre outras disciplinas e atividades científicas. Tantos desenvolvimentos e processos sociais vieram a enfeixar-se na universidade, que suas características próprias, primevas, se confundiram com esses adendos posteriores, epifenomênicos.

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Nas linhas a seguir, arrisco uma digressão sobre a universidade a partir dos três elementos que se unem naquilo que se denominou universidade em sua origem. Defendo que o traço essencial da universidade é um desses elementos, que chamo studium. O studium seria aqui o regramento que se desenvolveu ao longo dos séculos e foi sendo soterrado enquanto elemento definidor da universidade, mas que a mim se mostrou mais adequado para uma conceituação sociológica, superior as conceituações historiográficas, pouco capazes de dar conta da universidade dentro de uma sociologia de processos e desenvolvimentos. As inovações intelectuais e institucionais que estudei se mostraram mais inteligíves fora dos processos de desenvolvimento educacional que ocorrem na universidade (ensino, profissões, elites etc.). Uma teoria da universidade enquanto sociologia teórica do studium traz à tona que focos de atenção intelectual, (por exemplo, meio ambiente,) de grupos de intelectuais, (por exemplo, cientistas sociais professores universitários,) pouco tem a ver com o

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desenvolvimento do ensino, das profissões ou das elites, ainda que ex post facto esses cientistas sociais se esforcem para rotinizar esses focos intelectuais via sua institucionalização e organização em currículos, certificados ou carreiras de estado.

2. Noções de Universidade

A universidade em sua origem medieval está alicerçada nas noções jurídicas de universitas, traditio e studium. A convenção juridíca que as definia na Europa medieval era aquela presente no Código Romano reavivado, como se dá a ver Adolf Berger, em seu Roman Law.

A universitas, ou corporação de ofício, se desenvolveu na forma econômico-jurídica dos negócios nas cidades medievais e pré-modernas.

A traditio, pelo verbo tradere, era uma forma de distinguir aqueles que preparavam (praeceptores) para o exercício de

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profissões liberais daqueles que as exerciam (agrimensor, médicos, arquitetos, jurisconsultos etc.).

O studium é uma noção jurídica que indica três situações. A pessoa está em ausência (studium) com motivo (studiorum causa) para querelas judiciais. Está com presença em outro lugar, residência (studium), mas sem o gozo dos direitos locais, sem pertença (domicilium) em outro cidade (o Código tem Roma como lugar típico desta situação). E faculta uma irresponsabilidade do filho (exceptio) diante do empréstimo feito pelo pai para cobrir noutra cidade (studium) as despesas do filho.

Graças ao reavivamento do direito romano, combinado com o espraiamento do regime notarial de palácios e monastérios para cidades e catedrais, os institutos jurídicos universitas, traditio e studium, que conformavam a universidade medieval, ficaram registrados em variados e dispersos arquivos notariais.

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3. História da Universidade

A publicação tipográfica dos manuscritos, (estatutos, histórias institucionais, matriculas, chartularia, munimenta,) empreendido por paleógrafos entre os séculos XIX e XX, pôs a disposição de historiadores os arquivos relativos às universidades medievais.

A obra-prima de tamanho esforço paleográfico foi realizada pelo padre Heinrich Denifle, com o auxílio de Émile Chatelain, o Chartularium Universitatis Parisiensis, de 1889 e 1891.

Sem a mesma envergadura, refino e exaustividade, um pouco antes, em 1868, os Munimenta Academica, do reverendo Henry Anstey, a respeito de Oxford, foi publicado.

Entre 1909 e 1921, são publicados os volumes do Chartularium Studii Bononiensis, obra coletiva administrada pela Comissione Per La Storia Dell’ UniversitàDi Bologna.

Entre tantos, os livros paleográficos do pe. Denifle, do rev. Anstey e da Comissione versam sobre as três universidades

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datadas como as mais antigas, (Bolonha, Paris, Oxford,) mas cada qual com sua ênfase e escopo.

O Chartularium de Bolonha é catalográfico e transcreve todos os arquivos antigos relativos a universidade (contratos de locação, compra e venda, casamento, quitação, empréstimos, doações, dotes, prisões, sentenças etc.).

Os Munimenta de Oxford é um pouco mais pitoresco e seleciona registros que trazem cenas da vida universitária medieval.

O Chartularium de Paris é uma referência da paleografia a serviço da investigação historiográfica, ali se encontram documentos selecionados e publicados em razão de critérios de relevância e significação histórica, minuciosamente ordenados cronologicamente. (Não por acaso o Chartularium de Denifle está entre os títulos da Cambridge Library Collection, que mantém em catálogo livros raros de grande valor

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Durante a efervescência da paleografia sobre a universidade, dois livros de história da universidade medieval poderiam ser destacados como referências recorrentes nos livros posteriores, o livro que conta as origens das universidades medievais do pe. Denifle, que precede seu Chatularium, e o livro de Rashdall Hastings, que tem o livro de Denifle como modelo e ponto de partido, ainda que pretende ir além em escopo, abarcando não só as origens das universidades medievais, mas também a história de sua constituição, sua organização e seu funcionamento.

O prestígio das histórias do pe. Denifle e de Rashdall é atestado pela deferência e inspiração anotados pelo historiador Walter Rüegg na enorme coleção dirigida por ele sobre a história da universidade na Europa, que abrange do período medieval ao contemporâneo.

Pelas convenções da escrita da história muito do esforço intelectual recai nas tarefas de datação, localização,

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classificação, ordenação e composição das informações depreendidas do material historiográfico (documenta e monumenta) coligidos e disponíveis, transformando-os assim em sequência, série monográfica.

Naturalmente, um esquema da monografia histórica não a esgota, serve sim para in broad strokes distingui-la do estudo de sociologia, que está na vizinhança acadêmica e erudita, e muitas vezes se vale das mesmas fontes, e mesmo das próprias monografias históricas enquanto fontes, como se faz aqui com intenção introdutória.

4. Sociologia da Universidade

Um apanhado dos estudos sociológicos sobre a universidade mostra duas convenções de escrita principais, os estudos de estratificação e os estudos de integração em torno da universidade nacional, quer dizer, a universidade enquanto elemento constitutivo de um estado-nação.

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A atividade educacional da universidade e a extração fidalga dos matriculados desde o período medieval ao moderno, sem surpresa, convidam a sociologia a fazer questões de estratificação e integração, algo presente em autores caros à sociologia já no século XIX. Émile Durkheim escreve seu arrazoado sobre a educação na França com vistas a demonstrar que as várias feições que a educação assumiu na França, das origens medievais às reformas republicanas, tinham relação com o que estava em curso na sociedade francesa. Também Karl Marx, em toda sua economia política da Grã-Bretanha, ao criticar os economistas políticos britânicos fez várias alusões às universidades britânicas (Glasgow, Edimburgh, Oxford, Cambridge) como sendo elas fortalezas das tropas edulcorantes dos interesses burgueses, ao passo que nos Blue Books os nobres que os elaboravam para as comissões parlamentares não escondiam a desaprovação com que viam as condições de vida nas cidades fabris britânicas.

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Integração e estratificação vertebram estudos entre autores tão divergentes quanto Talcott Parsons, numa monografia sobre a universidade americana, inspirada em sua abstração sistêmica, e C. Wright Mills, em seus ensaios sobre a elite e a classe média americanas.

A sociologia da educação francesa empreendida por Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron se impôs a tarefa explícita de fundir numa única questão as problemátiques da integração de Durkheim com a da estratificação de Marx. Projeto intelectual que Bourdieu levou adiante por duas décadas, após o desembarque de Passeron.

O estudioso das universidades nacionais, não raro, tenta compor um texto que esteja dentro das duas convenções, a de historiador e a de sociólogo. Portanto, além das tarefas de organizar o material arquivístico, de conceber uma ordenação lógica consistente, a essas ainda acrescenta as tarefas de transformar aqueles dados em informações com validade até

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mesmo estatística e também de vincular aqueles dados à história de uma cidade, de uma província ou estado e mesmo à história da nação (a universidade prussiana do século XIX é tratada pacificamente como elemento central da unificação dos estados germânicos em uma estado-nação alemão, geradora de uma burguesia por letramento e erudição e de uma língua nacional forjada nos bancos universitários e não no uso familiar).

5. Teoria da Universidade

Sem entrar em digressões epistemológicas, não há erro em dizer que tanto a história quanto a sociologia esposam teorias da universidade.

A história conta com duas teorias da universidade. A história comparada afirma que a universidade surge na Europa. A história europeia afirma que a universidade surge no período medieval. Entre os excepcionalismos europeus defendidos pelos historiadores, a “revolução universitária” seria um entre

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os feitos europeus, um traço essencial para a “invenção da Europa.” A origem européia da universidade abre a coleção historiográfica de maior fôlego publicada em fins do século XX, History of University in Europe (conduzida por Walter Rüegg, em colaboração com Hilde de Ridder-Symoens).

Novamente, sem entrar em digressões epistemológicas, uma teoria histórica é sempre um esforço de aproximação de histórias elaboradas separadamente pelos estudiosos. A teoria histórica da universidade mobiliza e articula as histórias das universidades medievais, da igreja, do latim, da cidade, do cisma católico-ortodoxo, do feudalismo, de Carlos Grande, das ordens mendicantes, dos monastérios, das catedrais, do direito romano e canônico, entre outras, para corroborar a asserção do excepcionalismo universitário europeu.

A sociologia emprega por convenção uma terminologia menos vernacular e mais técnica em seus estudos, o que felizmente

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não é suficiente para ocultar os laços dos estudos sociológicos com a história e a filosofia.

Os estudos de integração são inspirados nos livros sobre a religião europeia, o cristianismo. A universidade (junto com outros meios de educação da nação) é abstraída analiticamente como o meio (secular) de integração (coesão social) dos estados-nações, à semelhança da igreja (o cristianismo e seus instrumentos de ação) para o antigo regime, o regime de privilégio.

Os estudos de estratificação são inspirados nos livros sobre a ordem europeia, os três estados (classes) dos reinos europeus. A universidade nos estados-nações cria hierarquias e privilégios por meio do diploma à maneira da hierarquização criada pelos títulos de nobreza e pelas ordenações sacerdotais nos reinos do antigo regime.

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sobre as razões e os fatores que mantêm populações associados no espaço e no tempo. As teorias da universidade que se relacionam com as teorias da sociedade são as de ordem mais geral, mas há outras que tratam de aspectos mais particulares da universidade e sua relação com o mundo extra-muros.

As teorias mais específicas sobre a universidade elaboradas pela sociologia estão relacionadas a outros aspectos da modernidade: a ciência, a literatura, a tecnologia, a alfabetização, a industrialização, a urbanização, a secularização, a profissionalização, a burocratização etc.

A sociologia é uma atividade acadêmica bastante diversa, e os focos de interesse intelectual dos sociólogos não encontram muitas barreiras de convenção ou de organização para serem explorados, portanto, todo e qualquer apanhado de teorias sociológicas sobre a universidade, que não seja obviamente uma introdução a uma monografia sobre teorias, acaba por ser

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lacunar e bastante injusto com a riqueza da disciplina sociológica, mas o objetivo aqui é outro.

Este texto é um estudo teórico da universidade que não se alinha as convenções da história ou as da sociologia da universidade, ainda que as tenha como fonte de dados, informações e conceituações, nem tenta transpor para outro estado-nação ou outras universidades ou sistema de universidades as teorias e as questões elaboradas por historiadores e sociólogos que se empenharam em escrever sobre as universidades medievais, as francesas, britânicas, prussianas, as americanas etc., nem também validar ou invalidar teorias de universidade (se é a mais antiga ou não, se é europeia ou não, se é medieval ou não, se é integradora ou não, se é estratificadora ou não, se é uma igreja secularizada, se é uma nobreza diplomada ou não, se é uma indústria ou não, se é uma burocracia ou não, se é uma elite mandarim ou não etc.), que no mais das vezes se apresentam como adequadas

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e suficientes dentro do escopo convencional da história e da sociologia. Em suma, um estudo teórico não é uma história de teorias, nem uma metateoria, nem uma história de livros, muito menos um estudo sem história, ainda que haja muitos trabalhos teóricos que adotem convenções assim.

6. Definição de Universidade

Na origem da universidade medieval, três regramentos regem juridicamente seu caráter de atividade, de ator e de ato. Atividade e ator se sobrepõem, se confundem ou se revezam na definição historiográfica de universidade, enquanto ato escapa do esforço conceitual corrente. A universidade-atividade se define pelo ensino lícito de profissões liberais, (traditio operum liberalium.) A universidade-ator se define pela constituição de uma sociedade personificada ou dos que ensinam, ou dos que aprendem, ou de ambos (universitas magistrorum et scholarius.) A universidade-ato se define pela

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resolução do conflito de jurisdições que envolve as pessoas durante estadias de estudo, (peregrinatio academica.)

A transmissão dos conhecimentos para a prática de atividades não-manuais não era na Europa medieval uma exclusividade da universidade. Monastérios, catedrais, ordens mendicantes, a cúria romana, palácios senhoriais, palácios régios, guildas, corporações, todas essas instituições ensinavam ofícios liberais. O processo de monopolização do ensino liberal pela universidade é um capítulo importante da história da universidade, mas sociologicamente não é uma traço essencial e típico como releva farta historiografia. A traditio operum liberalium, existe na Europe antiga e é reorganizada na Europa medieval de modo original ao se combinar com o universitas.

A sociedade personificada, com um representante legal (actor collegiarum), está atestada pelo próprio direito romano antigo. A novidade da Europa medieval está na combinação de várias sociedades jurídicas em uma grande sociedade, o município, a

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cidade, a ponto de conseguir assegurar para essa corporação de corporações jurisdição própria e separada das jurisdições das casas senhoriaes, das dioceses episcopais e até mesmo de casas régias e da cúria romana. Essa emancipação jurisdicional não significa sedição em relação às obrigações militares com as casas régias e imperiais, nem afastamento da cristandade e do poder de Roma. Simplesmente, é mais um momento da fragmentação do poder político feudal, que só alguns séculos depois voltará a ser concentrado, primeiro, pelos estados absolutistas, depois pelos estados-nação. Mas essa multiplicação de jurisdições, com poderes de vida e morte sobre as pessoas, criam uma conjuntura inóspita para o deslocamento de estudo, a peregrinatio academica, ou mais precisamente, o studium.

A Europa antiga, sob o Império Romano, legou à Europa medieval uma solução para o conflito de jurisdições e privilégios dentro de fronteiras, o studium. Roma, a capital

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imperial, em suas aulas urbanas ou em suas aulas palacianas recebia um afluxo de homens livres vindos de todo o Império para adquirirem os rudimentos das profissões que lhes aventariam os meios e os símbolos para subirem na hierarquia imperial. A Europa medieval, sob o domíno de múltiplos centros políticos, inventou o studium generale, a universidade. (O qualificativo generale ali não denota um lugar em que se ensinava vários assuntos, ou todos os assuntos, como por muito tempo se leu nas mitologias fundacionais das universidades, e sim o fato de receber professores e alunos de diversos lugares, ou nationes.)

7. Conceito de Studium

O fato histórico que se denominar por universidade medieval é primodialmente a reunião de três fatos jurídicos: o instituto da traditio, da universitas e do studium. Então, a universidade seria a reunião de professores e alunos forasteiros em um cidade na qual formavam uma sociedade com personalidade

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jurídica. Entre aquilo que seria, a meu ver, um achado investigativo está o descuido historiográfico em tratar o universitas acadêmico como uma corporação de ofício entre tantas da cidade. Nas listas de guildas, corporações de ofício, que foram publicadas em livros e que consegui encontrar para verificar, não encontrei uma corporação acadêmica entre as tantas que estavam sob a jurisdição das cidades (municípios, comunas etc.). Não encontrei os estudantes na lista de Paris, de Florença, de Bolonha, de Londres, de Oxford, de Edimburgo. A solução para esta questão historiográfica eu encontrei no livro sobre os ofícios de Paris, escrito por Lespinasses (1879).

O livro de Lespinasse traz os principais documenta de todos os ofícios existentes em Paris no século XIII, com uma reprodução tipográfica do Livro de Boileau, o livro oficial de registros das corporações. Lespinasse traz documentos que mostram as várias corporações que não estavam sob a jurisdição da Cidade de Paris, e sim sob a da Universidade de Paris, ou que

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foram removidas da jurisdição da cidade para a da universidade. Nem a coleção de Rüegg e Ridder-Symoens trata disso. (Nessa coleção, Aleksander Gieysztor escreve um parágrafo que tangenciaria essa questão historiográfica, mas sem tirar qualquer consequência histórica ou historiográfica disso, mesmo ligeira.)

A Universidade de Paris se tornou entre os séculos XII e XIII, pelos indícios documentais, não uma corporação que tinha o direito de impor estatutos a seus membros, mas uma jurisdição paralela e concorrente à jurisdição da Cidade de Paris, cada uma com um conjunto de corporações que lhes deviam obrigações municipaes (a imposição do munus, dos tributos e serviços obrigatórios). Sem dúvida, trata-se de uma questão historiográfica, mas a abordo pois acredito que há aí consequências para uma conceituação sociológica da universidade.

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A Universidade de Paris passou a regrar diversas atividades, as do copista, do livreiro (de manuscritos), do vendedor de pergaminhos, etc., depois, do cirurgião-dentista, dentre outras. As oficinas e lojas desses profissinais ficavam e deviam ficar na área de Paris reservada à Universidade de Paris. (Essa área medieval coincide com a área contemporânea do Quartier Latin.) Os tradicionais binômios town & gown, civitas et universitas, città ed università indicialmente são memórias da organização física e jurídica de alguns sítios urbanos.

Mas a sociologia começa seu trabalho após o término do trabalho da jurisprudência, da paleografia, da história, etc. A essência da universidade não seria proteger estudiosos viajantes, pois se assim fosse seria só um tipo especial de feira medieval. Nem seria proteger a vida dos que viajavam e se hospedavam, pois o crescimento da mobilidade medieval, com uso mais seguro das estradas reconstruídas do Império Romano e novas estradas, historiograficamente é relacionado

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à Treuga Dei e à Pax Dei (Duby, 1993) É impossível que os documentos e os monumentos registrem e guardem para a posteridade todos os aspectos da vida e da organização social que se desenvolviam em um certo momento, especialmente porque muito da vida social é invisível, impalpável, intransitiva.

A questão sociológica que pede resposta é qual instituição social as instituições jurídicas presentes na universidade medieval, mas herdadas do antigo direito romano, estavam a proteger e a viabilizar. O studium que ocorria na Roma antiga, mesmo recebendo estudantes de todos os quadrantes do Império, esses estudantes de fora de Roma eram por direito romanos, portanto, o studium de Roma se assemelhava aos studia particularia medievais, que atendiam estudantes das redondezas ou da própria cidade, mas que não estavam submetidos a lei para forasteiros. O studium das cidades medievais, que se tornaram matéria nobre dos estudos históricos, são um desenvolvimento do studium antigo e dos

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particularia medievais, mas essa comparação entre esses estágios ajuda a ver que o studium (generale) resolve o conflito de jurisdições para poder reorganizar o ócio estudioso, que nada mais é que o ócio organizado e administrado. O ócio organizado não conseguiria atingir a escala que atingiu já na Europa medieval (mais de trinta universidades existiam na Europa em 1500, de 3 ou 4 em 1200) sem superar a fragmentação política, que se materializava nas jurisdições concorrentes e sobrepostas de senhores, reis, imperadores, papas, chefes municipais, abades, bispos.

8. Universidade Moderna

A concentração gradual do poder político ao longo do período medieval faz com que as universidades fiquem mais e mais sob a jurisdição dos palácios régios, prenunciando a configuração que perdura até os dias de hoje. A consolidação do processo de concentração política, no início da era moderna, em conjunto com a Reforma Protestante, reduzem a cristandade

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romana, cortando as linhas de comunicação entre as várias universidades, reduzindo a extensão dos itinérários disponíveis de peregrinatio academica. Por outro lado, o crescimento dos estados absolutistas fortalece os fiscos régios o que intensifica a criação de novas universidades, levando a um contra-movimento, que é a fragmentação dos centros de ócio organizado. Mas a élite ainda partilhava do latim.

A modernização retoma um movimento de fragmentação política, em escala menor do que a feudal, mas primeiramente em linhas dinásticas (a guerra entre as casas reais), em seguida em linhas línguisticas. Esse recorte dos estados por tradições (seculares e religiosas) e línguas dá ensejo ao processo de formação de estados-nação. A universidade se torna a universidade do estado-nação, a universidade nacional.

A universidade nacional não precisa resolver o conflito de jurisdições de forasteiros (todos são cidadãos ou súditos nacionais) ou se preocupar com os perigos de viagem ou

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estadia. A universidade nacional é um studium com um monopólio territórial do ócio organizado, muito semelhante a um studium particularium medieval, com sua audiência cativa e local. A capacidade de ampliar o volume de ócio organizado em uma universidade nacional passa a depender mais e mais do poderio fiscal e econômico dos estados-nação a que pertencem. A universidade nacional passa a ser uma escola palaciana, muitas vezes composta por professores funcionários, que tem uma margem de manobra mais estreita para dispor do ócio organizado de uma maneira mais autônoma. Menos importante que aumentar a quantidade de ócio disponível, passa a ser fundamental encontrar meios de melhor a qualidade desse ócio organizado. Sem surpresa, o ócio organizado com melhor qualidade é aquele que faculta a peregrinatio academica, a qualidade aumentando em razão do alcance vertical do itinerário: das universidades nacionais que são mais deficitárias na quantidade e na qualidade do ócio organizado para as que concentram muito do ócio organizado

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mundial de melhor qualidade e em melhor quantidade. Essa melhor qualidade é sempre definida do ponto de vista do acadêmico, não raro pode-se ler o relato de um estudioso ao passar um temporada em uma universidade nacional e ter um excelente serviço de biblioteca e de secretaria à disposição. Isso significa que a qualidade do ócio organizado pode receber uma valoração subjetiva tanto intra-acadêmica quanto extra-acadêmica, o que pouco importa para a dinâmica intelectual da universidade. Contudo, isso limita o poder do estado-nação e do governo incumbente em dirigir ou direcionar os esforços intelectuais dos acadêmicos em universidades nacionais, o que à primeira vista pareceria uma tarefa fácil.

Os capítulos seguintes tentam trazer apontamentos históricos sobre as ciências sociais e suas inovações intelectuais de modo a tornar mais concreta síntese teórica feita neste capítulo, a qual, como já foi dito, é conseqüência dos vários estudos de caso feitos abaixo.

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II CAPÍTULO. ESTADO E DESENVOLVIMENTO

1. Missão Diplomática e Missão Nacional

Após as Nações Unidas (ONU) encerrarem sua Conferência sobre Meio Ambiente Humano (CNUMAH), abrigada em

Estocolmo, em 1972, o governo brasileiro começou a montar um órgão público encarregado de atividades para o meio ambiente: uma burocracia para tratar do assunto novo. Entre 1973 e 1992, criou uma secretaria federal, um conselho nacional, uma agência nacional (chamada de 'instituto' por tradição e não por função), um fundo nacional e um ministério. Ainda hoje, este é o aparato estatal para a questão do meio ambiente. Antes da CNUMAH, entre 1962 e 1967, leis sobre

pesca, floresta e borracha haviam sido sancionadas. Depois disso, mais leis e códigos continuaram a ser criados, mas agora as resoluções das Nações Unidas davam o tom dos editos nacionais. Nos oitenta, foi estabelecida uma política de meio ambiente e um plano de gerenciamento costeiro de

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amplitude nacional e, desde 1992, mais leis, conselhos e órgãos surgiram para tratar de questões específicas (concernentes, sobretudo, à bacia amazônica e aos recursos hídricos). A preocupação estava em instituir um sistema de regulação capaz de exercer autoridade sobre as atividades humanas de exploração de recursos naturais.

Diferindo da institucionalização anterior de outras questões (agricultura, saúde pública, educação gratuita, defesa nacional

etc.), a do meio ambiente não incluiu a criação de um instituto

ou museu. A razão disso estava na reforma educacional de 1968 que fazia da universidade o centro das atividades científicas, educacionais e letradas no país. Além disso, após o golpe de 64, o governo passa a buscar o alinhamento das instituições de ensino ao regime. Para isso, obliterou qualquer traço de esquerdismo nessas instituições por meio da aposentadoria compulsória dos docentes que notoriamente se opunham ao regime ou tinham vínculos com o governo deposto.

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Logo, era desnecessário criar organizações como os velhos institutos e museus porque o governo esperava após esses rearranjos que as universidades viessem a encampar toda e qualquer questão endossada oficialmente. No entanto, o governo subestimou o interesse específico dos docentes que permaneceram ou foram contratados após os 'expurgos'. Sem um bom motivo, esses acadêmicos não iriam redefinir seus focos de atenção acadêmica e seus objetivos prévios de carreira.

Ao procurar envolver os acadêmicos de afiliação pública, o governo permitiu, desde meados dos setenta, que as universidades oferecessem graduações e pós-graduações em ecologia, cursos de educação ambiental e engenharia ambiental. Algumas universidades iniciaram também discussões sobre uma assim chamada 'ciência ambiental'. Devido ao viés de ciência natural, esses primeiros passos não endereçavam sociólogos e, por outras razões, tão pouco

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sensibilizaram muitos biólogos. O governo teve de aguardar a chegada da primeira safra de ecólogos graduados por um departamento de ecologia para constatar a tibieza dessa iniciativa educacional. Quando os primeiros ecólogos começaram a trabalhar no início dos oitenta, além de serem poucos, a agenda deles não batia com a do estado e a da sociedade civil. Seria inviável estruturar um sistema de avaliação de impacto ambiental sobre o pressuposto de que ecólogos, biólogos ou engenheiros atenderiam a demanda. Já nos oitenta, esse tipo de avaliação não estava vinculado a nenhuma formação superior específica.

Os documentos ratificados pelas Nações Unidas vieram a ser a principal bibliografia ambiental discutida no Brasil até meados dos oitenta. Sem dúvida, o Relatório Meadows, de 1972, intitulado Limites do Crescimento (traduzido para português já em 1973 e reeditado em 1978, sinal da atenção crescente recebida pelo assunto) foi durante os setenta e os oitenta uma

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referência básica entre políticos e intelectuais preocupados com a questão. 1 Embora, o governo militar objetasse ao relatório porque o último afirmava ser o crescimento econômico o responsável pelas mazelas do meio ambiente, enquanto o ideário oficial vaticinava o crescimento como panacéia nacional, definido como meta governamental básica, o que levava a um dissenso inevitável entre os dois posicionamentos. No entanto, durante os setenta, o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA) caminhou na direção oposta e aquiesceu que

'a pobreza continuava a ser a pior forma de poluição' (ONU, 1982: 9). Ao ratificar a Estratégia Mundial de Conservação, de 1980, que tratava crescimento e conservação como uma só questão, as Nações Unidas já haviam começado a compor com a posição dos países não-desenvolvidos. Assim, após as

1

1. Limites do Crescimento, também conhecido como Relatório Meadows, é um livro de 1972 escrito por Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III, resultado de uma encomenda feita ao Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) pelo Clube de Roma em 1968 e usado como base do debate na CNUMAH. O

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resoluções terem ficado mais apropriadas às ambições brasileiras de desenvolvimento enquanto crescimento econômico, a ação governamental para o meio ambiente passou a ser uma agenda modelada mais e mais pelas atividades das Nações Unidas.

2. Departamentos e Financiamentos

Por um lado, após o golpe de 64 e a reforma educacional de 68, o alicerce institucional da ciência social sofreu um abalo, cuja superação exigiu alguns anos até o restabelecimento de uma ordem institucional. Num vintênio, a disciplina passou por uma mudança severa. Por outro lado, ainda não havia um sistema governamental de financiamento com capacidade suficiente para manter a autonomia dos cientistas sociais ante as idiossincrasias dos financiadores. Isso valia para a academia como um todo. Desde então, uma série de reformas logrou uma melhora notável nas bolsas docentes e discentes e no ensino pós-graduado, promovendo assim a transição de um sistema acadêmico de baixa autonomia para um de alta autonomia.

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Por volta dos sessenta, é seguro dizer que havia duas tradições que norteavam a ciência social nacional. Uma era o estudo do desenvolvimento das sociedades complexas, diferenciadas, ou seja, a sociologia do desenvolvimento, que foi uma tendência em todos os ramos da ciência social. A outra era a etnologia das sociedades 'tribais', quer dizer, a antropologia dos povos indígenas brasileiros, sobretudo, daqueles no cerrado mato-grossense e na bacia amazônica, a qual era operada como uma reserva de mercado dos antropólogos, às vezes desejada pelos historiadores. Por volta dos setenta, esse arranjo bem azeitado começa a se quebrar pelo fracionamento disciplinar. Com isso, os estudos de desenvolvimento se desdobram em estudos rurais, de população, de desenvolvimento político (especialmente, do autoritarismo e dos movimentos sociais), enquanto que a etnologia começa a dividir a atenção antropológica com os estudos de antropologia urbana e política, e nesse meio tempo, a ciência política se faz presente. Tudo leva a crer que o recrutamento acadêmico de cientistas sociais para lidar com os estudos ambientais ocorreu justamente nesses novos ramos,

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os quais eram nutridos por fenômenos correlacionáveis aos ambientais, por exemplo, modernização agrícola (desmatamento, pesticidas, queimadas), urbanização (poluição citadina), associativismo (grupamentos ambientalistas recém-criados), política e geopolítica nacional (multilateralismo ambiental, industrialização verde, barreiras comerciais disfarçadas ambientalmente). Contudo, essa instabilidade disciplinar era contrabalançada pela crescente estabilização institucional.

Ainda nos setenta, o sistema de financiamento acadêmico já estava organizado em torno de duas agências federais, CNPQ e

CAPES, às quais com frequência se juntava uma terceira, FINEP.

Além dessas, o estado paulista abrigava sua própria agência de financiamento, FAPESP, que assegurava a dianteira da

pesquisa paulista em diversas frentes. Por volta dos oitenta, outros estados emularam as iniciativas federais e paulista, criando assim suas próprias agências (e.g. FAPERJ no Rio de

Janeiro e FAPEMIG em Minas Gerais). Embora a FAPESP fosse a

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As normas das financiadoras restringiam os auxílios ao professorado e ao alunado, mas não completamente, pois alguns centros privados conseguiam acessar esses fundos. Aos professores efetivos e aos alunos de pós-graduação cabiam as maiores bolsas e auxílios disponíveis. Nesse sistema abastecido por recursos públicos, as universidades federais e estaduais acabavam por ter uma vantagem sobre as congêneres privadas. Num tal arranjo, a afiliação institucional era uma condicionante maior. Quando afiliados a certas instituições e em certos momentos, os docentes e os discentes gozavam dos meios de sobrepairar as principais dificuldades relacionadas à pesquisa, às bolsas e ao emprego. Algumas universidades granjearam um lugar de destaque nesse 'sistema de facilidades' por terem sido favorecidas pelas diretrizes governamentais e pelo peso político das cidades que as sediavam: o programa de regionalização da pós-graduação exemplifica essa política ao escolher Brasília, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre como núcleos de expansão dos estudos graduados. Dentre essas estão a USP, a estadual

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Distrito Federal, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e de Pernambuco. No entanto, uma afiliação a qualquer universidade pública já jogaria a favor dos docentes e, em menor medida, dos discentes, como bem demonstra o papel da federal de Santa Catarina (UFSC) no 'nascimento' dos estudos

ambientais. Uma das razões para essa importância da afiliação pública provavelmente reside no fato de que a ciência social depende quase que por completo dos fundos públicos em razão da dificuldade de se lucrar com essa atividade. Nesse sentido, as afiliações moldavam as expectativas e forjavam os sucessos pessoais.

Se já houve uma 'era da abundância' na ciência social, essa teria começado nos setenta e findado nos oitenta. Foi um período de convergência entre a ação filantrópica estrangeira e os programas domésticos para a educação superior. Por exemplo, desde 1968, uma peça fundamental no financiamento da ciência social nacional passou a ser a Fundação Ford, cujos auxílios tonificaram as principais empreitadas da disciplina nos setenta e nos oitenta (Miceli, 1993). Somado a isso, as

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momento em que o financiamento acadêmico como um todo era robustecido, o que levou à estabilidade do sistema acadêmico nacional. Assim, na virada dos setenta, a educação superior e, por tabela, a ciência social eram meios intelectuais em pleno crescimento.

Nesse momento, qualquer acadêmico poderia sonhar com novas áreas de pesquisa para além das fronteiras disciplinares porque eles estavam atuando num microcosmo em expansão, sendo assim visado por demandas variadas. A necessidade de mão-de-obra pós-graduada para sustentar o crescimento universitário franqueou aos titulados com mestrado a contratação de muitos deles logo após a defesa das dissertações. Tamanha demanda provocava o recrutamento docente até entre os graduados. Esse estado de coisas entrou em declínio durante os oitenta, um decênio de estagnação econômica, endividamento público e crise política. Foi um momento em que até uma organização estrangeira como a Fundação Ford promoveu cortes nas bolsas e nos auxílios (Brooke, 2002). Ainda assim, a duração dessa era de

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ciência social nos oitenta após o desarranjo dos sessenta. As regras do jogo foram repostas, mas em novas bases. Ainda assim, essa atmosfera combinada de crise social e de reorganização acadêmica trazia grandes incertezas sobre as carreiras e o futuro dos acadêmicos. O fracionamento da ciência social, que vinha forte desde os setenta, sofreria um refluxo e os acadêmicos começariam a apostar mais na consolidação das picadas abertas que no lançamento de outras empreitadas. Os cientistas sociais endereçaram seus esforços ao fortalecimento intramural dos departamentos e a sobrevivência extramural dos centros de pesquisa, algo imperativo contra a revivência dos malogros passados. Com exceção de alguns novos departamentos e programas de pós-graduação, o arcabouço institucional de ciência social pouco mudou após os oitenta, seguindo quase incólume pelos torvelinhos político, econômico e social daquela década (veja diagrama abaixo).

Quase paradoxalmente, é justamente nesse período que há a tentativa de lançar os estudos ambientais no meio acadêmico.

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crescimento institucional, os entusiastas ambientais tinham agora de lidar com um sistema de credenciais empedernido, com a maior importância dos departamentos na negociação dos destinos pessoais, com o surgimento de instâncias de celebração e consagração por meio das associações acadêmicas e com a instalação gradativa de um regime de assuntos legítimos de ciência social.

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Pós-Graduação na Ciência Social (1967–1989):

Região, Local, Universidade, Data de Fundação e Curso

Manaus

N

orte

L

este

Salvador Recife João

Pessoa Natal Fortaleza

Nenhuma UFBA 1968 MCH UFPE 1967 MS 1977 MA 1982 MP UFPB 1979 MS UFRN 1979 MS UFC 1976 MS

Belém Brasília Belo

Horizonte Rio de Janeiro

UFPA 1977 MPD UNB 1970 MS 1972 MA 1981 DA 1984 DS 1984 MP 1984 MRI UFMG 1969 MP 1981 MS 1985 DD MD IUPERJ 1969 MP 1973 MS 1980 DS 1980 DP UFRJ 1968 MA 1977 DA 1980 MSA PUC-RIO 1987 MRI Goiânia

O

este

Campinas São Paulo Grande Rio de Janeiro Nenhuma UNICAMP 1971 MA 1974 MS 1974 MP 1985 DCS PUC-SP 1973 MCS 1982 DCS USP 1971 DS MS 1972 DA MA 1974 DP MP 1989 DQ MQ UFRRJ 1976 MDAS Cuiabá

S

ul

Araraquara São Carlos Florianópolis Porto Alegre

Nenhuma UNESP 1981 MS UFSCAR 1988 MS UFSC 1985 MSP 1985 MA UFRGS 1973 MS 1973 MP 1979 MA

Legenda: Mestrados em Sociologia (MS), em Antropologia Social (MA), em Ciência Política (MP), em Ciências Sociais (MCS), em Sociologia & Antropologia (MSA), em Sociologia Política (MSP), em Ciências Humanas (MCH), em Demografia (MD) em Relações Internacionais (MRI), em Arqueologia (MQ), em Desenvolvimento, Agricultura & Sociedade (MDAS) e em Planejamento do Desenvolvimento (MPD). Doutorados em Sociologia (DS), em Antropologia Social (DA), em Ciência Política (DP), em Ciências Sociais (DCS), em Demografia (DD) e em Arqueologia (DQ). Fonte: CAPES, 2007.

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O sistema de credenciais condicionava o êxito acadêmico ao regular o acesso a fundos e a postos. Uma hierarquia sutil reservava aos mestres indicação deles aos cargos menos importantes, o que significava dificuldades em receber auxílios de viagem e pesquisa, e aos doutores, a disputa pelos melhores assentos. Era um sistema criado para restringir a demanda por financiamento aos efetivos de alta titulação. Assim, a efetivação, de preferência numa universidade pública, acompanhada do doutoramento era condição primeira para o desenvolvimento de interesses acadêmicos pessoais, quer na pesquisa, quer na organização.

Ainda que preenchesse os requisitos mínimos de autonomia individual, com o doutoramento e a efetivação, o acadêmico precisava também lidar com as associações acadêmicas que vinham sendo criadas desde os setenta e funcionando como centro de distribuição de reconhecimento e prestígio. 2 A

2

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) foi reativada em 1974. A Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) foi fundada em 1977. A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências

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principal associação nacional (ANPOCS), fundada por

programas de pós-graduação e centros de pesquisa, veio a controlar o arranjo de forças entre os cientistas sociais e era o palco que provia a maior visibilidade científica e o veículo que carreava os interesses corporativos vitais.3 A importância da distribuição do prestígio estava ligada à lógica de distribuição do dinheiro no meio acadêmico. Num sistema de financiamento comandado em geral pelo professorado e cujos auxílios premiavam os escolhidos pela avaliação entre pares, a credibilidade do candidato e do assunto era um atributo basilar. Noutros termos, a visibilidade científica era outra condição para a vitalidade acadêmica. Os colegiados associativos, assim como os departamentais, eram a banca de conversão dos trunfos simbólicos em dinheiro e do dinheiro em trunfos simbólicos. A crítica social dos oitenta foi um caminho rápido para galgar visibilidade e, quando combinada com a pesquisa

Sociologia (SBS) foi reativada em 1985. A Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) foi fundada em 1986.

3

De Saint Martin (1988) relata seu assombro de estrangeira, ao ver, no encontro da ANPOCS em 1988, os cientistas sociais brasileiros em

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social, credibilidade. Seja para manter em destaque velhos assuntos, seja para lançar novos, os acadêmicos tinham de atender esses critérios distributivos. Nessa corrida para continuar no páreo, muitos recorreram a uma estratégia que pode ser vista como arriscada: consistia em extrair da agenda política o repertório a investigar, o que levava necessariamente a uma luta intestina para acomodar esses assuntos na agenda da ciência social. É esse o veio que alguns cientistas sociais seguiram ao julgar que os estudos ambientais soavam como uma seara realista para a ciência social. O milenarismo catastrofista em voga dava a deixa à proposição do

aggionarmento ambiental da disciplina e da universidade, na

chave de um chamado à 'razão ambiental', parafraseando o economista mexicano Enrique Leff, uma das lideranças hispano-americanas no processo de intelectualização do meio ambiente e com forte influência entre os estudiosos brasileiros do meio ambiente.

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III CAPÍTULO. GRANDES PROJETOS E PROBLEMAS NACIONAIS

1. Desenvolvimento e Etnologia

Até aproximadamente 1985, último ano do governo sob chefia militar, poucos sociólogos e antropólogos haviam escrito algo explícito sobre o meio ambiente. Os que fizeram isso exploravam o vocabulário ambiental para analisar o desenvolvimento econômico implementado pelo governo. Os esforços e os recursos governamentais nos setenta e também a crítica acadêmica e intelectual tinham como foco o desenvolvimento nacional e o desenvolvimento amazônico. Por conseguinte, a sociologia do desenvolvimento e a etnologia amazônica galgaram a condição de setores proeminentes no emprego, ainda que seletivo, da nova abordagem ambiental para a análise e a crítica da política econômica dos militares. Os setenta ofereciam a esses setores tradicionais da ciência social brasileira um terreno empírico ricamente colonizado

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pelos grandes projetos de mineração e energia na bacia amazônica, pela expansão da fronteira rumo à floresta amazônica, pelo crescimento demográfico impulsionado pela industrialização ao sul e o êxodo rural ao norte. No conjunto inaugural de textos sociológicos e antropológicos concernentes ao meio ambiente, o relacionamento entre a crítica social do desenvolvimento econômico e o uso de termos ambientais foi feito por cientistas sociais vinculados às tradições domésticas da disciplina. Exemplos disso são Fernando Henrique Cardoso, Lux Vidal e Alberto Guerreiro Ramos, à época todos já tinham quase 50 anos ou mais.

Cardoso (1980) fez uma crítica 'ambiental' ao modelo brasileiro de desenvolvimento, argumentando que este modelo conduziria a uma crise energética, uma urbanização descontrolada e uma expansão predatória da fronteira agrícola. As boas-vindas à nova abordagem que Cardoso dava com o artigo podem ser tomadas como um marco que assinala o

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primeiro movimento de incorporação do meio ambiente ao temário sócio-científico, porém, na chave da sociologia do desenvolvimento de inspiração marxiana, em que trabalho por definição era natureza transformada. Contudo, Cardoso, um sociólogo da velha-guarda, não intentava ali fazer dele próprio um 'pensador ambiental' ou um 'estudioso do meio ambiente', pelo contrário, ele simplesmente lançava uma versão atualizada dele mesmo, tendo em conta que a questão ambiental volvia uma questão de desenvolvimento. Portanto, era um exercício de readequação das conclusões anteriores dele sobre desenvolvimento social e econômico (especialidade acadêmica dele) para aqueles dias.

Vidal (1983) criticava as conseqüências do crescimento econômico para os povos indígenas. Enfatizava a estricção psicossocial, o desmantelamento dos laços sociais, a indenização injusta da expropriação de terras e da 'descapitalização ecológica' pela qual passavam os indígenas

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atingidos pelos 'grandes projetos'. Quase como Cardoso, ela incendiava os textos com essa terminologia vinda do PNUMA, na

qual meio ambiente é a palavra-chave. No entanto, o foco de Vidal permanecia sobre a etnologia amazônica e a campanha indigenista dos oitenta, mas com o manuseio das preocupações contemporâneas centrais (energia, meio ambiente, direitos etc.). Esse vínculo entre a etnologia amazônica e as preocupações ambientais aparece em outros textos dela. Por exemplo, Vidal (1986; 1989) manejava o vocabulário ambiental muito mais abertamente que antes (1983), o que assinalava a transição do uso tímido da palavra 'meio ambiente' para suas aparições desbragadas em fins dos oitenta, então algo já mais aceitável no meio intelectual. Colaboraram para essa aceitação a influência entre os brasileiros da 'antropologia ecológica' amazônica do antropólogo estadunidense Emilio Moran e a boa recepção do volume 'Etnobiologia' da Suma Etnológica editada pelo antropólogo Darcy Ribeiro.

Referências

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