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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COORDENAÇÃO DE RADIALISMO

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COORDENAÇÃO DE RADIALISMO

VENDO O SOM NO CINEMA:

OS FENÔMENOS SONOROS NA SEQUÊNCIA DE ABERTURA DE ERA UMA VEZ NO OESTE (1968), DE SERGIO LEONE

EVERTON GOVEIA DE OLIVEIRA

CUIABÁ-MT 2016

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VENDO O SOM NO CINEMA:

OS FENÔMENOS SONOROS NA SEQUÊNCIA DE ABERTURA DE

ERA UMA VEZ NO OESTE (1968) DE SERGIO LEONE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Radialismo

Orientador: Prof. Dr. Diego Baraldi de Lima.

CUIABÁ-MT MAIO 2016

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Talvez ser grato signifique reconhecer o que você tem pelo que é. Talvez sejamos agradecidos pelas coisas mais familiares que conhecemos ou pelas coisas que nunca conheceremos. No final das contas, o fato de termos coragem para continuar firmes, de pé, é razão suficiente para celebrar.

Agradecimento primordial àquele que tudo faz ser possível e que nesses anos todos foi base para que tudo o que me propus fazer desse certo. Obrigado Deus por ter sido, além de tudo, aquele em quem pude me apoiar todas vezes em que pensei que não conseguiria. A fé no teu amor incondicional e presença viva e santa, foi o que me fez chegar até aqui. Obrigado por mesmo em meio a tantas falhas, nunca ter desistido de mim.

Aos meus pais, Pedrinho e Elza, que não mediram esforços para a concretização de mais essa etapa da minha vida, o apoio de vocês foi essencial para a conclusão de mais essa jornada. Obrigado por desde o início da graduação e até antes, terem incentivado e investido na minha educação. A vocês dedico todo o esforço desse trabalho. À toda minha família, o meu mais sincero agradecimento por todo o incentivo e orações dedicadas a mim durante todos esses anos.

Aos colegas de curso que dividiram comigo todas as incertezas em relação a graduação e que agora comemoram o fim desse percurso junto comigo. Àqueles que já se formaram, aos que por ação do destino estão ficando, todos vocês foram essenciais para dar sentido a essa caminhada. Estendo um agradecimento especial a essas duas guerreiras que foram meus braços direito e esquerdo dentro da Universidade: Patrícia e Radharani, minhas amigas, minhas parceiras, com elas vivi as melhores coisas que a UFMT pode me proporcionar; obrigado por toda paciência e compreensão dedicadas a mim esses anos todos.

À Patrícia, mais uma vez, um agradecimento mais que especial por ter sido minha parceira de graduação, minha parceira de mobilidade, minha parceira de vida, obrigado por tantos momentos divididos e por, na maioria deles, ter me ensinado tanto sobre um pouco de tudo, sobre a vida, o principal dos ensinamentos. A você, minha amiga, o meu mais profundo respeito e admiração. Gratidão!

Ao Ministério Universidades Renovadas (MUR), por trazer sentido à minha graduação e me colocar mais perto de Deus dentro da Universidade, através de pessoas tão queridas e amadas que me acolheram desde o início da faculdade e

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amado, obrigado por dividirem comigo tantos sorrisos, lágrimas e por transparecerem Deus em todos os momentos em que estivemos juntos, através deles estendo este agradecimento a todos que fazem parte desta grande família.

Aos meus vizinhos e amigos do Residencial Bogotá, o agradecimento por suportarem todas minhas crises de ansiedade, aflições e preocupações com a escrita deste trabalho e por sempre oferecerem um ombro amigo nas horas mais difíceis, principalmente quando a saudade de casa aperta. Pâmela, Letícia, Hugo, Carla, Nalva, Samilla e Suellen, tem um pouco de vocês nisso tudo. Obrigado!

Aos amigos de longa data, que mesmo distantes sempre se fizeram presentes, ressignificando o verdadeiro sentido da palavra amizade. Rodrigo, Jean, Thatty, Jéssika e Ana, esse agradecimento é direcionado a eles, os amigos que escolhi para chamar de irmãos e que me acompanharam ao longo de todos esses anos, no decorrer da minha graduação, escutando as lamúrias, comemorando as conquistas, celebrando os encontros, oferecendo os melhores conselhos e, acima de tudo, sempre incentivando e apoiando minhas decisões. A eles, o meu mais profundo agradecimento pela amizade dedicada a mim com tanto afinco.

A todos os professores do curso de Comunicação da UFMT, obrigado pelo tempo dedicado à minha formação. O grau alcançado hoje, só foi possível graças aos ensinamentos de vocês. Estendo aqui também, um agradecimento aos professores do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco, em especial ao professor Rodrigo Carreiro, que de certa forma, me inspirou a escrever sobre o tema do qual se trata este trabalho e que foi colaborador indireto da escrita do mesmo.

Aos professores Moacir Barros e Yuri Kopcak, agradeço por terem aceito o convite para fazer parte da banca examinadora desse Trabalho de Conclusão de Curso, pela leitura e sugestões que puderam deixá-lo mais consistente. Obrigado!

Finalmente ao professor Diego Baraldi, agradeço por ter aceito meu projeto de monografia. Pela orientação tranquila, revisões cuidadosas e assistência precisa, os meus mais sinceros agradecimentos.

E obrigado a todos aqueles que porventura eu tenha esquecido de mencionar aqui e que colaboraram direta ou indiretamente com a realização deste trabalho.

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OLIVEIRA, Everton Goveia. Vendo o som no cinema: os fenômenos sonoros na sequência de abertura de Era Uma Vez no Oeste (1968), de Sergio Leone.

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresenta uma descrição e análise dos fenômenos sonoros na sequência de abertura do filme Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone, partindo do pressuposto de que o som é um agente de fundamental importância na construção do filme. Nossa descrição realçará os diferentes sons presentes na sequência, além de permitir analisar como o manejo desses sons, combinados ao conteúdo imagético dos planos, pode produzir um audioespectador atento aos diferentes sentidos e nuances que tais sons e imagens constroem. Para dar base a esta análise utilizamos como aportes teóricos os estudos de Michel Chion e Rodrigo Carreiro sobre o som no cinema. Buscamos, através deste trabalho, entender que o som no cinema tem o poder de despertar no audioespectador outras experiências sensoriais além do ouvir.

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OLIVEIRA, Everton Goveia. Seeing the sound in cinema: the sound phenomena in the opening sequence of Once Upon a Time in the West (1968), of Sergio Leone.

This final paper provides a description and analysis of sound phenomenon in the opening sequence of the film Once Upon a Time in the West, of Sergio Leone, assuming that the sound is an important key agent in the construction of the film. Our description will highlight the different sounds present in the sequence, also allows to analyze how the management of these sounds, combined with the imagistic plans’ content, can produce an attentive audio-spectators to different meanings and nuances that such sounds and images build. To provide the basis for this analysis we used as the theoretical contributions the Michel Chion and Rodrigo Carreiro studies about the sound in the cinema. We seek, through this study, understand that the sound in the cinema has the power to awaken in audio-spectators other sensory experiences beyond listening.

Keywords: cinema, sound, audiovision, audio-spectators, Once Upon a Time in the West.

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Fig. 1 Fora de campo, in e off: o tri-círculo 23

Fig. 2 O tri-círculo complexificado 24

Fig. 3 O cineasta Sergio Leone 29

Fig. 4 Cartazes de divulgação dos filmes que compõem a Trilogia dos dólares

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Fig. 5 Cartaz de divulgação do filme Era uma Vez no Oeste

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Fig. 6; 7A; 7B Frames de Era uma vez no Oeste 38

Fig. 8 Frame de Era uma vez no Oeste 39

Fig. 9; 10 Frames de Era uma vez no Oeste 40 Fig. 11A; 11B; 11C Frames de Era uma vez no Oeste 41

Fig. 12 Frame de Era uma vez no Oeste 42

Fig. 13A; 13B; 13C; 13D; 13E Frames de Era uma vez no Oeste 43

Fig. 14 Frame de Era uma vez no Oeste 44

Fig. 15; 16 Frames de Era uma vez no Oeste 46

Fig. 17 Frame de Era uma vez no Oeste 47

Fig. 18 Frame de Era uma vez no Oeste 48

Fig. 19; 20 Frames de Era uma vez no Oeste 49 Fig. 21 ;22 Frames de Era uma vez no Oeste 50 Fig. 23A; 23B; 23C; 24 Frames de Era uma vez no Oeste 52

Fig. 25 Frame de Era uma vez no Oeste 53

Fig. 26; 27 Frames de Era uma vez no Oeste 54

Fig. 28 Frame de Era uma vez no Oeste 55

Fig. 29A; 29B; 29C; 30; 31 Frames de Era uma vez no Oeste 56 Fig. 32; 33 Frames de Era uma vez no Oeste 57

Fig. 34 Frame de Era uma vez no Oeste 58

Fig. 35 Frame de Era uma vez no Oeste 59

Fig. 36; 37 Frames de Era uma vez no Oeste 60 Fig. 38; 39 Frames de Era uma vez no Oeste 61

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Introdução 09

1. Memorial 10

2. Tema e Objetivos 13

3. Organização do TCC 14

Capítulo I. Era uma vez o Som no Cinema: o fenômeno sonoro no audiovisual

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Capítulo II. Era uma vez Sergio Leone: estilo, características e influências 27

Capítulo III. Era uma vez o Som do Oeste: descrição e análise dos fenômenos sonoros na sequência de abertura de Era Uma vez no Oeste 36 Considerações Finais 66 Referências Bibliográficas 69 Referência Filmográfica 70 Anexo 71

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1. Memorial

O que é o som, senão um fenômeno que nos afeta tanto fisiologicamente quanto emocionalmente? Sabemos que as pessoas são afetadas por diferentes estímulos, de maneiras diversas. Os sons também podem despertar em cada pessoa sensações específicas e díspares que certamente não se limitam apenas ao ouvir.

Poderia dizer que minha primeira experiência significativa com sons se deu no Ensino Médio, na rádio da escola. Ainda que de forma rudimentar, aprendi o básico sobre programação de rádio para poder comandar os programas que embalavam os períodos de intervalo dos alunos. Os programas eram basicamente compostos por músicas dos mais variados estilos, sendo que os próprios alunos faziam os pedidos. O primeiro contato aqui, então, foi com o som enquanto música.

Esse primeiro contato com a produção radiofônica, ainda incipiente, por se dirigir apenas a alunos de uma escola com o intuito de entretê-los, fez com que nascesse em mim o interesse pelo curso de Comunicação Social. Depois disso, em 2011, ingressei na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), como aluno do curso de Comunicação Social com habilitação em Radialismo. A princípio o intuito era cursar Jornalismo, até porque eu não tinha muito conhecimento sobre o curso em que havia ingressado e meu interesse, até aí, era seguir carreira jornalística. Mesmo ingressando como aluno de Radialismo, havia o intuito de mudar de habilitação nos semestres seguintes, visto que existia um tronco comum entre os cursos de Comunicação (Radialismo, Publicidade e Jornalismo), em que as disciplinas eram as mesmas para todos os graduantes, nos três primeiros semestres.

No decorrer desses primeiros semestres, pude conhecer mais sobre o curso de Radialismo: as possibilidades de trabalho ao final do curso, as várias áreas de atuação que um profissional graduado pode exercer, entre outras coisas. Tudo isso me fez perceber que o curso de Radialismo me traria mais possiblidades de exercer o papel de comunicador no mercado de trabalho, e que era isso mesmo o que eu queria desde o início, quando decidi ingressar no curso de Comunicação Social. Foi então que descartei a ideia de mudar de habilitação.

Ao longo dos demais semestres, mais precisamente a partir do quarto, quando começam a ser ofertadas disciplinas voltadas à atuação prática do profissional de radialismo, fui me apaixonando cada vez mais pelo universo do audiovisual: fotografia e iluminação, roteiro, programação, produção, direção. Todas essas áreas

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despertaram minha atenção, em especial o campo da fotografia e iluminação. Tratar da composição de imagens em quadro, até então, era o campo em que eu desejava trabalhar, mas em determinado momento do curso, fui apresentado ao som enquanto elemento da produção audiovisual.

Na grade do curso não existe uma disciplina que estude em específico o som no audiovisual. Porém, o tema sempre foi apresentado no conteúdo programático de algumas disciplinas, ainda que de maneira superficial. Em três dessas disciplinas, o som foi abordado de maneira especial: Redação Audiovisual I, Fotografia e Iluminação I e Tecnologia de Imagem e Som, ministradas respectivamente pelos professores Yuri Kopcack, Moacir Barros e Diego Baraldi, este último, orientador desta monografia. Nessas disciplinas o som foi apresentado como agente transformador de uma obra audiovisual, atuando diretamente na construção da narrativa e exercendo diversas funções além de apenas acompanhar as imagens do quadro. Nas três disciplinas mencionadas acima, foram utilizadas várias passagens de obras audiovisuais a fim de exemplificar as diferentes maneiras como o som pode aparecer em uma produção finalizada. Um filme em especifico (a sequência inicial, para ser mais exato) foi utilizado como exemplo nas três disciplinas. Tratava-se de Era uma vez no Oeste, filme de Sergio Leone, lançado em 1968, cuja sequência inicial acabou por se tornar o objeto de estudo desse Trabalho de Conclusão de Curso.

Essas três disciplinas e esses três professores foram capazes de despertar em mim um interesse pelo que, até então, eu entendia apenas como um elemento para “enfeitar” as imagens que desfilavam na tela. Pude, a partir do aprendizado advindo dessas experiências, entender que, em uma produção audiovisual, o som tem um valor muito maior do que aquele que as pessoas estão habituadas a imaginar.

Comecei a pesquisar mais sobre o tema, já que não existia uma disciplina no curso que tratasse especificamente sobre o fenômeno sonoro. Tive a oportunidade de participar de alguns cursos e oficinas sobre o som no cinema, ofertadas pelo Sesc Arsenal em Cuiabá, e tudo isso aumentou ainda mais a minha paixão pelo tema.

No segundo semestre de 2014, quando iria cursar o sétimo semestre do Curso de Radialismo, tive a oportunidade de fazer uma mobilidade acadêmica, durante um semestre, em Recife/PE. Fui então afastado pela UFMT para o intercâmbio e me matriculei em quatro disciplinas do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Como me foi dada a opção de escolher quais disciplinas cursar, optei por disciplinas que não eram ofertadas na grade do curso de

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Comunicação da UFMT. Duas delas eram relacionadas ao som no cinema: captação de som e design de som, ambas ministradas por um mesmo professor, Rodrigo Carreiro, amante dos estudos sobre o som no cinema e colaborador indireto da escrita desta monografia, através de suas obras sobre o som.

Ao decorrer da mobilidade, cursando estas disciplinas relacionadas ao som, novamente a abertura de Era uma vez no Oeste foi usada como exemplo para explicar a influência do som na composição de narrativas cinematográficas. Mais uma vez, o filme de Leone cruzava o caminho de minha graduação. Tive contato com equipamentos de captação de som, softwares de edição de som, além, claro, da sempre solícita atenção de Rodrigo Carreiro para com as dúvidas pertinentes, que apareceram no decorrer das aulas. Como trabalho final da disciplina de captação de som, pude realizar um trabalho prático, no qual a intenção era captar sons ambientes de um determinado lugar para compor a trilha de ambiência de determinado filme. Em dupla, eu e minha parceira captamos os sons que caracterizavam a orla de uma praia. Trabalho incrível, feito com êxito. Para a outra disciplina, design de som, por não ter muita intimidade com os softwares de edição de som, optei por realizar um trabalho teórico. Começou aqui o processo de escolha do tema para o Trabalho de Conclusão de Curso de Radialismo na UFMT. Por já ter ouvido tantas vezes falar dos sons da sequência inicial de Era uma vez no Oeste, decidi escrever breve análise sobre o uso dos sons nessa abertura como trabalho final da disciplina. Os trabalhos foram avaliados e o período de mobilidade acadêmica então se encerrou.

A possibilidade de fazer esse intercâmbio e cursar as disciplinas do curso de Cinema e Audiovisual da UFPE, em especial essas duas disciplinas relacionadas ao som, foi com certeza uma experiência enriquecedora e tem contribuído até hoje para os rumos que tenho planejado tomar após o término da graduação. Hoje posso dizer que o som no audiovisual tornou-se uma paixão. Poder trabalhar com isso será muito mais que prazeroso.

No primeiro semestre de 2015, quando retornei para Cuiabá, comecei a desenvolver o meu pré-projeto para o TCC. Já havia definido o tema ao final da mobilidade acadêmica e agora minha maior preocupação seria ter que escrever uma monografia sobre ele, visto que sempre almejei apresentar um produto audiovisual como Trabalho de Conclusão de Curso, seja ele, um documentário, programa de TV ou Rádio, justamente por não ter tanta aptidão para escrita de trabalhos acadêmicos. De tanto ter ouvido falar sobre o som na sequência inicial de Era uma vez no Oeste,

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acabei nutrindo um interesse muito grande pela mesma. Decidi então me dedicar à produção da descrição e análise sonora da referida sequência.

2. Tema e Objetivos

O tema deste Trabalho de Conclusão de Curso é um estudo sobre os sons no cinema, mais particularmente, sobre a apreensão e categorização dos diferentes sons e sua articulação com as imagens em movimento na sequência inicial do filme Era uma Vez no Oeste, de Sergio Leone. Propomos um estudo sobre o comportamento do som no decorrer da referida sequência, sobre a relação dos sons com as imagens, e sobre como tais sons propõem a quem assiste à sequência sentidos e nuances sensoriais diante da narrativa. Objetivamos explicitar que os sons podem despertar no espectador outras experiências sensoriais além do ouvir. Além disso, visamos apresentar o som como um agente de fundamental importância dentro das produções audiovisuais, explicitando que o manejo do som envolve elementos que podem passar por todas experiências sensoriais dentro do cinema.

O tema escolhido busca dar ênfase ao estudo sobre o fenômeno sonoro na composição da obra cinematográfica e sua inter-relação com os demais elementos visuais, filiando-se a outros estudos sobre o som no audiovisual. Em relação a tais estudos, Bernardo Marquez Alves (2013) nos diz que:

O som cinematográfico não pode ser considerado um tema periférico na bibliografia em língua portuguesa sobre o universo dos estudos de cinema e audiovisual. [...] A pesquisa brasileira sobre o assunto, que chegou no final do século passado com pouca representatividade, tem nos primeiros onze anos do século XXI, [...] a demonstração de que este campo de estudo já é digno de ser reconhecido também no país. (ALVES, 2013, p.114)

No Brasil o interesse dos pesquisadores e profissionais do som em estudar teoricamente o seu campo vêm aumentando. Assim, o surgimento de novas fontes bibliográficas sobre o campo, cresce em um fluxo até então inédito. Nessa tradição, nosso TCC, propõe um estudo do papel do som dentro de uma obra cinematográfica, trabalhando com conceitos que iluminam e valorizam a presença do som no cinema, atentos para sentidos e nuances sensoriais produzidas pelo manejo do som, o que produz um audioespectador cada vez mais apto a perceber e explorar os sons cinematográficos através de outros sentidos, além da audição.

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Entenderemos o fenômeno sonoro no cinema em sua totalidade, naquilo que Chion (2011) considera enquanto banda sonora, ou seja, tudo que é possível ouvir dentro do filme, inclusive o silêncio. Assim sendo, espera-se que este trabalho contribua com os estudos sobre o som no universo cinematográfico, e no reconhecimento do mesmo como um agente de fundamental importância para a construção do filme.

3. Organização do TCC

Este Trabalho de Conclusão de Curso está organizado em três capítulos: o primeiro, intitulado “Era Uma Vez o Som No Cinema: o fenômeno sonoro no audiovisual”, apresentaremos alguns conceitos e teorias acerca do som no cinema, a fim de dar subsídio para descrição e análise apresentada no capítulo III. Como embasamento teórico utilizaremos obras de referência, como A audiovisão: som e imagem no cinema de Michel Chion e O som do filme: uma introdução de Rodrigo Carreiro. Com este capítulo de revisão bibliográfica, objetivamos compreender alguns conceitos sobre características e usos dos sons no cinema, para que os mesmos pudessem, no capítulo III, iluminar a descrição e análise que realizamos.

No segundo capítulo, intitulado “Era Uma Vez Sergio Leone: estilo, características e influências”, apontaremos algumas informações contextuais sobre o filme Era uma vez no Oeste e o cineasta Sergio Leone, de modo a enfatizar a importância de filme e cineasta para a história do cinema. Este capítulo também caracteriza-se por conteúdos levantados a partir da revisão bibliográfica.

No terceiro e último capítulo, intitulado “Era Uma Vez o Som do Oeste: descrição e análise dos fenômenos sonoros na sequência de abertura de Era uma vez no Oeste”, realizaremos a descrição e análise do som na sequência de abertura do filme de Sergio Leone. Essa descrição e análise foi desenvolvida a partir dos elementos teóricos e contextuais apresentados nos capítulos anteriores, e visa a realçar o manejo expressivo dos elementos sonoros na construção da sequência analisada, a fim de despertar no espectador sensações específicas produzidas pelo som – em combinação com as imagens - no decorrer da sequência. Em relação à metodologia utilizada para descrição e análise da sequência, partimos inicialmente da decupagem (ou decomposição) do conteúdo de imagem e som dos planos que compõem a sequência (vide modelo de decupagem utilizada nos anexos deste TCC).

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Essa decupagem foi essencial para que pudéssemos perceber as diferentes aparições dos diferentes tipos sons (diálogo, ruídos, música, silêncio) e sua relação mais direta com o campo imagético (se sons in, fora de campo, off, etc). A partir dessas constatações mais iniciais, começamos a desenvolver uma descrição que buscou realçar justamente trazer ao primeiro plano a maneira como os sons de Era uma vez no Oeste são manejados de modo inventivo. Foi através do procedimento da descrição pormenorizada dos diferentes elementos que se inter-relacionam na sequência em questão que fomos desenvolvendo essa análise atenta para o lugar destaque que os sons ocupam no filme de Sergio Leone.

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CAPÍTULO I

ERA UMA VEZ O SOM NO CINEMA: O FENÔMENO SONORO NO AUDIOVISUAL

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Quando se fala no som de determinado filme, talvez o que venha inicialmente à mente de muitas pessoas seja algo envolvendo a trilha musical. Para além dessa constatação inicial, devemos entender que o som no cinema não se refere apenas ou somente às músicas que acompanham o filme. O som no cinema compreende todos os elementos sonoros que podem ser escutados dentro do filme. Desse modo, o som no cinema é composto por três elementos: a voz, os ruídos e a música. Por conseguinte, poderíamos mencionar o silêncio como um quarto elemento que, em consonância com os três anteriores, permite ao audioespectador1 vivenciar a

experiência sonora no cinema.

Juntos, estes elementos formam a banda sonora que, atrelada à imagem, maximiza o efeito dramático do filme e chama a atenção do audioespectador nas cenas de impacto. É, portanto, um diferencial, mas também, princípio fundamental em qualquer filme falado. Isto porque a ausência de som é vista, hoje em dia, como algo incomum em narrativas cinematográficas.

A voz, presente nas falas e nas narrações, é responsável por identificar principalmente os atores, sendo também um meio de expressão altamente criativo. A entonação da voz de algum ator ou até mesmo do narrador pode enfatizar alguma situação do enredo, sugerir algo implícito ou instigar ainda mais o audioespectador em relação aos próximos acontecimentos da trama.

Os efeitos sonoros são compostos pelos sons, reconhecíveis ou irreconhecíveis pelo audioespectador, que servem como caracterização do ambiente sonoro ou como elemento diegético, isto é, que corresponde ao presente da ação/narrativa. Ruídos como o tilintar de talheres, passos em folhas secas ou o toque de um telefone se encaixam na categoria de efeitos sonoros. Como todos os demais sons no filme, podem ser ouvidos claramente pelo audioespectador (a menos que a intenção do diretor seja colocá-los de modo sutil ou encobertos).

Para que estes efeitos tenham qualidade sonora suficiente para serem escutados de forma clara, muitas vezes são captados após o processo de filmagem. Isto porque a grande prioridade, em relação ao som, no momento em que se filma uma cena, é garantir que os diálogos fiquem perfeitamente audíveis. Para isso usam-se microfones direcionais, que captam a voz, usam-separando-a do som ambiente.

1 Termo utilizado por Michel Chion (2011), para se referir ao espectador de sons e imagens no cinema

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Os ruídos são inseridos depois, na mixagem, e podem ser retirados de bancos sonoros ou produzidos de modo individual. É essa a função do processo de foley (no Brasil conhecido como “sonoplastia”). Processo que produz em estúdio, sons e ruídos com elementos diversos. O nome dado ao processo de recriação desses sons especiais é decorrente do seu inventor (Jack Foley 1891-1967). Muitas vezes o que é usado para produzir determinado som não possui nada em comum com o objeto que aparece na imagem do filme e que receberá aquele efeito sonoro. Podemos, por exemplo, produzir o som de brasas de fogo com folhas secas ou papel celofane.

Ainda sobre os elementos da trilha sonora, Carreiro (2014b) explica que estes estão diretamente ligados e também se complementam, porém são de naturezas diferentes. Os ruídos e os diálogos são considerados mais realistas, por se apresentarem diretamente relacionados a algo que aparece na tela, entrando então na categoria dos sons diegéticos, os sons que pertencem ao mundo representado na tela, ouvidos pelo público e pelos personagens no presente da ação. A música tem uma função emocional, de sugerir ao espectador algum tipo de sentimento, podendo ou não, pertencer ao mundo que é apresentado na tela. Sendo diegética quando oriunda de um objeto cênico da tomada, e extra-diegética quando não faz parte do ambiente em que se desenrola a cena. Assim, os sons extra diegéticos não se relacionam ao presente da ação do mundo representado na tela e, por conseguinte, não são escutados pelos personagens que habitam esse mundo. Tais sons são ouvidos apenas pelo audioespectador. O silêncio é um outro elemento que pode ser adicionado na categoria dos elementos da trilha sonora de um filme, pois segundo Carreiro,

A opção de dar aos silêncios uma função narrativa importante vai contra a corrente principal da narrativa fílmica tradicional, de certo modo, pois interfere no ritmo do filme, tornando-o mais lento. Do ponto de vista estético, por outro lado, é exatamente essa decisão criativa que transforma o longa-metragem em trabalho original. (CARREIRO, 2010, p.1)

Esses elementos, junto com a imagem ou independente dela, são capazes de produzir sentido e significado à narrativa do filme. Evidenciam momentos, caracterizam ambientes, despertam sentimentos, entre outras funções decorrentes do seu uso dentro da narrativa cinematográfica.

O som tem, então, uma função muito maior do que apenas ilustrar as imagens que desfilam no decorrer do filme. O som passa a ter valor quando é parte de um

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conjunto e se torna um colaborador ativo que faz parte de todo processo, pois assim como foi dito anteriormente, o som tem grande papel associado à imagem na construção de sentido e significado da narrativa, ao conduzir o personagem e despertar sentimentos e sensações no audioespectador, que sem o som seriam impossíveis de se obter.

O som no cinema passou por um longo processo de evolução, assim como a imagem. O cinema continua caminhando para a perfeição da experiência de imersão e, com o avanço da tecnologia, é natural que haja um número cada vez maior de salas altamente equipadas e modernas. Mas, quando o assunto é som, tudo começa quando os filmes deixam de ser apenas tomadas de cenas cotidianas e transformam-se em histórias. Logo transformam-se iniciaram vários estudos a fim de transformam-se obter um maior conhecimento cinematográfico e uma definição de linguagem. A ideia de agregação do som vem junto com estes estudos, afinal, as interpretações teatrais dos atores e inserções de legendas faziam com que o público assimilasse bem o contexto da obra, porém, esta se enriqueceria muito se possuísse som unido à imagem.

O cinema nunca foi mudo. É o que explica Rodrigo Carreiro (2014b), dizendo que a expressão “cinema mudo” tornou-se popular, porém sempre foi usada de forma incorreta. Ao invés de nos referirmos a um “cinema mudo”, seria mais apropriado falarmos em um “cinema silencioso”. Isso porque nos primeiros anos do cinema as exibições de filmes sempre tiveram algum tipo de acompanhamento sonoro. Como exemplos de tais acompanhamentos, Carreiro (2014b) elenca: alguém que tocava piano, orquestras de câmara, narradores, técnicas rudimentares de sonoplastia. Até o surgimento do cinema sonoro, quando o som passa a ser um elemento insubstituível da representação fílmica, estes acompanhamentos musicais sempre estiveram presentes durante a projeção dos filmes. Assim sendo, pode-se afirmar que o som sempre fez parte da história do cinema, sendo um elemento de grande importância para a indústria cinematográfica.

Desde os primórdios do cinema o som esteve presente se fazendo útil, ainda que não interferisse diretamente nas narrativas dos filmes. Com o passar dos anos, o advento de tecnologias possibilitou o surgimento do cinema sonoro, tornando possível a introdução do som à película do filme. A partir de então a relação entre imagem/som começa a ser tratada de forma diferente, quando, de fato, a banda sonora do filme e os três elementos que a compõem (voz, ruídos e música) começam a ser introduzidos na narrativa fílmica e ganhar sua importância enquanto elemento fílmico. Hoje, é

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indiscutível o fato de que o som é parte essencial e pode fazer toda diferença em uma obra cinematográfica.

Dentre os elementos significadores presentes dentro de um filme, ainda que existam avanços em seus estudos teóricos, o som é uma das questões ainda pouco questionadas pela teoria e pela estética. Jacques Aumont sugere que isso acontece porque, entre as características do cinema, a reprodução do som é uma das que parecem mais “naturais” (AUMONT, 2009, p.44). Porém, sabe-se que o som não é um dado natural na reprodução cinematográfica, o papel da trilha sonora varia muito de acordo com o filme. Nesse sentido, a concepção do que é ou não natural começa a ser questionada, ampliando assim os estudos sobre o papel do som dentro de uma produção cinematográfica.

Michel Chion (2011), diz que o som pode assumir diversas funções dentro da narrativa cinematográfica, e na maioria das vezes isso vai depender da relação que este mantém com a imagem. Como base nessa relação, Chion nos apresenta o efeito de valor acrescentado, efeito esse que pode ser dado pelo texto (vococentrismo e verbocentrismo), pela música e/ou pelo ruído. Dentre estes a fala é a que tem maior destaque em relação aos demais elementos sonoros. Sobre o conceito de valor acrescentado, Michel Chion pontua:

Por valor acrescentado, designamos o valor expressivo e informativo com que um som enriquece uma determinada imagem, até dar a crer, na impressão imediata que dela se tem ou na recordação que dela se guarda, que essa informação ou essa expressão decorre, naturalmente, daquilo que vemos e que já está contida apenas na imagem. E até dar a impressão, eminentemente injusta, de que o som é inútil e de reforçar um sentido que, na verdade, ele dá e cria, seja por inteiro, seja pela sua própria diferença com aquilo que se vê. (CHION, 2011, p. 12)

Essa ideia de valor acrescentado geralmente se refere ao campo da sincronia som/imagem, o que estabelece uma rápida relação entre o que se ouve e o que se vê. O som assim se sobrepõe e potencializa aquilo que é mostrado na tela, através das imagens.

Chion (2011) afirma que há muito mais diferenças entre a percepção sonora e a visual do que imaginamos, levando em consideração que estas percepções influenciam-se entre si, apesar de serem percebidas de modos diferentes. O som, por sua vez, implica naturalmente em contraposição da imagem, o movimento e, por natureza, um deslocamento, uma agitação. A temporalidade é percebida de forma

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diferente da imagem, por possuir uma dimensão específica dentro dessa dinâmica. Chion argumenta:

De uma forma sucinta o ouvido analisa, trabalha e sintetiza mais rápido do que o olho. [...] Se o olho é mais lento, é porque tem mais trabalho a fazer: funciona, em simultâneo, no espaço que explora, e no tempo, que segue. [...] O ouvido isola uma linha, um ponto do seu campo de audição, e segue esse ponto a essa linha do tempo. [...] O olho é mais ágil espacialmente e o ouvido é mais ágil temporalmente. (CHION, 2011, p. 16)

A exploração do olhar, aquilo que vemos no cinema, se limita ao que está no quadro, (ainda que o espectador possa ser convocado, justamente pelo modo como o conteúdo do quadro está organizado, a pensar no espaço que existe para além do enquadramento – o fora de campo –, podemos dizer, assim, que há um contentor muito bem delimitado para o conteúdo visual do cinema, qual seja, o próprio quadro/enquadramento). Em relação ao que ouvimos, é bem diferente. A exploração do que é passível de ser ouvido no cinema não é tão facilmente delimitada assim, já que não existe, para os sons, um equivalente ao quadro/enquadramento cinematográfico. É o que Chion (2011) nos explica ao dizer que o cinema não possui um contentor sonoro, reforçando que ao assistirmos a um filme, o som não pode ser localizado da mesma maneira que a imagem. O som tem o incrível poder de nos surpreender, e mobiliza o audioespectador tanto afetiva quanto semanticamente, afetando-o e convocando-o a produzir sentidos a partir dessa combinação dos elementos sonoros com aquilo que é visto na imagem.

Ao comentar que o som não existe, no cinema, da mesma maneira que a imagem, Chion (2011) convoca-nos a considerar que talvez não exista algo como banda sonora, de forma isolada, no cinema, não havendo cena sonora preexistente na banda sonora. O autor argumenta que...

... ao dizermos não existe banda sonora queremos, portanto, dizer, para começar, que os sons do filme não formam, considerada à parte da imagem, um complexo em si dotado de unidade interna, que se compararia globalmente com aquilo a que chamamos de banda de imagem. Mas também queremos dizer que cada elemento sonoro estabelece com os elementos contidos na imagem – personagens, ação –, assim como com os elementos visuais de textura e de cenário, relações verticais simultâneas muito mais diretas, fortes e claras do que as que esse mesmo elemento sonoro pode estabelecer paralelamente com os outros sons. (CHION, 2011, p.38)

Os sons no cinema se distribuem através das imagens no quadro, correspondendo diretamente a elas ou estando fora de quadro, ou ainda circulando

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pelas imagens sem necessariamente fazer parte do ambiente (diegese) em que se desenrolam. O som circula dentro do quadro, mas não necessariamente está presente, visivelmente, nele. Nesse sentido o som no cinema é “aquilo que procura o seu lugar” (CHION, 2011). A falta de um contentor para os sons no cinema aumenta a contribuição que estes podem ter dentro da narrativa cinematográfica.

Segundo Chion (2011), dentro das narrativas cinematográficas existem uma zona visualizada, onde o que ouvimos corresponde diretamente aquilo que vemos, e uma zona acusmática2, onde ouvimos o som sem ver sua fonte.

Nesse sentido, o autor classifica três tipos de som de acordo com o trajeto que eles realizam no espaço dessas zonas, sendo eles: a) os sons in, aqueles sincronizados, ou seja, cujas fontes são visualizadas no quadro; b) os sons off, aqueles cujas fontes além de estar ausente da imagem também não fazem parte do ambiente em que se desenrolam as cenas, como é o caso de músicas extra-diegéticas e das vozes de narração; c) os sons fora de campo, aqueles que ainda que não vejamos a causa no quadro, entendemos que ele está ali presente na cena. Isso gera um confronto do som com a imagem que o estabelece como fora de campo, e o faz ressoar na superfície do que está contido na tela. Este som fora de campo é o som acusmático, ou seja, aquele som que ouvimos sem ver a fonte que o causa, fonte essa que pode permanecer invisível temporária ou definitivamente.

Michel Chion (2011) ainda apresenta esses três tipos de som como as três zonas de um círculo, em que cada zona se comunica com as outras.

2 Termo utilizado por Michel Chion mas atribuído ao músico Pierre Schaffer, que relaciona-se a

possibilidade de ouvirmos sons sem vermos a (s) causa (s) que os originaram (CHION, 2011, p.61). No cinema, os sons acusmatizados são aqueles que, temporariamente ou não, o audioespectador não consegue associar ao campo imagético. Em dada sequência, um som pode ser acusmatizado ou visualizado (quando a fonte está presente no quadro/na imagem), ser inicialmente visualizado e depois acusmatizado, ou ser inicialmente acusmatizado e depois visualizado. No capítulo III, realçaremos situações que lidam com todas essas possibilidades.

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Figura 1. Fora de campo, in e off: o tri-círculo

Dada a complexidade do arranjo dos sons em certas situações fílmicas, Chion achou pertinente explorar outras possibilidades que transbordam esse trí-círculo. Desse modo, ao tri-círculo foram acrescentadas novas regiões do som. Essas regiões correspondem ao som ambiente, o som interno e o som on the air.

O som ambiente é definido como aquele som que envolve uma cena e habita seu espaço, sem chamar atenção para a localização e visualização de sua fonte: pássaros, sinos. O som interno é aquele que está presente na ação desenvolvida em cena, mas que corresponde ao interior físico e mental do personagem: sons fisiológicos de respiração, batimentos do coração ou ainda as vozes mentais ou de recordações. O som on the air, correspondem aos sons que pairam no ar, ou seja, sons presentes numa cena, mas que são (re)transmitidos eletricamente, por rádio, telefone, televisão, escapando às leis naturais de propagação do som. (CHION, 2011)

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Figura 2. O tri-círculo complexificado

Ainda que um pouco mais complexo, o tri-círculo se enriquece com tais regiões, o que possibilita entender as diferentes dimensões que o som ocupa dentro da narrativa cinematográfica. Algumas distinções são possíveis a partir: a distinção acusmático/visualizado; a distinção objetivo/subjetivo ou real /imaginado; e a diferença passado/presente/futuro (CHION, 2011).

O cinema sonoro refere-se justamente a esses sons que se multiplicam e atravessam o espaço onde as imagens são projetadas. E é isso que dá ao som poder dentro da narrativa cinematográfica. Chion pontua:

[...] o som é, mais do que a imagem, um meio insidioso de manipulação afetiva e semântica. Quer o som nos trabalhe fisiologicamente (ruídos da respiração); quer, pelo valor acrescentado, interprete o sentido da imagem e nos faça ver aquilo que sem o som não veríamos, ou que veríamos de outra forma. (CHION, 2011, p.33)

A autor também apresenta ao leitor três modos de escuta, pelos quais o audioespectador apreende os sons do filme. Essas escutas visam objetivos diferentes e são denominadas por Chion como causal, semântica e reduzida (Chion, 2011, p. 27). A primeira escuta refere-se aos sons que ouvimos de maneira mais ou menos uniforme, buscando reconhecer a fonte material dos mesmos, a sua causa. A segunda escuta refere-se aos aspectos semânticos do discurso cinematográfico, para

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interpretação de mensagens, nesse caso, da linguagem falada. A terceira e última escuta se dá quando o espectador dirige sua atenção para um elemento especifico do som, independentemente de sua causa e sentido, para analisá-lo com toda a atenção possível. Estas três escutas influem diretamente para o modo como apreendemos o som dentro da narrativa cinematográfica e, portanto, nos ajudam a entender o papel do mesmo dentro dela.

Para a contribuição do som na narrativa cinematográfica, Carreiro (2014b) classifica seis princípios específicos do meio audiovisual acerca da mixagem do som. Esses princípios ajudam a controlar a percepção do espectador em relação ao som dentro da narrativa. São eles: a) continuidade – refere-se à uma base sonora ambiente sem que haja muitas alterações em suas características físicas como volume, timbre; b) seletividade – somente sons relevantes devem ser escutados para não tornar a banda sonora uma massa confusa; c) hierarquia – quando os sons narrativamente mais importantes se sobrepõe aos demais, justificando uma impressão de realidade e continuidade; d) legibilidade – todos os sons da banda sonora precisam ser legíveis ao espectador; e) motivação – quando distorções na percepção do som são aceitas somente quando usadas para acentuar subjetividades dos personagens; f) invisibilidade – para conferir ao som poder narrativo, é inadmissível a aparição do equipamento de captação em tela.

Somados esses seis princípios, dentro da narrativa o som poderá assumir várias funções: evocar sentimentos, determinar lugares, indicar cenários, indicar períodos, definir personagens, unificar momentos, acentuar atenção aos detalhes, enfatizar transições, descrever um espaço acústico, atenuar ações, entre várias outras funções. Mesmo assumindo essas funções ao decorrer da narrativa, o som age por si mesmo, muitas vezes, assumindo um papel independente dessas funções e passa a ter vida própria. É o que explica Ángel Rodríguez (2006), ao dizer que o som não atua somente em função à imagem ou dependente ao campo imagético. Segundo o autor,

[...] o áudio não atua em função da imagem e dependendo dela; atua como ela e ao mesmo tempo que ela, fornecendo informação que o receptor processará de modo complementar em função de sua tendência natural à coerência perceptiva. Nossos ouvidos não dependem de forma alguma de nossos olhos para processar informação; atuam em sincronia e em coerência com eles. Foram os produtores e estudiosos do som que subordinaram o som à imagem, e não ao sistema perceptivo. (RODRÍGUEZ, 2006, p. 277)

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Assim como outros estudiosos do campo, Rodriguez enfatiza que o som não deve ser assimilado como simples acompanhamento da imagem, mas como elemento com valor próprio na obra audiovisual. Ele é capaz de despertar no audioespectador uma experiência que vai além de apenas ouvir. O som perpassa outras experiências sensoriais, associa-se a elas e dá sentido e significado a qualquer narrativa. Em muitos casos não teriam sentido nenhum sem a presença do som. Para Carreiro,

[...] O som não existe no filme apenas para inscrever as imagens no tempo ou ampliar a aparência de realismo: ele faz muito mais que isso. O som afeta a maneira como percebemos a trilha visual, ajuda a guiar o olho do espectador e induz sentimentos, sensações e emoções que, sem ele, talvez permanecessem ausentes. (CARREIRO, 2014b, p. 17-18)

Partindo destes pressupostos acerca do som no cinema, descreveremos e analisaremos no terceiro capítulo deste TCC, a aparição e múltiplas combinações a partir do manejo do som na sequência de abertura do filme Era uma vez no Oeste, filme dirigido por Sergio Leone, lançado no ano de 1968. Antes disso, no próximo capítulo, apresentaremos algumas informações contextuais e estilísticas a respeito do filme, bem como sobre o seu diretor, Sergio Leone, explicitando a importância de ambos para o cinema moderno.

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CAPÍTULO II

ERA UMA VEZ SERGIO LEONE:

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Em meio a homens de barba malfeita, tiros e explosões para todos os lados, paisagens e músicas de tirar o fôlego, momentos silenciosos que amplificam a tensão de cenas dramáticas, sacadas inteligentes e diálogos irônicos, Sergio Leone construiu um estilo próprio de filmar, transformando-se em um cineasta que se tornou referência para muitos outros, principalmente no que diz respeito ao gênero faroeste, mais especificamente a um subgênero deste, o western spaguetti.

Sergio Leone nasceu em Roma, Itália, no ano de 1929. Filho de Vicenzo Leone, que já mantinha relação com o cinema, Sergio começou a trabalhar no cinema desde cedo. Segundo Rodrigo Carreiro,

[...] ele [Sergio Leone] trabalhava com cinema desde os 16 anos, quando exerceu postos de figurante e quinto assistente de direção Ladrões de

Bicicleta. Nos 13 anos que se seguiram até Os Últimos Dias de Pompéia (Gli Ultimi Giorni di Pompei, Mario Bonnard, 1959), que dirigiu, substituindo o

titular adoentado [...], Leone executou uma variedade de serviços ligados à produção cinematográfica, sobretudo como roteirista, assistente de produção e diretor assistente. [...] (CARREIRO, 2014a, p.40)

Ao longo desse período, em que executou diversos serviços ligados a produção cinematográfica, Sergio Leone trabalhou em trinta e cinco longas-metragens. Em 1964, dirigiu o filme Por um punhado de Doláres, primeiro de uma trilogia, lançando um novo gênero cinematográfico, o qual seria responsável por consagrar o trabalho de Leone pelo resto de sua vida: o western spaghetti.

O western spaghetti ou bang-bang à italiana, como ficou conhecido no Brasil, é um subgênero do western, produzido principalmente na Itália e Espanha, entre as décadas de 1960 e 1970. Este nome é o resultado de uma mistura entre a palavra estadunidense que define o gênero faraoeste (western3), unida com a tradicional

comida italiana (espaghetti), em referência ao país de origem dos filmes dessa derivação do faroeste. Essas produções eram consideradas de baixo orçamento, já que eram feitas de forma simples: locações na Europa (Itália e Espanha, principalmente), porém com cenários baseados no velho-oeste americano.

3 O western é um gênero que já existia mesmo antes de sua representação cinematográfica. A música

folk americana e a literatura já retratavam os conflitos internos dos Estados Unidos, a expansão das estradas de ferro e os combates entre indígenas e colonizadores. Seu primórdio consistia nas chamadas narrativas de cativeiro, onde uma mulher branca era raptada por um índio e esperava por um homem branco para salvá-la. Essa estrutura narrativa serviu de base para os filmes que surgiram algum tempo depois (BERGER, 2016).

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Graças a este gênero, por cerca de quinze anos (aproximadamente entre 1964 e 1978) o gênero western experimentou uma renovada popularidade na Itália, após um período de declínio. O gênero também foi bem-sucedido fora da Itália, influenciando os temas e convenções do gênero western de produção não-europeu.

Figura 3. O cineasta Sergio Leone

Por um Punhado de Doláres, primeiro western de Sergio Leone, não inaugurou o estilo na Itália. Foi o vigésimo quinto filme do estilo a ser produzido, porém alcançou um sucesso muito maior do que os outros que foram lançados anteriormente e se tornou a maior bilheteria de 1964 na Itália. Esse sucesso convenceu os produtores de que o filme reunia todas as condições para se tornar o próximo ciclo de cinema popular da época.

Após Por um punhado de dólares, Sergio Leone se destacava cada vez mais e acabou por realizar mais dois filmes culminando na criação da famosa Trilogia dos dólares: Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito também conhecido como O bom, o mau e o feio (1966). Nesta trilogia podemos destacar a trilha sonora composta por Ennio Morricone. Os filmes de Sergio Leone não seriam os mesmos sem a música composta por Morricone. A música de Morricone, nos filmes de Leone, é quase como um personagem no filme, ela tinha tanta importância que podia ser o

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próprio elemento de uma ação. Leone consegue dizer muito mais com a música do que com o diálogo e por isso a usa bastante em todos os seus filmes. Morricone compôs alguns dos maiores e mais belos temas musicais para o cinema, e é um dos grandes compositores da história do cinema. Reconhecido duas vezes na maior premiação do cinema internacional, o Oscar: em 2007, quando ganhou um Oscar honorário por todo conjunto de sua obra e esse ano (2016), em que conquistou a estatueta pela trilha sonora de Oito Odiados, filme de Quentin Tarantino.

Figura 4. Cartazes de divulgação dos filmes que compõem a Trilogia dos dólares, em seus títulos originais, em italiano.

Podemos dizer que Leone criou um estilo próprio de filmar. Dentre as características adotadas por Sergio Leone na criação dos seus filmes estão o uso de close-ups extremos, momentos silenciosos e tensos, diálogos irônicos, efeitos sonoros incríveis, perfeita sincronização entre imagem e som, intensas explosões, violência estilizada, flashbacks que criavam novas histórias, cenas repletas de pessoas nas ruas, duelos em todos finais de filmes, entre outras. Em seus filmes, Leone constrói um mundo sujo, quente e desértico. Os personagens estão sempre com suas peles tomadas pela areia e pela lama, demarcando cada pequena marca e ruga de seus rostos. Ele abre cada cena com detalhes. Um plano iniciado com um close em um rosto pode se transformar, em sua duração, em um grande plano aberto da paisagem que circunda os personagens. Para a época em que seus filmes eram realizados, tais escolha eram ousadas, uma vez que a linguagem clássica dominante pregava que as cenas deveriam começar com planos mais abertos e depois, aos

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poucos e com a utilização de planos cada vez mais fechados, ir encontrando os personagens e suas histórias. Com esse estilo, o diretor italiano desafiava o cinema estadunidense. O cinema norte-americano utilizava de 8 a 12 frases por minuto, enquanto os filmes de Leone traziam incríveis 3 a 7 frases. Desse modo, Leone utilizava o silêncio como elemento da narrativa. No western spaghetti, era permitido que se filmasse o tiro e a vítima sendo atingida (sem cortes), o que era proibido em Hollywood. O estilo de Leone era inovador, visionário e realista, pois mostrava um velho oeste americano poeirento, sujo, com rostos mal-humorados, com barba por fazer e corrupto. Não era nada como os westerns americanos, românticos, alegres e gloriosos, Leone, sendo italiano, dava ao western um olhar europeu, mais crítico, realista e lúdico.

Logo após a Trilogia dos doláres, foi lançado, em 1968, Era uma vez no Oeste, o quarto bang-bang de Sergio Leone, e o primeiro de uma nova trilogia, sendo seus sucessores Quando Explode uma Vingança (1971) e Era Uma Vez na América (1984).

Era uma vez no Oeste foi o filme que elevou o estilo de Leone ao extremo da perfeição, sendo uma das principais obras do western spaghetti. Foi a partir deste filme que os trabalhos de Leone passaram a ter um orçamento mais arrojado, já que trazia um elenco de primeira, estrelando atores como Charles Bronson, Henry Fonda, Jason Robards e Claudia Cardinale.

O filme conta a história de uma ex-prostituta Jill McBain (Claudia Cardinale), do bandido Cheyenne (Jason Robards), do pistoleiro de aluguel Frank (Henry Fonda) e de Harmônica (Charles Bronson). Os quatro se encontram quando Morton (Gabrielle Ferzetti), um barão ferroviário, contrata Frank para afugentar Brett McBain (Frank Wolff), dono de terras por onde passaria a ferrovia que vinha em direção ao Oeste. Porém, o pistoleiro massacra a família e depois planta evidências incriminando Cheyenne. Nesse tempo, Jill chega à cidade, vinda de Nova Orleans, revelando que havia se casado com Brett McBain, portanto, as terras ainda tinham dono. O homem com a gaita, Harmônica, aparece e junto com Cheyenne ajudam a mulher a manter sua propriedade. Além disso, Harmônica também acerta suas contas com Frank, revelando um doloroso motivo para essa vingança. O roteiro é coeso e aborda temas interessantes como a vingança e o poder do dinheiro, além de mostrar a corrupção que envolvia todo o processo de construção das ferrovias.

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Figura 5. Cartaz de divulgação do filme Era Uma Vez no Oeste, em seu título original, em italiano.

O diretor italiano demonstra também seu talento na direção de atores, extraindo performances de alto nível. O grande destaque fica para Charles Bronson como o frio e determinado Harmônica, sempre com a expressão séria e focado em seu objetivo. Suas introduções em cena com o som da gaita anunciando sua presença são maravilhosas. Henry Fonda também está muito bem como o expressivo vilão Frank. Seu olhar penetrante caiu como uma luva no personagem, que conta ainda com um jeito lento de andar, característico de quem é extremamente autoconfiante. O ponto alto da grande atuação de Jason Robards são os momentos de humor. Cheyenne é um vilão divertido e ambíguo, e Robards transmite essa ideia em muitas cenas com extrema habilidade. Sua conversa com Jill sobre a importância que tem para um trabalhador ver uma mulher linda como ela é hilária. Ele também tem um bom desempenho dramático, como na cena em que diz para Jill que ela o faz lembrar sua mãe. Sua expressão sincera é marcante e estabelece uma conexão com a personagem, além de conseguir o respeito dela. Claudia Cardinale está belíssima como Jill. Sua memorável última cena, quando ela se mistura aos trabalhadores para

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lhes dar água, é também extremamente simbólica. Seu olhar penetrante fascina os outros personagens, que vão descobrindo aos poucos o poder que aquela mulher tem naquele ambiente hostil. Ela é o centro da narrativa, tudo gira ao seu redor. Interessante notar como os três homens chave da trama têm alguma relação mais intima com ela de diferentes formas. Harmônica é mais violento, Frank mais romântico (com a concessão dela), e Cheyenne é mais bem-humorado (e abusado também). Também merece destaque a cena em que Morton (Gabriele Ferzetti) vê o quadro do mar e sente que jamais conseguiria ver o que tanto desejava, pois sabe que seu fim está próximo. Ferzetti transmite toda a angústia do personagem através do olhar triste e da respiração pausada.

A trilha de Enio Morricone dita o ritmo de cada take filmado. E cada

personagem tem seu tema musical que o identifica dentro da obra, conhecido como

leitmotiv4. A música nesta obra se eleva em determinados momentos do filme, dada

sua precisão em imprimir a carga dramática nas cenas. O som é vital em Era uma Vez

no Oeste, deixando de ser um elemento secundário e convocando o audioespectador a perceber os elementos sonoros no decorrer da narrativa.

Outros elementos característicos dos filmes de Leone aparecem com maestria em Era uma vez no Oeste. O clima tenso e a sensação presente de que aquelas pessoas dificilmente sobreviverão mantém o audioespectador sempre atento à narrativa. Era uma vez no Oeste é uma fábula lenta e triste sobre o fim de uma era e o início de outra na sociedade americana. A chegada da ferrovia trouxe o progresso para aquelas pessoas, mas trouxe também o fim de um período memorável, recheado de personagens inesquecíveis. Todos estes elementos fazem do filme uma obra-prima marcante e eterna.

A antológica sequência cena de abertura do filme sintetiza todo o estilo de Leone e é o objeto de descrição e análise deste Trabalho de Conclusão de Curso. Na sequência, três pistoleiros estão em uma estação de trem, esperando pela chegada de alguém. Durante esta cena, é importante notar a falta de diálogo entre os três, que em vez disso é preenchida por vários barulhos: o moinho de vento, uma gota que cai no chapéu de um dos homens, uma mosca. Leone capta as expressões de cada um deles de forma incrível, e em vez de se apoiar em falas sentimos o tédio e a tensão crescente através dos gestos não-verbais dos personagens. Essa cena dura cerca de

4 De acordo com Rodrigo Carreiro, “o leitmotiv é um tema repetido diversas vezes no filme e associado

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uinze minutos, e é um dos exemplos do estilo visual italiano. A tensão que Leone é capaz de criar com essas cenas é incrível, produzindo no audioespectador essa mesma sensação de longa espera e tensão contínua que vai tomando conta dos personagens. O som desempenha um papel muito importante nesta cena.

Apesar de ser considerado uma referência importante a cineastas como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, Sergio Leone foi pouco aclamado pela crítica de sua época e o reconhecimento crítico de sua obra demorou algum tempo para vir. Além de inspirar cineastas mais contemporâneos, como os citados anteriormente, Leone também influenciou realizadores da chamada New Hollywood5, como Brian De

Palma, Sam Peckinpah, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola. Leone não realizou apenas faroestes, como muitos pensam. Praticou o cinema por completo dentro de um único gênero. Isto é, tudo de mais magistral possível encontrado no cinema, poderíamos encontrar nos westerns de Sergio Leone.

A influência de Sergio Leone para o cinema contemporâneo pode ser observada nas obras de Quentin Tarantino, cineasta mais celebrado pela crítica internacional desde a década de 1990, e que sempre expressou grande admiração pelo trabalho de Leone:

Havia um grau de verossimilhança em seus filmes [de Leone] que outros filmes da época não tinham. Mesmo que então os filmes dele fossem vistos como surrealistas, tinham uma aparência realista que não era possível encontrar em títulos dos anos 1950 e 1960. (...) Era uma vez no Oeste foi como uma escola de cinema para mim. Eu o vi na TV quando criança, e foi uma grande experiência porque dava para apreender da experiência um novo estilo de direção. (...) Com Era uma vez no Oeste, foi como se ele [Leone] dissesse: este aqui é o seu faraoeste norte-americano, OK? Agora vou subvertê-lo. (TARANTINO, 2003, apud CARREIRO, p. 247-248)

Tarantino usou de vários recursos do estilo característico de Leone: close-ups extremos, representação da violência, heróis que fogem do padrão convencional e violentos. Várias referências a Leone podem ser encontradas em obras como Kill Bill (2003) e Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009).

5 A New Hollywood também chamada de Hollywood pós-clássica e, às vezes, American New Wave,

refere-se a um movimento cinematográfico estadunidense que renovou significativamente a produção técnica e estética da indústria de cinema dos Estados Unidos na década de 1970, após vivenciar uma profunda crise econômica e de paradigmas na primeira metade dos anos 1960. (Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Hollywood>. Acessado em 18 de abril de 2016)

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Falecido no dia 30 de abril de 1989, Sergio Leone foi o expoente máximo do western spaghetti, criando um estilo próprio e que teve um estrondoso sucesso em todo o mundo, influenciando muitos filmes e realizadores posteriormente.

Em Era uma vez no Oeste, Leone dá a um elemento da linguagem cinematográfica um papel muito importante na construção de suas narrativas. É sobre esse elemento que falaremos no próximo capítulo: o som, e de forma particular, sobre a aparição dos sons, seus usos e suas relações com o campo imagético na abertura do filme.

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CAPÍTULO III

ERA UMA VEZ O SOM DO OESTE:

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS FENÔMENOS SONOROS NA SEQUÊNCIA DE ABERTURA DE ERA UMA VEZ NO OESTE

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O ranger da porta antiga se abrindo (figura 6) faz com que também adentremos o espaço interior da estação ferroviária. O conjunto de planos de diferentes porções do espaço da estação não permitem que vejamos o local por inteiro, mas os ruídos amplificados que começam a se apresentar, vão produzindo um espaço ampliado, que não se limita ao que vemos no enquadramento. Os sons produzem essa ambiência. Tão logo a porta que se abre, segue-se um plano detalhe em que vemos uma mão que segura um giz, friccionando-o sobre um quadro que informa que o trem está atrasado há duas horas (figura 7A). Há um zoom-out que nos apresenta o já idoso bilheteiro da estação de trem. Ele aparece em primeiro plano virando-se em direção ao som que provém da abertura da porta (figura 7B). Neste plano começam a compor a paisagem sonora os ruídos que irão acompanhar praticamente toda a sequência de abertura de Era uma vez no Oeste: o som do cata-vento de moinho enferrujado, o som do vento e dos pássaros da paisagem exterior, além de outros barulhos que relacionam-se ao que vemos em quadro (ainda que nem sempre a fonte seja visível), como é o caso dos personagens caminhando sobre o chão de madeira da estação. Ainda que na maior parte do tempo não seja possível ver a fonte da qual se originam esses sons, eles relacionam-se ao que vemos na cena e constroem um espaço fílmico ampliado, constituído pela combinação daquilo que vemos e daquilo que, mesmo não visível, relaciona-se com o campo visual. Esses sons fora de campo nos dão uma dimensão maior do ambiente cênico, ainda que não vejamos suas causas. São os sons relacionados à acusmática.

A acusmática é um conceito utilizado por Michel Chion, mas teorizado por Pierre Schaffer, que o define como aquilo “[...] ‹‹que ouvimos sem ver a causa originária do som››, ou ‹‹que faz ouvir sons sem a visão das suas causas››” (2011, p.61). Trata-se, portanto, do som percebido sem que haja na imagem algo visível com o qual possa ser relacionado. Esses sons criam um mistério acerca de sua fonte, natureza ou propriedades.

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Figura 6. Em um plano inteiro vemos uma porta que se abre, o som rangedor é bem característico.

Figura 7A. Num plano detalhe vemos uma mão que segura um giz friccionado sobre um quadro que informa o trem está atrasado há duas horas; Figura 7B. o bilheteiro da estação de trem em primeiro plano olhando para a porta. Fora de quadro é possível ouvir vários ruídos que nos permitem explorar sensorialmente o local: moinho, pássaros, vento.

A fonte do som de passos sobre o chão de madeira, é revelada no plano seguinte, onde, em detalhe vemos os pés de alguém, calçados com botas, em um movimento que empurra a porta para que ela se feche (figura 8). A câmera revela esse personagem em um tilt up até seu rosto, quando conhecemos o pistoleiro interpretado por Woody Strode (os personagens da sequência não são nomeados – exceto Harmônica; desse modo, utilizaremos os nomes dos atores para nos referir aos mesmos). Os sons que ambientam a cena continuam sendo os mesmos do plano

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anterior, ainda fora de campo, ou seja, o som acusmático, já definido anteriormente, como aquele que ouvimos sem ver a causa.

Figura 8. O plano detalhe mostra os pés de alguém em um movimento que empurra a porta para que ela se feche.

O espaço interno do prédio da estação é mostrado por inteiro após um minuto, em um plano conjunto onde vemos os outros dois pistoleiros parados em frente as outras duas portas da estação: o primeiro (Jack Elam) logo em frente a câmera, o outro (Al Mulock) na outra porta em segundo plano (figura 9). A câmera segue num movimento panorâmico para a esquerda revelando parte do ambiente de dentro da estação. Uma mulher indígena, que trabalha no local, segura uma ferramenta com cabo de madeira e está parada próxima a outra porta da estação, porta essa onde está parado o primeiro pistoleiro (Woody Strode). O plano seguinte revela todos os personagens no espaço da estação ferroviária. Os três pistoleiros que até então estavam parados nas portas, agora caminham para o interior da estação. O bilheteiro continua parado, e a mulher indígena desloca-se em direção a porta para sair, mas é impedida por Woody Strode que a interrompe, puxando-a pelas costas, segurando-a pelas roupas. Neste plano é possível observar, de forma mais agrupada, o espaço interior da estação (figura 10).

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Figura 9. Em plano conjunto vemos dois pistoleiros parados em frente as outras duas portas da estação.

Figura 10. Neste plano observamos o espaço interior da estação, além de todos personagens em quadro.

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O clima de tensão se intensifica quando, nos planos seguintes vemos o bilheteiro tentando estabelecer um diálogo com Jack Elam. Aqui a voz do senhor passa a fazer parte do ambiente em primeiro plano sonoro. Os demais sons já citados continuam presentes, fora de campo. Em primeiro plano Jack Elam aparece de cabeça baixa com o rosto coberto pela aba do chapéu. O bilheteiro, mostrado, às costas de Jack Elam, aproxima-se do pistoleiro e começa a informá-lo sobre a necessidade de adquirir um bilhete para manter-se no espaço da estação (figura 11A). O rosto em close-up de Jack Elam toma conta do quadro (figura 11B), e vemos o semblante amedrontador do personagem, indicando estar pouco interessado nas palavras de seu interlocutor. Percebemos o medo do bilheteiro pela voz gaguejada que ouvimos fora de campo. Quando há um close em que vemos a face do bilheteiro a encarar o pistoleiro, o velho já está com seu semblante amedrontado, e aos poucos deixa de repreender Jack Elam dizendo que está tudo bem (figura 11C).

Figura 11A. Em primeiro plano Jack Elam aparece de cabeça abaixada com o rosto coberto pela aba do chapéu, e o senhor bilheteiro logo atrás; Figura 11B. O rosto em close-up de Jack Elam com semblante amedrontador; Figura 11C. Close-up do rosto do senhor bilheteiro com semblante amedrontado.

Em close, Alan Mulock aparece brincando com um passarinho que está preso em uma gaiola (figura 12). O som do passarinho que estava fora de campo, agora é um som in, já que o passarinho está agora presente dentro do quadro e domina a sinfonia de ruídos, junto com Alan Mulock que reproduz sons com a sua boca em brincadeira com o pássaro.

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Figura12. Alan Mulock aparece brincando com um passarinho que está preso em uma gaiola. Agora vemos a causa o som de passarinho: neste plano, trata-se de um som in.

Ainda nessa sequência de planos no interior do prédio da estação, vemos o bilheteiro sendo preso dentro do banheiro da estação. Em plano conjunto Jack Elam aparece segurando o ombro do bilheteiro. Um movimento panorâmico para a direita revela Woody Strode em cena, a se abanar com o chapéu, a mulher indígena nas contiguidades (figura 13A). Jack Elam empurra o senhor bilheteiro para dentro do banheiro da estação. Em close vemos o bilheteiro dentro do banheiro com olhar assustado (figura 13B). O mesmo ocorre com o rosto de Jack Elam, que olha para o idoso e faz um sinal com as mãos em frente à boca para que o bilheteiro mantenha-se em silêncio (figura 13C). Elam faz sinal para que os outros pistoleiros fechem a porta do banheiro. Nesse momento Jack Elam aparece ainda em primeiro plano (figura 13D). Quando a porta se fecha e ele desaparece do quadro. Esse fechar de porta é realçado com um barulho amplificado. Há um fade para a tela escura, onde surge, em letreiro que parece simular uma rajada de balas, a inscrição “A Sergio Leone Film” (figura 13E). O som que mais chama atenção nesta sequência é o da porta que se fecha com o som amplificado, e o som da tranca que é ritmado com a aparição do letreiro que credita o filme a Sergio Leone.

Referências

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