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VIRILIDADE E PEDERASTIA NOS EPIGRAMAS DE MARCIAL

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Academic year: 2021

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VIRILIDADE E PEDERASTIA NOS EPIGRAMAS DE MARCIAL

MENNITTI, Danieli (FAPESP/ UNESP) ROSSI, Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho (UNESP)

Introdução

Ser cidadão possuía significados diversos nos diferentes momentos da história romana. A vida deste cidadão será permeada por regulamentações. Ainda que a igualdade seja um princípio básico na lei, ela não garante que o conjunto de cidadãos, em um sentido amplo, possua os mesmos direitos e posicionamentos. Cidadãos romanos pertencentes a ordens sociais diferentes, no Império, possuiriam direitos diferenciados, ainda mais se este cidadão pertencesse a uma ordem social superior.

Cidadãos são todos aqueles nascidos livres, que podiam pagar impostos, que podiam ser convocados em caso de guerra e que poderiam efetuar uma participação nas decisões políticas; ou seja, no caso, só os homens adultos1. Desse modo, sua participação na vida da cidade transforma-o, numa perspectiva geral, em um sujeito de direito2.

A perpetuação do bom funcionamento dessa sociedade, ou ainda, da cidade, dependia, entre outros elementos, da conduta social do cidadão. Construía-se uma moral3 que buscava dar as diretrizes a ser seguidas por este cidadão, a fim de que este bem cumprisse seus deveres para com a cidade. Segundo Grimal,

Esta moral romana possui uma orientação nítida:o seu fim é a subordinação da pessoa a cidade e ainda há pouco tempo o seu ideal continuava a ser o mesmo a despeito de todas as transformações econômicas e sociais.Quando um romano, ainda no tempo do Império, fala de virtus [...] refere-se menos à conformidade com valores abstratos do que à afirmação em acto, voluntária, da qualidade viril por excelência, ao domínio de si – atribuindo, não sem desdém, à

1 NICOLET, Claude. O cidadão e o político.In: O Homem Romano.Dir.:Andrea Giardina.Trad.:Maria Jorge Vilar de Figueiredo.Ed.Presença, 1992.

2 NICOLET, Claude. O cidadão e o político.In: O Homem Romano.Dir.:Andrea Giardina.Trad.:Maria Jorge Vilar de Figueiredo.Ed.Presença, 1992.

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fraqueza feminina a impotentia sui, a incapacidade de dominar a natureza (GRIMAL,PP.67,1984)

O homem romano tinha uma função social e política de relevância. E para tanto, cabia a ele uma postura viril, adequada e correta para a sua condição. A conduta homoerótica em si não era condenada, mas sim a falta de virilidade no comportamento, independente de suas preferências sexuais4. O estrato social do parceiro era um elemento a ser levado em consideração.

Objetivos

Sendo assim, é de suma importância entender as representações do ideal de virilidade romano, dentro da obra de Marcial. É preciso analisar como as relações de poder, as relações sociais, a moral e a moral sexual podem ter papel na construção da conduta e comportamento social, político e sexual, sendo que estas estão totalmente relacionadas com a construção do ideal de virilidade. É possível também ponderar as contradições de visões a respeito da virilidade no seio da sociedade romana. Compreender mais profundamente o ideal de virilidade é vital, pois este tinha uma grande relevância para o cidadão romano, sendo um fator a ser relevado dentro dos quadros sociais, políticos e culturais romanos.

Metodologia

Para a interpretação destes textos, concorda-se com Umberto Eco quando ele explana a respeito do que é interpretação e até onde ela pode ser feita. O autor coloca que existem interpretações cabíveis e que existem superinterpretações.

Eco5 também afirma que é possível perceber a superinterpretação de um texto, mesmo sem atestar categoricamente que uma determinada interpretação é correta, e até mesmo discordando do fato de que exista uma leitura é a correta. Segundo o autor 6, entre a intenção do autor e a visão discutível daquele que interpreta, existe a intenção do

4 VEYNE, Paul. Sexo e poder em Roma. Prefácio: Lucien Jerphagnon. Tradução: Marcos de Castro. Rio de Jeneiro: Civilização Brasileira, 2008. 253 p.

5 ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. Tradução: Mônica Stahel.São Paulo: Martins Fontes, 2005. 184 p.

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texto, funcionando como meio de restrição à liberdade do leitor. O texto possui uma coerência e contexto internos, que freiam os impulsos do leitor.

Outro elemento importante e útil a pesquisa é o conceito de representação enunciado por Roger Chartier. Para ele, “a representação é o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente substituindo-lhe uma ‘imagem’ capaz de reconstituí-lo em memória e de ‘pintá-lo’ tal como é”7. Uma realidade social específica é construída e entendida de diversos modos, em diferentes épocas. As representações mostram como esta sociedade se vê, se imagina se pensa ou como quer ser pensada. Elas são determinadas pelos interesses do grupo que a cria8. Mas não somente ela espelha um determinado contexto, ela o constrói, remodela.

Resultados

Os romanos idealizavam a si mesmos, sublinhando um determinado modelo, pelo qual se forçavam a corresponder, ainda que apenas dentro de um discurso; ideal esse onde muitos de seus elementos, costumes e valores encontram-se em seu passado, ou seja, valores e costumes desse passado são tomados como ponto de referência.Essa moral cuja referência está no passado denomina-se mos maiorum. Ainda segundo Grimal,

É bem verdade que esta imagem idílica de um povo virtuoso, na qual se compraziam os próprios romanos e que eles julgavam ter correspondido aos primeiros tempos, não pode ter sido totalmente verdadeira. Mas também é verdade que os romanos sempre deram provas de elevadas exigências morais e que, tendo fixado um ideal de virtude, o remeteram para o passado, conferindo-lhe o valor de mito do qual se esforçavam por ser dignos (GRIMAL, PP.65, 1984).

A moral, então, seria a responsável por enunciar os elementos necessários “à manutenção da ordem em todos os seus domínios9. O mos maiorum já não se encontravam próximos dos romanos do Império, mas continuaram servindo de

7 CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1990.

8 CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Idem op.cit. 9 POSSAMAI, Paulo César. Revista Bagoas.Edição 05,v.04

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referencial para aqueles que faziam parte da elite romana10·. Este ideal romano expressava, além da questão do domínio de si, o domínio exercido na vida pública. Ser senhor de si e, mais ainda, ser viril, denotava não somente uma qualidade, mas uma virtude cívica. Era importante que este cidadão se comportasse de maneira viril, nos variados âmbitos de sua vida.

As condutas morais, sociais e sexuais no período romano constituem um elemento de grande importância dentro desta sociedade, sendo que estas se baseiam, dentre outros elementos, em relações de poder, da cultura, enfim, em uma série de elementos11. O modo como esta se comportasse era poderia intervir (ou não) nos rumos dessa vida em sociedade e na vida do próprio indivíduo.

E para tanto, cabia a ele uma postura viril, adequada e correta para a sua condição. Isso era tanto mais exigido quando se tratava de um cidadão romano, um homem livre, e ainda mais quando se tratava de um membro da elite romana. A condução desta sociedade cabia ao homem e, portanto esse posicionamento viril vinha a calhar com a figura do pater familias, detentor de direitos preponderantes sobre seus filhos e mulher e que estabelecia seu poder também nos assuntos da cidade12. No contexto romano, não se qualificava as condutas tomando-se por base o sexo do companheiro. Realizava-se a distinção

Pelo fato de ser ativo ou passivo: ser ativo era ser um macho, qualquer que fosse o sexo do parceiro dito passivo. Ter prazer virilmente ou dá-lo servilmente é tudo a mesma coisa (VEYNE, pág.241, 2008).

Além disso, a categoria social na qual se inseria o indivíduo também constava como parte do critério de classificação. Um cidadão romano tinha uma conduta moral a ser seguida, devendo manter a honra e manter limpo o “sangue romano” 13. Contanto que ele mantivesse o papel ativo, poderia manter relações com outro homem, desde que este fosse pertencente a uma condição social inferior, como um escravo, por exemplo14.

10 ROBERT, Jean-Noël. Os prazeres em Roma. Tradução: Marina Appenzeller. São Paulo:Martins Fontes, 1995 (O Homem e a História).314 p.

11 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, revisão e introdução técnica: Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2008.295 p.

12 VEYNE, Paul. Sexo e poder em Roma. Prefácio: Lucien Jerphagnon. Tradução: Marcos de Castro. Rio de Jeneiro: Civilização Brasileira, 2008. 253 p.

13 VEYNE, Paul. Sexo e poder em Roma. Idem.op.cit. 14 VEYNE, Paul. Sexo e poder em Roma. Idem.op.cit.

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Qualquer sentimento ou paixão que faça com que o cidadão seja “subjugado” ou torne-o “dependente” do outro, é entendida como fraqueza, como falta de virilidade por parte deste cidadão15.

Conclusão

Tendo isto em consideração, é possível perceber como a virilidade é um dos elementos que pesam quando se trata das relações nessa sociedade, em seus mais variados níveis.

Mesmo esse sendo um discurso que pairava por toda a sociedade romana, ele era inserido, maiormente no seio das elites romanas. As elites romanas buscavam constituir uma moral mais rígida, mais condizente, com o comportamento esperado de um cidadão romano, ainda mais aquele que possuía participação política. Porém, não há consenso de visões sobre essa conduta do homem na sociedade romana, sendo que na sociedade romana como um todo, inclusive nas elites romanas, existem diferentes opiniões a respeito dessas condutas sociais, práticas, comportamentos e nem mesmo estas práticas ou comportamentos em si eram tão rígidos.

É possível elaborar uma concepção mais ampla, fluida e maleável sobre não somente a sexualidade romana, mas também a virilidade e o homoerotismo. Elencar uma série de elementos que pode influenciar nesta construção da virilidade e mostrar as diferentes visões existentes dentro da sociedade romana, dando a entender toda a complexidade deste sujeito e sua constituição dentro de Roma.

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