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CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS: PERCURSOS DE UM GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS

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CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS

NATURAIS: PERCURSOS DE UM GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS

SCHNEIDER, Tatiani Maria1 MAGOGA, Thiago Flores2 FERREIRA, Marinês Verônica3 MUENCHEN, Cristiane (Orientador)4

Resumo

Paulo Reglus Neves Freire foi um educador brasileiro que muito contribuiu e tem contribuído para a educação nacional e internacional, em especial para o ensino de ciências da natureza. Como teórico crítico (progressista), foi autor de uma pedagogia que problematiza e rejeita a simples “transmissão de conhecimento” - aspecto relacionado à educação bancária-, defendendo o ser “sujeito” como um ser inacabado, que sempre está em busca do “ser mais”. No campo de ensino de ciências da natureza, seus ideais estão repercutidos, de modo geral, em aspectos curriculares, especialmente por se entender que o currículo escolar também é algo inacabado e que necessita constante problematização e reflexão. Diferentes são os grupos que, também trabalhando na perspectiva freireana, defendem essa visão. Criado no ano de 2012, o Grupo de Estudos e Pesquisas Educação em Ciências em Diálogo (GEPECID), vinculado ao Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) é um destes. Assim sendo, pretende-se no presente artigo apresentar e discutir quatro dos trabalhos desenvolvidos por este grupo, relacionando-os com a perspectiva e categorias de Freire. Tais trabalhos são oriundos de pesquisas de mestrados e doutorado, e possuem como foco a defesa de reconstruções curriculares, articuladas ao trabalho coletivo entre escolas de educação básica e universidade. Apesar das dificuldades apresentadas no desenvolvimento destes projetos, destacam-se potencialidades percebidas pelos educadores e educandos envolvidos nas intervenções realizadas, sinalizando a necessidade de dar continuidade a trabalhos desta natureza nas escolas de Educação Básica, não apenas com foco de disseminá-los, mas com o intuito de incorporá-los as práticas escolares.

1

Mestranda do PPG Educação Matemática e Ensino de Física. UFSM. E-mail: tati.maria.schneider@gmail.com

2

Mestrando do PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde. UFSM. E-mail: thiago.ufsm@gmail.com

3

Mestranda do PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde. UFSM. E-mail:marinesmvf@hotmail.com

4 Doutora em Educação Científica e Tecnológica.Departamento de Física.UFSM. E-mail: crismuenchen@yahoo.com.br

O trabalho contou com a colaboração de: Catiane Mazocco Paniz. Doutoranda do PPG Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde. UFSM. E-mail: catiane.paniz@iffarroupilha.edu.br

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Palavras-chave: Paulo Freire; Currículo; Diálogo.

Introdução

Um educador que sempre trouxe em suas obras propostas de transformações educacionais como possibilidade de libertação dos oprimidos foi Paulo Freire. Este autor discute que o processo de ensino não pode simplesmente ficar atrelado à transmissão de conhecimentos, onde o educando é visto como um recipiente vazio, usado pelo educador como depósito de teorias, sendo esse tipo de educação denominado de “educação bancária” (FREIRE, 1987). Freire discute principalmente em sua obra Pedagogia do Oprimido, essa questão de que o educando tem conhecimentos prévios e não pode continuar a ser visto como um sujeito que aceita tal condição, “depósito”. O autor faz críticas a esse tipo de ensino que não considera o educando como sendo o sujeito da aprendizagem, mas o objeto.

Para Freire, ensinar é um ato que exige o olhar do educador para o educando como um sujeito que tem conhecimentos e o ensinar não acontece por transmissão, sendo um processo de construção acontecendo em ambos os sentidos, educador-educando e educando-educador. No sentido da construção do conhecimento, o educador afirma que este se dá em uma relação de diálogo através da problematização de situações significativas para o educando.

Este autor, segundo Schneider, Centa e Magoga (2015), influenciou e continua a influenciar a educação brasileira. Na área de ensino de ciências, especialmente, seus ideais tem refletido em questões curriculares como, por exemplo, no trabalho a partir da perspectiva da Abordagem Temática5, de modo que, autores como Torres e Maestrelli (2014), Lindemann (2010) e Gehlen e Auler (2008), defendem a inclusão das ideias freireanas para o contexto de educação formal.

Ademais, além dos trabalhos citados, ocorre que muitos grupos de pesquisa têm articulado e incorporado os pressupostos freireanos em todos os seus projetos. Um exemplo é o Grupo de

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Abordagem Temática segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011, p. 189) pode ser entendida como: “[...] uma perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada com base em temas, com os quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nesta abordagem a conceituação científica da programação é subordinada ao tema”.

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Estudos e Pesquisas Educação em Ciências em Diálogo (GEPECID), vinculado ao departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Paniz et al. (2014), ao descreverem o grupo, explicitam que ele é formado por discentes e docentes das disciplinas de Biologia, Física e Química, o que possibilita a discussão interdisciplinar e favorece a construção de conhecimento coletivo, dentro de uma perspectiva de “educação libertadora”. Também caracterizando o trabalho do grupo, Silva, Soares e Muenchen (2015) descrevem que:

O grupo Educação em Ciências em Diálogo está estruturado de maneira a discutir referências com base em Paulo Freire, por acreditar que o ensino deva partir da problematização da realidade do sujeito, buscando, fundamentar o conhecimento, oportunizando a mudança da prática docente, formando sujeitos pensantes (p. 5).

Associado a isto, percebe-se que o grupo tem por preceitos o estabelecimento de parcerias com as escolas de educação básica, por entender que só assim, em um trabalho com os sujeitos e não para ou sobre eles - renegando, portanto, o que Freire (2011) denomina de “invasão cultural” - se poderá desenvolver os avanços necessários à educação.

Deste modo, no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação em Ciências em Diálogo (GEPECiD) vem sendo desenvolvidos alguns trabalhos que tratam de articulações entre a concepção de educação dialógica e problematizadora de Paulo Freire e o ensino de ciências. No texto que segue, serão abordados sinteticamente como cada um destes trabalhos tem abarcado tal concepção de educação, destacando os avanços e dificuldades enfrentadas.

Desenvolvimento

Dentre os vários trabalhos desenvolvidos no contexto do grupo, serão apresentados quatro, derivados de pesquisas de dissertações e tese. No entanto, vale destacar que as ações do referido grupo não se restringem a tais trabalhos.

O trabalho desenvolvido por Araújo (2015) teve como problema de pesquisa: “Quais os desafios e as potencialidades encontradas por educadores de uma escola pública estadual de Santa Maria/RS ao utilizar a dinâmica dos Três Momentos Pedagógicos (3MP) para a organização curricular e também como ferramenta didático-pedagógica em sala de aula?”. Assim, os 3MP foram

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empregados tanto no desenvolvimento de um curso de formação de professores como na construção do currículo da escola6 (na qual os educadores participantes do curso trabalhavam). Além disso, foram utilizados como ferramenta didático-pedagógica na elaboração dos planejamentos das aulas.

Desta forma, na construção do currículo a partir dos 3MP, no primeiro momento (Estudo da Realidade), foi realizada a investigação da realidade dos educandos a partir de entrevistas, conversas informais, visitas à comunidade, entre outros. Os dados coletados neste processo foram organizados num dossiê. Posteriormente, as informações contidas no dossiê foram categorizadas e ocorreu a definição do tema gerador.

No segundo momento (Organização do Conhecimento), foram planejadas as atividades a partir do tema “Infraestutura” que emergiu do Estudo da Realidade. Os planejamentos foram desenvolvidos pelos educadores participantes do curso de formação. Na Aplicação do Conhecimento ocorreu a implementação das atividades planejadas no momento anterior.

Em relação à aproximação entre a Investigação Temática e a dinâmica dos 3MP, Araújo (2015) destaca,

[...] foi possível analisar que tanto os 3MP como a Investigação Temática apresentam muitos pontos de convergência. Ambas exploram o mundo real da vida dos educandos e visam, com isso, uma formação baseada na educação dialógica e problematizadora que proporciona uma visão crítica de mundo, possibilitando que os educandos sejam capazes de modificar o meio no qual habitam (p. 54).

As principais categorias de Freire presentes neste trabalho são a dialogicidade e a problematização, incorporadas no projeto principalmente a partir da dinâmica dos 3MP utilizada em todas as etapas do projeto. Além disso, Araújo (2015) aponta que o uso dos 3MP em sala de aula permitiu “aguçar o que Freire denomina de curiosidade epistemológica.” (p.82), isto porque esta dinâmica propicia a participação dos educandos por meio do diálogo e da problematização das situações vivenciadas por estes.

Em relação às potencialidades do desenvolvimento deste projeto, a pesquisadora aponta a possibilidade da construção dos currículos e dos planejamentos por parte das educadoras, além

6

A investigação temática “é desenvolvida em cinco etapas, conforme sistematizado por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), a qual emergiu da releitura realizada por Delizoicov (1991) do terceiro capítulo do livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire” (ARAÚJO, 2015, p.45). Estas cinco etapas, aproximam-se dos 3MP, como discutido por Araújo (2015).

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disso, esta dinâmica ofereceu “[...] uma relação muito próxima com os educandos, proporcionando-lhes discutir, participar, dialogar, avaliar e transformar a comunidade [...]” (ARAÚJO, 2015, p.84). Segundo a autora citada, ao longo do projeto buscaram justamente “[...] romper com o tradicional ensino de memorização, extrapolando os limites de um ensino pautado por uma educação bancária [...]” (p.102). Já em relação aos obstáculos enfrentados no decorrer do processo de formação dos docentes e na implementação das aulas, destaca-se: as condições de trabalho, resistência à nova perspectiva e o trabalho interdisciplinar e coletivo.

Outro trabalho desenvolvido por integrantes do grupo está relatado na pesquisa de Centa (2015). Em tal, o “eixo principal” – comum ao objetivo do grupo – também envolveu a problematização do currículo escolar, articulado à formação de professores, pressupondo a constante ação-reflexão-ação.

Tendo como problema de pesquisa: “Quais as possibilidades e desafios encontrados por educadores de Ciências (Biologia, Física e Química), de uma escola pública de Santa Maria, ao utilizarem a Abordagem Temática em suas aulas, especialmente na estruturação e implementação do tema ‘Arroio Cadena: Cartão Postal de Santa Maria?’ ”, a pesquisadora desenvolveu um trabalho baseado em duas fases: O Processo para obtenção do Tema Gerador; e O Processo Formativo com vistas à Abordagem Temática. Em ambas, é notória a influência do pensamento freireano.

Para a obtenção do Tema Gerador, utilizou-se dos 3MP, quais sejam: Estudo da Realidade, Organização do Conhecimento, e Aplicação do Conhecimento. Tais momentos, como explicitado na pesquisa de Araújo (2015), possuem uma relação intrínseca à Investigação Temática, a qual foi proposta por Freire, no livro Pedagogia do Oprimido, para um contexto de educação não formal.

A própria dinâmica dos 3MP como estruturantes de currículo também foi desenvolvida durante o Movimento de Reorientação Curricular do município de São Paulo, quando o próprio Freire fora secretário de educação. Tratando de tal ocasião, Muenchen (2010) relata que,

[...] os 3MP estavam implícitos em todos os aspectos pedagógicos do Projeto Inter, ou seja, não apenas revelavam a forma como os professores formados conduziam seus esforços na construção curricular como também constituíam a estrutura que guiava o processo como um todo. Logo, pode-se afirmar que os três momentos orientavam tanto o desenvolvimento curricular geral como o trabalho específico de sala de aula (p. 120).

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Mesmo se tratando de um trabalho local (não tendo uma repercussão de modo amplo, como em São Paulo), Centa (2015) relata que, durante o Estudo da Realidade,

O material coletado (análise documental realizado pela pesquisadora do Projeto Pedagógico da escola; pesquisas em jornais locais; conversas informais: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), posto de saúde, prefeitura, Instituto de planejamento da cidade e brigada militar; entrevista com educandos, educadores, equipe diretiva, e comunidade local; questionário elaborado pelos educadores foi organizado e registrado na forma de um dossiê (p. 63).

Os aspectos elencados acima, os quais compuseram o que a autora denominou de “dossiê”, trazendo para uma denominação freireana, compõe a etapa do Levantamento Preliminar (FREIRE, 1989). Para este autor, esta etapa tem por objetivo a busca por dados e informações pertencentes à comunidade investigada.

(Re)Construir um currículo (na perspectiva interdisciplinar) utilizando-se dos 3MP, apesar de ser essencial para uma educação na perspectiva crítica, não constitui tarefa fácil. Centa (2015) elenca e discute isso ao realizar o processo formativo com vista à abordagem temática. No entanto, o principal aspecto desta pesquisa está na importância dada àquilo que Freire denominou de práxis, sendo entendida por ação-reflexão-ação.

Durante a obtenção do tema gerador, do processo formativo e da implementação em sala de aula (por parte dos educadores), foi possível identificar – mesmo que de forma “embrionária”, pois isto é processo – uma mudança de postura em relação à “cultura de participação” dos sujeitos envolvidos. Tal fato pôde ser percebido não só durante as aulas, mas, e principalmente, porque – cientes dos problemas sociais da comunidade – os educandos sentiram a necessidade da construção de um “abaixo assinado” que atendesse as demandas associadas ao “Arroio Cadena”. De acordo com Centa (2015),

Com o rumo que o trabalhou direcionou-se, possibilidades de mudanças para uma “cultura de participação” começaram a emergir. Os educandos, juntamente com a comunidade escolar e local, construíram um abaixo assinado, no qual se reivindica a revitalização do Arroio Cadena, para que vire um projeto de lei (p. 86).

Além desse movimento, a comunidade escolar, juntamente com o GEPECiD, conseguiram organizar reuniões com os representantes do poder legislativo do município de Santa Maria, na

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tentativa de discutir as necessidades enfrentadas pelos moradores da comunidade. Isto foi um dos pontos auges do trabalho desenvolvido, e de certa forma, reafirma a necessidade que temos, enquanto educadores progressistas, de lutar por uma escola pública, que debata os anseios de uma educação popular. Lembremo-nos, pois, das palavras de Freire (2014)

a educação popular cuja posta em prática, em termos amplos, profundos e radicais, numa sociedade de classe, se constitui como um nadar contra a correnteza é exatamente a que, substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade (p.118).

Partindo das dificuldades e possibilidades apresentadas nos trabalhos de Centa (2015) e Araújo (2015), está sendo realizada uma pesquisa de doutorado (Paniz, 2015)7 no sentido de responder ao questionamento: de que forma os 3MP como estruturantes de currículos podem auxiliar na formação de professores? No contexto da atual pesquisa, o diferencial a destacar é a articulação entre a formação inicial e continuada de professores, pois a pesquisa vem sendo desenvolvida no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID.

Atenta-se para o fato de que, além do trabalho coletivo e interdisciplinar, a articulação entre a formação inicial e continuada está embasada e possibilita discussões e reflexões sobre o constante processo de pesquisa, o qual faz parte deste contexto. Sobre a importância da pesquisa para a formação de educadores progressistas, Freire (1997) defende que,

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (p. 29).

Até o momento, foi implementado um processo formativo com os bolsistas do PIBID da Biologia e Química, e supervisores do programa, vinculados ao Instituto Federal farroupilha- campus São Vicente do Sul. O processo teve como objetivo possibilitar a discussão e reflexão sobre currículo, abordagem temática e os 3MP como estruturantes de currículo. A partir do curso, foi realizado o estudo da realidade para se chegar ao tema gerador o qual estruturou o currículo naquele

7 Projeto de doutorado em andamento.

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momento. Em seguida foram planejadas as aulas de forma interdisciplinar que posteriormente foram implementadas nas escolas parceiras do PIBID.

O quarto trabalho refere-se a dissertação de Ferreira (2016), recentemente finalizada. A investigação permeou caminhos na busca por sinalizações de currículos estruturados a partir da abordagem temática em escolas estaduais de Ensino Médio. Esta pesquisa foi estruturada na busca de responder ao seguinte problema: “quais têm sido os encaminhamentos dados, quais os desafios e potencialidades encontradas em intervenções curriculares estruturadas segundo a abordagem temática, em Ciências da Natureza, em escolas públicas de Ensino Médio de Santa Maria/RS?”.

No intuito de responder ao problema de pesquisa a autora buscou identificar escolas a partir dos projetos pedagógicos que apontavam indícios do trabalho na perspectiva da abordagem temática, por entender que este documento retrata as ações e intenções da escola. No entanto, no decorrer da investigação, percebeu-se que os projetos pedagógicos nem sempre trazem a realidade das escolas. Por isso, também buscou-se através de diálogos informais identificar intervenções curriculares na perspectiva da abordagem temática desenvolvidas pelas/nas escolas. A partir da utilização da análise dos projetos pedagógicos e de diálogos informais foi possível identificar seis intervenções curriculares em quatro escolas de Ensino Médio.

A partir da análise realizada no material da pesquisa foram identificadas categorias que discutem dificuldades apontadas pelos educadores e potencialidades sinalizadas a partir das intervenções curriculares na perspectiva da abordagem temática. Nessas discussões foram abarcadas questões presentes em Freire como educação bancária, formação permanente, interdisciplinaridade, aprendizagem, entre outras.

A partir das discussões realizadas no decorrer do trabalho e ancoradas em Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011, p. 34) sinalizam à necessidade de uma reformulação na atuação e formação dos professores na área de ciências da natureza, as quais apresentam lacunas e fragilidades decorrentes do ensino estar baseado em um currículo fragmentado, conteudista e voltado à “formação de cientistas”, o que dificulta o desenvolvimento de um currículo estruturado na abordagem de temas.

Freire (2001, p. 72) na década de 1990 alertava para os perigos dos modelos de formação que estavam sendo implantados, sendo feito apostas em propostas prontas e avaliações posteriores

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com intuito de perceberem “se o ‘pacote’ havia sido assumido e seguido realmente”. Assim, deixava-se de lado a formação dos professores. Sendo entendido a partir de Freire que “[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas”. (FREIRE, 1997, p. 15).

Como alternativa de minimizar essas deficiências e contribuir na formação docente, Freire (1997) destaca a necessidade da “[…] formação permanente dos professores [...]” sendo compreendido por Ferreira (2016) que,

[...] a formação docente não se restringe apenas a formação inicial, pois não se esgota em si mesma, por isso da necessidade da formação permanente que também assume a função de articuladora entre a formação inicial e as mudanças que ocorrem tanto no interior da escola como no próprio sistema escolar (p.71).

Assim, pode-se compreender que a reflexão do fazer docente é tão importante quanto pô-lo em prática.

Existem também fragilidades apontadas na formação inicial que incidem sobre outros aspectos da estruturação curricular a partir da abordagem temática como, por exemplo, o processo de definição do tema, que a partir de Silva (2004) entende-se que não se restringe a um simples processo dedutivo que parte dos interesses dos educandos, que acontece de forma linear, ou que busca transmitir um conteúdo programático prescritivo.

Este processo deve envolver uma inclusão crítica no contexto sociocultural, com o intuito do tema servir de aporte epistemológico necessário à compreensão e transformação daquela realidade, aproximando-se de Freire, que sinaliza que o trabalho com temas favorece o desenvolvimento de um olhar crítico do educando sobre sua realidade, possibilitando através da incorporação de conhecimentos científicos, analisar rigorosamente e entender situações problemas, que fazem parte do mundo vivido por ele.

Neste sentido, o trabalho de Ferreira (2016) sinaliza a interdisciplinaridade como caminho a priorizar a organização do pensamento dos sujeitos como uma nova forma de interpretação da realidade e, assim, poder atuar sobre ela. Ainda discute dimensões como o trabalho coletivo, motivação e a aprendizagem, sendo estes percebidos como avanços destacados pelos educadores. Também é entendido que através do trabalho coletivo tem-se uma forma de fazer e pensar currículo

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abrangendo a reflexão crítica da teoria e prática dos educadores, favorecendo a apropriação de saberes adquiridos a partir dos processos de reflexão e diálogos com a teoria (SAMPAIO, QUADRADO e PIMENTEL, 1994).

Considerações Finais

A partir dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do GEPECiD, foi possível perceber dificuldades e potencialidades em implementar atividades que venham no sentido de uma reorientação curricular.

As dificuldades podem estar atreladas a estrutura da escola, organizada na maioria das vezes de forma disciplinar, onde não há diálogo e trabalho coletivo, pois os educadores não dispõem, na maioria das vezes, de espaço/ tempo de reflexão e planejamento, bem como não vivenciaram estas práticas na sua formação inicial nem em formações ofertadas pela escola.

Apesar destas dificuldades, os resultados dos trabalhos do grupo, apresentam potencialidades que mobilizam os educadores a buscar a aproximação da escola com a comunidade escolar, baseado na geração do diálogo entre todos os sujeitos das diferentes esferas envolvidas.

Assim como o diálogo e a discussão para a escolha de temas pertinentes a realidade vivenciada pelos educandos, busca-se uma reorientação curricular onde os conhecimentos científicos, não possuem um fim em si mesmo, mas são elencados para a compreensão do tema, possibilitando a transformação da realidade problematizada como, por exemplo, no trabalho de Centa (2015), que mobilizou a comunidade para buscar alternativas junto ao poder público em relação aos problemas do Arroio Cadena.

Tal fato possui estreita relação com as ideias de Freire, pois possibilita um trabalho coletivo e interdisciplinar, favorecendo a discussão e reflexão da prática docente, bem como a construção de um currículo mais relevante ao educando, que - assim como o educador - tem por vocação ontológica a busca do ser mais, devido ao fato de compreender-se como um ser inacabado.

Desta forma, em tempos nos quais se defendem práticas conservadoras de educação, tratando esta como mercado, e esquecendo-se dos aspectos humanistas envolvidos nas relações, o GEPECiD entende e reitera que os pressupostos freireanos possuem um papel fundamental no ensino de ciências, pois propõem outro olhar para a relação entre o espaço-tempo escolar, entendido

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também enquanto dimensões do currículo, de forma dialógica, coletiva, reflexiva e

problematizadora.

Referências

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12, n. 2, p. 1391-1417, 2014. Disponível em:

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