5
Considerações finais
5.1
Introdução
A hipótese inicial, que envolveu a maior parte das escolhas feitas ao longo deste estudo, foi a de que os alunos estrangeiros, antes de chegarem ao Brasil, parecem já possuir visões estereotipadas acerca de nossa cultura, ou seja, trazem pré-conceitos em relação ao brasileiro e também ao Brasil.
Os resultados da análise dos dados coletados através da entrevista e do questionário ratificaram a hipótese baseada na construção de estereótipos pelo aluno estrangeiro sobre os brasileiros e o Brasil antes da sua vinda ao nosso país e também revelaram a manutenção desses estereótipos após a sua estada.
Descobrimos que o conhecimento prévio da cultura não interfere diretamente na construção dos estereótipos. Com isso, percebemos que a maioria das imagens dos brasileiros construídas pelo estrangeiro são anteriores a sua vinda ao Brasil e são positivas. Descobrimos, também, que essas imagens, em sua maior parte, são mantidas e não chegam a ser modificadas pela experiência in loco. Essa experiência não parece ter um impacto profundo, digno de alterar drasticamente as imagens anteriormente construídas.
Observamos, por outro lado, que existem imagens negativas construídas pelos informantes, no entanto, essas imagens são fruto de experiência individual do aluno, isto é, são dados pontuais vivenciados por um elemento do grupo e que fizeram com que avaliasse negativamente o Brasil.
A título de exemplo, segue, abaixo, um trecho que mostra essa situação.
P3
E13 Uma bagunça, teve problemas administrativos. País desorganizado. O jeito do brasileiro de viver a vida a cada dia assim, sem refletir o que vai acontecer sobre o que o futuro vai levar. Falou das diferenças dos estados brasileiros
Ainda em relação às imagens negativas, temos as expressões qualificativas utilizadas para caracterizar o Brasil, principalmente as que se referem à violência, pobreza, desigualdades sociais, etc. Apesar de existirem essas imagens, constatamos que as expressões qualificativas positivas para caracterizar o brasileiro são empregadas em maior número pelos alunos estrangeiros. Por isso, acreditamos que a fixação de características positivas e a não reformulação negativa dos estereótipos mostram que o aluno deseja ter um contato mais estreito com a nossa cultura.
5.2
Das categorias de análise
Este estudo foi baseado em duas categorias de análise: a primeira é referente aos conceitos de indivíduo e pessoa de DaMatta (1997); e a segunda baseia-se na divisão dos estereótipos em positivos e negativos (BENNETT, 1993; PEREIRA, 2002, SCOLLON & SCOLLON, 2001).
5.2.1
Indivíduo versus pessoa
No que concerne à noção de indivíduo, temos a impessoalidade nas relações sociais e a aplicação das normas do Estado. Por outro lado, a noção de pessoa fundamenta-se na pessoalidade no tratamento social. Tomando como base esses conceitos, fizemos uma análise inicial dividindo os alunos estrangeiros em dois grupos: grupos A e B, conforme as imagens do Brasil e dos brasileiros que os informantes traziam consigo, antes de chegar.
Consideramos inseridos no grupo A os alunos que apenas conseguiram as informações sobre o brasileiro e o Brasil através de meios externos à experiência particular, tais como jornal, revista, internet, universidade, escola e também amigos e parentes (que não fossem brasileiros). E ainda, nunca esses alunos
tinham antes estado no Brasil. Já no grupo B, estão aqueles que obtiveram informações pelos meios externos à experiência pessoal, tiveram contato imediato com brasileiros e já tinham conhecido o Brasil anteriormente. Apresentamos abaixo dois exemplos que ilustram esses grupos:
GRUPO A P1
E15 Eh:: bom eu pela Internet eu conhecia aqueles que tenham o melhor
desenvolvimento da sulamérica. Um país muito grande com um bom um presidente que nós (sabíamos) que ajudava o povo de Brasil a melhorar por causa da tecnologia, de eh::: (inc.) as pessoas, o meio ambiente que ele tem >não<? Eu tem uma visão muito boa de Brasil.
P2
E15 Eu consegui informação sobre Brasil por Internet, família, amigos e pessoas que viajaram ao meu país e vieram para cá.
GRUPO B P1
E13 Eu achar que o brasileiro era- só gosta de curtir, curtir a vida eh::: aproveitar o sol, o calor, uma praia, mas eh::: bom a mulher brasileira é quente ((risos)) P2
E13 É. Já por meio do meu amigo brasileiro e também no ano passado tive o ano do Brasil na França. O ano 2005 foi o ano do Brasil. Então passou muitas coisas reportagens sobre o Brasil, mas sobretudo sobre as coisas que todo mundo sabe sobre o Brasil samba, futebol
A análise exposta no Capítulo 4 mostrou que a maioria dos alunos estrangeiros se enquadra no grupo A.
5.2.2
Estereótipos positivos e negativos
A segunda categoria de análise baseia-se em estereótipos positivos e negativos: os primeiros estão relacionados a uma atitude positiva, no que se refere
aos membros de uma determinada cultura; os segundos dizem respeito à construção de imagens negativas de um dado grupo.
IMAGEM POSITIVA P3
E45 povo brasileiro é muito animado, muito divertido eh:: todo brasileiro que eu conheci é muito simpático.
IMAGEM NEGATIVA P3
E47 eu achei muito diferente ah::: que eu nunca fui para um país da América Latina então a pobreza foi um pouco chocante para mim
A análise confirmou não só a existência de estereótipos sobre os brasileiros, como também a diferenciação feita pelos alunos estrangeiros da imagem do brasileiro e do Brasil. Verificamos que os alunos atribuíram características positivas à pessoa do brasileiro e características negativas ao país.
5.2.3
Considerações acerca das categorias adotadas
Percebemos que tanto os alunos pertencentes ao grupo A quanto ao grupo B construíram estereótipos, em sua maior parte positivos, sobre os brasileiros e também que poucos modificaram os estereótipos depois de estarem no Brasil, ou seja, esses alunos apenas mantiveram as imagens previamente construídas por eles antes da sua vinda ao Brasil. Salienta-se que foram poucos alunos que caracterizaram o brasileiro de forma negativa; apenas o Brasil era visto negativamente.
Os alunos do grupo A, mesmo sem ter tido contato imediato com os brasileiros, já possuíam uma imagem prévia. Isso fica nítido quando a imagem construída anterior à estada desse aluno é mantida após a sua vinda ao Brasil e não é revista ou revisitada. Fato idêntico acontece com o grupo B, em que a
imagem construída anterior não é modificada também. Nesse grupo, podemos afirmar que há uma imagem construída anterior ao período em que foi realizada a coleta de dados, uma vez que esses alunos estrangeiros já tinham estado no Brasil anteriormente.
Podemos afirmar, portanto, que a mudança de estereótipos é um processo bem complexo (PEREIRA, 2002), porque requer: (i) esforço consciente da parte de quem constrói esses estereótipos; (ii) contato com indivíduos de outras culturas; (iii) maior conhecimento das características dos membros da cultura com a qual irá se relacionar; (iv) contato particular com os membros reais do grupo estereotipado; e (v) mudança de identidade social.
Em suma, é tarefa difícil a mudança ou redução dos estereótipos, principalmente devido ao fato de que as crenças estereotipadas são partilhadas pela sociedade a que pertence o informante estrangeiro que é, igualmente, aprendiz de PL2E.
5.3
Das expressões linguísticas
Percebemos, ao analisar as imagens construídas do brasileiro e do Brasil pelos alunos estrangeiros, que as palavras usadas para representar/traduzir essas imagens não se constituíam apenas de adjetivos, mas também de substantivos, de advérbios, de verbos, e de expressões qualificativas em geral (Cf. MARTINS, 1989)
Para ilustrarmos mais detalhadamente as expressões qualificativas construídas pelos informantes estrangeiros, fizemos um quadro resumido com a divisão dos estereótipos positivos e negativos do brasileiro, representados pelos elementos linguísticos utilizados por esses mesmos informantes e que se encontram contextualizados, ao final deste trabalho, no anexo com as transcrições das entrevistas.
Quadro 1 – Estereótipos positivos e negativos ESTEREÓTIPOS
do BRASILEIRO
POSITIVOS NEGATIVOS
Muito feliz Falam muito
Muito bom Chega atrasado
Muito legal Muito atrasado Muito amigo Pouco estranho Prestam ajuda Faz muito barulho Muito amigável Gente pobre
Muito amável Sempre ajuda Muito aberto Cordial Muito alegre Muito acolhedor Muito gentil Melhores jogadores de futebol Animado Esportista Hospitaleiro Muito simpático Muito divertido Normal Amistoso Grupo A
Gosta muito de futebol
Alegre Pobre
Divertido Homem agressivo
Bonito Simpático
Rico Gosta de festas Gosta de curtir a vida Aproveitar o sol, praia
Aberto Gente boa Gente bacana Bem legal Muito profissional Sempre ajuda Grupo B Sempre sorri
Ao analisar o quadro com os principais estereótipos construídos pelos informantes estrangeiros, percebemos que as expressões linguísticas mais utilizadas eram compostas por advérbio + adjetivo e também por substantivos,
adjetivos, verbos e advérbios empregados isoladamente.
Um dos dados inovadores deste estudo concentra-se na constatação de que as expressões qualificativas construídas pelos estrangeiros apresentam um
alargamento de categorias gramaticais para essas expressões que vai muito além da utilização pura e simples de adjetivos que se opõem em pólos positivo e negativo1 e que é normalmente apresentada (BERWIG, 2004; EL-DASH &
BUSNARDO, 2001 – Tabela em anexo) para caracterizar o Brasil e os brasileiros em pesquisas deste gênero.
5.4
Dos estereótipos recorrentes entre os estrangeiros
Com base na análise dos dados, observamos que a maioria dos estereótipos construídos pelos alunos estrangeiros foram positivos. As palavras e as expressões empregadas para a construção dessa imagem estereotipada do brasileiro demonstram que as qualificações feitas pelos estrangeiros estão relacionadas a duas características discutidas por Harrison (1983), a proximidade e a informalidade. Essas características são reveladas na descontração e na alegria na conversa entre amigos e podem explicar o motivo por que muitas expressões qualificativas utilizadas envolvem a conotação de um povo alegre.
Os estereótipos negativos construídos pelos estrangeiros estão ligados à caracterização do Brasil, e não à imagem do brasileiro. As principais imagens construídas do país abrangem a violência e a pobreza. Paganotti (2007) sinaliza, em seu artigo, essas imagens negativas, analisando textos publicados por correspondentes internacionais sobre o Brasil. Tomando como referência esses textos, o autor levanta os estereótipos mais utilizados para representar a identidade nacional do Brasil. Para tanto, os estereótipos foram organizados em quatro grupos de representações de diferentes “Brasis”: um “verde”, sobre a preservação e a depredação ambiental; outro “de lama”, corrupto e pobre; um “sangrento”, sobre a violência e as drogas; e outro “de plástico”, rico, carnavalesco e à venda para os turistas. Os grupos expostos pelo autor refletem em parte os achados deste estudo, principalmente no tocante à pobreza, à violência e às imagens turísticas de um país belo e festivo. Amâncio (2000) também faz um levantamento de
1 Vide Anexo G
estereótipos construídos no cinema estrangeiro que corrobora com as discussões expostas nesta tese.
5.5
Das generalizações culturais e do seu contributo para a comunicação intercultural no processo de ensino-aprendizagem PL2E
Ao analisar as generalizações culturais construídas pelo aluno estrangeiro, percebemos que elas são relevantes para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem de PL2E, uma vez que é a partir dessas generalizações que se podem estabelecer vínculos positivos e afetivos com a língua/cultura que está sendo aprendida.
Cabe salientar que, apesar de a maioria dos informantes utilizarem expressões qualificativas positivas em relação aos brasileiros, esse fato não significa e nem garante que a comunicação intercultural será eficiente. Por isso, devemos ter cuidado de que essa percepção positiva não seja tomada sempre como um todo, ou seja, aplicada a todos os membros da cultura brasileira. Segundo Scollon & Scollon (1993), nem todo indivíduo de uma determinada cultura reúne todas as características levantadas dos membros dessa cultura.
Entende-se que os aprendizes devem adquirir a capacidade de construir significados compartilhados e interagir com falantes de outras línguas, respeitando as individualidades de cada um dos participantes do encontro intercultural, a fim de que possam desenvolver a competência intercultural. Constata-se, pois, que o ensino de PL2E deve contemplar, além dos aspectos linguísticos, os culturais.
É preciso salientar, ainda, que a competência intercultural esperada de um aprendiz de português como segunda língua não deve ser igualada àquela de um falante nativo, que possui o conhecimento da cultura, das regras e dos elementos linguísticos e paralinguísticos que integram o contexto no qual ele está imerso.
Assim, devemos estar atentos à construção de estereótipos, porque eles podem interferir no desenvolvimento da competência intercultural, bem como prejudicar a comunicação intercultural de que participam os aprendizes de PL2E
em contato com os falantes nativos do português, principalmente se o aprendiz não souber estabelecer, conscientemente, a distinção entre um membro da cultura, com suas marcas generalizantes, mas também com suas idiossincrasias do conjunto todo de representantes reais ou potenciais que constituem as imagens difundidas dessa cultura.
Desse modo, é necessário ressaltar a importância dos professores de PL2E no desenvolvimento da competência intercultural, visto que esses profissionais podem contribuir para a diminuição de imagens etnocêntricas, reducionistas sobre a cultura do outro e podem (e devem) ser agentes da apresentação das características do grupo cultural, no caso o dos brasileiros, no qual o aprendiz estará imerso. Essa apresentação das características do grupo leva não só à conscientização das diferenças culturais entre a cultura brasileira e aquela de origem do aprendiz, mas também deve ser capaz de instrumentalizar o estrangeiro para descobrir autonomamente espaços de interseção, onde a convivência pode ser facilitada e onde aumenta a possibilidade de compreensão e de intercompreensão através da língua aprendida, através dos valores extra-lingüísticos que são adquiridos pelo contato com os elementos do grupo alvo.
Com base no que foi discutido, podemos constatar que o conhecimento dos aspectos culturais de um determinado grupo é imprescindível para uma comunicação intercultural mais eficiente. Na verdade, a partir do reconhecimento de que culturas têm modos de se relacionar, agir e até mesmo de pensar diferentes teremos com certeza uma comunicação com mais respeito, cooperação e entendimento, considerando, dessa forma, as diferenças existentes entre as culturas como algo a ser valorizado e estudado.
5.6
Conclusão
À guisa de conclusão, podemos afirmar que os resultados apontam para a construção, por alunos estrangeiros, de estereótipos positivos quando se referem ao indivíduo e de estereótipos negativos, ao falarem sobre o país. A partir das transcrições e também do estudo da literatura que aborda os estereótipos, pode-se,
então, destacar que o nosso estudo sinaliza para o fato de que esses alunos possuem visões pré-concebidas da cultura brasileira. Além disso, podemos concluir neste estudo que:
• grande parte dos alunos estrangeiros já tinham construído uma imagem prévia e estereotipada do brasileiro e do Brasil;
• os estereótipos construídos têm relação com as informações colhidas pelos alunos nos meios de massa como televisão, jornais, internet e também através de amigos brasileiros ou não e parentes;
• as imagens construídas pelos estrangeiros são positivas em relação ao brasileiro, e negativas quanto ao Brasil;
• a atitude positiva diante da imagem dos brasileiros e a exposição à cultura brasileira facilitam a interação nas situações interculturais desse aluno com brasileiros.
Com base nas considerações mencionadas acima, podemos afirmar que a pesquisa sobre estereótipos é de suma relevância para os Estudos Interculturais, especialmente devido ao fato de que, conforme já foi mencionado pelos autores da área, as imagens estereotipadas podem levar ao preconceito ou à discriminação de uma determinada cultura. Por isso, a consciência e o respeito culturais são fundamentais para o discernimento de que conhecer algumas características culturais não é condição suficiente para fazer uma generalização e aplicá-la a todos os membros pertencentes a uma determinada cultura.
Considera-se este trabalho apenas o passo inicial de uma pesquisa que se apresenta como muito vasta sobre as implicações das imagens construídas sobre um povo, no caso, o brasileiro pelos estrangeiros. Conforme apresentado esta série de considerações finais, o presente estudo possibilita novos desdobramentos a pesquisadores de Estudos Interculturais.