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GT IV - O PAPEL DO ESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL NA GARANTIA DE DIREITOS

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GT IV - O PAPEL DO ESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL NA GARANTIA DE DIREITOS

PROCESSOS DE VIOLÊNCIA E A NEGAÇÃO DA CONDIÇÃO FEMININA NA DITADURA: a (re)democratização e a (in)justiça histórica em relação a mulher

militante brasileira

Jessyca Iasmim de Souza Farias

Graduanda em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca. Integrante do Projeto de Iniciação Científica “Direitos Humanos, violência e diversidade humana no período ditatorial, no agreste pernambucano (1964-1985)”; Membro do Grupo de Estudo e Pesquisas Interdisciplinares sobre Direitos Humanos (GEPIDH-UNIFAVIP). E-mail: jessycaiasmim@hotmail.com

Resumo Busca-se analisar a prática da tortura durante o período de 1964 a 1985, realçando, os “processos de violência” e a “condição feminina” no processo de redemocratização e, partir disso, demonstrar o importante papel das mulheres no alcance da democracia brasileira, evidenciando o percurso e os processos de lutas, e, ainda, destacando a invisibilidade sobre a presença feminina nessa história.

Palavras-chave: Ditadura. Violência. Tortura. Gênero.

Abstract Seeks to analyze the practice of torture during the period 1964-1985, highlighting the “process of violence” and “womanhood” in the democratization process and, from that, to demonstrate the important role of women in the range of Brazilian democracy, showing the route and struggles processes, and also highlighting the invisibility of women's presence in this story.

Keywords: Dictatorship. Violence. Torture. Genre.

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Discutir a redemocratização brasileira e a subalternização histórica de alguns sujeitos é o caminho a consolidação de um Estado democrático de direito hoje. Assim, o presente trabalho visa estudar a prática da tortura durante o período de 1964 a 1985, realçando, a partir desse contexto, duas categorias conceituais/temáticas, uma que denominamos de “processos de violência” e uma outra relacionada a “condição feminina”, buscando evidenciar como a figura feminina foi tratada e é, ainda hoje, silenciada nesses processos. Parte-se do pressuposto de que ao evidenciar sob quais aspectos se deu a negação da condição feminina dentro das violências totalitárias do civil-militarismo, pode-se melhor compreender a posição que situa a mulher no contexto histórico e político e social, hoje.

A problemática de pesquisa que orientou este trabalho foi: Os processos de violência e de negação da condição feminina, na ditadura, repercutem, na redemocratização do Brasil, como nova injustiça histórica em relação a mulher militante? Para que então se possa desvelar a influência da mulher no processo de busca pelo restabelecimento da democracia tolhida com o regime civil-militarista.

O objetivo geral desta pesquisa é: compreender como os processos de violência e de negação da condição feminina, na ditadura, repercutem, na redemocratização do Brasil, como nova injustiça histórica em relação à mulher militante. Assim, busca-se evidenciar a figura feminina como protagonista na redemocratização do país, de modo a demonstrar as violações específicas sofridas por elas em razão do gênero. Ainda, demonstrar os resquícios ditatoriais que persistiram no Estado brasileiro e sua influência no (não)reconhecimento jurídico, político e histórico da mulher no alcance da democracia.

Outrossim, nos objetivos específicos deseja-se: Discutir a noção de violência no civil-militarismo brasileiro, tendo em foco a democracia; Relacionar, através das questões de gênero, a tortura a mulheres durante o civil-militarismo; e, demonstrar, através de testemunhos de militantes, a negação da condição feminina na construção da democracia brasileira;

Este estudo justifica-se pela importância de ser discutido como a figura feminina foi alvo particular durante o civil-militarismo brasileiro, de como as violências à mulher militante atingiram e marcam a nossa sociedade quanto às

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relações de gênero e de direitos de mulheres. Ainda, de que a mulher militante é apagada da história e da afirmação da democracia no Brasil. Em suma, de como a ditadura contribuiu para esfacelar a democracia brasileira e do modo pelo qual isso repercutiu – e ainda repercute – na formação do Estado Democrático de Direito.

Acreditamos que as torturas marcavam a formação histórico-social do país e menosprezavam a figura da mulher como inferior nos processos de lutas, do mesmo modo que pós-redemocratização elas não são reconhecidas como protagonistas.

Para alcançar os objetivos estabelecidos, este estudo fez uso das pesquisas bibliográfica – no aprofundamento das categorias temáticas - da exploratória e a descritiva – a fim elucidar aspectos dos temas ainda não evidenciados, mas que fazem parte da temática eleita (GIL, 2009)

Sabe-se que existiram protagonistas e coadjuvantes na luta pela democracia, contudo a motivação desta pesquisa se deu pelo fato de existirem protagonistas esquecidos e desmerecidos, como é o caso da mulher. Assim almeja-se que haja da sociedade um olhar crítico a respeito do que lhe é contado, pois muitas vezes a história é contada pela voz dos vencedores, sempre homens, brancos, burgueses, menosprezando figuras tão importantes como a da mulher, na redemocratização. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A noção de violência no civil-militarismo brasileiro: buscando a democracia

O período ditatorial brasileiro, instaurado no ano de 1964, representou um momento de repressão, de atentado contra os direitos humanos “em nome da lei”, refletindo uma época de grande terror, mas, ao mesmo tempo, de grandes lutas. Foram essas lutas sociais que levaram ao processo de redemocratização, contudo, a um custo muito alto de vidas da militância contra o sistema.

Apesar de se afirmar que o período ditatorial terminou no ano de 1985, este não se foi totalmente, vez que deixou (in)visíveis resquícios do seu sistema na atual democracia do país, que fazem com que um Estado de exceção ainda esteja presente no dia a dia de alguns grupos de cidadãos.

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Tais resquícios se dão pelo fato de o golpe de 64 não ter sido apenas desejado e liderado pelos próprios militares, pois foi financiado e desejado também por vários setores da sociedade civil caracterizando, portanto uma “ação cívico-militar ampla” (MONTEIRO, 2006). Por este motivo mesmo com a instauração do sistema democrático, permaneceram em vigor inúmeras práticas e legislações existentes no Estado de exceção anterior. Constata-se assim que existe atualmente no Brasil um Estado de Exceção dentro do Estado Democrático, vez que, se herda da ditadura não só suas ações próprias, mas também o medo, o ensino medroso, a impunidade e uma geração sem memória.

Afora isto, explicita Teles (apud BARBOSA, 2012), membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil, que além de sustentar a estrutura autoritária militar: “o novo ordenamento democrático foi construído sobre o silenciamento dos familiares de vítimas e de movimentos de defesa dos direitos humanos, que queriam justiça para os crimes da ditadura”.

Tal cenário encontra-se corroborado pelo recebimento pela Constituição Federal de 1988 da Lei de Anistia, que impede até hoje a possibilidade de punição de qualquer indivíduo por qualquer crime cometido nos anos de chumbo, fazendo assim com que todas as violações ocorridas sejam postas em baixo do tapete, até que estejam esquecidas.

A adoção da Lei da Anistia, para o período político em que foi implantada, mostrou-se “mais conveniente do que se suportar um período de conflito e de transição violenta” que estava por vir com o fim do regime ditatorial, aderindo assim a Teoria do Mal Menor, que reza que diante de dois males, optar-se-ia sempre pelo menor (BASTOS, 2008, p. 612).

Contudo, tal pensamento tornou o ilícito em lícito, permeando a ideia de impunidade e do não esclarecimento sobre fatos ocorridos naquele período, bem como, o risco do esquecimento do mal praticado, mesmo que em “pequena dimensão”, conforme aponta Arendt (2004, p. 99) ao dizer que: “[...] a aceitação de males menores é conscientemente usada para condicionar os funcionários do governo, bem como a população em geral, a aceitar o mal em si mesmo.”.

Observa-se, portanto, que não há no Brasil uma democracia plena, pois esta ainda está sendo construída através de um processo violento deixado pelo

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civil-militarismo. A permanência dos resquícios da ditadura civil-militar contribui, até hoje, para o esfacelamento da democracia brasileira, dificultando a formação de um pleno Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, Agamben (2004, p. 80) afirma que: “[...] O estado de necessidade não é um “estado do direito”, mas um espaço sem direito (mesmo não sendo um estado de natureza, mas se apresenta como a anomia que resulta da suspensão do direito)”. Ainda conforme as palavras do autor, ratifica-se o entendimento anterior de que uma democracia para ser plena não pode ter nenhum resquício do estado de exceção, pois se tiver, mesmo que em pequena quantidade, significará que algum direito em algum lugar ainda está sendo suprimido.

1.2As questões de gênero e torturas a mulheres

A ditadura brasileira foi marcada por uma forte repressão às classes opositoras que lutavam, dentre outros aspectos, em prol da democracia e da igualdade de gênero. Dentre os meios hábeis para impedir a repressão contra o regime estava à prática da tortura, que era usada não apenas para instruir as investigações, mas também com meio de punição aos militantes e satisfação dos torturadores.

As práticas de torturas, por sua vez, detinham suas peculiaridades a depender se eram aplicas em homens ou em mulheres. A tortura masculina visava, em sua maioria, a obtenção de informações mediante sofrimento físico, enquanto que a tortura feminina estava relacionada tanto ao sofrimento físico quanto ao sofrimento moral.

Contudo, as mulheres foram atingidas de uma forma particular, vez que, por ser seu algoz do sexo masculino, predominava na prática da tortura o aspecto sexual, que colocava a mulher como objeto de prazer do homem, para satisfazer seus desejos individuais, antes mesmo dos fins políticos ditatoriais aos quais, via de regra, a tortura almejava, a saber, a obtenção de confissão ou informação.

Realçam este entendimento Merlino e Ojeda, organizadoras do livro “Luta, Substantivo Feminino”, quando afirmam que ser mulher fazia toda a diferença naquele contexto, pois apesar de os homens também terem que ficar nus, fiavam na frente de outros homens, enquanto que a primeira violência a mulher era o fato de

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ter de ficar nua diante dos olhos cobiçosos e jocosos dos seus algozes, que por sua vez eram homens.

De fato, a tortura à mulher estava fortemente ligada ao aspecto sexual, como relata Gilse Cosenza, ex-militante, no livro “Luta, Substantivo feminino”, que: “Era

choque elétrico, pau de arara, espancamento, telefone, tortura sexual. Eles usavam e abusavam. Só nos interrogavam totalmente nuas, juntando a dor da tortura física à humilhação da tortura sexual. Eles aproveitavam para manusear o corpo da gente, apagar ponta de cigarro nos seios” (MERLINO; OJEDA, 2010, p.192).

Vê-se que, na prática da tortura, se estabelecia uma relação de poder entre os agentes da repressão e as mulheres, baseada na violência e humilhação. A maternidade, a gravidez e a condição feminina não obstavam a prática da tortura, inclusive, filhos(as) já nascidos(as) eram utilizados(as) como instrumento de opressão a condição ser mulher. Esse aspecto é destacado pela ex-militante Maria Amélia: “Eles também me diziam que iam matar as crianças. Chegaram a falar que a

Janaína já estava morta dentro de um caixão” (MERLINO; OJEDA, 2010, p.162).

Sofriam, além de tudo, o sofrimento psicológico existente na dúvida de quando seria a próxima sessão, como também relata a ex-militante Lilian Celiberti ao articular que: “O verdadeiro medo é o que se sente quando essa sessão de

tortura termina e você sabe que vai começar a outra, ou quando não começa nada, mas você está lá esperando, paralisada por essa sensação, talvez a mais terrível que se pode sentir”. Assim como afirma a ex-militante Cecília Coimbra (p. 157)

quando relata que: “O barulho das chaves nas mãos de algum soldado que vinha

abrir alguma cela era aterrorizante. Quem será dessa vez?” (MERLINO; OJEDA,

2010, p. 92; 157).

Ante o exposto, pode-se afirmar, portanto, que, no que se refere à tortura, o gênero ao qual o torturado pertencia influenciava diretamente no modo do algoz agir. Não restam dúvidas que tanto os homens quanto as mulheres foram extremamente expostos a práticas desumanas e degradantes, que deixaram sequelas para o resto de suas vidas, contudo, no que tange a essa última, além do geral que era de praxe ocorrer nas torturas, ocorriam também abusos sexuais, psicológicos e morais, evidenciando a ocorrência de torturas específicas em detrimento do gênero da mulher.

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2.3 A negação da condição feminina: experiências de mulheres ex-militantes Através de uma análise histórica da luta pela democracia brasileira é possível verificar que existiram protagonistas e coadjuvantes contados pela versão tradicional. Contudo, esta versão não foi elaborada de forma imparcial de modo a descrever as duas faces da moeda, mas sim, fora contada pela voz dos vencedores que menosprezaram figuras tão importantes como a da mulher, as intitulando como um ser irrelevante no processo de redemocratização quando, na verdade eram protagonistas de tal luta.

A mulher foi posta na zona de esquecimento quando se fala sobre a ditadura civil-militarista, pois sua inserção na luta armada em busca não só de seus direitos, mas de direitos todos/as, representou uma quebra dos padrões sociais, deixa-se de lado o papel de mãe e filha dedicada ao lar e invade-se o espaço público e masculino. Esse cenário marca a sociedade patriarcal da época, que utilizava de todos os meios possíveis para descriminá-las, seja por meio de torturas diferenciadas das dos homens ou pelo questionamento sobre sua sexualidade.

A participação da mulher no cenário político e nos movimentos de militância representou uma forma de emancipação às relações de poder patriarcal ou marital as quais estavam submetidas. Contudo, tais condutas, aos olhos da sociedade, não eram próprias de quaisquer mulheres, o que fez com que a militância feminina se tornasse a antítese de feminilidade, reforço a negação da condição feminina.

Em decorrência desse pensamento, acreditava-se que as mulheres, como um todo, não eram capazes de tomar decisões políticas e que não estavam envolvidas na militância em busca da democracia, mas, ou porque, estavam interessadas em homens ou porque eram lésbicas, tendo sempre sua sexualidade posta em questão.

Como afirmam Melindo e Ojeda (2010, p. 16): “O Estado brasileiro e seus aparelhos de repressão viam as mulheres como tolas, bobas, incapazes de se incorporar à luta política naquele momento”. Tal pensamento também fez que com a mulher passasse despercebida e se infiltrasse mais facilmente nas organizações a fim de realizar tarefas dificilmente possíveis aos homens.

Contudo, esta invisibilidade feminina no cenário político trouxe fortes consequências, dentre estas está a perda da identidade social da mulher militante,

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ou seja, a “despersonalização do gênero feminino” (CARDOSO, 2014, p. 10), como narra Elizete, ex-militante da cidade de Pombos-PE: “Tive sérios problemas para

conseguir sair daquela personalidade de macho que eu havia incorporado, violenta, bruta, ignorante e estúpida, era violentada e também violentava” (SILVA, 2015, p.

09).

Apesar de todo o sofrimento durante a ditadura e as consequências para o resto da vida, a figura feminina foi protagonista na luta pela redemocratização do país e, como exemplo disso, pode-se citar Helenira Resende de Souza Nazareth, ex-militante conhecida pelo apelido de “preta”, apontada como liderança no movimento estudantil. Helenira foi presa diversas vezes enquanto combatia o regime civil-militarista da época, tendo que recorrer à clandestinidade para preservar sua vida e a de seus familiares e continuar lutando pela democracia (MERLINO; OJEDA, 2010, p. 113).

Assim como também fez Dinalva Oliveira Teixeira (1945-1974), geóloga, ex-militante e participante ativa do movimento estudantil como representante da Residência Universitária Feminina; Ieda Santos Delgado (1945-1974), advogada e ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN); Maria Amélia de Almeida Teles, professora e ex-militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Lylia Guedes, estudante e ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR); dentre inúmeras outras mulheres (MERLINO; OJEDA, 2010, p.136; 155; 162; 170).

Percebe-se que a participação da mulher na militância não se restringia a determinada classe social ou determinado grupo de esquerda, mas estava presente em todas as áreas e grupos do país, seja como líder ou como agente. A vaidade ou a luta, exclusivamente feminista, contra a repressão não eram os únicos motivos de resistirem, mas sim a busca por um país mais justo e mais igualitário para todos/as, pois: “a ação política da mulher não acontece apenas contra a repressão, mas, também é uma luta contra as desigualdades de gênero” (SILVA, 2015, p. 05).

Vê-se que os movimentos de mulheres tiveram papel central em abrir caminho para a redemocratização. Contudo, sofreram embates com os demais partidos que também clamavam pela redemocratização, pois estes visavam uma igualdade de gênero distorcida, na qual a mulher estava sempre sub-rogada e

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nunca em igualdade com os homens, o que culminou em uma democracia falha, e que apesar de tanta luta ainda se encontra em construção.

Ressalte-se que há, nas práticas de tortura, a reafirmação da insignificância atribuída à condição de ser mulher, oprimida duplamente através da repressão e pelo imaginário social. A mulher militante sofria, então, duas penalidades pelo simples fato de buscar seus direitos e sua desvinculação a figura masculina, pois, enquanto militantes, eram vítimas de inúmeras torturas, e enquanto cidadãs eram vítimas de preconceitos sociais.

Portanto, a militância feminina, especificamente no período ditatorial, é fortemente apagada da história e do processo de afirmação da democracia brasileira, sendo preciso, para evidenciar o papel dessas protagonistas, trazer novas luzes ao debate, que resgatem esse período da história do Brasil, para que, a partir da memória e das experiências vividas por mulheres naquele período, se possa realçar o importante papel da mulher na redemocratização e tratar sobre relações de gênero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto percebe-se que ainda há muito que se construir na democracia brasileira, tem que se buscar evidenciar os (in)visíveis resquícios do período ditatorial para que se retome a memória do que foi a ditadura como um todo para que se acabe com supressão de direitos infelizmente ainda existente na “democracia” brasileira.

Os resultados parciais dessa pesquisa mostram que, mesmo sendo mulheres distintas, sofreram duras violências e práticas desumanas no período ditatorial, dando ênfase aos tipos de tortura aos quais foram submetidas, a saber, descargas elétricas, tortura psicológica, sexual, socos, pontapés, calor, frio, asfixia, assim como eram também amordaçadas, nuas e encapuzadas, dentre outras práticas degradantes.

Nesse sentido, pode-se extrair das vivências dessas mulheres, o desprezo pela condição feminina, quando explicitam que eram mães, estavam gestantes, lactantes, e isso não impedia os carrascos de revelarem sua irreverência ao projetar as torturas também à prole das mulheres militantes, uma vez que eram expostas à

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celas sem condições mínimas de higiene, alojamento, alimentação, sendo movidas pelo ideal, que lhe dava uma força sobre-humana para lutar contra a ordem ditatorial instaurada, por resistir a essas torturas eram por vezes consideradas mulheres frias, sem sentimentos, verdadeiras feras sem emoção.

Sofreram não só quando foram capturadas pelos militares, mas também quando eram postas em liberdade, pois a sociedade na época as recriminava por terem fugido do padrão, fazendo com que a tortura continuasse mesmo fora dos quarteis. Há, portanto, nas práticas de tortura a reafirmação da insignificância atribuída à condição de ser mulher, oprimida duplamente através da repressão e pelo imaginário social.

Os relatos analisados mostram que as mulheres eram tratadas como um mero objeto de manipulação política, sexual e de violência, frágeis frente a uma ordem autoritária que, embora tutelada pela lei, agia contra todos os direitos fundamentais inerentes a elas. Assim, as questões sobre a violência sofrida por mulheres nos anos de chumbo no Brasil devem ser construídas a partir de uma memória que evidencie as relações de negação do gênero feminino nesse período de luta pela democracia brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.

ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

BARBOSA, Bia. Brasil forjado na ditadura representa Estado de exceção permanente. 18 de jul. de 2012. Carta Maior. Seção Direitos Humanos. Disponível

e m :

<http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/-Brasil-forjado-na-ditadura -representa-Estado-de-excecao-permanente-/5/25670>. Acesso em: 08 maio 2016. BASTOS, Lucia Elena Arantes Ferreira. A lei de anistia brasileira: os crimes conexos, a dupla via e tratados de direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 103. p. 593 - 628 jan./dez. 2008.

CARDOSO, Fernando da Silva. Pra não dizer que não falei das flores: gênero nos discursos de mulheres pernambucanas torturadas durante a ditadura militar no Brasil. Prêmio Naíde Teodósio de Estudos de Gênero - Ano VII. 7. ed. Recife: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, 2014.

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GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. 12. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

MERLINO, Tatiana; OJEDA, Igor. Direito à memória e à verdade: Luta, substantivo feminino. São Paulo: Caros Amigos, 2010.

MONTEIRO, Dauranisia Diniz. O Brasil vive sob os resquícios da ditadura. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-brasil-vive-sob-os resqu%

C3%ADcios-da-ditadura> Acesso em: 11 maio 2016.

SILVA, Cícera Quitéria da. Protagonismo e resistência feminina à ditadura civil-militar: (re)construindo a trajetória política da mulher no Agreste de Pernambuco. Prêmio Naíde Teodósio de Estudos de Gênero - Ano VIII. 8. ed. Recife: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, 2015.

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