• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS"

Copied!
60
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

MAYARA RODRIGUES ORTEGA

A QUESTÃO CURDA COMO PROJETO POLÍTICO: O CONFLITO CURDO-TURCO E O NACIONALISMO CURDO

GUARULHOS/SP 2020

(2)

MAYARA RODRIGUES ORTEGA

A QUESTÃO CURDA COMO PROJETO POLÍTICO: O CONFLITO CURDO-TURCO E O NACIONALISMO CURDO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do grau em Licenciatura em Ciências Sociais.

Orientador: Professor Dr. José Lindomar Coelho Albuquerque.

GUARULHOS/SP 2020

(3)

Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.

FICHA CATALOGRÁFICA

Ortega, Mayara Rodrigues.

A questão curda como projeto político: o conflito curdo-turco e o nacionalismo curdo / Mayara Rodrigues Ortega - Guarulhos, 2020 – 60 f.

Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Ciências Sociais) – Guarulhos: Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Orientador: José Lindomar Coelho Albuquerque

The Kurdish question as a political project: the Kurdish-Turkish conflict and the Kurdish nationalism.

1. Conflito curdo-turco. 2. PKK. 3. Curdistão. 4. Turquia I. Albuquerque, José Lindomar Coelho. II. A questão curda como projeto político: o conflito curdo-turco e o nacionalismo curdo.

(4)

MAYARA RODRIGUES ORTEGA

A QUESTÃO CURDA COMO PROJETO POLÍTICO: O CONFLITO CURDO-TURCO E O NACIONALISMO CURDO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do grau em Licenciatura em Ciências Sociais. Orientador: Professor Dr. José Lindomar Coelho Albuquerque.

Aprovado em: _______/________/_________

__________________________________________________________ Professor Doutor José Lindomar Coelho Albuquerque – UNIFESP

___________________________________________________________ ProfessoraDoutoraMaria Fernanda Lombardi Fernandes - UNIFESP

(5)

AGRADECIMENTOS

Escrever esses agradecimentos simboliza um longo, árduo e enriquecedor caminho que percorri ao longo desses últimos cinco anos de graduação, os dois últimos dedicados a pensar e elaborar a pesquisa das seguintes páginas.

Em primeiro lugar, agradeço todo incentivo intelectual e apoio emocional de meu avô José, desde a minha infância até a minha vida adulta, sendo ele pessoa fundamental na formação de boa parte daquilo que sou hoje. Agradeço à minha mãe, que tanto se doou, batalhou, se dedicou e se sacrificou por mim, com o único objetivo de me lançar a novas oportunidades, torcendo para que eu chegasse até aqui, sendo a responsável por não me deixar desistir dessa graduação. E à minha avó, pelo apoio de toda a vida.

A meu orientador, José Lindomar Coelho Albuquerque, que ampliou e sensibilizou minha experiência na graduação a temas e abordagens que me marcaram profundamente enquanto graduanda e futura cientista social, sensibilização esta que acabou por resultar nessa pesquisa. Toda minha gratidão pelo conhecimento proporcionado, professor.

A meu companheiro Rhamon Bobio, pelas longas escutas dos meus monólogos de discussões e revisões sobre meu tema de pesquisa e sua costumeira paciência em me acalmar em momentos de tempestade.

A todos os colegas de turma com quem compartilhei ideais, angústias e conversas ao longo dessa jornada. Obrigada a Patrícia Fernandes por todas as nossas tardes de estudos e cafés no CCSP e Mário de Andrade. Obrigada a Milla Carolina por todas as conversas, ideias compartilhadas e paciência mútua em momentos de ansiedade. Agradeço especialmente a Emilyn Cruz, Lincoln Moreira de Jesus e Talita Rodrigues por todo o apoio incondicional ao decorrer da monografia, sem vocês teria sido muito mais difícil.

(6)

“Curdos não tem amigos, só as montanhas” Antigo provérbio curdo

(7)

RESUMO

A presente pesquisa se propõe a realizar uma reflexão acerca do conflito entre os curdos e o Estado turco. Buscamos compreender os principais processos sociais e históricos que culminaram na resistência curda no período pós-colonial após 1920 com foco nos movimentos pela unificação e autonomia do Curdistão na Turquia, especificamente com a criação do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e a influência de Abdullah Öcalan, principal líder do partido, na luta pela liberdade do povo curdo (1984-1999). Portanto, nosso objetivo principal se expressa na tentativa de compreender a natureza e os fins almejados pela resistência exercida pelo PKK no contexto de conflito e se esse conflito operou transformações na identidade curda. Palavras-chave: 1. conflito curdo-turco; 2. PKK; 3. Curdistão; 4. Turquia.

(8)

ABSTRACT

This research aims to reflect on the conflict between Kurds and the Turkish state.We seek to understand the main social and historical processes that culminated in Kurdish resistance in the post-colonial period with a focus on movements for Kurdistan's unification and autonomy from Turkey, specifically with the creation of the PKK (Kurdistan Workers Party) and the influence of Abdullah Öcalan, main Party leader, in the struggle for freedom for the Kurdish people (1984-1999).Therefore, our main objective is expressed in an attempt to understand the nature and the aims pursued by the resistance exerted by the PKK in the context of conflict and whether that conflict has transformed the Kurdish identity.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 CONFLITO, ETNIA, NAÇÃO E IDENTIDADE ... 13

2.1 CONFLITO... 13

2.2 ETNIA E NAÇÃO ... 15

2.3 IDENTIDADE ... 19

3 O CONFLITO CURDO-TURCO ... 22

3.1 O INÍCIO DO CONFLITO ENTRE O ESTADO TURCO E OS CURDOS ... 22

3.2 AS POLÍTICAS DE ASSIMILAÇÃO E OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA ... 26

3.3 AS REVOLTAS E A EMERGÊNCIA DO NACIONALISMO CURDO ... 31

4 O NACIONALISMO CURDO E O PROJETO DE UM ESTADO-NAÇÃO ... 35

4.1 O “RENASCIMENTO” DO NACIONALISMO CURDO (1960-1980) ... 35

4.2 A CONSOLIDAÇÃO DO PKK (PARTIDO DOS TRABALHADORES DO CURDISTÃO) E O PROJETO DE ESTADO-NAÇÃO CURDO ... 42

4.3 TRANSFORMAÇÕES NO MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL CURDO NA DÉCADA DE 1990 ... 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 53

(10)

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa sedebruça sobre o conflito curdo-turco e o processo político de formação do nacionalismo curdo (os curdos são representam o quarto povo mais numeroso do Oriente Médio — depoisdos árabes, persas e turcos, respectivamente (DAYTON, 2013, p.2).), autodenominado o maior grupo apátrida do mundo.

Trata-se de um total de cerca de 36 milhões de curdos alocados entre quatro Estados nacionais: Síria, Turquia, Irã e Iraque (sem fazer menção a diáspora curda, presente em outros países próximos, como por exemplo a Armênia, e até mesmoem países da Europa ocidental). Os curdos são efetivamente reconhecidos em nenhum dos quatro países sobre os quais se assentam, sendo marginalizados em sua maioria1.

Neste trabalho nos dedicaremos especificamente à população curda existente nos limites do território da Turquia. A população da Turquia soma um total de 80.274.604 de habitantes, sendo que entre estes, 70% se autodenominam como turcos, 19% se autodeclaram curdos e as demais minorias ficam entre 7-12% (FARIAS, 2017, p.11). Portanto, cerca de 12 a 20 milhões, do total de 36 milhões de curdos, estão situados na Turquia. No que tange à localização geográfica dos curdo-turcos, sua maioria ocupa a região sudeste do país, região fronteiriça com Síria, Irã e Iraque.

Curdistão etimologicamente advém da palavra suméria kur, que há mais ou menos 5.000 anos significava algo próximo à montanha. O termo acompanhado do sufixo it (kurti), expressa a noção de povo da montanha (ÖCALAN, 2008, p. 9). As regiões montanhosas compõem o próprio Curdistão, que como aponta Öcalan (2008, p. 10), “cobre uma extensão de 450.000 quilômetros quadrados, cercada de áreas de população persa, azeri, árabe e turco-anatólia”.

Quanto às raízes históricas desse povo, pode-se dizer que “os curdos são, portanto, o produto da miscigenação de todos os povos invasores ou migrantes para a região montanhosa, incluindo assírios, acádios, armênios, persas, gregos, romanos, bizantinos, árabes, mongóis e turcos” (YUDENITSCH, 2019, p. 28).

Os curdos ainda nomeiam e reconhecem as regiões subdivididas do Curdistão como “Curdistão do norte (Turquia), Curdistão do sul (Iraque), Curdistão oriental (Irã) e Curdistão ocidental (Síria)” (NASCIMENTO, 2017, p.12). Em sua maioria, os curdos

1Há aqui uma pequena exceção para o Curdistão Iraquiano, ou Curdistão do sul, que possui um território

(11)

são muçulmanos sunitas e seu idioma oficial é a língua curda e o curmânji é o dialeto curdo mais comumente falado.

Imagem 1 – Mapa do Curdistão

Fonte: DAHLMAN (2002, p. 272).

Como mostra o mapa acima, a parte em cinza escuro representa a região onde está situada a população curda, sobreposta sobre o quatro países, sendo: a Turquia (acima à esquerda), a Síria (abaixo à esquerda), Iraque (logo à direita da Síria) e Irã (extrema direita do mapa).

Dessas quatro regiões, atualmente, apenas o Curdistão do Sul (Iraque) é que possui autonomia política, em nível federativo, conhecida como Região Autônoma do

(12)

Curdistão. Ela caracteriza um território autônomo vinculado ao Governo do Iraque (FARIAS, 2017, p. 80).

Nessa vasta região do Oriente Médio sobre a qual o Curdistão se assentava, este, foi incluído na divisão de terras proposta pelas potências europeias no contexto do declínio do Império Otomano (1908-1922), em especial Inglaterra e França, por intermédio de tratados diplomáticos de paz. A primeira partilha se materializou no Tratado de Sèvres, assinado em 1920, que reconhecia legalmente a existência da região do Curdistão, entre outros Estados nacionais que estavam por se consolidar.

Por um brevíssimo período, a questão curda pareceu estar finalmente resolvida. Mas o reconhecimento durou pouco tempo, pois, com a conquista da independência da Turquia, Mustafá Kemal Atatürk, líder do movimento nacionalista pela independência e primeiro presidente do país, apressou-se em determinar que o primeiro tratado não seria reconhecido em sua República.Assim, em 1923, assinou o Tratado de Lausanne, que tornou legal o não reconhecimento não só dos curdos, mas também — e principalmente — do território destinado ao Curdistão.

Esse duro golpe às esperanças de consolidar um Estado curdo gerou a dispersão curda entre os Estados nacionais que se consolidaram naquele contexto, como Irã, Iraque, Síria e a própria Turquia.

O foco deste estudo consiste na questão curda na Turquia e a sua longínqua e violenta relação conflituosa com o Estado turco. A Turquia, desde a sua fundação (1923), se nega a reconhecer a cultura, a identidade, a língua e as mais diversas dimensões e expressõesdos curdos. A língua curda, por exemplo, até meados de 1990, era expressamente proibida de ser falada em território turco, mas, até a os dias de hoje, ainda é proibido, por exemplo, o aprendizado da língua curda nas escolas primárias turcas, sua livre expressão na televisão e até mesmo em programas de rádio (YUDENITSCH, 2019).

O processo histórico de formação do povo curdo no contexto de criação e consolidação dos Estados nacionais a partir dos anos de 1920 naquela região é fundamental para a compreensão das lutas políticas mais recentes dos curdos. O foco principal da pesquisa é no conflito histórico entre curdos e turcos e o processo de luta nacionalista para a consolidação de um Estado-nação curdo naquela região, com uma atenção especial as ações políticas do Partiya Karkerên Kurdistan (PKK), oPartido dos Trabalhadores do Curdistão

(13)

A partir deste contexto de conflito iniciamos a reflexão para a seguinte questão: De que forma o conflito curdo-turco redefiniu a identidade curda?Nesse sentido, a principal hipótese desse trabalho é o que o conflito curdo-turco influenciou ou operou redefinição na identidade curda, acentuando a autoidentificação como “nação sem pátria” e a reivindicação de um Estado nacional soberano para o povo curdo.

A metodologia utilizada para tal fim foi a pesquisa bibliográfica. Como aponta Lima e Mioto (2007, p.38), apesar de muitas vezes a pesquisa bibliográfica aparecer como revisão de literatura (ou bibliográfica), há muitas diferenças entre estas. As autoras apontam que a revisão de literatura se configura como um pré-requisito para toda e qualquer pesquisa, ao passo em que a pesquisa bibliográfica é um método complexo, que implica procedimentos em busca de soluções frente a um objeto em análise.

A pesquisa bibliográfica tem sido utilizada com grande frequência em estudos exploratórios ou descritivos, casos em que o objeto de estudo proposto é pouco estudado, tornando difícil a formulação de hipóteses precisas e operacionalizáveis. A sua indicação para esses estudos relaciona-se ao fato de a aproximação com o objeto ser dada a partir de fontes bibliográficas. Portanto, a pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de informações, além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo proposto. (LIMA; MIOTO, 2007, p.40 apud GIL 1994)

Dessa forma, a coleta de dados dessa pesquisa foi estruturada a partir de critérios designados pelos procedimentos da própria pesquisa bibliográfica. Assim, delimitamos o objeto em análise, a partir de quatro parâmetros: temático, linguístico, cronológico e de fontes (LIMA;MIOTO, 2007, p.41 apud SALVADOR, 1986). O primeiro parâmetro é o mais básico, pois envolve a coleta de material relacionado ou correlato ao objeto em análise, levantamento que foi realizado por intermédio de palavras-chaves diretamente ligadas ao tema, no caso: curdos, Curdistão, curdo-turco, conflito curdo-turco, PKK, Öcalan. O parâmetro linguístico nessa pesquisa foi bilíngue, pois dos 25 materiais consultados, 17 estavam em língua portuguesa e 8 em língua inglesa. No quesito cronológico, como já especificado, analisamos especialmente o período entre 1984 a 1998, portanto buscamos materiais que abrangesse esse recorte. As nossas principais fontes de pesquisa foram as plataformas científicas Scielo, Google Scholar e Academia.edu, sendo esta última onde mais levantamos materiais que colaboraram para o nosso conteúdo específico.

É possível organizar nossa pesquisa bibliografia em duas grandes categorias:reflexão teórica e levantamento específico sobre a questão curda. A

(14)

bibliografia teórica abrange os principais conceitos pesquisados (conflito, etnia, nação, identidade) a fim de fundamentar a análise (importante ressaltar que esta é composta majoritariamente por livros acadêmicos e majoritariamente está em língua portuguesa). Ao passo em que a bibliográfica específica abrange as questões e narrativas acerca do objeto que adiante analiso criticamente, portanto, é a partir dela que coletamos todas as informações históricas, sociais e políticas que compõem a análise deste trabalho (em sua maioria por materiais em língua inglesa).

A complexidade do tema abordado foi exposta ao longo da pesquisa bibliográfica ao passo em que sua interdisciplinaridade veio a luz (a bibliografia desta pesquisa é composta por artigos, capítulos de livros, conferências etc., de geógrafos, internacionalistas, cientistas sociais, cientistas políticos entre outros.).

Esse trabalho é composto por cinco capítulos, incluindo esta introdução e as considerações finais. No segundo capítulo, será apresentada uma breve revisão teórica e conceitual acerca dos principais conceitos chaves mobilizados para a compreensão da questão curda. No terceiro capítulo será feita uma análise sobre o conflito, desde o seu início — ou seja, os aspectos fundadores do conflito entre curdos e turcos —, o seu desenvolvimento e permanência ao longo dos anos; No quarto capítulo traremos à luz uma análise do nacionalismo curdo e a defesa de um Estado-nação, com destaque para as ações políticas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e os processos de ressignificação da identidade curda.

(15)

2. CONFLITO, ETNIA, NAÇÃO E IDENTIDADE

Este capítulo aborda quatro principais conceitos chaves que são fundamentais para a compreensão do contexto no qual essa pesquisa se detém: conflito, etnia, nação e identidade. Isso não significa que o trabalho se esgota ou se assenta unicamente sobre esses termos, mas significa que o objeto de estudo traz para a arena de análise e reflexão essas quatro categorias, que perpassam desde as relações, as organizações e as próprias bases culturais e políticas que permeiam o terreno do conflito entre curdos e turcos.

2.1 CONFLITO

Pensar a questão curda na Turquia é sinônimo de refletir sobre um conflito histórico, que atravessa o século XX e até o momento não existe uma solução concreta. Como será mostrado nos capítulos seguintes, as dissidências entre curdos e turcos são um fenômeno sempre acompanhado por tensões e conflitos de diversas ordens.

Mas afinal, o que é o conflito? Ele pode se caracterizar como algo positivo? Pode chegar a ser um fenômeno que se desdobra, socialmente, em algo construtivo? Ou as relações advindas do conflito serão sempre destrutivas e negativas? Para a fundamentação de uma análise efetivamente sociológica acerca do fenômeno do conflito na sociedade, a pesquisa se fundamenta nas argumentações desenvolvidas pelo sociólogo alemão Georg Simmel.

Simmel (1983) anunciava a capacidade do conflito social de gerar a transformação de organizações e grupos da sociedade. O que era passível de causar certo estranhamento é a ideia de que o conflito é uma categoria social que constitui em si a sociação, afinal, se ele é capaz de produzir interações entre os indivíduos por que não seria uma forma efetiva de relação social?

Um duplo aspecto se impõe quando tratamos a questão do conflito social, em que suas forças podem ser tanto positivas, quanto negativas, construtivas e destrutivas, mas a sua existência é arraigada à sociedade e concebê-la sob a ótica de completa harmonia é impensável, pois o conflito é o responsável pela emergência das novas formas sociais, que se chocam com as formas antigas, por meio dessas interações (ALCÂNTARA JÚNIOR, 2005, p. 11), resultando em novas dinâmicas e até mesmo estruturas sociais.

(16)

As novidades, a inserção de novos agentes, a superação de antigos modelos, as novas estruturas, novas instituições e novas possibilidades no núcleo de uma sociedade só são possíveis por meio do conflito. O próprio caráter construtivo do conflito só é possível na medida em que ele se torna passível de produzir resultados, socialmente (JÚNIOR, 2005, p. 9), sendo ainda, capaz, de reorganizar a sociedade e a própria existência social.

O conflito se expressa desde as formas micros (confrontos cotidianos entre os indivíduos, que se desdobram em conflitos corriqueiros e que, segundo Simmel, é o que torna suportável a própria convivência em sociedade) às formas macros e complexas (conflitos armados, guerras), “[...] indo das relações sociais — ásperas — até, às vezes, ao confronto físico.” (ALCÂNTARA JÚNIOR, 2005, p. 9).

De todos esses aspectos que fundamentam a ocorrência do conflito social, muitos deles nos ajudam a compreender o conflito na sociedade turca, especialmente aquele relacionado com os curdos. O conflito se consolida entre o Estado turco e o povo curdo por meio de uma forte oposição. Os curdos perdem o breve reconhecimento como Estado-nação que haviam obtido no Tratado de Sèvres (1920) quando este é substituído pelo Tratado de Lausanne (1923), imposto pela Turquia logo após vencerem a luta pela independência. Os curdos perdem o território designado como Curdistão e a Turquia se recusou a conceder qualquer território para os curdos. A partir disso, logo nos primeiros anos da República Turca a interação entre os curdos e o Estado turco é marcada pelo conflito, que se intensifica ao passo em que a Turquiaavança mais e mais contra o próprio reconhecimento identitário dos curdos.

O conflito identitário que se estabelece configura uma forma de sociação ao passo em que a diferença, inerente ao campo da identidade, constitui o principal elemento da relação de interdependência dos dois agentes que fomentam o conflito. Assim, a relação que se estabelece, nos termos propostos por Simmel, é caracterizada pela oposição:

Em tais casos, a oposição é um elemento da própria relação; está intrinsecamente entrelaçada com outros motivos de existência da relação. Não é só um meio de preservar a relação, mas uma das funções concretas que verdadeiramente a constituem. Onde as relações são puramente externas e ao mesmo tempo de pouca importância prática, esta função pode ser satisfeita pelo conflito em sua forma latente, isto é, pela aversão e por sentimentos de mútua estranheza e repulsão que, num contato mais íntimo, não importa quão ocasional, transforme-se imediatamente em ódio e luta reais (SIMMEL, 1983, p.127-8).

(17)

E de fato, o que passa a constituir a relação entre curdos e turcos naquele território, ao passo em que a Turquia avança ofensivamente com políticas de exclusão (GUNES, 2017, p.81). Visualiza-se ainda toda a potência contida no conflito, que vai para além da sua força aniquiladora, anunciada acima, mas também na sua capacidade de reorganizar toda uma estrutura social, neste caso, no recorte proposto, poderemos acompanhar a ação do conflito acerca da estrutura social e seus efeitos sobre esta.

2.2 ETNIA E NAÇÃO

Os curdos podem ser compreendidos como um grupo étnico no interior do Estado-nação turco ou/e como uma nação sem Estado que reivindica historicamente um Estado soberano? Como os curdos se autodesignam e como são nomeados pelo Estado turco?

Para Barth (2011), há uma definição comum acerca daquilo que se coloca como essencial na configuração de um grupo étnico:

O termo grupo étnico, na bibliografia antropológica, é geralmente entendido (cf. Narrol, 1964) para designar uma população que:

1 perpetua-se biologicamente de modo amplo,

2 compartilha valores culturais fundamentais, realizados em patente unidade nas formas culturais,

3 constitui um campo de comunicação e de interação,

4 possui um grupo de membros que se identifica e é identificado como se constituísse uma categoria diferenciável de outras categorias do mesmo tipo. (BARTH, 2011, p. 189-90).

Os itens 1, 2 e 3 de tal definição são criticados pelo autor na medida em que elespressupõem um desenvolvimento cultural e social em isolamento, como se esses grupos étnicos se desenvolvessem a partir de um “isolamento relativo, essencialmente, reagindo a fatores ecológicos locais, ao longo de uma história de adaptação por invenção e empréstimos seletivos”(BARTH, 2011, p. 190), o que, levaria a existência de povos separados povos separados como se fossem ilhas culturais isoladas.

Para o autor, as culturas dos grupos étnicosse consolidam como um contraponto às outras culturas, no exercício da alteridade. Em outras palavras, a existência do grupo étnico é pautada no movimento entre se identificar (compartilhando valores culturais) e ser identificada por outros.

Antes de qualquer coisa, os grupos étnicos são uma forma de organização social. Nesse sentido, eles configuram um exercício de atribuição e auto atribuição. Esse

(18)

movimento de atribuição étnica, ocorre quando se classifica um indivíduo a partir da sua identidade básica, ou seja, sua identidade mais genérica, advinda da sua origem ou de natureza ecológica. No instante em que as identidades étnicas são evocadas, no momento de categorizar a si ou ao outro, objetivando uma interação, formam-se os grupos étnicos, do ponto de vista da organização social.

Inclusive, as próprias características culturais que são levadas em consideração pelos indivíduos de cada unidade étnica não se pautam unicamente em ressaltar ou contrastar as diferenças. Os traços culturais a serem colocados em destaque no núcleo da etnia é decidido pelos próprios atores, podendo ainda haver uma variação de acordo com a circunstância: alguns elementos podem ser exaltados e até mesmo negados em determinadas situações.

Portanto, Barth (2011) acrescenta que, é imprescindível considerar que os traços culturais e a sua continuidade dependem da manutenção e da persistência da própria fronteira étnica. Os elementos que demarcam essa fronteira não são estáticos, podendo ser alterados e sofrer transformações.

Desta perspectiva, o ponto central da pesquisa torna-se a fronteira étnica que define o grupo e não a matéria cultural que ela abrange. As fronteiras às quais devemos consagrar nossa atenção são, é claro, as fronteiras sociais, se bem que elas possam ter contrapartidas territoriais. Se um grupo conserva sua identidade quando os membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão. Os grupos étnicos não são simples ou necessariamente baseados na ocupação de territórios exclusivos; e os diferentes modos pelos quais eles se conservam, não só por meio de um recrutamento definitivo, mas por uma expressão e validação contínuas, precisam ser analisados (BARTH, 2011, p.195-96).

Desse complexo sistema, nasce tanto o reconhecimento entre semelhantes — sentimento de pertença, ou aquilo que Barth coloca como o sentimento de que ambos estão “jogando o mesmo jogo” ( BARTH, 2011, p. 196) —, quanto a dicotomização entre os indivíduos, em que um constrói o outro como estrangeiro, como diferente de si, dificultando a interação e gerando até mesmo exclusão.

O conflito entre curdos e turcos apresenta algumas características de um conflito étnico a partir da persistência da fronteira étnica acerca de quem pertence e quem é excluído de cada uma destas “comunidades subjetivamente imaginadas” (WEBER, 1994). O curdos se definem como um povo singular que existiam antes do contexto do Império turco-otomano e do Estado nacional turco e reivindicam uma cultura, língua e

(19)

existência própria, contra a ofensiva do grupo identitário hegemônico nesta arena do pertencimento étnico e de disputa territorial. É justamente no âmbito deste conflito secular que os curdos como grupo étnico redefinem e preservam suas fronteiras culturais, políticas e simbólicas, em interação conflituosa com os turcos.

Entretanto, qual a natureza de um conflito entre um povo sem Estado e as forças repressoras do Estado-nação turco que não reconhecem os curdos como um povo específico e com direitos a sua cultura, cidadania e território? O conceito de grupo étnico é o mais adequado para pensarmos esta situação histórica ou seria mais apropriado vermos como um conflito entre nações diferentes?

Muitas dúvidas acabam por se impor quando os curdos se identificam como o maior povo apátrida do mundo ou, ainda, como atualmente a maior nação sem pátria. É possível uma nação sem pátria? O que configura uma nação?

Parte-se aqui do esforço de Anderson (2008) em tentar conceituar da melhor forma os termos propostos. O autor parte da premissa de que a nacionalidade e o próprio nacionalismo são frutos específicos da dimensão cultural, sendo necessário compreender as suas raízes históricas e seus significados ao longo do tempo para uma melhor aproximação. Para ele, a nação implica na constituição de uma “comunidade política imaginada —imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo tempo soberana.” (ANDERSON, 2008, p. 32).

Imaginada, pois todos os seus membros jamais se conhecerão pessoalmente, mas, apesar disso, há a vívida imagem desse pacto entre todos eles, como uma só comunidade, uma mesma nação (ANDERSON, 2008). Ela é limitada, pois todas as nações possuem as suas fronteiras, no sentido de absolutamente nenhuma nação abrange toda a extensão do globo. E, por outro lado, a comunidade imaginada é soberana, uma vez que ela pressupõe a existência de um Estado soberano. Por último, a comunidade imaginada é concebida como uma comunidade, por difundir a sensação, ou melhor, o sentimento de que nos limites da nação há uma “profunda camaradagem horizontal” (ANDERSON, 2008, p.34), apesar de toda a estratificação, desigualdade e as mais variadas formas de exploração que existem em seu núcleo.

O conceito de nação em Anderson pressupõe a existência de um Estado nacional, especialmente quando enfatiza a dimensão do território delimitado e a soberania política. Esta abordagem possibilita pensar o Estado-nação turco no pós-independência. Mas como imaginar o povo curdo, uma nação sem território demarcado e sem soberania, “uma nação sem pátria”? Buscamos então ampliar o conceito de nação

(20)

e incluir também as comunidades imaginadas que reivindicam um território delimitado e uma soberania política, como é o caso dos curdos, palestinos, catalães, entre outros (Castells, 2018).

As colocações de Anderson (2008) acerca da construção do que é a nação nos possibilita trazer à luz pontos importantes tanto sobre a concepção do nacionalismo turco quanto do nacionalismo curdo.

Em primeiro lugar, o nacionalismo turco se consolidou como um movimento por um território independente — demanda que se efetivou sobre as ruínas do Império Otomano e contra o colonialismo das potências europeias sobrea região. Ao vencer a guerra pela independência, o Estado nacional turco que se consolidou era baseado em um nacionalismo étnico implementado por seu primeiro presidente2, Mustafá Kemal Atatürk, que, grosso modo, objetivava a construção de uma nação homogênea e forte, fundamentada na etnia turca como forma de evitar a fragmentação existente no interior da República recém instaurada.

Esse receio de uma fragmentação por meio da diferença étnica existente no país, especialmente advinda da maioria curda, resultou em uma postura ofensiva por parte dos sucessivos governos turcos, que adotaram políticas de assimilação, o que resultou na reação curda por meio do conflito armado, como argumenta Yildiz (2012):

Desde a década de 1920, as atitudes de políticas sociais dos sucessivos governos turcos em relação às demandas e interesses curdos têm sido marcadas pela negação, intolerância e marginalização. Os Curdos, como o maior grupo minoritário da Turquia, apresentaram o que é percebido como a maior ameaça à criação de um Estado-nação turco homogêneo. As sucessivas estratégias e abordagens do estado, embora em desacordo com o direito internacional sobre o assunto, negaram a existência do curdo como um grupo étnico distinto na população diversificada do país, e a busca por uma política oficial de “Turquificação” e assimilação resultou em um conflito armado prolongado (NASCIMENTO, 2017, p. 41 apud YILDIZ, 2012, p. 152, tradução nossa)3.

2 Nacionalismo este conhecido como kemalismo, que diz respeito à doutrina política erigida por Mustafá

Kemal Atatürk - líder do movimento de independência da Turquia. A doutrina se constituía por um partido, um chefe de Estado único e um nacionalismo cultural, que, após os anos 30, adotou uma postura completamente etnicista, intensificando os conflitos entre o Estado e os grupos étnicos (BOZARSIAN, 2001).

3“Since the 1920s the political social attitudes of Turkey’s successive governments towards Kurdish

demands and interests have been marked by denial, intolerance and marginalization. The Kurds, as Turkey’s largest minority group, have presented what is perceived as the greatest threat to the creation of a homogeneous Turkish nation-state. The successive strategies and approaches of the state, although in variance with international law on the issue, have thus denied the existence of the Kurd as a distinct ethnic group within the country diverse population, and the pursuit of an official policy of

“Turkification” and assimilation has resulted in a protracted armed conflict” (NASCIMENTO, 2017, p. 41 apud YILDIZ, 2012, p. 152).

(21)

Dessa forma, pode-se pensar a nação turca como uma comunidade imaginada em que a ideia de consciência nacional é completamente pautada sobre uma única etnia como forma de consolidar e manter o Estado nacional, excluindo e marginalizando todas as

outras etnias que constituem uma ameaça à estabilidade do nacionalismo turco. Contra os processos de assimilação impostos por este nacionalismo turco e em meio às intensas e violentas repressões direcionadas aos curdos, estes últimos iniciam a sua busca por autodeterminação, organizando-se politicamente, como veremos nos próximos capítulos. Vão emergindo, assim, fortes demandas por um nacionalismo curdo, que década após década desde a fundação da República turca (1923), essas demandas desembocam em um movimento intenso pela liberdade e autonomia do povo curdo.

É importante ressaltar que diversos autores (ÖCALAN, 2008; GUNES, 2017; NASCIMENTO, 2017) apontam para a emergência do nacionalismo curdo nas décadas iniciais do século XX, justamente quando a identidade curda não é reconhecida pelos recém fundados Estados nacionais após queda do Império Otomano (1922). Assim, a busca por autodeterminação do povo curdo pode ser compreendida como uma forma de nacionalismo quetambém é fortemente pautado na questão étnica, elemento passível de disputa e altamente inflamável no terreno do conflito em questão.

O que podemos observar é que o conceito de grupo étnico não se contrapõe ao conceito de nação. Em diálogo com o trabalho do sociólogo Anthony Smith (1986) , muitas das nações modernas têm origens em grupos étnicos mais antigos e reivindicam estes pertencimentos no contexto de formação do Estado-nação, configurando o que o autor denomina de nacionalismo étnico. Neste sentido, o conflito turco-curdo, a partir da década de 1920, pode ser entendido como um conflito que configura, de maneira relacional, a própria concepção de nação turca e curda no contexto pós-independência da Turquia e ressignifica os pertencimentos étnicos desses povos.

2.3 IDENTIDADE

A identidades — e as diferenças — não são elementos da natureza, mas sim “atos de criação” (SILVA, 2014, p.76), humanamente produzidos, como um produto do mundo social e cultural. Como atos de criação, a identidade e a diferença são intimamente ligadas à própria linguagem, que só adquire ou reafirma seu significado em

(22)

contraste com aquilo que ela não é. Assim, identidade e diferença só são passíveis de serem compreendidas no interior de seus sistemas de significados, que lhe atribuem sentido.

A diferença e a identidade configuram relações sociais que evocam relações de poder, sobretudo onde o poderproduz diferenciação, que age por meio de estratégias de inclusão e exclusão (SILVA, 2014,p.81-82).Mesmo que o esforço de excluir, normalizar e classificar as identidades sob uma lógica de poder culmine em uma identidade do tipo hegemônica, esta última sempre será indissociável da existência da alteridade, daquela que, em relação a identidade, constitui a diferença e tudo aquilo ao qual ela se coloca como superior.

Neste sentido, as identidades curda e turca no território nacional da Turquia podem ser compreendidas como formas de pertencimentos relacionais, históricos e situacionais. São identidades e diferenças étnicas e nacionais permeadas por relações de poder assimétricas, pelo conflito histórico entre curdos-turcos e pelas lutas políticas e simbólicas de invisibilidade e assimilação dos curdos por parte do Estado turco e de reivindicação do reconhecimento da diferença, autodeterminação e autonomia por parte dos curdos.

As relações de poder sempre estão presentes nos contextos em que as identidades estão sendo socialmente construídas, portanto, pode-se apontar para três formas ou tipos predominantes de construção da identidade, conforme Castells (2018): a identidade legitimadora, a de resistência e a de projeto. É importante ressaltar que as identidades não são imutáveis ou estáticas, muito pelo contrário, é possível haver transição entre uma forma de identidade e outra, principalmente a considerar o contexto histórico ao qual se está analisando.

A identidade legitimadora é caracterizada por um conjunto de organizações/instituições da sociedade política e civil que reproduzem uma identidade nacional dominante e racionaliza as fontes de dominação cultural. É uma identidade introjetada que objetiva principalmente a ampliação do seu domínio sobre grupos subalternos. Este tipo de identidade pode ser associado ao processo de produção da identidade nacional por meio de símbolos, educação, coerção e consenso que vise construir uma cultura homogênea no contexto do Estado-nação..

A identidade de resistência, por sua vez, é aquela quese consolida no exercício da resistência coletiva frente a uma opressão, originando uma identidade formada por atores estigmatizados ou que estão em posições socialmente bastante desvalorizadas em

(23)

relação à ordem da dominação. É fortemente marcada por princípios e valores opostos aos hegemônicos.. Os processos de marginalização e exclusão que cria esse mútuo reconhecimento entre os indivíduos ocasionam a formação dessas comunidades de resistência.

Por último, a identidade de projeto consiste na produção de uma identidade que vislumbra, como o próprio nome anuncia, um projeto político de mudança das relações de dominação. A base desse projeto é a transformação da sociedade para uma vida diferente, a partir, possivelmente, da demanda de uma identidade que é oprimida e marginalizada. Os atores sociais envolvidos nessa identidade objetivam redefinir a sua posição no contexto social no qual estão inseridos, almejando a transformação da própria estrutura social na qual são excluídos e marginalizados.

Não significa que na vida social estas formas de identidade estejam claramente separadas e que deem conta de uma realidade contraditória e extremamente complexa, como aquela que envolve o campo de disputa entre turcos e curdos. Trata-se de um recurso heurístico para ordenar racionalmente nossa perspectiva interpretativa

A Turquia, como veremos, assumiu uma postura extremamente rígida quanto a existência e expressão de outras etnias e culturas que não a turca, na época da sua recém fundação como Estado-nação (1923), como citado por Öcalan (2008), em que seu maior receio era fragmentação do país e sua maior prioridade era a centralização. Essa postura demonstra uma expressão máxima da racionalização das fontes culturais e da própria reprodução estrutural da identidade nacional. Portanto, nesse sentido, podemos aproximar da ideia de uma identidade legitimadora, que é introduzida por instituições dominantes com a intenção de legitimar e racionalizar a sua dominação, subordinando ao seu poderio os demais agentes sociais à sua proposta de identidade nacional. Os curdos, nesse contexto, se aproximam da ideia de uma identidade de resistência em contraposição ao Estado turco, que se viram em posições desvalorizadas e acabaram por construir trincheiras de resistência, por meio de rebeliões e revoltas, desde o início, com maior ou menor intensidade.

Ao longo do trabalho, verifica-se— historicamente —, se nos anos a serem analisados (1984-1999), a identidade curda oscilou ou até mesmo transitou entre a identidade de resistência para uma identidade de projeto de autodeterminação do povo curdo e tentativa de transformar uma nação apátrida em uma Estado-nação ou em um território autônomo no interior do Estado turco (como ocorreu com o Curdistão Iraquiano).

(24)

3 O CONFLITO CURDO-TURCO

Neste capítulo, aborda-seo conflito curdo-turcoa partir de algumas perspectivas históricas e analíticas. O objetivo é pensar dimensões da história deste conflito a partir de:a) o início do conflito entre o Estado turco e os curdos;b) das políticas de assimilação do governo turco e os primeiros movimentos de resistência curda; c) a emergência do nacionalismo curdo.

3.1 O INÍCIO DO CONFLITO ENTRE O ESTADO TURCO E OS CURDOS

Para compreender o início do conflito curdo-turco, deve-se atentar para dois importantes tratados assinados no início do século XX: o Tratado de Sèvres e o Tratado de Lausanne.

O declínio do Império Otomano é um importante ponto de partida para a compreensão dos acontecimentos que aqui nos importa. No início do século XX o tradicional Império Otomano (1299-1922) começa a ruir. Sua quedaatraiu para a região os olhares de cobiça de diversos países europeus.

Durante o Império Otomano é importante ressaltar que os curdos não foram expostos e nem influenciados pela “otomanização”, diferente de outros etnias mulçumanas não-turcas que sofreram influências otomanas. Afinal, “as regiões curdas eram, em sua maioria, independentes de Istambul, e seus líderes locais (beys) governavam as terras chamadas pelos Otomanos de Curdistão4 (CAGAPTAY; YOLBULAN, 2016, p.50, tradução nossa).

Segundo Akcelrud (1986), em 1878 as finanças do Império não iam bem, principalmente por conta do empréstimos de crédito externo que este fizera com bancos europeus. A partir de 1879, as finanças do Império passaram a ser controladas por uma espécie de “Conselho Europeu da Dívida Otomana” (AKCELRUD, 1989, p. 35), que era organizado por países como a Inglaterra, França, Alemanha, Áustria e Itália. Com esse movimento passaram a controlar de diversas formas o Império Otomano, mas, essencialmente, a sua dimensão financeira.

Nesse envolvimento financeiro com um Império em crise, Akcelrud (1986) ainda aponta para como esses países se envolveram em uma profunda discussão sobre a

4 Kurdish areas were largely autonomous from Istanbul, and local leaders (beys) ruled over these lands

(25)

“Questão do Oriente”. O objetivo era ampliar o conhecimento europeu e consequentemente sua dominação sobre a região, com o intuito de fragmentar e partilhar o território, em uma empreitada completamente colonial.

Concomitante a esses acontecimentos, como Farias e Nogueira (2018, p. 162) ressaltam, já no século XX, especificamente em 1916, firma-se, em completo sigilo, o acordo Sykes-Picot, entre um diplomata britânico (Mark Skykes) e um diplomata francês (François Georges-Picot). O principal objetivo era dominar a região do Oriente Médio a partir da criação de Estados árabes controlados pelos dois países, motivados por seus respectivos interesses econômicos.

Esse acordo diplomático abre espaço e legitima a intervenção europeia acerca das delimitações e reconfigurações territoriais na região da Anatólia, intensificando a velocidade da queda do Império Otomano. Quanto à essas delimitações:

As antigas províncias da Síria e Mesopotâmia sob o Império Otomano seriam divididas em cinco estados-nação: Líbano e Síria, que estariam sob o controle francês, Palestina Jordânia e Iraque, incluindo a Província de Mosul, que estariam sob o controle britânico (THE KURDISH PROJECT, [s.d], tradução nossa).5

Posteriormente ao acordo, com o fim da Primeira Guerra Mundial:

[...] uma coligação de tropas das potências vencedoras — com contingentes do Reino Unido, da França, da Itália e da Grécia — ocupou Istambul e procurou controlar os principais centros político-econômicos da Anatólia” (FERNANDES, 2005, p. 41). Entre as ruínas do Império Otomano e a ocupação militar europeia, surgiu o movimento nacionalista otomano/turco, fundamentado na reivindicação das fronteiras para os novos Estados a serem formados na região. (FARIAS; NOGUEIRA, 2018, p. 162-163)

Neste contexto, os povos que ali habitavam e que estavam sendo dominados pela ocupação militar europeia, iniciaram suas reivindicações por autonomia, liberdade e influência na delimitação desses novos territórios, o que desencadeia uma série de contestações por libertação nacional, essencialmente manifestações anticoloniais.

No contexto inicial, todos os povos subalternizados formaram uma grande oposição sem distinção étnica — considerando toda a diversidade étnica que compunha o Império Otomano. Permanecer no Império e lidar com o colonialismo europeu exigia

5The former provinces of Syria and Mesopotamia under the Ottoman Empire would be divided into five

nation-states: Lebanon and Syria which would be under French control and Palestine, Jordan and Iraq including Mosul Province which would be under British control (THE KURDISH PROJECT. “The Kurdish history”. Sem data. Disponível em: https://thekurdishproject.org/history-and-culture/kurdish-history/ . Acesso em: 31 out. 2019)5

(26)

uma organização do tipo federal, sendo essa a única forma possível de resistir às insistentes e violentas investidas das potências europeias (ACKCELRUD, 1986).

Se consagra de forma hegemônica, assim, o movimento nacionalista turco, que constitui a oposição frente às divisões territoriais propostas pelas potências da Europa. No que tange à essência desse movimento nacionalista, ele se pauta na libertação nacional através da estratégia militar, de caráter fortemente anticolonial.

Em 1898, os Jovens Turcos6, durante um comitê, já anunciavam: “As populações estão maduras para as reformas; uma vez realizadas (tais reformas), armênios, gregos, judeus, árabes e turcos viverão em paz e prosperidade” (ACKCELRUD, 1986, P. 35).

Já lidando com o Império em declínio, os turcos apostavam em um discurso pela pluralidade étnica e a união entre elas, um exercício de união e solidariedade em prol de um bem maior. Esse nascente nacionalismo turco, tinha como principal objetivo transformar a antiga comunidade islâmica otomana em algo novo, em uma força moderna, trazendo para o seu núcleo todos os otomanos mulçumanos, independentemente da origem étnica de seus membros (CAGAPTAY; YOLBULAN, 2016).

Em 1905, os Jovens Turcos já se consolidavam na liderança do movimento, prometendo igualdade étnica e religiosa a todos envolvidos na luta por libertação nacional. Apesar da luta ser compartilhada, o poder sobre o movimento era exclusivamente turco e fortemente militar (ACKCELRUD, 1986, p. 36).

Ao longo da luta pela independência da Turquia, o movimento consegue apoio de diversas etnias da Anatólia, inclusive dos curdos. Apesar de aparentar ser uma aliança conquistada facilmente, não o foi, como aponta Plakoudas (2015), pois em 1921 os curdos se rebelaram contra os turcos, durante a própria Guerra pela Independência. No entanto, a rebelião foi completamente contida após 4 meses de duração. Nesse sentindo, Atatürk, como medida de contenção, prometeu que concederia autonomia aos curdos caso eles colaborassem na guerra.

Essa cooperação com os curdos partia da ideia da criação de uma irmandade mulçumana contra um inimigo maior (potências europeias hegemônicas), ideia esta difundida pelos turcos, que no contexto da Guerra da Independência Turca (1919-1923) reconheceu os curdos como uma identidade étnica independente (DONMEZ, 2007).

6Burguesia turca, existente desde a época do Império, que tomou frente às organizações do movimento

(27)

Aqui, abre-se margem para o questionamento de por que os curdos não aproveitaram o enfraquecimento do Império Otomano, a luta pela Independência da Turquia, a presença e pressão das potências europeias sobre a região e o conturbado cenário que se estabeleceu a partir desse contexto para consolidar a independência do Curdistão, ao invés de contribuir para a consolidação do Estado turco como fizeram(FARIAS, 2017, p. 48 apud HEPER, 2007).

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, especificamente em 1920, à luz desse conturbado cenário (ocupação militar europeia, reivindicações do movimento turco sobre as novas fronteiras, declínio final do Império), é firmado o Tratado de Sèvres, um tratado de paz que visava estabelecer a reorganização da região dominada pelo Império Otomano.

Neste tratado foram definitivamente estabelecidas as novas mudanças territoriais, incluindo uma região dedicada para a delimitação das fronteiras do território do Curdistão, assegurando a almejada autonomia curda e prevendo um caminho para a consolidação de um Estado curdo.

No entanto, o Tratado de Sèvres operou muito mais no sentido de consolidar “estados-tampões” entre rivais da região do que de fato prestar um reconhecimento sólido e eficaz ao nacionalismo curdo e a autodeterminação de outras minorias que existiam ali, como por exemplo os armênios (DAHLMAN, 2002). Apesar disso, o Tratado foi bastante utilizado como argumento pelos movimentos políticos curdos que viriam a surgir.

Concomitante aos processos ocasionados por Sèvres, o Movimento Nacional Turco (1919-1922) se fortalece cada vez mais, liderado ainda pelo movimento nacionalista dos Jovens Turcos. De certa forma, os anseios dos Jovens Turcos se consolidaram nos termos de Sèvres.

Mas não houve concordância com as fronteiras estabelecidas no Tratado de Sèvres. As potências europeias hesitaram com essa discordância. Como Farias e Nogueira (2018, p. 163) bem relatam, enquanto as negociações do tratado seguiam, as tropas gregas ocuparam a região da Anatólia. Frente a essa ofensiva, os otomanos reagiram a partir de “uma campanha político-militar que a historiografia turca glorifica como a Guerra da Independência (1919-1922).” ( FERNANDES, 2005apudFARIAS; NOGUEIRA, 2018, p. 163).

(28)

A perda iminente do leste da Turquia, especificada no Tratado de Sèvres, no entanto, provou ser um anátema para os oficiais turcos liderados por Mustafá Kemal, que desmantelou as mudanças provocadas pelos jovens turcos, extirpou completamente o sultanato e estabeleceu uma república secular baseada nos modelos europeus . Kemal, mais tarde conhecido como Atatürk, pai dos turcos, estabeleceu um poder regional formidável e imediatamente buscou reparação dos termos de Sèvres [...] (DAHLMAN, 2002, p.278-279, tradução nossa7).

Em 1923 o tratado de Sèvres foi revogado após os nacionalistas turcos vencerem a Guerra da Independência, substituído então pelo Tratado de Lausanne, firmado na Suíça (entre Reino Unido, França, Itália, Grécia, Romênia, Reino dos Sérvios, Croácia, Eslovênia e Turquia) que tornou legal o reconhecimento internacional do território turco (DAHLMAN, 2002). Inclui-se a esse tratado o não reconhecimento não só da etnia curda, mas também — e principalmente — do território que antes fora destinado ao Curdistão. Donmez (2007) afirma que foi concedido o reconhecimento de minorias étnicas apenas para os não-mulçumanos (gregos, judeus e armênios).

Essa repentina mudança de cenário, influenciada por Atatürk, será o fio condutor de todo o conflito a partir do anseio por um nacionalismo essencialmente pautado na etnia turca. Nasceu, então, um dos conflitos mais longevos e violentos da região, sem aparente esperança de ser solucionado.

3.2 AS POLÍTICAS DE ASSIMILAÇÃO E OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA

A República Turca se consolida e ao longo dos anos seus pilares se tornam bastante rígidos, especialmente no que diz respeito ao controle da diversidade étnico-religiosa que permaneceu sob seu território, que diminuiu bastante em relação a vastidão do antigo Império.

Desde o início, suas medidas foram radicais, apostando na secularização e na abolição do califado islâmico, causando um enorme desconforto entre líderes da sociedade curda conservadora (PLAKOUDAS, 2015).

Os grupos étnicos que existiam na região e que inclusive colaboraram para o movimento nacionalista que garantiu a luta e a existência de um Estado soberano para os turcos, se viram traídos. As promessas de que todas as etnias do antigo Império

7 The impending loss of eastern Turkey as specified in the Treaty pf Sèvres, however, proved anathema to

Turkish officers led by Mustafá Kemal, who dismantled the changes wrought by the Young Turks, fully extirpated the Sultanate, and established a secular republic patterned after European models. Kemal, later known as Atatürk, father of the Turks, established formidable regional power and immediately sought redress of the terms of Sèvres [...](DAHLMAN, 2002, p.278-279)

(29)

viveriam em plena paz e prosperidade, como prometeram os Jovens Turcos, não se realizaram.

Sentindo a perda de uma grande parte de seus antigos territórios, a Turquia rapidamente adotou uma política de assimilação, na tentativa de unificar as partes restantes do antigo Império Otomano. Qualquer indício de cultura que não a turca, seria, de acordo com esta política, exterminado. Desta maneira, língua e cultura curdas foram banidas (ÖCALAN, 2008, p.15).

O nacionalismo que nasce na Turquia ficou conhecido como kemalismo, que diz respeito à doutrina política erigida por Mustafá Kemal Atatürk. Essa doutrinase constituía por um partido, um chefe de Estado único e um nacionalismo cultural, que, após os anos de 1930, adotou uma postura completamente etnicista, intensificando os conflitos entre o Estado e os grupos étnicos ali existentes (BOZARSIAN, 2001).

De modo geral, aqueles que fundaram a República turca se apoiavam sob a ideia da construção de um Estado-nação secular, com forte caráter nacionalista e intensa centralização (DONMEZ, 2007). Essa foi a principal contribuição de Atatürk para a tentativa de modernizar e trazer novos avanços à Turquia, sendo essa a força que movia seus objetivos políticos: a da modernização.

Para enaltecer a consciência nacional turca, em plena contraposição a mínima manifestação ou identificação islâmica ali presente, Atatürk tornou obrigatória a romanização da língua turca, forçando a transliteração para o sistema do alfabeto latino (ANDERSON, 2008), em um esforço de alinhar-se à população europeia (justamente àquela que turcos, curdos, árabes, armênios, etc., haviam lutado contra alguns anos atrás, em um esforço anticolonial) e abrir as portas para um possível diálogo com o Ocidente.

A elite da Turquia não poupou esforços para criar estratégias homogeneizadoras que fossem capazes de transmitir e impor a identidade turca à pluralidade étnica presente em seu território, apontando como traidores da nação todos aqueles que se recusavam assimilar a identidade turca e tornar-se cidadão turco (DONMEZ, 2007).

Portanto, o governo turco, em sua empreitada nacionalista para a consolidação de uma nação próspera e moderna, se esforçou para evitar que nada atrapalhasse ou fragmentasse o seu projeto de país. Seu maior receio acabou por se expressar na diversidade étnica que existia ali, resquício do antigo Império. Seu principal alvo foram os curdos. Mas por quê?

(30)

A maior área do Curdistão está sobre a região onde está localizada a Turquia. É também onde se assenta a maior parte da população curda, representando, no seio do contingente populacional turco, quase 20% da população do território, como citado anteriormente.

Por configurarem a minoria étnica mais numerosa do território8, os curdos foram os principais alvos das políticas de assimilação, difundidas pelo governo. Proibições corriqueiras mas de grande peso e significado simbólico foram impostas, como a proibição das palavras “curdos” e “Curdistão”, como forma de impor um apagamento da sua existência.

Deportação em massa, marginalização e proibição da cultura, a proibição da língua e os constantes ataques a qualquer organização política curda (STRANGERS IN A TANGLED WILDERNESS, 2016), tornou-se política de Estado no projeto para a assimilação da cultura turca.

Para alcançar uma identidade nacional homogênea, o nacionalismo turco substituiu o patriotismo do "muçulmano otomano" pelo do "turco", estabelecendo assim um novo padrão de cidadania onde bósnios, gregos e búlgaros, albaneses, curdos e outros muçulmanos otomanos precisavam se identificam como turcos para serem vistos como verdadeiros cidadãos participantes no novo país. (CAGAPTAY; YOLBULAN, 2016, p. 48, tradução nossa9).

Ou as minorias étnicas se adequavam a ser cidadãos turcos, passando por um rigoroso processo de assimilação étnico-cultural, ou simplesmente não seriam reconhecidas, sofrendo todas as consequências desse não reconhecimento (GUNES, 2017).

Outra dificuldade se impôs, afinal, os curdos configuraram, desde o início da República, uma posição única frente ao nacionalismo turco: resistência à assimilação de outra cultura. Esse movimento de recusa é quase que ritual, afinal, desde o Império Otomano, seu distanciamento dos governantes otomanos, de suas leis e regras, criaram uma “blindagem” acerca de sua própria identidade étnica,dificultando, então, o processo de assimilação imposta pelo governo turco (CAGAPTAY;YOLBULAN, 2016).

8 Em 1920, os curdos representavam mais de 10% da população da Turquia (CAGAPTAY; YOLBULAN,

2016, p.50).

9 “In order to achieve a homogenous national identity, Turkish nationalism substituted the patriotism of

"Ottoman Muslimness" with that of "Turkishness", thereby establishing a new standard of citizenship where Bosnians, Greeks and Bulgarians, Albanians, Kurds and other Ottoman Muslims, needed to identify themselves as Turkish to be seen as true participating citizens in the new country’. (CAGAPTAY; YOLBULAN, 2016, p. 48.)

(31)

O maior medo do governo era que essa grande massa, que não é turca e se recusava a ser, fosse uma ameaça ao equilíbrio da República, caso resolvessem reivindicarem algum momentoo reconhecimento de que era uma etnia a parte e iniciasse uma luta pelas suas terras, sua autonomia e liberdade.

Como Dahlman (2002) bem coloca, o governo forçou a dissolução étnica, afetando e destruindo os laços entre os grupos comunitários e tribais curdos, especialmente através da migração, gerando uma espécie de “desidentificação” com a “curdicidade”, favorecendo a rejeição da afiliação étnica curda quando estes sentissem necessidade. Portanto, as assimilações funcionavam (mesmo que em menor grau), apesar de haver resistência por parte da comunidade curda.

Além dos processos de assimilação impostos, há argumentos que abrangem a dimensão econômica, destacando a maneira como os curdos foram excluídos do sistema social e econômico e das novas estruturas do capitalismo inseridas na região:

Tanto a repartição do Curdistão quanto a essência dos regimes árabe, persa e turco constituíram obstáculos ao desenvolvimento social dos curdos destas regiões. O relativo atraso social dos curdos, que ainda hoje mantêm suas estruturas feudais, é um produto de tais relações de poder. Com a chegada de estruturas capitalistas, das quais os curdos foram em sua maioria excluídos, a brecha entre seu desenvolvimento e o das sociedades hegemônicas árabe, turca e persa aumentou ainda mais. As estruturas de poder feudal se misturaram às estruturas de poder burguesas do capitalismo, o que ajudou a preservar o domínio das respectivas nações sobre o território. Apesar de tais estruturas dependerem do imperialismo, elas foram capazes de construir suas próprias economias nacionais, desenvolver progressivamente suas respectivas culturas e estabilizar suas estruturas estatais. (ÖCALAN, 2008, p. 18).

Os curdos confrontaram a Turquia principalmente nos primeiros anos de existência da República (1920/1930) e um volume considerável de curdos participou de diversas revoltas organizadas e lideradas por uma coalização entre intelectuais nacionalistas curdos e líderes religiosos, que apesar da mobilização ter conseguido atingir uma significativa parcela da sociedade curda, não abrangeu a população curda rural e nem toda a população urbana.

McDowall (2007) afirma que as guerrilhas entre o governo turco e as rebeliões curdas contabilizaram 40.000 mortes nos anos de 1937 e 1938. Esse evento foi caracterizado pela comunidade internacional como etnocídio e designado como “Massacre de Dersim” (FARIAS; NOGUEIRA, 2018, p. 165).

(32)

Depois que as forças militares turcas controlaram a intensa rebelião curda em Dersim10 (1930), Atatürk ocupou militarmente, sob a lei marcial11, a região sudeste do país e, como bem coloca Dahlman (2002), essa não foi a última vez que o governo turco adotou essa tática contra os curdos.

Efeitos desse período de repressão se prolongaram, sendo expressos por meio de “contínuas destruições de vilarejos/aldeias, deslocamento em massa, e uma duradoura desconfiança entre o governo em Ankara e a numerosa população curda” (DAHLMAN, 2002, p.279).

Como exemplo dessas medidas violentas por parte do governo, Dahlman (2002), ainda aponta para o fenômeno impulsionado pelo Estado, que consistia em incentivar o reassentamento da região por outras etnias, como os kosovar albaneses e os assírios fizeram após o Massacre de Dersim, com o objetivo de mudar a composição étnica da região, outra estratégia para conter os rebeldes curdos.

Nesse sentido, já nos anos iniciais desse conflito, podemos visualizar a consolidação de dois tipos de identidades, como coloca Castells (2018) sobre as formas possíveis de identidadesem contexto de conflito.

O conflito desta dimensãocoloca em disputa duas narrativas opostas, uma perspectiva turca lutando pela manutenção de sua hegemonia e a outra resistência em luta pelo seu reconhecimento. A Turquia, ao impor políticas de assimilação e de exclusão étnica como forma de plano político de Estado, dando vida ao kemalismo enraizado no país até os dias de hoje, assume a identidade legitimadora, justamente aquela que é caracterizada por a defesa de um nacionalismo étnico turco que busca racionalizar as fontes de dominação cultural como forma de exercer seu poder (CASTELLS, 2018).

Os curdos apresentam diferentes formas de resistência, ao passo em que se configuram como uma comunidade estigmatizada, socialmente desvalorizada pela ordem dominante, que possui valores fortemente opostos aos valores hegemônicos. Esse tipo de posição culmina na criação de comunidades de resistência, ocasionando um reconhecimento mútuo entre seus indivíduos e a própria marginalização acaba por ser o propósito de sua união e sua força enquanto grupo de resistência.

10 O massacre de Dersim foi um desdobramento de rebeliões anteriores, como a Revolta de Ararate, que

ocorreu em 1930 na província de Ağrı. Dahlman (2002), aponta que havia cerca de 25.000 turcos em campo contra 15.000 manifestantes curdos.

11 “Que submete, durante o estado de guerra, todas as pessoas a regime especial, com a suspensão de

garantias civis e políticas, asseguradas, em tempos normais, pelas leis constitucionais.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, [s.d]).

(33)

Nos anos seguintes às efervescentes manifestações iniciais, houve pouca mobilização curda organizada e os anos de 1940 e 1950 ficaram conhecidos como “quiet years” (GUNES, 2017, p. 81).

3.3 AS REVOLTAS E A EMERGÊNCIA DO NACIONALISMO CURDO

A emergência do nacionalismo curdo não encontra unanimidade entre os estudiosos, não havendo uma exata convergência de opiniões no que tange a época e cenário preciso do seu desenvolvimento. Desde o século XIX existiram diversos atores, líderes e movimentos curdos que ansiavam pela criação e consolidação de um Estado curdo independente. Posicionamentos e manifestações desse cunho já existiam no Império Otomano, como aponta Gülşen (2013), sendo comandadas por líderes religiosos e curdos que trabalhavam para a própria administração otomana, manifestando o desejo por um bem maior, um país autônomo e livre.

Donmez (2007) aponta que os curdos foram influenciados pela ideia de consciência nacional, criada pela Revolução Francesa, ainda no contexto do Império Otomano. Essa influência se expressa por meio da revolta de 1880, liderada pelo Sheik Sayyid Ubaidullah, um líder religioso que possuía estreitas relações com o Império Otomanoe com a Inglaterra, já demonstrava esses sentimentos nacionalistas em uma carta que escreveu para um missionário americano12.

A nação Curda, composta por mais de 500.000 famílias, são um povo a parte. Sua religião é diferente [dos outros], e suas leis e costumes são distintos.... Nós também somos uma nação à parte. Nós queremos que nossos assuntos estejam em nossas mãos, para que, na punição de nossos próprios ofensores, nós sejamos mais fortes e independentes, e ter privilégios como outras nações... Esse é o nosso objetivo [para a revolta]... Caso contrário, todo o Curdistão tomará o assunto em suas próprias mãos, ao passo em que eles são incapazes de aceitar essas ações contínuas e a opressão que sofrem nas mãos do governo [Persa e Otomano] (Özoglu, 2001, p.391 apud Gülşen, 2013, p.6 tradução nossa.13).

12 Ubaidullah mantinha uma troca de correspondência bastante frequente com a Inglaterra, possibilitando

a sensibilização destes com a questão Curda como forma de atingir seus objetivos, ou trilhar um caminho até eles.

13 The Kurdish nation, consisting of more than 500.000 families, is a people apart. Their religion is

diferente [from that of others], and theirs laws and custos distinct... We are also a nation apart. We want our affairs to be in our hands, so that in the punishment of our own offenders we may be Strong and independente, and have privileges like other nations... This is our object [from the revolt]... Otherwise the whole of Kurdistan will take the matter into their own hands, as theu are unable to put up with these continual evil deeds and the opression with they suffer at the hand of the [Persian and Ottoman] governments. (Gülşen, 2013, p.6 apud Özoglu, 2001, p.391)

Referências

Documentos relacionados

Art. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica

método psicanalítico que tem primazia sobre as teorias e técnicas, toda vez que o empregamos devemos conservar um posicionamento de máxima proximidade ao acontecer

Abdome: Semiologia Radiológica do Abdome (RX, US, TC e RM) Parte I: - Anatomia Normal nos diferentes métodos de imagem;.. - Semiologia Radiológica na interpretação da Radiografia

ocorreu em razão do maior espaço aéreo gerado entre o meato auditivo externo e a parede óssea medial da bula, apesar dos variados graus de estenose do

O piso salarial de ingresso do trabalhador motorista no posto revendedor, para 220 horas de trabalho mensal, é de R$ 1.048,03, para motoristas de jamanta, carreta, semi-reboque

As empresas concederão, mensalmente, auxílio-creche de 25% (vinte e cinco por cento) do Salário Mínimo Profissional à empregada que perceba até 4 (quatro)

6.5 Até o final do desenvolvimento do projeto, os itens patrimoniáveis (equipamentos e bens permanentes), adquiridos com recursos do presente edital, deverão ser patrimoniados na ICT

Se introduzir, no 7º passo, um outro código numérico, verificar-se-á o cancelamento da programação e o codificador por radiofrequência comuta para o funcionamento normal. 8 .2