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OS SENTIDOS DE SUCESSO NO JORNALISMO DE TV

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Academic year: 2021

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OS SENTIDOS DE SUCESSO NO JORNALISMO DE TV

Lídia Mª M. da P. Ramires – PPGLL/UFAL

Este estudo analisa os sentidos do discurso do sucesso divulgado pelo programa jornalístico de TV, Globo Repórter, selecionado como veículo-alvo de estudo por se propor a aprofundar assuntos “polêmicos” ou de “interesse geral”. O programa semanal apresenta reportagens especiais a partir de um único tema, segundo Aronchi de Souza, no formato documentário que propõe “buscar o máximo de informações sobre um tema” (2004, p. 146).

Na produção do programa, os jornalistas procuram apresentar diversas opiniões, versões e informações sobre um mesmo assunto. Como diz Lage, a notícia a ser apresentada “será levada ao público a partir de uma estimativa sobre o tipo de informação de que esse público precisa ou qual quer receber” (2004, p.23). Essa escolha é do Departamento de Jornalismo da TV Globo e ao entendimento de quais assuntos deverão ser abordados.

Os programas exibidos abordam assuntos em áreas como ecologia, saúde, atualidades e comportamento humano. Periodicamente1, o Globo Repórter apresenta temas ligados ao sucesso – seja pessoal ou profissional. São relatos de histórias de pessoas que alcançam posições de destaque na sociedade e são apontadas como exemplos para os telespectadores, o que difere do padrão do discurso jornalístico, dado a priori como imparcial, neutro e objetivo. Ao elencar modelos de pessoas bem-sucedidas, o programa desvela a existência de padrões estabelecidos.

Por ser líder de audiência no horário – sextas-feiras à noite, analisaremos o programa Globo Repórter que apresenta um documentário sobre uma só temática, a cada edição. A exibição de edições que abordam assuntos ligados ao sucesso tem se mostrado recorrente e se sustenta no discurso da obtenção de sucesso em diferentes níveis da vida. São apresentados casos de pessoas que alcançaram diversos objetivos e que se enquadram num padrão de pessoas bem-sucedidas. Ora esse padrão refere-se ao sucesso profissional ora a satisfação pessoal, mas não refere-se dá a compreender apenas na materialidade lingüística.

Para compreendermos como outros discursos são convocados para que o discurso do sucesso produza efeitos de sentido precisamos entender que as formações discursivas (FD) são os espaços de significância em que as formações ideológicas se manifestam como função social. Nas FDs são veiculadas idéias e dizeres que podem convergir para uma mesma formação ideológica ou ainda para o confronto entre mais de uma FD. Nesses campos de significação define-se o que pode ou não ser dito.

A noção de formação discursiva foi trazida para a Análise do Discurso por Michel Pêcheux e definido como “aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito” (1997, p.160). As formações discursivas, entretanto não podem ser consideradas espaços fechados, uma vez que estão em constante movimento, num processo permanente de reconfiguração.

Compreendendo que o sentido não se produz em um determinado lugar, e sim na relação entre os sujeitos e entre os sentidos, as formações discursivas são “diferentes regiões que recortam o interdiscurso (...) e que refletem as diferenças ideológicas, o modo como a posição dos sujeitos, seus lugares sociais aí representados, constituem sentidos diferentes” (Orlandi, 2002, p.20). Ou seja, os sentidos dados aos dizeres são produzidos de acordo com a compreensão que se tem das formações discursivas em que esses são produzidos.

Esse entendimento de que os sentidos são constituídos em formações discursivas é que torna possível afirmar que os sentidos de uma palavra ou expressão não são únicos. Assim, o sentido de “sucesso” não pode ser tomado como único. Os sentidos atribuídos a sucesso serão tão numerosos quanto às formações discursivas em que esta palavra seja inscrita.

Uma vez que as formações discursivas representam posições ideológicas, em um determinado

1 Exemplos de edições do programa Globo Repórter exibidos em 2007: “Economia Popular - Brasileiros em

busca de um novo jeito de ganhar a vida e enfrentar o desemprego” (30/03/2007); (27/04/2007); “Brasileiros criativos - Saiba como ganhar dinheiro com uma boa idéia” (22/06/2007); “Cooperativas - Brasileiros que ganham a vida sem patrão e sem carteira assinada, mas dentro da lei” (08/06/2007).

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momento histórico, a produção de sentidos estará relacionada a essas posições. Assim, como afirma Bakhtin (2004, p.95):

a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida.

Essas ressonâncias ideológicas são produzidas graças à articulação de outros discursos, produzidos em um dado momento histórico, que se articulam, se confrontam e produzem efeitos de sentidos. Uma vez que cada discurso carrega em si mesmo a relação com outro discurso, outros ditos em diferentes momentos e lugares.

O discurso é, como afirma Bakhtin, parte de uma discussão ideológica e dialoga com outros discursos, com o pré-construído, uma noção elaborada por Paul Henry (1975) que designa um discurso anterior e exterior, a partir dos quais o enunciado atual é construído. Segundo Pêcheux (1998, p.99) o termo pré-construído é usado “para designar o que remete a uma construção anterior, exterior, mas sempre independente, em oposição ao que é construído pelo enunciado”.

Os outros dizeres convocados são incorporados pelo interdiscurso, regulando a possibilidade de sentidos de um enunciado. O interdiscurso atravessa o intradiscurso – o que se captura na superfície da língua – e se apresenta com diversas formulações vão além do sentido estrito. Como afirma Orlandi (1998, p. 12):

o interdiscurso se apresenta como séries de formulações que derivam de enunciações distintas e dispersas que firmam em seu conjunto o domínio de memória (o saber discursivo) ; esse domínio constitui a exterioridade discursiva para o sujeito do discurso.

Essa derivação de outros dizeres, distintos e dispersos, só pode ser recuperada pela análise das condições de produção do discurso. A noção foi elaborada por Paul Henry e desenvolvida por Pêcheux quando fundou a categoria interdiscurso. Ela remete às formações sociais e às relações de classes e significa pensar discursos anteriores ao próprio discurso analisado. Ou seja, nenhum discurso é trabalhado isoladamente, uma vez que, como vimos, cada discurso traz em si mesmo outros já ditos em outros lugares e momentos.

Trabalhar as condições de produção significa pensar outros dizeres e saberes anteriores ao discurso analisado, implica saber as condições de produção mais amplas, ou seja, o contexto histórico-social no qual o discurso se insere; e as condições de produção mais restritas, o que, como, de quem, para quem vai o dizer e quais os posicionamentos ideológicos desse dizer.

A Análise do Discurso da linha francesa trata do discurso, busca a compreensão da língua fazendo sentido, “enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história (Orlandi, 2001, p.15). A AD trabalha com a língua não como sistema abstrato, e sim como maneira de significar, considerando, como afirma Orlandi, “a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade” (p.16).

A AD articula saberes da Lingüística e das Ciências Sociais ao propor a análise da linguagem relacionada à sua exterioridade, confrontando o político e o simbólico e trabalhando a relação língua-discurso-ideologia.

A Análise do Discurso foi buscar ainda na Psicanálise o deslocamento da noção de homem para sujeito, afetado pela história. A partir da Lingüística, Marxismo e Psicanálise a AD aponta para seu objeto: o discurso.

Para analisarmos os efeitos de sentido que um discurso produz, a partir da relação que mantém com outros discursos, precisamos entender que o conjunto do dizível, definido histórica e lingüisticamente, é o interdiscurso. Ou, como Orlandi esclarece, tomando uma definição de Pêcheux, “o interdiscurso é o conjunto, o todo, à dominante, das formações discursivas” (Orlandi, p.2002, p.89).

É necessário entender ainda que todo discurso opera em um espaço de significação

denominado em AD como formação discursiva É neste espaço que o sujeito é autorizado a dizer o que pode ser dito; na verdade, como diz Orlandi “o sujeito não adere às formações discursivas automaticamente e elas, por sua vez, não se apresentam como espaços maciços de sentido”, (Orlandi, 2002, p.89).

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E é justamente nas formações discursivas que as formações ideológicas – “expressões da conjuntura ideológica de uma formação social” (Amaral, 2001, p.14) –, estabelecem o que pode e deve ser dito. Enfim, “as palavras expressões e proposições, etc. recebem seu sentido da formação discursiva, na qual são produzidas” (Pêcheux, 1988, p.160). A construção do discurso então se dá na sua identidade com o outro, na articulação e no confronto entre os discursos. Como Orlandi (2002, p.23) afirma: “todo o discurso sempre se remete a outro discurso que lhe dá realidade significativa”.

Como explica Maingueneau, o sentido do discurso só é possível no interior do universo de outros discursos. “Para interpretar qualquer enunciado, é necessário relacioná-lo a muitos outros – outros enunciados que são comentados, parodiados, citados, etc.” (2001, p.55).

Assim, a análise, através das categorias da AD, dos efeitos de sentido de “sucesso” e da construção de padrões de sucesso apresentado aos telespectadores apontará para o funcionamento desse processo discursivo.

Na apresentação desses relatos, os sentidos convocados para o sucesso são sustentados por outros discursos que circulam na sociedade, como o de superação, prosperidade, empreendedorismo, persistência e criatividade. A idéia de ser um indivíduo bem sucedido, nos dias atuais, pode ser observada em discursos dos mais aos menos previsíveis como o do mercado de trabalho, o sobre a educação, e no religioso. No discurso jornalístico está presente no enunciado: Eles conseguiram – repetidos nos exemplos exibidos no Globo Repórter. Como vemos na seqüência discursiva que segue.

SD1

“Com o que receberam no ano passado, os irmãos nordestinos conseguiram até comprar uma casinha em Pernambuco. É graças a esse trabalho temporário que eles ajudam no sustento da família e ainda garantem belas férias”. (Emprego Temporário: Em alguns meses, dinheiro para o ano todo, 14/11/08)

O tema central da edição do programa nessa data era emprego temporário. O relato do sucesso dos irmãos nordestinos, trabalhadores temporários no corte de cana no Centro-Oeste brasileiro, enfatiza a compra da casa em Pernambuco e a garantia de “belas” férias. O texto é iniciado com a seguinte pergunta: “Você trocaria o Nordeste, região de belas praias, para trabalhar em um canavial no Centro-Oeste brasileiro e suportar temperaturas de quase 40ºC?”. A explicação para troca é dada pelo operador de máquina Edivaldo Gama da Silva: “Venho há dois anos e já me acostumei. É uma beleza. Vale a pena porque nós ganhamos bem".

O discurso do mercado de trabalho é o de busca por ideais do modo de vida capitalista, como o estímulo ao consumismo e o incentivo a competitividade entre empresas e pessoas. É próprio do capitalismo ditar modelos de comportamento voltados aos interesses do mercado. Como diz Amaral (1999, p.107):

no desempenho da sua função, o mercado põe exigências que afetam o mundo do trabalho. Os trabalhadores devem mudar seus hábitos, sua forma de organização, seu comportamento político para se adequar à nova realidade.

Assim, o discurso do sucesso se mostra como transparente, uno, mas se ampara em outros discursos para produzir outros efeitos de sentidos. O texto apresentado no programa Globo Repórter de 14 de novembro de 2008 segue com a dúvida de Edivaldo Gama da Silva, apresentada de forma rápida:

SD 2

"’Acho que este ano vou ficar uns meses parado para descansar um pouco’, planeja Edivaldo”. (Emprego Temporário: Em alguns meses, dinheiro para o ano todo, 14/11/08)

O repórter argumenta: “Afinal, a jornada não é fácil. São dez, doze horas por dia”, mas reforça o discurso de que todo esse esforço valerá a pena, uma vê que em sete, oito meses eles recebem pelo ano inteiro.

O programa silencia as condições de transporte, estada, salários e alimentação disponíveis a esses trabalhadores que se deslocam para trabalhar em outras regiões do País. Reforça outros dizeres

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como o de que o trabalhador pode solucionar a falta de emprego ao se deslocar entre estados e regiões. Mas não é o estímulo à mudança definitiva e sim a procura nômade por outros locais onde a mão-de-obra possa ser explorada. Como no caso dos agrônomos recém-formados, Igor Henrique da Silva e Rodrigo Suzuki, de São Paulo, contratados temporariamente em fazendas do Centro-Oeste.

SD 3

"O Sudeste já está muito cheio. Isso faz com que a gente tenha que vir para cá", justifica Igor. "Caso não dê certo aqui, eu pretendo percorrer novas regiões que estão crescendo, como Bahia, norte do Tocantins, Roraima, Rondônia. A agricultura está crescendo nessas áreas agora", revela Rodrigo. (Emprego Temporário: Em alguns meses, dinheiro para o ano todo, 14/11/08)

As dificuldades apontadas no programa para trabalhadores que fazem esse caminho é a distância de casa, resumida pelo repórter e reafirmada pelo operador de máquina pernambucano:

SD 4

(repórter) O agronegócio leva muitos trabalhadores temporários para o coração do Brasil. Mas é preciso saber que nem sempre é fácil ficar longe de casa.

"Está um pouco apertado. Fico contando os dias e as horas para ir embora para casa. Estou com bastante saudade da minha mãe", conta Edivaldo.

Não só no agronegócios esses exemplos de sucesso são anunciados. Ao apresentar exemplos de empreendedores que deixaram a “segurança do trabalho formal para abrir seu próprio negócio”, daqueles que buscam em idéias criativas para ganhar dinheiro, ou ainda de brasileiros que encontraram uma no cooperativismo uma forma legal de trabalhar sem patrão, apontam para outros dizeres que são convocados a fazer sentido naquele momento histórico dado.

E não só o discurso jornalístico convoca esses dizeres sobre o sucesso. No campo da educação, os cursos são apresentados como ferramenta para a conquista de uma carreira de sucesso. O discurso não é o do aprendizado, de busca do conhecimento, e sim, da “facilidade” em se conseguir a certificação, dadas as inúmeras opções de cursos de curta duração, graduação tecnológica ou pós-graduações via satélite, como no exemplo da Fundação Getúlio Vargas que propõe ao futuro aluno: “Abra as portas do sucesso. Estude na FGV”. Ou ainda, no discurso religioso o discurso da prosperidade – do pacto com Deus para a materialização do sucesso financeiro, amoroso, profissional, etc. – é convocado para atrair mais fiéis e angariar doações através de dízimos.

Referências

AMARAL, Maria Virgínia Borges. A (des)razão do mercado: efeitos de mudança no discurso da qualidade total. Tese de doutorado. Maceió: UFAL, 1999.

ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus, 2004.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 11 ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2004.

HENRY, Paul. A ferramenta imperfeita: Língua, sujeito e discurso. Trad. Maria Fausta Pereira de Castro. Campinas, UNICAMP, 1992.

LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnicas de entrevista e pesquisa jornalística. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução de Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2001.

ORLANDI, Eni. Interpretação: autoria, leitura e feitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1996. ORLANDI, Eni. Discurso e texto: formação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001. ORLANDI, Eni. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 5.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2002.

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PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 3.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997

Referências

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