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CARTOGRAFANDO O HTPC DE MATEMÁTICA

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Eixo Temático: (E5)

CARTOGRAFANDO O HTPC DE MATEMÁTICA

Michela TUCHAPESK – UNESP – Rio Claro (mtucha@yahoo.com.br)

Resumo: O presente relato pretende algumas reflexões sobre o posicionamento teórico

e metodológico de uma pesquisa de doutorado em Educação Matemática que, interessada na “autonomia” e no “cuidado de si”, desenvolve sua produção de dados no HTPC de uma escola pública do interior do Estado de São Paulo retratando as práticas e táticas de sala de aula dos professores de matemática.

Palavras-chave: Autonomia. Cuidado de si. Dispositivo. Cartografia.

Introdução

Todas as terças-feiras por volta das 12h50min o portão automático é aberto por algum funcionário da secretaria, sigo em direção ao corredor principal da escola composto pelas salas de aulas ainda vazias. A sala dos professores está cheia, alguns sentados em volta da mesa central, outros no sofá, dois ocupam os computadores e o restante está em pé no corredor de acesso à sala. Faltando dois ou três minutos para às 13h00min a coordenação comunica aos professores o local que acontecerá o HTPC geral e o HTPC de matemática, este quase sempre ocorre na sala de informática. No total somamos oito, nos acomodamos nas cadeiras dos computadores na tentativa de formamos um círculo. Preparo o gravador de voz e registro em meu caderno a data e o nome dos professores presentes, às vezes é preciso perguntar o nome ao professor pois acabou de assumir as aulas de matemática da professora em licença. Iniciamos a conversa em grupo, nosso enfoque é discutir suas práticas de sala de aula de matemática, naquele dia conversamos sobre o índice de matemática do SARESP.

O parágrafo acima relata a produção de dados de uma pesquisa de doutorado em andamento que tem particular interesse na “autonomia”, no “cuidado de si”, ou seja, na investigação das práticas e técnicas de subjetivação do eu segundo a ética do sujeito foucaultiano. Para isso, desde meados de abril deste ano, frequentamos uma escola pública do interior do Estado de São Paulo nos reunindo semanalmente com alguns professores de matemática no horário do HTPC (Hora de trabalho pedagógico coletivo).

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O termo produção de dados se aplica no parágrafo acima uma vez que nesta pesquisa, apoiados em Kastrup (2009), entendemos que os dados não são coletados, mas sim produzidos desde a etapa inicial da pesquisa de campo até as etapas posteriores, como as análises de dados, a escrita de textos, a publicação dos resultados, incluindo a contribuição dos participantes da pesquisa na produção coletiva do conhecimento.

Quanto a questão teórica da pesquisa, o cuidado de si está relacionado ao conhecimento de si e, ainda, aos regimes de verdade (FOUCAULT, 2010). O eixo geral dos estudos de Foucault na hermenêutica do sujeito é a relação do sujeito com a verdade:

Não é possível cuidar de si sem se conhecer. O cuidado de si é, certamente, o conhecimento de si – este é o lado socrático platônico, mas é também o conhecimento de um certo número de regras de conduta e de princípios que são simultaneamente verdades e prescrições. Cuidar de si é se munir dessas verdades: nesse caso a ética se liga ao jogo da verdade (FOUCAULT, 2010, p. 269).

Entendemos que o cuidado de si é um convite a ação, algo que nos leva a agir bem, algo que “nos constitui como o sujeito verdadeiro de nossos atos” (GROS, 2010, p. 486), que nos permite situar corretamente no mundo. O cuidado de si constitui não somente num princípio, mas numa prática constante.

Segundo o modo moderno de subjetivação, a constituição de si como sujeito é função de uma tentativa indefinida de conhecimento de si, que não se empenha mais do que em reduzir a distância entre o que sou verdadeiramente e o que creio ser; o que faço, os atos que realizo só têm valor enquanto me ajudam a melhor me conhecer (GROS, 2010, p. 473).

Neste sentido a autonomia de que falamos é algo de conquista do indivíduo, ela não é cedida ao sujeito, mas é uma força que vem de dentro dele, diferentemente daquela autonomia decidida em instância hierárquicas superiores. A autonomia não pode vir de fora para dentro. A autonomia de Foucault vem de dentro para fora.

Para Foucault, “o cuidado de si é uma conversão do poder, pois é uma maneira de controlá-lo, limitá-lo” (BOVO, 2011, p.178, grifo do autor). Assim, minha hipótese é que o professor deve praticar o cuidado de si segundo a teoria de Foucault (2010), pois tal prática influi de maneira incisiva na organização e no desenvolvimento do seu trabalho pedagógico. Haja visto que, não basta o professor saber mais matemática e conhecer mais recursos ou métodos didáticos se o encontramos imerso e paralisado por uma rede de poder e saber que veda sua “liberdade pedagógica”.

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A direção e coordenação da escola, citada no início deste texto, cederam uma hora semanal com os professores de matemática para a produção de dados desta pesquisa de doutorado. Os professores foram convidados a participar destes encontros se propondo a conversar sobre suas práticas, táticas e estratégias de sala de aula.

Durante estes HTPCs pretendemos observar e gerar ações de resistências utilizadas pelos professores de matemática, visto que tais ações originam espaços que permitem exercícios de “autonomia” que, por sua vez, gera a possibilidade do exercício individual do “cuidado de si”.

Caminhamos na intenção de “incentivar” estas práticas entre os professores, e ainda torná-las uma possibilidade concreta, visto que;

O espaço da escola é um espaço estriado, cheio de leis, regras, hierarquias, inspeções. Os ocupantes desse espaço têm um único caminho a seguir - o mesmo que de uma árvore. Não há multiplicidades, desejos, aberturas. Com suas normas de conduta, com seus currículos, com suas disciplinas, com seus livros didáticos, apostilas e hierarquias a escola promove discursos, e é toda organizada de modo a produzir verdades (BOVO et al., 2011, p. 34-35, grifo do autor).

Entendemos que as “forças” da escola (leis, regras, hierarquias, inspeções, etc.) subjetivam o professor, porém, nesta pesquisa, buscamos formas outras de subjetivação do sujeito professor, isto é, a possibilidade de o professor, a partir de técnicas e prática de si, se autoconstituir.

O HTPC de matemática, um dispositivo.

O dispositivo é a rede de relações que podem ser estabelecidas entre elementos heterogêneos: discursos, instituições, arquitetura, regramentos, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas, o dito e o não dito (CASTRO, 2009, p. 124).

O dispositivo estabelece uma possível conexão entre esses elementos heterogêneos, determinando a natureza da relação que pode existir entre eles. Assim, o dispositivo pode surgir como um programa de uma instituição, no caso, a educação escolar é um programa, portanto, um dispositivo.

No interior do dispositivo educacional encontramos outros dispositivos: os currículos como os Parâmetros Curriculares Nacionais; os projetos político-pedagógicos escolares; os projetos com auxílio financeiro como o bolsa-escola; os programas de avaliação como o SARESP, Prova Brasil e SAEB; o IDESP – Índice de

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Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo; o bônus dos professores da rede Estadual de São Paulo; o HTPC, entre outros (hospital, prisão, livro,...).

Nesta pesquisa tomamos a escola pública estadual e mais precisamente o HTPC como dispositivos. Nossa intervenção no HTPC junto aos professores de matemática vai ao sentido de provocar as linhas de forças que circulam neste espaço de diálogo entre os professores e a pesquisadora. Segundo Deleuze (1990) as linhas de forças são produzidas em todas as relações de um lugar a outro e percorrem todos os pontos de um dispositivo. “Invisível e indizível, esta linha está estreitamente mesclada com outras e é, entretanto, indistinguível destas” (DELEUZE, 1990, p.2).

O dispositivo HTPC é o espaço/ambiente onde ocorrem essas linhas, as resistências, e onde ficam evidentes processos de subjetivação. Para Foucault os modos de subjetivação são as práticas de constituição do sujeito; pode distinguir-se em dois sentidos: um se refere aos modos em que o sujeito aparece como objeto de uma determinada relação de poder e saber e o outro está ligado a ideia do cuidado de si. (CASTRO, 2009)

Desemaranhar as linhas de um dispositivo é, em cada caso, traçar um mapa,

cartografar, percorrer terras desconhecidas, é o que Foucault chama de

“trabalho em terreno”. É preciso instalarmo-nos sobre as próprias linhas, que não se contentam apenas em compor um dispositivo, mas atravessam-no, arrastam-no, de norte a sul, de leste a oeste ou em diagonal (DELEUZE, 1990, p. 1, grifo nosso).

Neste sentido a cartografia está presente nesta pesquisa para mostrar as linhas de forças que cercam/afetam os professores de matemática desta escola. Segundo Deleuze cartografar é tornar visível o que não está oculto.

“A cartografia é um método formulado por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) que visa acompanhar um processo, e não representar um objeto” Kastrup (2009, p.32). Nesta pesquisa, cartografar é descrever (através de palavras, desenhos, expressões corporais) essas linhas de fuga e de entrada que foram potencializadas durante as conversas com os professores de matemática nos HTPCs.

Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias (ROLNIK, 1989, p.1).

Houve um agenciamento dos professores que optaram em participar deste HTPC, uma vez que eles aceitaram colaborar com esta pesquisa conversando

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semanalmente sobre as práticas e táticas escolares. Nossos encontros são gravados, mas sendo uma pesquisa cartográfica consideramos importante o registro realizado pela pesquisadora após cada encontro. Essas anotações priorizam explicitar as afetações, os sentimentos, as direções que permaneceram na memória da pesquisadora após a conversa com os professores e o convívio na escola. Nosso interesse é “participar, embarcar na constituição de territórios existenciais, constituição de realidade” (ROLNIK, 1989, p.2).

Aliás, “entender”, para o cartógrafo, não tem nada a ver com explicar e muito menos com revelar. (...) E o que ele quer é mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem (ROLNIK, 1989, p.2).

A identificação dos professores de matemática (nome, sexo, idade) nesta pesquisa é o que menos importa, o que nos interessa são as linhas que surgem durante os encontros, as conversas. O HTPC é o meio que contribui para encontrarmos essas linhas, os professores nos direcionam na descoberta das linhas de força que compõem a escola. Através das falas dos professores, conversas no HTPC, descubro os territórios habitados e os territórios não habitados.

Como cartógrafa chego na escola semanalmente com um roteiro de

preocupações relacionados a autonomia e o cuidado de si: Como o professor de

matemática, enquanto sujeito, se prepara para aquele dia de trabalho? Como se prepara para realizar suas aulas de matemática? Como se prepara para trabalhar com aqueles alunos? Essas questões não são colocadas diretamente para os professores, mas são preocupações que norteiam o desenvolvimento da minha pesquisa. Contudo, nestes HTPCs de matemática desenvolvo as afetações, os sentimentos, as direções que surgem naquele momento, naquele dia quando chego na escola. Não fazemos leituras de textos, não fazemos atividades de matemática, conversamos sobre as afetações daquele dia. Portanto não tenho um tema de discussão pré-definido, falamos sobre aquilo que “se move”, que “nos afeta” naquela tarde, naquele momento, naquela escola. Exemplo de alguns temas discutidos: índice do SARESP; indisciplina; violência escolar; atividades de matemática para feira de ciências; motivação na sala de aula; retenção e evasão; entre outros.

(...) os procedimentos do cartógrafo. Ora, estes tampouco importam, pois ele sabe que deve “inventá-los” em função daquilo que pede o contexto em que se encontra. Por isso ele não segue nenhuma espécie de protocolo normalizado (ROLNIK, 1989, p.2).

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O encontro com a pesquisadora e os professores ocorre todas às terças-feiras, neste dia a escola desenvolve o HTPC dos professores em dois momentos, o primeiro ocorre das 13h00min às 15h00min e o segundo ocorre das 17h00min às 19h00min, este momento é chamado de HTPG geral. Assim, foi cedido para mim uma hora de cada HTPC geral, momento chamado de HTPC de matemática. No primeiro horário o grupo é composto por sete professores de matemática e no segundo por dois. Os professores de matemática que não quiseram colaborar com a pesquisa participam do HTPC geral. Ou seja, semanalmente alguns professores de matemática cumprem uma hora do HTPC colaborando com a minha pesquisa. Eventualmente participamos do HTPC geral, por exemplo, recentemente a escola recebeu a visita de agentes da saúde que conversaram com os professores sobre a transmissão do vírus da hepatite A, B, C, D e E, participamos deste encontro, pois a ideia era que todos os professores transmitissem essas informações aos alunos.

Outro momento de participação do HTPC geral se referiu a apresentação dos resultados da escola do SARESP 2011. Os professores de matemática foram solicitados a participar já que o índice de matemática nesta escola se apresenta abaixo da média nacional. Coordenação e direção estavam preocupadas com essa situação e exigiram dos professores de matemática mudanças metodológicas na sala de aula visando melhorar as notas para as próximas provas. O enfoque nesta questão foi tão grande que a escola só apresentou as médias das provas de matemática.

Neste dia algumas afetações nos cercaram: Como os professores de matemática reagiram diante das notas baixas do SARESP? Como são realizadas as médias de notas das provas no SARESP? O que os professores pensam sobre a comparação entre notas de alunos que estudam em escolas diferentes (bairros e até cidades distintas; diferente nível social, econômico e cultural)? Como se sentem com o discurso da coordenação

exigindo melhores notas? Há necessidade de mudanças metodológicas na sala de aula

de matemática? Quanto e como os alunos dessa escola se dedicam aos estudos de matemática? Como enfrentar a indisciplina na sala de aula de matemática? Como enfrentar a violência escolar? Como acontece a relação escola-família-aluno? O que pensam sobre o bônus do professor atrelado ao desempenho escolar dos alunos em matemática? Esses, entre outros questionamentos, foram discutidos, comentados e relatados pelos professores ao longo de algumas semanas no HTPC de matemática.

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Referências

BOVO, A. A. Abrindo a caixa preta da escola: uma discussão acerca da cultura escolar e da prática pedagógica do professor de matemática. 2011. 185 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista , Rio Claro, 2011.

BOVO, A.A.; GASPAROTTO, G.G.F.; ROTONDO, M.S.; SOUZA, A.C.C.

Pesquisando Práticas e Táticas em Educação Matemática. BOLEMA: Boletim de

Educação Matemática, Rio Claro, v. 25, n .41, p. 1- 41, dez. 2011.

CASTRO, E. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, p. 407 - 409.

DELEUZE, G. ¿Que és un dispositivo? In: Michel Foucault, filósofo. Barcelona: Gedisa, 1990, p. 155-161. Tradução de Ruy de Souza Dias. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/7134422/o-Que-e-Um-Dispositivo>. Acesso em 10 jun. 2012.

FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

GROS, F. Situação do curso. In: FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p.457 - 493.

KASTRUP, V. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. In: PASSOS, E; KASTRUP, V; ESCÓSSIA, L. (org). Pistas do método da cartografia:

Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009, p. 32 - 51.

ROLNIK, S. Cartografia, ou de como pensar com o corpo vibrátil, 1987. Disponível em: <http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/suely%20rolnik.htm>. Acesso em 06 jun. 2012.

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