0 Unidade I:
Unidade: Etnografia Rural e
Etnografia Urbana
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Unidade: Etnografia Rural e Etnografia Urbana
O que é etnografia?
Erro comum em estudos recentes, presente até mesmo em manuais didáticos inclusive do ensino superior, sem contar no uso recorrente dado pela imprensa, consiste em tomar o termo “étnico” como designativo da tonalidade da pele do indivíduo ou de um grupo de indivíduos.
Etnia é muito mais do que isso, e se refere a povo. Logo, um povo não se define apenas por seus traços biotípicos, mas incorpora todos os seus traços culturais. Mais ainda, um povo não se define sem um território, sendo assim, a etnia implica também nas relações de grupos sociais com seu entorno físico.
Para que não sejamos obtusos em nossas primeiras tentativas de definição para esse complicado conceito, vamos recorrer à etimologia:
O termo ethno, do vernáculo grego, significa nação, povo, o que implica em todas as relações acima mencionadas: traços biotípicos, cultura e relação
com um território.
á a Etnografia, no que consiste?
Recorrendo também à etimologia e já sabendo que ethno se refere a povo, o termo grego graphein designa ato de escrever. Seria então o ato de escrever
sobre um povo? Na
Antropologia cultural, a Etnografia se agiganta como um método de coleta de dados sobre um determinado povo, coleta essa que ganha a dimensão de registro escrito sobre sua constituição biotípica, seus sistemas culturais e sua relação com o meio ambiente.
400 x 330 - 162k - jpg - www.educared.org.ar/.../files/u7/etnografia.jpg Veja abaixo a imagem em: www.alltheinternet.com/.../images?q=Etnografia
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Trata-se da atividade primordial dos antropólogos ao estudar um povo, o elemento mediador entre estudioso e objeto, por meio do qual os registros sobre as impressões do antropólogo servirão de base de dados para análise posterior.
Mas que tipo de grupos humanos podem ser estudados pela Etnografia? Oras, qualquer um!
Ocorre que a Antropologia, área que primordialmente utiliza a etnografia (mas não a única), não estuda qualquer tipo de sociedades humanas; há outras áreas que se confundem com ela e também estudam grupos humanos, podendo valer-se dos meios etnográficos.
Se utilizarmos as categorias
classificatórias de Talcott Parsons, por exemplo, podemos distinguir grupos sociais entre simples e complexos, que por sua vez podem existir ou terem existido, ou seja, do presente ou do passado. Primordialmente, a Antropologia se ocupou do estudo de sociedades simples do presente, isso porque sociedades simples do passado são estudadas pela História (no caso de sociedades portadoras de escrita) e a Arqueologia (para o caso de sociedades ágrafas); já as sociedades complexas do presente, seriam estudadas pela Sociologia.
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Veja abaixo a imagem em:
www2.uvawise.edu/.../TMRev/RevTM02Later Yrs.html
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É claro que esse quadro não é assim tão simples. Isso porque, tendo a
Antropologia se ocupado de sociedades simples, de organização
primordialmente tribal e do presente, passou a perceber a existência de “tribos”, ou seja, sociedades simples, inseridas dentro de sociedades urbanas e complexas no presente, ou seja, as chamadas “tribos urbanas” (grafiteiros,
1024 x 683 - 507k - jpg - colunistas.ig.com.br/...//2008/09/binho.jpg Veja abaixo a imagem em: colunistas.ig.com.br/street/tag/gas-festival/
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copoamericano.files.wordpress.com/.../punks.jpg Veja abaixo a imagem em:
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comunidades hip-hop, punks, headbangers etc.). Sendo assim, uma Antropologia Urbana passou a adentrar o terreno da Sociologia, se confundindo com ela e muitas vezes se sobrepondo. Na mesma medida, isso ocorreu entre todas as áreas aqui mencionadas, que passaram a se confundir gravemente na busca por vezes dos mesmos objetos de estudos e com abordagens muito parecidas.
Para complicar ainda mais a questão, a própria Etnografia vem se tornando cada vez mais autônoma, deixando de ser método da Antropologia e de outras ciências humanas e reivindicando tornar-se uma área de estudos per se.
Já vimos nas unidades anteriores a importância que teve a publicação dos estudos de Bronislaw Malinowski sobre “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922), que funda para a antropologia moderna uma moderna forma de etnografia, envolvendo
uma observação
participante.
Ocorre que tal
estudo foi empreendido
tomando como objeto
sociedades simples e do presente. Contudo, como podem ser designadas as
sociedades simples e
complexas que se
confundem e se
acotovelam em espaço cada vez mais limítrofes? Temos então, para a etnografia, duas categorias fundamentais: etnografia rural e etnografia urbana.
420 x 316 - 58k - jpg - www.vanderbilt.edu/.../Anth101/malinowski1.JPG Veja abaixo a imagem em: www.vanderbilt.edu/AnS/Anthro/Anth101/notes_o...
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A etnografia rural
Grupos sociais simples e do tempo presente contrapõem-se à complexidade dos grandes centros urbanizados, constituindo o que chamamos de sociedades rurais. Enquanto nas
cidades encontram-se dinâmicas
complexas, nas sociedades rurais temos
estruturas sociais de tipo simples;
enquanto nos centros urbanizados temos densos processos de ocupação do espaço, nas comunidades rurais a natureza está muito mais presente, bem como a interação do Homem com o meio natural é muito mais enfática.
Autores da Antropologia e da Sociologia, no Brasil, deram inomináveis contribuições aos estudos etnográficos rurais, em especial as obras: “Os Parceiros do Rio Bonito”, de Antonio Candido (Coleção Espírito Crítico, Livraria Duas Cidades, Editora 34, Abril de 2001), na qual são profundamente estudados vários aspectos da cultura rústica – termo utilizado pelo autor para se referir à conhecida cultura caipira -, como sua
gênese, produto das miscigenações dos
desbravadores portugueses com os índios e negros, dando origem, respectivamente, aos caboclos e mulatos que iniciaram a povoação do interior paulista; seus meios de vida em relação à sua sociabilidade e seu modelo econômico de subsistência; a situação presente (para o autor, cuja obra foi concebida na década de 1940), relacionando-se a organização dos municípios, sua estrutura para o trabalho e características contemporâneas em relação às origens culturais do caipira, buscando os determinantes de suas mudanças culturais.
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Outra literatura referencial é a obra “Os Brasileiros”, de Joaquim Ribeiro (em convênio com o Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura; Editora e Distribuidora Pallas S.A., Rio de Janeiro, 1977), na qual encontramos vasto material a respeito da cultura brasileira representada nas festividades de origem lúdico-religiosas,
nos mitos, crendices e superstições,
cancioneiros caipiras, a colonização
européia como resultado do fim da escravatura e do ápice da cultura do café, e
sua conseqüentes miscigenações,
influenciando a cultura caipira e
determinando sua mutação. Referido
trabalho, ao contrário do livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, não se limita ao estudo da cultura caipira no estado de São Paulo, mas abrange todo o território nacional, tratando-se de um importantíssimo estudo antropológico sobre cultura material e imaterial, em todas as suas formas de manifestação. Quanto ao estudo específico da culta do caipira paulista, é reservada grande parte do trabalho a este
assunto, representando importantíssima
referência bibliográfica para estudos de
etnografia rural.
Outro aspecto
sobre o comportamento
de povos indígenas,
pode ser encontrado na obra de Darcy Ribeiro, “Utopia Selvagem” (Distribuidora Record de Serviços de Imprensa Ltda., Editora Círculo
480 x 681 - 60k - jpg - peregrinacultural.files.wordpress.com/2008/08... Veja abaixo a imagem em: peregrinacultural.wordpress.com/.../
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www.nosrevista.com.br/.../darcy_ribeiro_jpg.j pg
Veja abaixo a imagem em:
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do Livro S.A., São Paulo, 1981), que trata do cotidiano de uma tribo indígena e nos possibilita analisar as relações entre o homem branco e o índio, origem do conhecido caboclo.
Vasto material a respeito das tribos indígenas que habitavam o Estado
de São Paulo durante os séculos XV a XVIII, pode ser
encontrado por meio do endereço virtual da FUNAI
(Fundação Nacional do Índio), no sítio: www.funai.gov.br -,
onde há preciosismo material para pesquisa histórica e mesma a respeito da situação atuação das populações indígenas que habitam o território nacional.
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A etnografia urbana
A etnografia urbana, como o próprio nome pressupõe, se ocupa de sociedades urbanizadas, ou seja, de tipo complexo, cujo grau de institucionalização pressupõe alto grau de burocratização e de racionalização de leis e procedimentos, complexa divisão do trabalho social e de processos produtivos, bem como um modus vivendi completamente distinto de outras sociedades com configurações menos complexas. Trata não só de sociedades urbanas acabadas; mas do processo de complexização que acompanha a urbanização nas grandes metrópoles contemporâneas e suas rápidas transfigurações.
Os estudos de etnografia urbana, por suja vez, dividem-se em duas
correntes, segundo seus
objetos e sentidos primordiais de análise:
O primeiro tipo está
focado nos aspectos
desagregadores dos
processos de urbanização, ou seja, no quão traumático e
doloroso pode ser o
crescimento urbano para
aqueles que o experimentam na forma de colapsos e crises. Dentre seus temas estão os problemas pelos quais passam as grandes metrópoles, como o trânsito, o colapso do transporte urbano, o deficitário sistema de saúde, as desigualdades sociais, a aprofundização da miséria e a exclusão social, a falta de saneamento básico, a
desigual distribuição de
direitos básicos, violência urbana, poluição etc.
Obviamente, o locus
desses estudos são as grandes cidades que mais
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problemas, ou seja, tratam-se das realidades da periferia do sistema capitalista, onde a distribuição de renda é gravemente mais desigual e se aprofundam os abismos que cindem as classes sociais entre cada vez mais ricos, em menor número; em contraste com cada vez mais pobres, em número cada vez maior.
Não que não haja etnografia urbana no
centres desenvolvidos de capitalismo
mundializado, os países centrais em cuja órbita gravitam os países periféricos; o que muda é o enfoque. Não tendo os graves problemas da periferia, os estudos etnográficos se focam nos aspectos oníricos de um mundo que entendem “globalizado” por gozarem da quase globalidade dos adventos do
progresso técnico e científico
(que tanto carecem as
realidades periféricas e que
experimentam os aspectos
nefastos da globalização de misérias e mazelas sociais).
Esse mundo onírico é o
mundo das imagens que circulam em velocidade nunca antes vista, informações em out-doors, na mídia impressa, televisiva e internet, redes de relacionamento, não-lugares, ou seja, ambientes virtuais de sociabilidade pela
difusão e uso comum de
tecnologias de informação, como a internet em dispositivos cada
vez mais portáteis e que
encurtam cada vez maiores
distância, interconectando
grupos humanos de forma a desafiar as históricas certezas
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do tempo e do espaço, agora “líquidas” (pois se desfazem, de monolitos de
pedra em líquido, num simples “clique”).
Entre as duas etnografias, identificamos um caos urbano em contrastee
com um universo de rupturas e de adventos tecnológicos, acessíveis para poucos.
Em ambos os casos, coincidem constatações de que o atual ciclo sist~emico do capitalismo vem promovendo um avanço do capital privado sobre setores públicos, culminando na penetração do capital e praticamente todas as relações sociais e um fenômeno de privatização da vida coletiva e de individualismo.
Ambas as vertentes também reconhecem que o fenômeno do individualismo estaria apenso à transposição dos valores do mundo do trabalho, consubstancialmente empresarial, para as demais esferas da vida social. Ou seja, valores e praticas notadamente individualistas como as da competitividade, do isolamento, da agressividade, do entesouramento privado e da perda do espírito de coletividade, numa espécie de solidão que não é mais estar apenas só (isolado do contato com outros indivíduos); mas uma solidão pior, aquela que se dá em meio à multidão. Mas não se trata de uma multidão conexa, mas um aglomerado de indivíduos desconexos, ensimesmados.
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Referências
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BLASS, Leila Maria da Silva; PAIS, José Machado (org.). Tribos urbanas: produção artística e identidades. São Paulo: Annablume, 2007.
CÂNDIDO, Antonio. Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades, Editora 34, 2001.
FERREIRA, Gerson André Albuquerque, “Sobre transgressão e poder no movimento Hip Hop”, Par’ A’ Iwa, Revista dos pós-graduandos de Sociologia da UFPB, número 4, João Pessoa, Nov. 2003, acessível no sítio
http://www.cchla.ufpb.br/paraiwa/04-gerson2.html , último acesso em
19/08/2007.
MAGNANI, José Guilherme Cantor, “De perto e de dentro: Notas para uma etnografia urbana”, Núcleo de Antropologia da USP, acessível no sítio:
http://www.n-a-u.org/DEPERTOEDEDENTRO.html, último acesso em
13/08/2007.
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1977.
MONTEIRO, Anita Maria de Queiroz. Castainho: etnografia de um bairro rural de negros. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 1985. REIS, Hiliana; “Fronteiras, territórios e espaços interculturais”, InTexto, UFRGS,
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último acesso em 19/08/2007.
RIBEIRO, Darcy. Utopia selvagem: saudades da inocência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: HUCITEC, 1994.
SEGATO, Rita Laura, “Formações de diversidade: Nação e Opções religiosas no contexto da globalização”, trabalho apresentado durante o encontro sobre “Religião e Globalização”, VI Jornada sobre Alternativas Religiosas na América Latina, Porto Alegre, 6 a 8 de Nov. de 1996.
12 Uni d ad e : E tno grafi a Ru ra l e E tno gra fi a Ur ba na
WERNECK, Jurema; “Da diáspora globalizada: Notas sobre os afrodescendentes no Brasil e o início do século XXI”, paper de conclusão do curso “A teoria crítica da cultura hoje: Alguns caminhos possíveis. ECO-UFRJ, 2003.
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