MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
PROCURADORIA GERAL ELEITORAL
Declínio de Atribuição nº 15/2021-GABVPGE
Procedimento: NF-PGR - 1.00.000.008675/2021-84 – NITERÓI/RJ
Representante: Vereadora Benny Briolly
Representado: Vereador Douglas Gomes
REPRESENTAÇÃO. VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA VEREADORA NEGRA E TRANSGÊNERO. RACISMO, TRANSFOBIA, INJÚRIA E AMEAÇA. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CRIME ELEITORAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE ATRIBUIÇÃO DO MPE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. DECLÍNIO DE ATRIBUIÇÃO. REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL NO RIO DE JANEIRO E DE CÓPIA INTEGRAL DO PROCEDIMENTO AO DELEGADO-GERAL DA POLÍCIA CIVIL NO RIO DE JANEIRO, PARA AS PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS.
DECLÍNIO DE ATRIBUIÇÃO
Trata-se de Notícia de Fato instaurada nesta Procuradoria-Geral
Eleitoral a partir do recebimento do Ofício GAB-SPR n
o1702/2021
(PGR-00166292/2021), no qual o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral remete
o requerimento apresentado pela Vereadora Benny Briolly, do Município de
Niterói/RJ, “com notícia de episódios de violência política de gênero sofridos
no exercício de seu mandato legislativo, nos termos da Informação nº
28/2021 da Assessoria Consultiva deste Tribunal
[…]”.
Extrai-se do requerimento:
[…]
Tais violações, conforme será apresentado, caracterizam-se enquanto crimes de ódio, racismo, transfobia, injúria e quebra de decoro parlamentar.
Na noite do dia 25/03/2021, durante a Sessão Plenária desta Casa, ocorrida no Plenário Brígido Tinoco, o vereador Douglas Gomes (PTC) proferiu discurso de ódio com caráter racista, transfóbico e misógino contra a vereadora Benny Briolly (PSOL). O vereador não apenas feriu o devido decoro parlamentar como se exaltou de tal forma que teve de ser contido e o Presidente da Câmara, Vereador Milton Cal, precisou suspender a sessão.
[…]
O ataque aos movimentos sociais configurou uma grave violação aos Direitos Humanos por parte do vereador e foi tão absurdo e violento, que a vereadora, nessa mesma sessão plenária, recordou uma série de episódios em que o vereador Douglas Gomes agiu de forma criminosa na Câmara e também em suas redes sociais.
[…]
A vereadora em sua fala recordou as diversas manifestações de ódio por parte do parlamentar a fim de denunciar as transgressões que ele profere à ela e a todos os movimentos de luta dos trabalhadores. Para além disso, ressaltou sobre o fato do vereador, sendo vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal, ter publicado em suas redes sociais, utilizando a mesma arma de fogo mencionada, posicionamento contrário à vacinação da COVID-19.
[...]
Benny Briolly mencionou também o post realizado por Douglas Gomes, a atacando mais uma vez em suas redes sociais, em que declara: “Se liga no papo reto que se diz ser cria de favela, tá falando que é cria de favela, isso é uma ameaça, @BennyBriolly? Não venha com esse papo de vagabundo, o que eu tenho de favela com orgulho, você não tem de silicone", configurando o crime de transfobia, que por sua vez, viola o artigo 7º da Declaração Universal de Direitos Humanos, que dispõe nas seguintes palavras: “todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
[...] Por último, a vereadora ainda mencionou um ato da extrema direita liderado pelo vereador Douglas Gomes realizado na frente da Câmara dos Vereadores deste Município no dia 29 de dezembro de
2020. Do alto do carro de som, o referido vereador incitava seus eleitores a atacar a vereadora Benny Briolly. Sob xingamentos e ameaças, a parlamentar eleita precisou ser retirada da Câmara escoltada pela Guarda Municipal, que foi acionada por outros vereadores para assegurar a integridade física da vereadora. Ao estimular estas atitudes, Douglas coloca em questão não apenas a segurança da vida da vereadora Benny, mas de todos os parlamentares desta Casa Legislativa.
Solicitando o direito de resposta, o vereador Douglas Gomes inicia sua fala se referindo à vereadora Benny Briolly no masculino, desrespeitando com isso sua identidade de gênero e incorrendo novamente no crime de transfobia. (grifos acrescidos)
[…]
Comumente, em suas redes sociais, o vereador do PTC se dirige à vereadora Benny pelo pronome masculino, usando palavras como “vereador” e “garotão”, assim como utiliza-se de palavras de baixo calão e ofensas para se referir à representante, com a utilizacão de termos como “vagabundo”, “carro alegórico”, “moleque”, “mentiroso” e “aberração”, além de não utilizar o seu nome de acordo com seu gênero, conforme decisão do TRE-RJ (em anexo), o que se verifica nas imagens abaixo, retiradas do perfil oficial do vereador Douglas Gomes no twitter e instagram:
[…]
Por sua vez, da Informação nº 28/2021 da Assessoria Consultiva
do Tribunal Superior Eleitoral, extrai-se o trecho a seguir:
[…]
De todo o exposto, verifica-se que a violência política de gênero, infelizmente, faz parte do atual cenário político, afetando sobremaneira os mandatos das mulheres que foram eleitas democraticamente. Tal violência se torna ainda mais evidente, quando se considera as mulheres transexuais e travestis, porquanto, além da cultura misógina, no exercício dos seus mandatos elas também padecem com a fatídica transfobia.
O expediente aportou, portanto, a esta Procuradoria-Geral
Eleitoral para apreciação.
É o relatório.
Conforme narrado no requerimento e corroborado nos elementos
nele inseridos, a Vereadora Benny Briolly vem sofrendo, em virtude do
exercício do seu mandato legislativo, violência política de gênero,
supostamente cometidos pelo Vereador Douglas Gomes (PTC), caracterizando
possíveis crimes de racismo, transfobia, injúria e ameaça.
Inicialmente, observo que tramitam no Congresso Nacional
medidas para criminalizar a violência política contra mulheres, mas sua
extensão às transexuais ainda gera debates
1.
Nesse sentido, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou no
dia 10/12/2020 o Projeto de Lei n
o349/15
2, o qual estabelece normas para
prevenir, sancionar e combater a violência política contra a mulher; e altera as
Leis nºs 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), 9.096, de 19 de
setembro de 1995, e 9.504, de 30 de setembro de 1997, aguardando
apreciação pelo Senado Federal.
Confira-se a descrição de violência política contra a mulher
constante no projeto:
Art. 3º Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.
Parágrafo único. Constituem igualmente atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício dos seus direitos e das suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.
Importante destacar também a aprovação pelo Plenário da
Câmara dos Deputados, em 4/5/2021, do Projeto de Lei nº 2.462-A de 1991,
que acrescenta dispositivos no Código Penal, revoga a Lei nº 7.170, de 14 de
dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional) e ainda dispositivo da Lei das
Contravenções Penais.
Entre as modificações legislativas constantes no referido projeto
encontra-se a tipificação do crime de violência política. Confira-se a redação
do novo delito:
1
https://www.camara.leg.br/noticias/714744-camara-aprova-proposta-de-combate-a-violencia-politica-contra-mulheres
2
Art. 359-P - Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual, ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional:
Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
A redação do novo tipo penal, por sua vez, não permite restrições
quanto ao sujeito passivo, por utilizar a expressão “a qualquer pessoa”.
Tratam-se, contudo, de projetos que ainda podem ser alterados pelo Senado
Federal.
No caso em comento, a motivação política de determinado ato
que possa configurar crime de racismo, transfobia, injúria ou mesmo ameaça
não o transmuda necessariamente em infração penal eleitoral.
Com efeito, o crime de racismo, tipificado no art. 20
3, caput, da
Lei nº 7.716/1989, mesmo que o agente delituoso perfaça essa conduta com
um escuso interesse político-eleitoral (qual seja, o fato de a candidata ter
sido eleita), não pode ser considerado crime eleitoral, mas é configurado
como delito comum e, pois, sujeito à competência da Justiça Estadual.
De qualquer sorte, anoto que o Supremo Tribunal Federal
equiparou a transfobia, juntamente com a homofobia, ao crime de racismo,
até que o Congresso Nacional edite lei que criminalize atos dessa natureza.
Na decisão tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão (ADO 26) e do Mandado de Injunção (MI 4733), de 13/6/2019, o
Plenário reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos
atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade
LGBTQIA+.
4Destaco, no mesmo sentido, que o crime de injúria, previsto no
3 Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa. […]
art. 140
5, e de ameaça, previsto no art. 147
6, ambos do Código Penal, ainda
que vislumbrem motivação eleitoral, igualmente não se caracterizam como
crimes eleitorais, tratando-se de ilícitos comuns que atraem a competência
da Justiça Estadual para julgamento e processamento do feito.
Nessa esteira, cito:
INQUÉRITO POLICIAL. APURAÇÃO DO COMETIMENTO DE HOMICÍDIO. ART. 121 DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO COM CRIME ELEITORAL. INCOMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA ESPECIALIZADA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE EVENTUAL AÇÃO PENAL A SER DEFLAGRADA. DELITO AFETO À JURISDIÇÃO COMUM. NECESSÁRIO DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA.
[...]
III - As autoridades investigantes, a todo momento, apenas fazem referência ao cometimento de homicídio doloso contra a vida, supostamente por conotação eleitoral, fato que, por si só, não o eleva à condição de crime eleitoral. A motivação delitiva, ainda quando política, faz parte da própria análise das circunstâncias qualificadoras e agravantes que possam vir a interferir na dosimetria da pena, inexistindo indícios nos autos acerca de demais infrações penais porventura realizadas em concurso.
IV - Somente podem ser considerados crimes eleitorais aqueles tipificados na legislação específica, de modo que, havendo previsão na legislação penal ordinária, encontra-se o delito do art. 121 afeto à jurisdição comum, de competência residual.
[...]
(Inquérito nº 22068, Acórdão, Relator(a) Des. Luiz Antonio Soares_1, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 244, Data 27/9/2017, Página 31/36)
5 Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
[…]
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição
de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: […]
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. […]
6 Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Não obstante, a conexão com crime eleitoral tipificado no Código
Eleitoral pode deslocar a competência para a Justiça Eleitoral, consoante
decisão do STF, conforme a seguir:
[…]
CONEXÃO ENTRE DELITO ELEITORAL E INFRAÇÕES PENAIS COMUNS – COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA ELEITORAL PARA APRECIAÇÃO E JULGAMENTO DO FEITO – REGRA EXPRESSA INSCRITA NO ARTIGO 35, INCISO II, DO CÓDIGO ELEITORAL – NORMA IMPREGNADA DE FORÇA, VALOR E EFICÁCIA DE LEI COMPLEMENTAR – JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA NO ÂMBITO DA COLENDA SEGUNDA TURMA DESTA SUPREMA CORTE A RESPEITO DA MATÉRIA – DOUTRINA E OUTROS PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (Pet 5801 AgR-segundo, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/02/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 28-02-2019 PUBLIC 01-03-2019)
A competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar os
crimes eleitorais e os comuns a eles conexos foi mantida pelo Supremo
Tribunal Federal no Inquérito nº 4435/DF, apesar da sinalização da
necessidade de ampla discussão pelo Plenário, nos seguintes termos:
Considerado que a Segunda Turma, após o julgamento da Pet 6820, tem, sempre por maioria, reiteradamente decidido no sentido de que cabe à Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes comuns federais conexos a crimes eleitorais, considero importante que Plenário estabeleça, após ampla discussão, uma orientação segura para a matéria.
(Inquérito nº 4435 AgR-quarto-QO, Min. Relator MARCO AURÉLIO Redator do acórdão: Min. ROBERTO BARROSO ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 Divulgação 31-07-2019 Publicação 01-08-2019)
De toda sorte, das informações trazidas pela noticiante, não se
verifica, a princípio, a conexão do crime de racismo, transfobia, injúria e
ameaça com nenhum outro crime eleitoral, havendo tão somente a possível
motivação eleitoral.
Nesse sentido, a motivação política eleitoral não é apta a deslocar
a competência de julgamento à Justiça Eleitoral, e consequentemente, a
atribuição ao Ministério Público Eleitoral. A esse propósito, ressalto:
[…]
III - As autoridades investigantes, a todo momento, apenas fazem referência ao cometimento de homicídio doloso contra a vida, supostamente por conotação eleitoral, fato que, por si só, não o eleva à condição de crime eleitoral. A motivação delitiva, ainda quando política, faz parte da própria análise das circunstâncias qualificadoras e agravantes que possam vir a interferir na dosimetria da pena, inexistindo indícios nos autos acerca de demais infrações penais porventura realizadas em concurso. (Inquérito nº 22068, Acórdão, Relator(a) Des. Luiz Antonio Soares_1, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 244, Data 27/9/2017, Página 31/36)
Por oportuno, destaco recente reportagem divulgada pelo site Uol
noticiando que a representante foi obrigada a sair do país por causa de
ameaças de morte. Consoante a assessoria da parlamentar, a princípio, Benny
ficará afastada das sessões presenciais por 15 (quinze) dias e participará das
sessões plenárias de forma virtual
7.
Nesse cenário, ressalto, ainda, matéria do Globo, intitulada
“V
ereadora Benny Briolly grava vídeo após deixar o Brasil por ser ameaçada de
morte”
8. Sublinho trecho da reportagem:
Na gravação, a parlamentar diz que uma das mensagens recebidas por ela faz menção a Ronnie Lessa. O citado na ameaça foi preso por ser apontado pela polícia como o autor dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco.
Por oportuno, informo que na
NF-PGR-1.00.000.022163/2020-40, que tratou da violência política que diversas candidatas negras e trans
eleitas nas eleições 2020 vinham sofrendo no país, determinei a expedição de
ofício circular aos Procuradores Regionais Eleitorais, solicitando que, em
complemento ao Ofício Circular nº 35/2020 – RBG/PGE
(PGR-00420937/2020), reforçassem a adoção de medidas no âmbito de seu Estado
objetivando a prevenção e repressão de atos de violência política e eleitoral
direcionados a tais candidatas.
Naquela oportunidade, determinei, ainda, a expedição de ofício
7
https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2021/05/14/ameacas-de-morte-obrigam-vereadora-trans-do-psol-a-sair-do-pais.htm?cmpid=copiaecola
8 Vereadora Benny Briolly grava vídeo após deixar o Brasil por ser ameaçada de morte | Rio de Janeiro | G1 (globo.com)