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Trabalho e Exclusão Social: Estudo de Caso em Praia da Rosa e Sapucaia (Favelas do Rio de Janeiro) - 1996

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Trabalho e Exclusão Social:

Estudo de Caso em Praia da Rosa e Sapucaia (Favelas do Rio de Janeiro) - 1996

Cacilda Machado Escola de Serviço Social - UFRJ

1. Apresentação

Sabe-se que a redução dos custos sociais e salariais da força de trabalho é uma das bases da atual reestruturação produtiva do capitalismo, e sua conseqüência mais visível é a expansão do subemprego, do desemprego e de um grande e precário mercado de trabalho informal. Trata-se de um problema grave não somente em termos de racionalidade econômica e justiça social, mas também devido a fatores psicológicos: de um modo geral, desemprego, subemprego e emprego desqualificado significam ausência de renda ou renda reduzida, precariedade das condições de vida (alimentação, moradia, saúde e educação) no presente e insegurança em relação ao futuro. Significam também privação da satisfação e da auto-estima.1

No Brasil - como em outros países - os impactos desse processo afetam de forma desigual os diferentes grupos sociais, etários e sexuais. Deste modo, a partir de um estudo de caso buscou-se realizar uma breve reflexão acerca da inserção, no atual mercado de trabalho, de uma importante parcela da população urbana pobre brasileira - a população favelada. Sua relevância reside no fato de, sabidamente, a atual reestruturação produtiva atingir mais negativamente as populações pobres urbanas, as quais, embora inseridas nos mais modernos dentre os mercados de trabalho do país, caracterizam-se pela baixa qualificação.

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Heller destaca que a sensação de que “falta alguma coisa” não significa necessariamente a insatisfação. O que a caracteriza "seria a perpetuação ou a intensificação do sentimento de falta”. IN: HELLER, A. & FEHÉR, F. A condição Política Pós-moderna. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998, passim.

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2

Para a realização deste estudo comparou-se alguns dados quantificáveis, desagregados por sexo e por faixa etária, levantados num censo em Praia da Rosa e Sapucaia, favelas contíguas localizadas na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, realizado em 19962, com os de mesma ordem, relativos às populações do Brasil e da região Sudeste, levantados na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também em 1996. Objetivou-se, principalmente, mensurar e qualificar a inserção dos sexos e das gerações no mercado de trabalho, tanto do conjunto da população de favelas em relação as do Brasil e do Sudeste, como no interior da população favelada. Paralelamente, buscou-se refletir sobre como tal quadro de desigualdades se reflete nas recentes mudanças no perfil familiar e domiciliar no Brasil.

Cabe ressaltar, ainda, a representatividade da população das favelas de Praia da Rosa e Sapucaia - localizadas na segunda maior cidade brasileira e na macro região mais populosa e urbanizada do país - como estudo de caso para a discussão mais ampla acerca de como o crescente processo de exclusão social vem atingindo as populações mais pobres do Brasil.

2. Um Perfil do Trabalhador pobre brasileiro

2. 1. Taxas de Ocupação

Nas últimas décadas teve início um importante processo de incremento da

2

O censo foi realizado pelo grupo de pesquisa "Favela e Cidadania", da Escola de Serviço Social da UFRJ. Através de questionários, foram pesquisados todos os 916 domicílios e 3318 moradores, e computados todos os estabelecimentos comerciais e industriais (55), e instituições (12). Após o censo procedeu-se à organização das informações em banco de dados informatizado. A coleta das informações foi efetuada por meio de quatro questionários: institucional, comercial/industrial, domiciliar e de produção doméstica. Para este artigo utilizamos alguns dados do questionário domiciliar: idade, sexo, escolaridade, profissão, local de trabalho, tipo de vínculo com o mercado (empregador, empregado ou conta própria; contribuição de previdência, carteira assinada, estatutário ou sem vínculo formal) e renda

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3

participação das mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, em 1996, elas já representavam 40.0% da população com 10 anos ou mais de idade ocupada. No Sudeste, também em 1996, este índice era de 39.7%.3 No mesmo ano, no interior da população das favelas de Sapucaia e Praia da Rosa as mulheres apresentavam um índice muito semelhante: eram 40.2% da população ocupada.4

No entanto, aparece uma especificidade quando se compara as taxas de ocupação dos sexos. No Brasil, em 1996, 69.0% dos homens e 4l.9% das mulheres com 10 anos ou mais de idade estavam trabalhando; no Sudeste, tais taxas eram de 67.5% para os homens e de 40.3% para as mulheres. Nas favelas tais índices alcançaram, respectivamente, 68.9% e 44.8%. Portanto, em Praia da Rosa e Sapucaia a inserção feminina era um pouco mais alta.

Outros aspectos importantes revelam-se quando da comparação dos percentuais de ocupação, por sexo e faixa etária. A leitura dos gráficos 1 e 1.1. permite observar que, para as populações faveladas, as taxas de ocupação de crianças e adolescentes (10 a 14 e 15 a 17 anos) são menores; sensivelmente maiores quando se trata dos adultos (18 a 39 anos) de ambos os sexos; e pronunciadamente maiores entre os homens com 60 anos ou mais e entre as mulheres a partir dos 40 anos. Vale a pena analisar cada um desses aspectos separadamente.

Gráfico 1 - Taxas (%) de ocupação masculina, por grandes faixas etárias Brasil, Sudeste e Favelas de Sapucaia e Praia da Rosa (RJ) - 1996

de cada morador do domicílio.

3

PNAD, 1996. IBGE. Todos os dados sobre o Brasil e Regiões, para o ano de 1996, foram retirados desta fonte que, daqui por diante, não será mais indicada.

4

Censo realizado pelo grupo Favela e Cidadania, ESS-UFRJ, 1996. Todos os dados sobre estas favelas para o ano de 1996 foram retirados desta fonte que, daqui por diante, não será mais indicada.

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4 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

10-14 anos 15-17 anos 18-39 anos 40-59 60 ou mais

%

Brasil Sudeste Favelas

Fonte: Apêndice 1

Gráfico 1.1 - Taxas (%) de ocupação feminina, por grandes faixas etárias Brasil, Sudeste e Favelas de Sapucaia e Praia da Rosa (RJ) - 1996

0 10 20 30 40 50 60 70

10-14 anos 15-17 anos 18-39 anos 40-59 60 ou mais

%

Brasil Sudeste Favelas

Fonte: Apêndice 1

Num primeiro momento, observa-se que, nestas favelas, se esperaria um mais alto índice de ocupação entre os jovens, já que oriundos de famílias pobres e devendo, em tese, contribuir desde muito cedo para o incremento da renda familiar. A comparação dos índices de inserção escolar e ocupação entre os jovens de 10 a 17 anos, para o Brasil e as favelas, ajuda a definir melhor este quadro. Os dados do gráfico 2 confirmam a baixa inserção dos jovens das favelas no mercado de trabalho e apontam

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5

altos índices de inserção escolar: em 1990, pouco mais da metade dos adolescentes do país estudavam; em 1996 mais de dois terços dos adolescentes dessas favelas encontravam-se nesta condição.

Gráfico 2 - Percentuais de inserção escolar e ocupação entre a população de 10 a 17 anos Brasil (1990) e Favelas de Praia da Rosa e Sapucaia - 1996

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Apenas Estuda Estuda e

Trabalha Apenas Trabalha Não Estuda nemTrabalha %

Brasil (1990) Homens Favelados Mulheres Faveladas Total de Favelados

Fonte: Apêndice 2

Porém, há que se considerar outros aspectos. Se atentamos para os índices relativos à dupla exclusão (da escola e do mercado de trabalho), observa-se que embora no total sejam os mesmos para o Brasil e para as favelas (13.4% e 13.5%, respectivamente), em Praia da Rosa e Sapucaia este índice é sensivelmente maior entre as mulheres. Tal dado pode ser a expressão de dois fenômenos relativamente recentes no Brasil: o aumento no número de mães no mercado de trabalho e o incremento da gravidez entre adolescentes. O primeiro estimula, entre as populações pobres, a prática de utilização das filhas nos cuidados da casa e/ou dos irmãos menores enquanto a mãe trabalha, e para boa parte dessas meninas vai se resumir nisso o preparo profissional; o segundo remete ao adiamento da entrada no mercado de trabalho pelas mães adolescentes5, devido a responsabilidade pelo cuidado do(s) filho(s).6

5

Nestas favelas, em 1996 5,4% dos adolescentes eram pais ou mães. In: GOMES, Maria de Fátima Cabral Marques. Relatório ao CNPq das Atividades Desenvolvidas no Projeto de Pesquisa “Urbanização

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6

Por outro lado, pode-se interpretar como estranhamente alto o índice de ocupação entre os meninos de 10 a 14 anos dessas favelas em 1996, pois, embora no Brasil os homens dessa faixa etária apresentassem em 1990 maiores taxas de ocupação do que as mulheres (declararam ocupação aproximadamente 2 homens para cada mulher), a diferença não é tão marcante quanto nas favelas (onde declararam ocupação aproximadamente 10 homens para cada mulher). E então a resposta pode ser não uma dificuldade maior dessas jovens para inserir-se no mercado, mas o que levantou uma recente pesquisa realizada pelo Instituto Dom Pixote, uma ONG que há alguns anos trabalha com comunidades carentes do Rio. Segundo a coordenadora do projeto, 24,3% dos jovens entre 10 e 19 anos que vivem nas favelas trabalha para o tráfico de drogas. Muitos começam a trabalhar ainda crianças, atraídos pela oportunidade de ascensão social dentro da comunidade e pela aventura.7 De fato, durante a realização do censo em Praia da Rosa e Sapucaia, os pesquisadores puderam observar a grande proximidade de parte da população com o tráfico, principalmente de adolescentes e jovens do sexo masculino, os quais, em resposta ao quesito profissão, geralmente declaravam-se "cortadores de grama".

A partir dos mais altos índices de ocupação entre adultos, e sobretudo entre os idosos dessas favelas, também observado na leitura dos gráficos 1 e 1.1, pode-se imaginar que, para suas famílias o fruto do trabalho das pessoas mais velhas seja ainda mais essencial do que para as do conjunto da população brasileira e do Sudeste - notadamente quando se trata do trabalho feminino.8 Tanto que, no Brasil e no Sudeste, entre as mulheres as maiores taxas de ocupação ocorrem entre 18 e 39 anos; nessas favelas, entre 40 e 59 anos.

Em parte, a razão para estas altas taxas se deve ao envelhecimento geral da população brasileira nos últimos anos, já que a idade média de nosso trabalhador passou de 30,5 anos, em 1980, para 32,4 anos em 1991. Para as mulheres, esse aumento

de Favelas - Realidade e Perspectivas”. Rio de Janeiro, julho de 1998.

6

Sobre esta questão, ver: RIOS NETO, E. O Impacto das crianças sobre a participação feminina na PEA. In: Anais do X Congresso da ABEP, vol. 1, p.517-534. Caxambu, 1996.

7

In: Jornal O globo, 10 de julho de l999, p.11. O jornal informa que o levantamento usou como universo de pesquisa uma comunidade de 5 mil habitantes na zona norte da cidade. A coordenadora do projeto acredita que esse percentual seja o mesmo ou maior nas outras 550 favelas do Rio.

8

Para se ter uma idéia da dimensão do fenômeno, basta observar que os índices de ocupação para as faixas etárias mais altas são maiores do que os observados no Nordeste - a região mais pobre do país e cuja população apresenta tradicionalmente os mais altos percentuais de ocupação entre os idosos. Nesta macro região, em 1996 a taxa de ocupação dos homens com 60 anos ou mais era de 50,5%, a das

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7

se também à elevação das taxas de atividade das mais velhas.9 Assim, as taxas de ocupação feminina obtidas para as favelas de Praia da Rosa e Sapucaia podem estar indicando que entre as populações pobres urbanas do Brasil essa mudança vem se processando de forma muito mais acentuada. Porém deve contar, mais decisivamente, a provável existência de uma proporção maior de mulheres sem cônjuge e, geralmente, responsáveis pelo sustento próprio e dos filhos e/ou netos. Reforçando esta última possibilidade está a tendência mundial, nas últimas décadas, de crescimento no número de mulheres chefes de família, notadamente nas populações de mais baixa renda.10 Esse crescimento, de uma maneira geral, está diretamente relacionado a fenômenos recentes, como a redução da mortalidade, a queda nas taxas de nupcialidade e recasamento, o incremento de separações e divórcios, e o aumento nas taxas de mães solteiras. Uma vez que os homens apresentam menores taxas de celibato, recasam mais e têm menor esperança de vida, junte-se a isso as mães solteiras e a tendência de responsabilidade feminina pela criação dos filhos após as separações, e se entende porque as piores conseqüências destes fenômenos expressam-se com muito mais intensidade na população feminina.11

2.2. Qualidade da Inserção

Em 1996, as favelas de Praia da Rosa e Sapucaia constituíam local de moradia de 1441 pessoas inseridas no mercado de trabalho. Delas, 71,5% eram assalariados, 28,4% trabalhavam por conta própria e apenas um (0.07%) identificou-se como empregador. Dos quase 59 milhões de trabalhadores brasileiros computados em 1996, 70.0% eram assalariados, 25.8% trabalhavam por conta própria, e 4.2% eram empregadores. Para o Sudeste tais índices eram, respectivamente, de 75.0%, 20.5% e

mulheres entre 40 e 59 anos era de 57,0% e a das mulheres com 60 anos ou mais era de 22,8%.

9

Em função disso já se detectou uma importante mudança no perfil da mulher trabalhadora no Brasil: nos anos 1970 predominavam as jovens, solteiras e sem filhos; nos anos 1980 ampliou-se a entrada de mulheres da faixa entre 30 a 39 anos, depois das maiores de 60 anos e, finalmente, pelas mulheres de 40 a 59 anos. PIRES, Elson L. Sobre o sexo e a idade do emprego assalariado: notas sobre a divisão sexual do trabalho no Brasil. In: Anais do IX Congresso da ABEP, vol. 3. Caxambu, 1994.

10

No Brasil, em 1977, 15% dos domicílios eram chefiados por mulheres, subindo este índice para 20,1% em 1991, e para 24,2% em 1996. Cf. IBGE. Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Janeiro:IBGE, 1986, vol. 3; e IBGE. Pesquisa nacional por amostragem domiciliar 1996. Rio de Janeiro:IBGE, 1997; e o censo nacional de 1991.

11

Sobre o debate internacional acerca da "feminização da pobreza" ver, por exemplo, OLIVEIRA, M. C. Condição feminina e alternativas de organização doméstica: as mulheres sem companheiros em São Paulo. In: Anais do VIII Congresso da ABEP, vol. 2. Caxambu, 1992.

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8

4.5%.12

A comparação desses percentuais sugere, a nosso ver, a inserção relativamente marginal de parte da população ocupada das favelas pois, embora estabelecida na segunda maior cidade do país e na região mais urbanizada - onde o vínculo empregatício está mais disseminado -, seus índices estão muito mais próximos daqueles relativos a população brasileira do que a do Sudeste. Portanto, é indício de que a população favelada vem sofrendo mais agudamente o impacto do recente processo de fragilização do assalariamento.13

Dentre os homens dessas favelas, em 1996, 68,2% eram assalariados, 31,7% trabalhavam por conta própria e 0.1% eram empregadores; entre as mulheres tais índices eram de 76.5%, 23.5% e 0%, respectivamente. Ou seja, entre elas, o vínculo empregatício (formal ou não) estava mais disseminado. Porém, podemos saber mais quando se compara tais índices por faixa etária (Gráficos 3 e 3.1).

A leitura dos gráficos permite observar que a citada fragilização dos vínculos empregatícios se expressa de forma diferenciada de acordo ao ciclo da vida. Para os homens vem ocorrendo uma tendência de queda constante já a partir dos 18 anos. Para as mulheres há tendência de crescimento até os 39 anos, caindo de forma acentuada daí em diante. Para ambos, o assalariamento é mais raro a partir de 60 anos.

Gráfico 3 - Distribuição Percentual, por faixa etária, da População ocupada masculina de Praia da Rosa e Sapucaia, pela situação na ocupação - 1996

12

Nos índices da PNAD não se incluiu os trabalhadores na produção para o próprio consumo, na construção para o próprio uso e não remunerados.

13

Por outro lado, a comparação dos índices dos empregadores dá uma idéia do quanto esta categoria é internamente elitizada no Brasil, uma vez que sua freqüência nesta população de baixa renda apresenta índices residuais.

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9 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

10-14 anos 15-17 anos 18-39 anos 40-59 60 ou mais

%

Assalariado Conta Própria

Fonte: Apêndice 3

Gráfico 3.1 - Distribuição Percentual, por faixa etária, da População Ocupada Feminina de Praia da Rosa e Sapucaia, pela situação da ocupação - 1996

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

10-14 anos 15-17 anos 18-39 anos 40-59 60 ou mais

%

Assalariado Conta Própria

Fonte: Apêndice 3

Tais índices, porém, fazem mais sentido quando cruzados com os percentuais referentes à formalização do emprego. Assim, entre os assalariados com 10 anos ou mais de idade do sexo masculino, no Brasil e no Sudeste, 63.3% e 70.4%, respectivamente, tinham carteira assinada ou eram militares ou estatutários. Dentre os do sexo feminino, as taxas eram de 59.3% para o Brasil, e de 63.3% para o Sudeste. Em

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Sapucaia e Praia da Rosa, por sua vez, esses percentuais eram de 74,3% para o sexo masculino - portanto acima do índice do Sudeste e bem acima do índice nacional - e de 45,3% para o feminino - portanto muito inferior aos demais índices femininos.

Quando desagregamos tais dados por sexo e faixa etária, outros detalhes vêm a tona (gráfico 4). Nele está expresso que a vinculação empregatícia legal entre os homens é baixa até os 17 anos, porém alta e com tendência de crescimento até a última faixa etária. Entre as mulheres cresce e se estabiliza até os 59 anos, caindo significativamente após os 60 anos.

Em resumo, em Praia da Rosa e Sapucaia existem proporcionalmente mais mulheres do que homens assalariados. Para eles, desde os 18 anos inicia-se uma tendência de recuo do assalariamento; para elas esta tendência se pronuncia a partir dos 40 anos. No entanto, para os homens da faixa etária com mais altas taxas de assalariamento ocorre baixa vinculação formal. Entre as mulheres, por sua vez, a queda do assalariamento é acompanhada, após os 60 anos, pelo recuo da vinculação formal.

A comparação do índice de trabalhadores por conta própria que contribuem para a previdência social também acrescenta dados a este quadro, pois indica a proporção, entre eles, de vínculos formais com o mercado. Não temos índices desta natureza por sexo para o Brasil e o Sudeste em 1996. Sabemos apenas que as taxas globais para pessoas ocupadas com 10 anos ou mais de idade eram de 43.7% e 55.7%, respectivamente. Em Praia da Rosa e Sapucaia este índice era de 49.1%. Porém, para os trabalhadores destas favelas a desagregação de tais índices, por faixa etária e sexo (gráfico 5), permite observar que em geral são muito baixos, principalmente nas faixas de 10 a 17 anos. Entre as mulheres, são mais altos entre 40 e 59 anos e entre os homens a partir dos 60 anos. Existe, de fato, uma tendência de alta para os homens, de acordo com o aumento da idade, e uma tendência de alta entre as mulheres até 59 anos, e de queda a partir dos 60 anos.

Gráfico 4 - Percentual dos assalariados de Praia da Rosa e Sapucaia com carteira assinada, militares ou estatutários, por sexo e faixa etária - 1996

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11 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

10-14 anos 15-17 anos 18-39 anos 40-59 60 ou mais

%

Homens Mulheres

Fonte: Apêndice 4

Gráfico 5 - Percentual de contribuintes da Previdência na População ocupada por conta própria, por sexo e faixa etária, em Praia da Rosa e Sapucaia -

1996 0 5 10 15 20 25 30

10-14 anos 15-17 anos 18-39 anos 40-59 60 ou mais

%

Homens Mulheres

Fonte: Apêndice 5

Tais resultados podem ser mais bem compreendidos se confrontados com a tradicional setorização das ocupações dos gêneros. As mulheres comumente inserem-se mais na prestação de serviços e os homens na indústria (de transformação e da construção civil), e existe uma participação mais equilibrada no setor de comércio de

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12

mercadorias.14 Ora, sabendo-se que a atual conjuntura de desemprego afeta mais intensamente os trabalhadores do setor secundário da economia, não espanta os altos índices de trabalhadores por conta própria encontrados entre os homens dessas favelas, já a partir dos 18 anos. E se entende também porque, ao contrário das mulheres, os poucos homens assalariados têm geralmente vínculos formais de emprego: a indústria de transformação e da construção civil (o emprego mais comum entre os homens de Praia da Rosa e Sapucaia) tradicionalmente apresenta as maiores taxas de formalização, enquanto a prestação de serviços (sobretudo os serviços domésticos, dominante entre as mulheres desta população), também tradicionalmente apresenta as menores taxas de formalização.

Porém, o que se destaca mais negativamente, de fato, são os altos índices de informalização encontrados entre os assalariados jovens e os do sexo feminino com mais de 60 anos. Tais números, aliados aos índices de ocupação tratados anteriormente, nos dão apenas uma idéia da amplitude da deterioração do mundo do trabalho - de fato a única via de acesso a uma possível ascensão social ou pelo menos para a manutenção de níveis satisfatórios de subsistência -, aqui caracterizada pela evidente ausência de direitos sociais para os velhos, obrigando-os a estender sua presença no mercado de trabalho, e pela destruição de quaisquer perspectivas profissionais para os jovens.15

Indicativo igualmente relevante para se completar o quadro, até aqui desenhado, pode ser obtido mediante a comparação entre a distribuição percentual por faixa de rendimento, das populações das favelas, do Brasil e do Sudeste. Na tabela 1 observa-se que a renda de grupo favelado é bem menor que a da população do Sudeste. Em relação ao Brasil a diferença é menor, e se expressa principalmente nas faixas de 1 a 2 salários mínimos e a partir de 5 salários. Do ponto de vista da renda pode-se, assim, observar certa semelhança de condição de empobrecimento da população dessas favelas e da grande maioria da população brasileira. Por outro lado, deve-se considerar que não somente a renda, mas também quesitos tais como o diferencial no custo de moradia nas

14

Ver COSTA, Letícia B. Absorção diferencial da mulher no mercado de trabalho. IN: Anais do X Congresso da ABEP, vol. 1, p. 559-565. Caxambu, 1996.

15

Vem se detectando há alguns anos, para o conjunto dos jovens brasileiros, fenômenos tais como a perda sistemática de postos de trabalho, a forte redução do emprego formal, as altas taxas de "desemprego de inserção" e a concentração de oportunidades - ainda que insuficientes para o contingente de jovens que ingressam no mercado - de empregos em micro e pequenas empresas, com baixos salários e alta instabilidade. Ver, por exemplo, POCHMANN, Márcio. Emprego e desemprego dos jovens no Brasil dos anos 90. In: Anais do XI Congresso da ABEP. Caxambu, 1998.

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13

várias cidades e regiões do país são critérios para avaliação do estado de pobreza.

Tabela 1 - Distribuição (%) das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por faixa de rendimento. Brasil, Sudeste e Favelas de Praia da Rosa e Sapucaia (RJ) -1996

Salário Mínimo Brasil Sudeste Favelas

H M T H M T H M T Sem rendimento 29.2 53.0 41.5 26.1 50.5 38.7 29.6 53.3 41.7 Até 1 13.6 16.8 15.3 8.6 12.6 10.7 15.5 14.9 15.2 De 1 a 2 15.1 10.8 12.9 13.1 11.4 12.2 23.7 22.4 23.0 De 2 a 3 10.3 6.0 8.1 11.1 7.7 9.3 12.8 5.3 8.9 De 3 a 5 11.9 5.6 8.6 14.8 7.5 11.0 11.7 2.9 7.1 De 5 a 10 10.5 4.4 7.4 14.1 6.0 9.9 6.0 1.1 3.4 + de 10 8.2 2.8 5.4 11.0 3.6 7.3 0.5 0.07 0.3

H: Homens; M: Mulheres; T: Total

De qualquer forma, entre a população favelada (ocupada ou não) com 10 anos ou mais de idade, 80.0% não têm rendimento ou detêm renda de até 2 salários mínimos, percentual superior ao do país (69.7%), e mais ainda em relação ao do Sudeste (61.6%). Ainda na tabela 1, os índices de homens e de mulheres, separadamente, revelam que no Brasil, no Sudeste e nas favelas, 58%, 48% e 69% dos respectivos homens e 80%, 75% e 90% das respectivas mulheres não têm renda ou têm renda de até 2 salários mínimos. E quando se analisam os índices referentes às faixas salariais mais altas captura-se melhor a particular situação das mulheres de Praia da Rosa e Sapucaia: enquanto no Brasil e no Sudeste, grosso modo, na população com renda igual ou superior a 3 salários mínimos existem dois a três homens para cada mulher, nas favelas esta relação é de aproximadamente quatro a cinco homens para cada mulher. Em outras palavras, se no Brasil a renda média das mulheres é inferior a dos homens, nas favelas este fenômeno é muito mais acentuado.

A resposta para tão acentuada diferença talvez esteja, em parte, na comparação dos índices de escolaridade dessas populações (tabela 2). Sabe-se que, no Brasil,

(14)

14

embora as mulheres apresentem escolaridade média um pouco mais alta que a dos homens, a renda feminina é bem menor (como demonstraram os índices aqui apresentados) . E uma vez que nestas favelas os índices femininos de escolaridade são muito semelhantes aos dos homens, isso com certeza se reflete no aprofundamento do diferencial de renda dos sexos em seu interior.

Tabela 2: Distribuição percentual, por faixa de escolaridade, da população com 10 anos ou mais.

Brasil, Sudeste e Favelas de Praia da Rosa e Sapucaia (RJ) - 1996

Escolaridade Brasil Sudeste Favelas

Homens S/instr. a - 1 ano 16,1 9,1 22,2

1 a 3 anos 20,7 17,6 25,6

4 a 7 anos 34,5 38,3 36,8

8 a 10 anos 13,4 16,2 11,2

11 anos ou mais 15,1 18,8 4,0

Mulheres S/instr. a - 1 ano 15,6 11,1 22,2

1 a 3 anos 18,7 16,0 24,9

4 a 7 anos 34,5 36,9 36,6

8 a 10 anos 13,7 15,8 12,0

11 anos ou mais 17,3 20,1 4,1

A distribuição percentual da população das favelas por faixa salarial, agora desagregadas por sexo e faixa etária (tabela 3), aponta para outras características relevantes. A primeira é que os poucos jovens e os muitos idosos que trabalham são muitíssimo mal remunerados. Em segundo lugar observa-se que entre as mulheres esta condição está presente em todas as demais faixas etárias: 79.5% e 78.1%, respectivamente, das mulheres das faixas etárias entre 18 e 39 anos e entre 40 e 59 anos têm renda de até 2 salários mínimos; entre os homens tais percentuais, para as mesmas faixas etárias, são respectivamente, 53.2% e 44,5%.

(15)

15

mais altas (acima de 3 salários mínimos), observa-se que a desvantagem de renda das mulheres faveladas se aprofunda de acordo a passagem dos anos: na faixa entre 18 e 39 anos, dentre as pessoas que recebem mais de 3 salários, existem três homens para cada mulher; na faixa entre 40 e 59 anos essa relação é de quatro homens para cada mulher; na faixa com 60 anos ou mais de idade é de sete homens para cada mulher. Ora, sabendo-se da existência de uma população maior de mulheres do que de homens nesta última faixa etária, que no Brasil não há política de assistência do Estado a idosos carentes e que as famílias desses idosos geralmente não têm recursos para apoiá-los, têm-se uma idéia da gravidade da situação.

A manipulação dos dados aqui realizada revelou que, em relação ao Brasil e principalmente ao Sudeste, a PEA de Praia da Rosa e Sapucaia é composta por poucos jovens e por muitos homens com mais de 60 anos e mulheres com mais de 40 anos. Nas favelas, a fragilização do assalariamento é mais evidente, especialmente entre os homens, sendo que entre as mulheres esta vinculação, embora freqüente, raramente está formalizada. Além disso, estes trabalhadores apresentam menores taxas de contribuição à previdência do que a PEA do Sudeste. Finalmente, pôde-se observar que a renda média desta população é bem menor do que a da população do Sudeste e mais próxima da maioria da população brasileira.

Tabela 3 - Distribuição (%) da população de Praia da Rosa e Sapucaia, por sexo e faixa etária - 1996

Homens

Salário Mínimo Faixas etárias

10-14 15-17 18-39 40-59 + de 60 Até 1 68.4 50.0 17.2 20.2 36.0 1 a 2 31.6 46.0 36.0 24.3 34.0 2 a 3 - 2.0 19.9 19.7 14.0 3 a 5 - 2.0 16.6 22.0 12.0 5 a 8 - - 9.0 11.0 4.0 8 a 10 - - 0.3 1.8 -

(16)

16

+ de 10 - - 0.9 0.9 -

Total 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0

Mulheres

Salário Mínimo Faixas etárias

10-14 15-17 18-39 40-59 + de 60 Até 1 50.0 54.2 30.2 28.4 51.1 1 a 2 50.0 45.8 49.3 49.7 37.2 2 a 3 - - 11.7 13.0 9.3 3 a 5 - - 6.8 7.1 2.3 5 a 8 - - 1.6 1.8 - 8 a 10 - - - - - + de 10 - - 0.3 - - Total 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0

A comparação dos dados relativos a PEA de Praia da Rosa e Sapucaia revelou, por sua vez, importantes diferenças internas. Entre os homens, os poucos jovens com ocupação, seja o assalariado, seja o trabalhador por conta própria, raramente apresentam vínculos formais com o mercado e são muitíssimo mal remunerados. Quando adultos, embora a renda tenda a aumentar, torna-se crescente a fragilização do assalariamento, o que, considerando-se a baixa qualificação desses trabalhadores, evidencia a instabilidade de sua inserção no mercado. No fim da vida, a renda média desse trabalhador sofre redução drástica.

A PEA feminina dessas favelas, por seu turno, é composta por pouquíssimas jovens. E embora as mulheres entre 18 e 40 anos apresentem taxas crescentes de emprego assalariado, em relação aos homens a grande maioria delas é muitíssimo mal remunerada - em níveis assustadoramente baixos quando se compara com a diferença de renda entre homens e mulheres do Sudeste e do Brasil. A partir dos 40 anos, a PEA feminina continua a apresentar renda baixíssima (de fato, quanto mais avança em idade, mais se incrementa a tendência de queda), agora acompanhada de queda brusca nas taxas de vínculo empregatício, particularmente dos formalizados.

(17)

17 3. A nova economia e os novos comportamentos

3.1. Algumas considerações sobre a "feminilização da pobreza"

Até aqui salientou-se a baixa participação dos jovens e as altas taxas de ocupação das mulheres de mais de 40 anos, bem como a conjugação de fatores que afetam mais negativamente os jovens até 18 anos e as mulheres com mais de 60 anos: ambos apresentam altos índices de vinculação empregatícia informal e baixíssima renda. Além disso, destacou-se a desvantagem de renda da PEA feminina em geral, em relação aos homens, particularmente quando se trata de populações com pouca ou nenhuma qualificação profissional, como é o caso em estudo. Tal conjunção nos dá apenas uma idéia dos nefastos efeitos da atual deterioração do mundo do trabalho, aqui caracterizada pela evidente ausência de direitos sociais para os velhos, obrigando boa parte deles obrigados a trabalhar até o fim da vida (quase sempre por salários irrisórios), pela super exploração do trabalho feminino e pela destruição de quaisquer perspectivas profissionais para os jovens - recente fenômeno nacional16 que, nestas favelas, parece ganhar dimensões catastróficas.

Por esta razão o cruzamento de tais dados com o já referido aumento substancial no número de mulheres chefes de domicílios nos dá uma visão mais detalhada da chamada "feminilização da pobreza" em tempos de reestruturação produtiva. Particularmente porque inúmeros estudos já atentaram para a relação entre o tipo de composição e o ciclo de vida familiar com a determinação da renda do domicílio e, por conseqüência, com as chances de escapar ou não do pauperismo.17 Assim, num mercado crescentemente informal sem garantias de assistência na doença, invalidez ou velhice, com salários baixos e proibitivo aos jovens, podemos supor, para os próximos anos, nessas e em outras milhares de favelas brasileiras, a proliferação de domicílios chefiados por mulheres mal pagas, com filhos desempregados ou sub-empregados, ou

16

Vem se detectando há alguns anos, para o conjunto dos jovens brasileiros, fenômenos tais como a perda sistemática de postos de trabalho, a forte redução do emprego formal, as altas taxas de "desemprego de inserção" e a concentração de oportunidades - ainda que insuficientes para o contingente de jovens que ingressam no mercado - de empregos em micro e pequenas empresas, com baixos salários e alta instabilidade. Ver, por exemplo, POCHMANN, Márcio. Emprego e desemprego dos jovens no Brasil dos anos 90. In: Anais do XI Congresso da ABEP. Caxambu, 1998.

17

Ver, por exemplo, TELLES, Vera S. Família e Trabalho: precariedade e pauperismo na grande São Paulo. In: Anais do VIII Congresso da ABEP, vol. 2. Caxambu, 1992.

(18)

18

por idosos solitários e desassistidos, geralmente do sexo feminino.18

Dito de outro modo, a atual tendência de crescimento no número de mulheres chefes de família nas populações de mais baixa renda nada mais é do que decorrência do fato de o celibato, a maternidade não compartilhada, a separação ou a viuvez serem elementos desencadeadores do processo de pauperização feminina (ou de agudização da situação de pauperismo pré-existente), quando conjugados com a extrema desvalorização do trabalho feminino não qualificado19. E tal perspectiva parece ainda mais grave num momento de tendência de crescimento no número de mães solteiras chefiando domicílios monoparentais e de queda na idade com que as mulheres se separam.20 Isso porque tal fenômeno, aliado a também crescente dificuldade de inserção dos jovens no mercado de trabalho, determina a ampliação do período de tempo em que este tipo de família conta apenas com um provedor. Para as mulheres, pode determinar também a passagem direta de chefia de domicílio monoparental para a do solitário, já que muitas vezes quando os filhos finalmente conseguem inserir-se no mercado de trabalho já estão em processo de formação de seus próprios domicílios e com a responsabilidade de sustentar seus próprios filhos.

3.2. Algumas considerações sobre relações familiares

Os dados referentes à inserção da população de Praia da Rosa e Sapucaia no mercado de trabalho podem, igualmente, ser material para a reflexão acerca dos comportamentos socioculturais relativos a família. Afinal, a especificidade dessa instituição é exatamente a de constituir-se em um locus social de contínua produção e reprodução de hierarquias pautadas em sexo e idade. É também, por isto mesmo, espaço de enfrentamento generacional e de definição de papéis e posições de poder dos gêneros.

Considero, pois, que todas estas informações sobre inserção no mercado de

18

Em pesquisa realizada em São Paulo, na década de 80, descobriu-se que, entre as mulheres com idades entre 40 e 59 anos, cerca de 65% das separadas, divorciadas ou viúvas eram chefes de família; entre as mulheres com mais de 60 anos, 18% das solteiras e das viúvas e 24% das separadas ou divorciadas viviam sós. Ver OLIVEIRA, M. C. Op. Cit. p. 165 a 169.

19

Não por acaso, apesar dessas nessas favelas apresentarem em 1996 um percentual maior de população com até 14 anos (34,9%) do que o Brasil (31,2) e o Sudeste (28,1%), nelas, neste ano, o número médio de membros nos domicílios (3,6) era semelhante ao do Brasil (3,6) e ao do Sudeste (3,5).

(19)

19

trabalho podem contribuir no mínimo para a revisão da representação e da prática de família presentes nesta fração da população urbana pobre do Brasil, principalmente no que tange a valoração e auto-valoração de seus membros. Afinal, sob o capitalismo, em todas as classes sociais os membros da família que realizam a captação de recursos para o domicílio, ou que estão sendo preparados para tal, assumem papéis em muito legitimados por essa condição especial, bem como costumam valorar-se e serem valorados pelos demais membros também ou principalmente por esta especificidade.

Assim, diante do quadro aqui desenhado - de despreparo, marginalização e falta de perspectivas - pode-se imaginar que no cotidiano desta população já esteja em curso a progressiva reformulação do tradicional papel atribuído aos filhos das famílias pobres: o de importantes captadores de recursos para complementar a renda familiar. Tal quadro pode, ainda, levar à reformulação da imagem desses filhos como os agentes potencialmente mais capazes de redimir, no futuro, a pobreza familiar.

O quadro aqui relevado para estas favelas, de baixíssima renda feminina e alta instabilidade da ocupação masculina - notadamente no período em que estes homens precisam se responsabilizar pelo sustento dos filhos - parecem indicar, igualmente, para o incremento das crises conjugais e, portanto, para o incremento das separações. E se cresce o número de mulheres que precisam ampliar seu papel na família ou compartilhar esse papel com outros parentes, geralmente outras mulheres21, no mínimo é preciso repensar o imaginário popular acerca do papel do homem na família contemporânea. A existência, nessas favelas, de um grande número de domicílios extensos que incluem mulheres sem cônjuges, mas com suas proles, talvez seja um indício de que as especificidades das atuais demandas do mercado por mão de obra estão determinando mudanças ainda mais profundas: além da produção de estratégias de sobrevivência por meio de rearranjos domiciliares, o dia a dia de contradições e lutas pela sobrevivência também ajuda a produzir um novo universo simbólico da família.22

Acrescente-se, finalmente, que se a forma como se constróem e se reproduzem as relações desiguais entre os indivíduos contribui decisivamente para a formulação de

20

BERQUÓ, OLIVEIRA & CAVENAGHI. Op. cit. p. 111

21

Em 1987, no Brasil, 84,6% dos homens e apenas 57,6% das mulheres estavam inseridos em família nuclear. Ver BERQUÓ, E. , OLIVEIRA, M. C. & CAVENAGLI, S. Arranjos familiares "não-canônicos" no Brasil. In: Anais do VII Congresso da ABEP, vol. 1, Caxambu, 1990.

22

RIBEIRO, Ivete & RIBEIRO, Ana Clara. Família e desafios na sociedade brasileira: valores como um ângulo de análise. Rio de Janeiro: Centro João XXIII, 1994, passim.

(20)

20

suas identidades23 e para a definição dos níveis de auto-estima, de que nos fala Heller, no Brasil corre-se o risco de, em pouco tempo, considerarmos normal a marginalização dos jovens e a super exploração das mulheres. Corre-se o risco, pois, de que num futuro próximo a formulação do valor social desses indivíduos, mesmo no interior das nossas discriminadas populações pobres, se paute pela naturalização das condições negativas aqui detectadas.

5. Fontes e Bibliografia

- ANAIS DO VII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Caxambu, ABEP, 1990.

- ANAIS DO VIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Caxambu, ABEP, 1992.

- ANAIS DO IX. ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Caxambu, ABEP, 1994.

- ANAIS DO X ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Caxambu, ABEP, 1996.

- ANAIS DO XI ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Caxambu, ABEP, 1998.

- ANDERSON, Michael. Aproximaciones a la historia de la familia occidental

(1500-1914). Madrid:Siglo XXI, 1988.

- Jornal O GLOBO, 10 de julho de l999.

- GOMES, Maria de Fátima C. M. Relatório ao CNPq das atividades desenvolvidas no

projeto “urbanização de favelas - realidade e perspectivas", período 1996-1998. Rio de

Janeiro:ESS/UFRJ, julho de 1998.

- GRUPO FAVELA E CIDADANIA. Censo das favelas de Praia da Rosa e Sapucaia

(RJ). Rio de Janeiro:ESS-UFRJ, 1996.

23

(21)

21

- INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo geral de

1991. Rio de Janeiro:IBGE, 1991.

- INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional

por amostragem domiciliar 1996. Rio de Janeiro:IBGE, 1997.

- INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas

históricas do Brasil. Rio de Janeiro:IBGE, 1997.

- LOURO, Guacira L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis:Vozes, 1997.

- MERRICK, Thomas W. & GRAHAM, Douglas H. População e desenvolvimento

econômico no Brasil. Rio de Janeiro:Zahar, 1981.

- OLIVEIRA, Jane S. de (org). O traço da desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro:IBGE, 1993.

- REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Vol. 9, n. 2, São Paulo:ABEP, 1992.

- REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA. vol.9, n. 17 São Paulo:ANPUH/Marco Zero, Set.88/fev.89.

- REVISTA DEBATES SOCIAIS. Ano XXVI, 1 e 2 sem,. Rio de Janeiro:Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais, 1997.

- RIBEIRO, Ivete & RIBEIRO, Ana Clara. Família e desafios na sociedade brasileira: valores como um ângulo de análise. Rio de Janeiro: Centro João XXIII, 1994.

- SILVA, Francisco C. T. da. "Brasil em direção ao século XXI", in LINHARES, Maria Y. (org.) História geral do Brasil. Rio de Janeiro:Campus, 1996, p.368.

6. Apêndices

1 - Taxas (%) de Ocupação por Sexo e Grandes Faixas Etárias. Brasil, Sudeste e Favelas de Sapucaia e Praia da Rosa - 1996

Faixa etária Brasil Sudeste Favelas

Homens 10-14 20.1 12.1 10.2

15-17 49.6 45.2 41.3

Petrópolis:Vozes, 1997, passim.

(22)

22 18-39 85.6 86.3 87.2 40-59 86.1 83.8 85.6 60 ou + 46.0 36.9 52.7 Mulheres 10-14 9.6 8.8 1.5 15-17 27.9 27.3 22.3 18-39 55.0 56.1 59.1 40-59 52.4 47.8 60.8 60 ou + 18.2 13.6 26.6

2 - Percentuais de inserção escolar e ocupação entre a população de 10 a 17 anos Brasil (1990) e Favelas de Praia da Rosa e Sapucaia - 1996

Brasil (1990)24 Favelas

Total Homens Mulheres Total

Apenas estuda 35.4 65.9 75.8 70.9

Estuda e trabalha 19.5 11.6 5.2 8.4

Apenas trabalha 31.7 10.4 3.9 7.1

Não estuda e não trabalha 13.4 11.9 15.0 13.5

3 - Distribuição Percentual, por sexo e faixa etária, da População Ocupada de Praia da Rosa e Sapucaia, pela situação na ocupação - 1996

Homens

Faixa etária Assalariado Conta própria Empregador Total

10-14 70.0 30.0 - 100.0 15-17 78.0 22.0 - 100.0 18-39 69.3 30.5 0.2 100.0 40-59 64.5 35.5 - 100.0 + de 60 53.6 46.4 - 100.0 Mulheres 24

Fonte: PNAD 1990, cit. in: OLIVEIRA, Jane S. de (org). O Traço da Desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, 1993.

(23)

23 10-14 66.6 33.3 - 100.0 15-17 76.9 23.1 - 100.0 18-39 81.5 18.5 - 100.0 40-59 69.1 30.9 - 100.0 + de 60 47.6 52.4 - 100.0

4 - Percentual dos Assalariados de Praia da Rosa e Sapucaia com carteira assinada, militares ou estatutários, por sexo e faixa etária - 1996

Faixa etária Homens Mulheres

10-14 21.4 - 15-17 30.8 35.0 18-39 76.7 46.4 40-59 84.5 46.4

+ de 60 86.6 30.0

5 - Percentual de contribuintes da Previdência na População Ocupada por conta própria, em Praia da Rosa e Sapucaia, por sexo e faixa etária - 1996

Faixa etária Homens Mulheres

10-14 - - 15-17 - -

18-39 12.8 14.7

40-59 15.5 28.0

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