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SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NOS TRÓPICOS: ASSOCIAÇÕES DE LINHA E A FORMAÇÃO DE ALIANÇAS LOCAIS

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SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NOS TRÓPICOS:

ASSOCIAÇÕES DE LINHA

E A FORMAÇÃO DE ALIANÇAS LOCAIS

1

John Sydenstricker-Neto2

1 INTRODUÇÃO

Desmatamento e degradação de recursos naturais são a face mais visível da crise sócio-ambiental ligada à transformação do espaço no trópico úmido. Essa transformação tem implicado em pa-drões de desenvolvimento diferenciados, aumento das desigualdades regionais e a criação de barreiras para a redução dos níveis de pobreza. Nesse contexto, compatibilizar as perspectivas econômica, social e ambiental – o chamado triângulo crítico – é ainda mais desafiador.

O Estado, teve e tem um papel central nesses processos. Entretanto, principalmente na última década, o papel das organiza-ções não-governamentais (ONGs) incluindo as organizaorganiza-ções locais (OLs) tem emergido com força significativa, tanto em termos do reforço das atuais tendências quanto das perspectivas de reversão do quadro atual. Apesar da sua importância, o exame das OLs constitui uma área ainda pouco explorada pela literatura sobre a região.

Estudos sobre OLs e a questão da sustentabilidade tem deixado de lado as Associações de Pequenos Produtores (APPs) ou associações de linha. Em geral, os estudos têm enfocado organizações mais estruturadas, com atuação nos níveis regional, estadual e nacio-nal, além de pequeno enfoque para o meio rural, especificamente. Considerando o peso dos pequenos agricultores em termos da popula-1 Esse trabalho baseia-se no relatório Organizações Locais e Sustentabilidade no Trópico Úmido: um estudo exploratório (Sydenstricker-Neto, 1998) preparado

para o International Food Policy Research Institute (IFPRI). Esse relatório integra a pesquisa Arresting Deforestation and Resource Degradation in the Forest Margins of the Humid Tropics: Policy, Technology, and Institutional Options

realizada na âmbito do convênio IFPRI-EMBRAPA.

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ção rural da Amazônia e os impactos ambientais que sua ação pode causar, torna-se importante voltar a atenção para o nível rural local e, em particular, para as APPs.

Nesse trabalho, as APPs são definidas como um grupo de pequenos agricultores (parceleiros) residentes em uma área circuns-crita, em geral uma linha ou travessão, que compartilha objetivos comuns e a disposição e/ou participação mínima em ações coletivas ligadas prioritariamente a produção agro-silvo-pastoril e melhoria da infra-estrutura disponível e das condições de vida em geral.

Do ponto de vista mais amplo, as APPs são vistas como Organizações Locais para o Manejo de Recursos Naturais (OLs-MRN) segundo a definição sugerida por Rasmunsen e Meizen-Dick (1995).3

Essa definição genérica revela o estado da arte em que se encontra a reflexão nessa área. Como indicam os autores, o grau mínimo de formalização e institucionalização que atividades coletivas ou grupos de indivíduos precisam ter para serem reconhecidos como uma orga-nização é fonte de discussão sem consenso eminente.

De um lado, a falta de consenso é um indicador do estágio inicial em que a compreensão das OLs-MRN se encontra; de outro, é a manifestação da complexidade da temática e da diversidade de contextos estudados. Assim, nesse momento ter um conjunto pequeno de categorias amplamente aceitas significaria reducionismo.

Do ponto de vista mais específico, as APPs são parte de um quadro organizacional mais amplo concebido dentro do escopo propos-to por Rasmunsen, Meizen-Dick (1995). O sepropos-tor em que, prioritaria-mente, ocorre a ação coletiva inclui diversas instâncias que vão do nível internacional ao nível local imediato. Esse nível local imediato é compreendido pelas OLs presentes na linha/travessão ou com as quais o pequeno produtor, enquanto indivíduo ou representante do domicí-lio, tem uma relação direta e mais sistemática. Exemplos dessas OLs 3 Uma Organização Local (OL) para o Manejo de Recursos Naturais (MRN) é definida por duas dimensões: a) instância em que ocorre a tomada de decisão e a ação propriamente dita representada por um continuum que vai do nível indivi-dual ao internacional; e b) o setor no qual ocorre o manejo de recursos naturais representado por um continuum que vai do setor público ao privado. Graficamen-te, essas duas dimensões são representadas por dois eixos que se interceptam perpendicularmente. O ponto exato em que a intercesão ocorre é determinado pelas características específicas de cada organização segundo esses dois continua.

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são as APPs, sindicato rural, grupos religiosos e organizações culturais e/ou recreativas (ex. escola, clube de mães, grupo de artesanato, time de futebol da linha etc.). Essas OLs não são necessariamente entidades

distintas havendo uma certa sobreposição em termos de suas funções, objetivos e lideranças.

Esse trabalho constitui um primeiro esforço de descrever e analisar as relações entre as APPs e a sustentabilidade ambiental. As seções seguintes dão informações sintéticas da pesquisa de campo e apresentam os principais resultados. Nas considerações finais algu-mas questões substantivas e metodológicas são discutidas.

2 ÁREA DE PESQUISA E ATIVIDADES4 2.1 Área de pesquisa

A pesquisa foi realizada nos projetos de colonização de Theobroma (RO) e Pedro Peixoto (AC), projetos de colonização do INCRA basedos no modelo de ocupação da Amazônia iniciado nos anos setenta. Ambos constituem áreas de pesquisa do projeto Alternatives to Slash-and-Burn (ASB) coordenado a nível internacional pelo

ICRAF e a nível nacional pela EMBRAPA.

Apesar dos projetos terem características comuns, algu-mas específicas os distinguem, tornando ainda mais interessante um estudo comparativo. Entre essas características destacam-se:

1) Em Rondônia, programas integrados como o PÓLO-NOROESTE e o PLANAFLORO direcionaram o desen-volvimento do estado (e de Theobroma). No Acre, e especificamente na Região do Pedro Peixoto não houve programas da mesma natureza.

2) Em Rondônia, a colonização se confunde com o próprio processo de ocupação, desenvolvimento e formação da identidade do estado. No Acre, a identidade e a inserção nos contextos regional e nacional está ligada às popu-lações tradicionais, em especial os seringueiros.

4 Para maiores informações sobre as áreas de pesquisa e atividades desenvolvidas, incluindo amostra dos formulários utilizados, veja Sydenstricker-Neto (1998).

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3) O Acre foi o nascedouro de alternativas para o desen-volvimento da região (ex. reservas extrativistas e flo-restas estaduais) e uma atuação marcante de ONGs. Em Rondônia, esse processo é posterior e tem menor expressão.

4) Theobroma forma um único município, enquanto a área de Pedro Peixoto abrange parte dos municípios de Senador Guiomard, Plácido de Castro, Acrelândia e Rio Branco.

2.2 Atividades

A pesquisa foi realizada em julho de 1996 e foi estruturada em quatro fases:

1) vista preliminar ao campo;

2) entrevistas com informantes chaves em Brasília, Porto Velho e Rio Branco;

3) entrevistas com informantes chaves nos núcleos urba-nos nas áreas de colonização;

4) entrevistas com lideranças das APPs.

Na visita preliminar ao campo foram coletados dados básicos das organizações presentes nas áreas de colonização. Utilizou-se para tal um formulário curto. As entrevistas com informantes

chaves nas cidades de Brasília, Porto Velho e Rio Branco serviram de subsídio para contextualizar o trabalho de campo nas áreas de coloni-zação. Através das entrevistas com informantes chaves nos núcleos urbanos obteve-se informação do contexto mais local e dados para definição da “amostra” de APPs a serem entrevistadas. Foram entre-vistados técnicos da EMATER, FNS, INCRA, prefeitura e ONGs presentes na região.

As entrevistas com lideranças das APPs e a observação direta no campo reuniram informações específicas sobre as associa-ções. Em algumas das entrevistas, outros membros da associação também participaram. Essa fase foi realizada com o uso de três formulários complementares ao formulário curto:

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a) formulário longo, com informações mais detalhadas

sobre a associação;

b) formulário de projeto, para informações mais

específi-cas sobre projetos desenvolvidos pela associação e dire-tamente relacionados ao triângulo crítico;

c) cronologia histórica (“time line”), para registro dos

principais eventos, datas e projetos da associação desde a sua fundação. Ao todo foram realizadas 39 entrevis-tas, sendo 22 nos projetos de colonização, das quais 13 com APPs.

A “amostra” de APPs a serem entrevistadas foi definida a partir dos dados obtidos com os informantes chaves nos núcleos urbanos e os formulários curtos. Dado o caráter exploratório da

pesquisa e a falta de dados secundários sobre as APPs, optou-se por uma amostra que reunisse um conjunto de associações que tivessem:

a) uma certa expressão e/ou reconhecimento local; b) atividades mais diretamente relacionadas ao triângulo

crítico. Outros três critérios foram levados em conta, sendo eles: distribuição espacial (áreas distintas do projeto), diversidade em termos da ação e projetos em curso e o acesso às respectivas áreas. Não houve recusas dos entrevistados.

A “visão” dos extensionistas da EMATER teve um peso preponderante nessa fase da pesquisa. Seria desejável contar com fontes adicionais e maior permanência no campo. Reconhecendo esses limites e potencial viés, sempre que possível, as informações das entrevistas foram cruzadas, procurando identificar a coerência dos dados e a consistência das informações que definiram a amostra de APPs. Ao final, o quadro para cada uma das áreas pesquisadas e para o conjunto é coerente e consistente.

3 PRINCIPAIS RESULTADOS

O primeiro esforço na descrição e compreensão das rela-ções entre as APPs e a sustentabilidade em Theobroma (RO) e Pedro

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Peixoto (AC) revela a complexidade do tema e as dificuldades em captá-lo. Os principais resultados são apresentados em 23 pontos organizados por tema. Significados e implicações dos resultados são discutidos.

3.1 APPs – Importância e início

1) Importância das APPs – As duas principais OLs em

termos de participação de pelo menos um dos membros do domicílio são a igreja (54.4%) e a APP (29.6%). Chama a atenção também o percentual de domicílios cujos indivíduos não participam de qualquer tipo de organização (8.8%).5 Esses dados reafirmam o interesse

pelas APPs.

2) Processo centralizado e pouco participativo – A ação dos

órgãos de extensão rural na promoção do associativis-mo foi um fator básico na criação das APPs. Tratando-se de populações migrantes – nenhuma experiência com a região e pequenos laços com um grupo maior de pequenos agricultores – essa ação desempenhou, a cur-to prazo, um papel importante de estimular a interação social. Entretanto, a longo prazo, o modelo único (mo-delo padrão de associação) implementado de forma centralizada e pouco participativa levou à constituição de um associativismo “amorfo”, sem identidade própria e capacidade limitada para definir sua agenda de ação. Esse fato ganha maior relevância com a retração do estado num contexto de “vazio” institucional.

3) Dimensão política enfraquecida – Com o processo de

redemocratização do país, uma gama de novas formas e espaços de expressão na sociedade surgiram, dimi-nuindo em muito o papel privilegiado que os sindicatos tinham e as APPs poderiam ter. Esse processo mais amplo explica em parte porque os sindicatos rurais nas duas áreas não são fortes e/ou têm pouca expressão. Entretanto, a forma específica e contexto particular em 5 Survey, realizado pelo convênio IFPRI-EMBRAPA em setembro de 1996 com

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que a ação dos órgãos de extensão e formação das APPs ocorreu, criou um espaço em potencial para manipula-ção ou utilizamanipula-ção política dessas organizações. Isso le-vou a uma “banalização da dimensão política” das APPs e do processo como um todo, deslegitimando as associações. Esse fato foi referido por entrevistados, em particular no Pedro Peixoto, mas não significa que seja ausente em Theobroma.

4) Privilegiamento da dimensão econômica – Demandas

específicas ligadas ao processo produtivo, em especial o beneficiamento da produção e o acesso ao financiamen-to, não respondidas ao nível do domicílio constituem um fator básico na criação de APPs. Esse fato mostra a importância da dimensão econômica na criação e definição do espaço de ação das APPs, diferenciando-as de outras OLs como o sindicato rural, com uma identi-dade mais política. Entretanto, essas ações mais volta-das às esferas econômicas ou produtiva não adquiriram ainda status próprio ou consistência suficiente para impulsionar de forma mais significativa e independente o processo organizativo e de formação de uma identida-de própria das APPs.

3.2 APPs – Estrutura e organização interna

5) Proliferação de associações pequenas – Áreas

relativa-mente pequenas possuem duas ou mais associações que, invariavelmente, têm pouca expressão e pequena capacidade ou poder para participar (e menos ainda influenciar) nos processos e ações mais gerais nos níveis “local imediato” ou municipal. As associações possuem de 20-30 sócios, cerca de 20% dos produtores na área geográfica de atuação e/ou influência da associação. Se por um lado associações pequenas podem ser mais ágeis, facilmente gerenciadas e estimular maior intera-ção entre sócios, por outro podem constituir um fator limitante. Ainda que não haja um “número ou percen-tual ideal”, esses números parecem pequenos para for-mar uma massa crítica mínima e enfrentar as dificuldades operacionais das APPs (vide a seguir).

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6) Custos e dificuldades operacionais das APPs – Sócios de APPs em Theobroma gastam, em média, cerca de 14 horas/mês em atividades da associação e R$ 6,50/mês com mensalidade (não incluído contribuições em espé-cie). Valores para Pedro Peixoto são 13 horas e R$ 3,00/mês, respectivamente.6 Por mais simples que seja

a estrutura da APP e pequeno o número de ações e/ou projetos em curso, o custo em termos humanos e finan-ceiros da rotina administrativa da associação não é pequeno. Para agricultores com recursos escassos e que não operam com a lógica e linguagem própria de órgãos públicos e entidades financeiras essa rotina pode ser um peso demasiado.

7) Memória restrita ao presente – A memória histórica da

APP restringe-se ao presente e os objetivos se confun-dem com as atividades. Esses fatos são em grande medida explicados pelas dificuldades operacionais aci-ma descritas. Duas implicações importantes decorrem desses fatos. A primeira, é que o aprendizado obtido através do acúmulo de experiências passadas é extre-mamente reduzido, o que limita a capacidade reflexiva presente e futura da APP enquanto grupo social. Esse fato dificulta a formação de uma identidade social pró-pria, fator essencial para a continuidade de qualquer grupo social. A segunda é que o curto prazo condiciona o horizonte de ação da associação. Isso leva a pequena institucionalização da APP e a limitada capacidade e mesmo abertura para assumir compromissos ou se envolver em processos de maturação de médio e longo prazos, o que é o caso da sustentabilidade ambiental.

3.3 APPs – Lideranças e capital humano

8) Mesma Liderança em Diversas OLs – Nas APPs, a

liderança é praticamente a mesma desde a fundação. Indivíduos mais ativos e com algum preparo atuam simultaneamente, ou mesmo possuem cargos, na APP, 6 Survey 1996, IFPRI-EMBRAPA.

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em organizações religiosas, no sindicato e em conselhos municipais. Diversas lideranças dispontam como can-didatos em eleições municipais sendo raramente elei-tas. Por um lado, isso significa uma maximização do capital humano disponível e possibilita muitas vezes ganhos expressivos. Por outro, cria círculos viciosos difíceis de serem rompidos. Na medida em que poucos indivíduos são capacitados, é difícil envolver mais pes-soas, democratizar o processo decisório e ampliar a base de sustentação das APPs. A longo prazo, essas circuns-tâncias enfraquecem a associação como um todo e ini-bem o desenvolvimento de ações mais determinadas e conseqüentes.

9) Ausência de mulheres – A mulher raramente é arrolada

como sócia das APPs (um sócio por domicílio) e há uma completa ausência de mulheres nas diretorias das asso-ciações visitadas. Isso ocorre a despeito das atividades e contribuições da mulher na esfera do domicílio (in-cluindo a produção propriamente dita) e da vida social local.7 A implicação mais direta desse fato é que grande

parte da população adulta envolvida nos processos pro-dutivos e de manejo de recursos naturais fica à margem dos processos de organização social e tomada de deci-são. Mais do que isso, perspectivas específicas fundadas nas diferenças de gênero não são levadas em conta, limi-tando as perspectivas colocadas pelo triângulo crítico.

3.4 APPs – Grupos pré-existentes e identidade comum

10) Importância de grupos pré-existentes – Apesar de

to-das as APPs terem sido oficialmente constituíto-das den-tro dos mesmos moldes, algumas foram formadas a partir de um ou mais grupos de interesse pré-existen-tes. Exemplos desses grupos são os vizinhos de lote já executando alguma atividade em conjunto (ex. aber-7 A falta de voz ou participação das mulheres no processo decisório não é uma questão restrita aos pequenos agricultores. Ela é também encontrada entre outros movimentos sociais (ex. seringueiros) e entre setores considerados de vanguarda como os ambientalistas (Campbell, 1997).

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tura de roçados, limpeza de um escoadouro da estrada

etc.) ou indivíduos que participam de uma mesma

comunidade religiosa. Os dados sugerem que APPs que contaram com essa base inicial mostram-se mais capazes de estruturar a associação. Na ausência dos grupos de interesse, a adoção de ações que estimulam a formação de tais grupos ou fortalecem iniciativas já em curso emerge como uma estratégia acertada. Um exemplo nessa linha é o pré-requisito de participação comunitária do Projeto RECA (AC). Através desse pré-requisito estabeleceu-se uma interação e compro-metimento mínimo antes do indivíduo participar for-malmente do projeto e dele se beneficiar. Essa estratégia teve impactos positivos para a formação da

identidade comum e fortalecimento do grupo.8

11) Construção de uma identidade comum – A simples

pré-existência de grupos de interesse comum não é suficiente para manter a médio e longo prazo uma APP. A formação de uma identidade comum e o

sim-bolismo a ela ligada são dois fatores centrais para a estruturação das organizações e para a definição de normas (implícitas ou explícitas, informais ou for-mais). Essa identidade comum fortalece a APP

en-quanto grupo social, permitindo que ela tenha continuidade e assuma um papel mais dinâmico e catalizador na área sob sua influência. A formação e fortalecimento dessa identidade comum é ainda mais

decisiva em contextos rurais na “fronteira” onde há poucas possibilidades de construção de identidades múltiplas, como é o caso de áreas urbanas.

3.5 APPs – Vínculos horizontais e verticais

12) Vínculos entre APPs são fracos – De uma forma geral,

a interação entre APPs é pequena e praticamente não existem projetos conjuntos. Dois fatores acima referi-dos que em parte explicam a pequena interação entre 8 Veja estudo de caso do Projeto Reca em Sydenstricker-Neto (1998).

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APPs são o processo centralizado e pouco participativo que deu origem às APPs e as dificuldades operacionais das associações. Ao lado disso, o contexto organizacio-nal muito verticalizado (vide abaixo), a pequena estru-tura organizacional existente ao nível local, distância e dificuldades de transporte e comunicação são entra-ves para a emergência de uma rede de relações (net-work) mais dinâmica.

13) Privilegiamento de relações verticais – O contexto

organizacional no qual as APPs estão inseridas é marcado por relações muito verticalizadas e com pou-ca abertura para processos mais interativos. Em mui-tos casos, são as relações com organizações e entidades em outros níveis ou instâncias da cadeia organizacio-nal que garantem a própria existência (e sobrevivên-cia) das APPs. Relações mais diretas com órgãos públicos estaduais, ONGs (nacionais e internacionais) e em alguns casos mais raros com agências multilate-rais possibilitam a formulação de “projetos de desen-volvimento”, acesso a recursos, construção ou melhoria de infra-estrutura local etc. Nesse sentido, é

bastante lógico que as APPs esforcem-se por criar e fortalecer tais vínculos e os privilegiem muitas vezes em detrimento das relações horizontais.

14) Vínculos verticais e formulação de projetos – Num

contexto de recursos limitados, dificuldades operacio-nais e relações muito verticalizadas, as APPs acabam assumindo uma posição bastante dependente em re-lação aos órgãos públicos, ou ONGs financiadoras de projetos. De um lado, casos concretos sugerem que as APPs possuem uma autonomia muito limitada para definir sua agenda. De outro, essa mesma situação pode ser um indicativo de flexibilidade da APP para responder a pressões internas e externas e adaptar-se de forma mais ágil a um contexto em transformação, o que seria um fator positivo. Em um ou outro caso, é evidente que a relação de força e poder está a favor de organizações e entidades em níveis acima do qual se encontram as APPs. Sendo o elo mais fraco, as APPs acabam sofrendo de forma mais direta os impactos de

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entraves e descontinuidades existentes nos diferentes níveis da cadeia organizacional.

15) Redes de comunicação e vínculos – Redes de

comuni-cação via satélite colocam uma série de novas ques-tões.9 É um fato promissor, por romper o isolamento

das áreas rurais, abrindo a possibilidade de acesso a um conjunto maior de informações. Atividades como a teleconferência, a transmissão de programas de trei-namento, difusão de conhecimentos específicos de for-ma simultânea e a simples veiculação de vídeos abrem novos horizontes para organizações e entidades liga-das a projetos de desenvolvimento, extensão e fomen-to. Novas questões emergem, na medida em que ao se fortalecer os vínculos verticais e externos pode-se enfraquecer os internos e não estimular os horizon-tais. Se tal tendência se configura, as perspectivas de desenvolvimento comunitário e local estarão sendo minadas e o pequeno poder de barganha e dependên-cia das APPs fica ainda mais saliente.

3.6 APPs – Triângulo crítico, projetos e parcerias

16) Perspectivas do triângulo crítico estão presentes – De

forma geral, sustentabilidade, crescimento e redu-ção/eliminação da pobreza são perspectivas presentes e que podem ser reconhecidas em projetos específicos das associações. Ao nível da fala dos entrevistados, sustentabilidade e crescimento/desenvolvimento são dimensões mais salientes; redução/eliminação da po-breza é uma dimensão mais implícita. São freqüentes as referências a “conservar o solo, evitar ou diminuir a erosão, plantios consorciados, culturas regionais, usar leguminosas, não queimar o pasto, recuperar capoiras, imitar a floresta” etc.

17) Do discurso genérico ao específico – Em menos de uma

década, o discurso genérico dos parceleiros – “não 9 Veja estudo de caso da Telesala em Sydenstricker-Neto (1998).

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desmatar, conservar a floresta, não repetir o caso do Paraná” etc. – passou para um discurso mais

específi-co, referenciado a práticas concretas e ligado a ativi-dades que estão efetivamente sendo testadas e usadas. É curioso notar como as espécies nativas, estão muito mais difundidas e são mencionadas com recorrência pelos parceleiros. Não há dúvida que grande parte dessa mudança se deve simplesmente a maior familia-ridade dos migrantes com a região e não pode ser tomado como um bom indicador de maior “consciência ambiental”. Entretanto, se não é um elemento sufi-ciente é certamente um elemento necessário para o desencadeamento de mudanças; o fato dessa dimensão ser identificada e com a tal freqüência é animador. 18) Respostas simples e diretas – Como mencionado, a

criação das APPs esteve ligada à busca de alternativas às demandas do processo produtivo não equacionadas no âmbito do domicílio. Respostas diretas a questões relativamente simples, como por exemplo o acesso à uma máquina de arroz, tiveram um impacto extrema-mente positivo para os pequenos agricultores. Na medida em que a organização social, incluindo os sistemas produtivos e a prestação de serviços, na área e região torna-se mais complexa, as demandas e res-postas a essas demandas tendem a ter implicações múltiplas e exigem, muitas vezes, ações envolvendo diferentes entidades e atores. Entretanto, a valoriza-ção da simplicidade (que não se confunde com simplis-mo) emerge como um princípio básico importante, particularmente dentro de um contexto organizacio-nal e institucioorganizacio-nal pouco estruturado, cujos atores enfrentam desafios em todas as frentes.

19) Dificuldades na condução dos projetos – Problemas

nas áreas administrativa, contábil, produtiva e de marketing são desafios constantes para as APPs. Es-ses problemas não apenas condicionam os resultados finais dos projetos, mas em muitos casos chegam mes-mo a ameaçar a sua continuidade. Mesmes-mo projetos considerados em muitos sentidos bem sucedidos e que contam com recursos e assistência de entidades em

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grau acima do comumente verificado na região têm enfrentado tais dificuldades.10

20) Acompanhamento e gestão de projetos – O simples

“apoio” e/ou acompanhamento mais à distância dos projetos por outras organizações (ONGs e/ou entida-des públicas e privadas) não garante que os projetos atinjam os objetivos previstos. Somado a isso, geren-ciar um projeto de forma independente sem envolver a população alvo e sem capacitar indivíduos locais também não é uma alternativa a médio prazo. Um traço comum aos projetos mais bem sucedidos é a combinação entre acompanhamento próximo de enti-dades assessoras e engajamento concreto das popula-ções alvo. Não há “fórmulas acabadas”, mas três fatores que emergem como decisivos para maximizar os resultados e/ou minimizar desgastes são a definição clara de responsabilidades, a centralização de algumas atividades chaves e a descentralização ou gestão local das demais atividades.

21) Identificação de áreas para parceria – Parcerias com

o setor privado e não-governamental local podem abrir perspectivas mas elas não se mostrarão vantajo-sas e viáveis em todas as áreas.11 Assim, uma tarefa

prioritária é identificar quais as áreas mais promisso-ras para colaborações e que poderiam expandir as possibilidades hoje existentes. Duas áreas bastante carentes e que teriam, se bem desenvolvidas, um impacto significativo para as APPs são as de marke-ting (vide abaixo) e de “desenvolvimento tecnológico”, ou seja, a adaptação de conhecimento já disponível para as condições da região e/ou o desenvolvimento de técnicas, procedimentos e equipamentos simples, de baixo custo e de fácil disseminação.

10 Veja estudos de caso em Sydenstricker-Neto (1998).

11 Um exemplo de parceria bem sucedida é a certificação e controle de qualidade da produção da polpa de cupuaçu do Projeto RECA realizados pela EMBRAPA. A certificação possibilitou a qualificação do produto em mercados de outras regiões do país.

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22) Mercados para os produtos tropicais – A abertura de

mercados para os produtos tropicais em geral e os “produtos verdes” não têm sido tarefa fácil. Mesmo projetos pioneiros como o RECA com visibilidade nos planos regional, nacional e até internacional têm en-frentado esse dilema. Na maioria das vezes as vendas se restringem ao mercado regional e as margens de lucro são pequenas, quando não negativas. Esse qua-dro tende a se agravar com a entrada da produção de novos projetos de incentivo ao plantio de culturas regionais estimulados e financiados por agências na-cionais. Dentro desse contexto, cabe indagar quais são as perspectivas de ampliação dos atuais mercados e abertura de novos e se esses projetos constituem de fato alternativas para a redução/eliminação da pobre-za e o desenvolvimento regional. Essa situação eviden-cia a importâneviden-cia de se contar com profissionais de diversas áreas, incluindo marketing, para o qual inte-rações com o setor privado e não-governamental po-dem representar um alento.

23) Diversificação e mercado regional – Baixo poder

aqui-sitivo da população na região e distância de mercados consumidores de maior porte têm limitado as alterna-tivas para se estimular o desenvolvimeno e reduzir a pobreza na região. Do lado da produção, a concentra-ção em uns poucos produtos têm se mostrado uma alternativa pouco promissora para os pequenos agri-cultores. Diversificar as fontes de renda combinando um conjunto maior de culturas perenes, extração de produtos não-madeireiros, pecuária de pequeno porte

etc. tem sido apontado como um caminho para se

conseguir crescimento econômico com sustentabilida-de ambiental. Do lado do mercado, ampliar a base sustentabilida-de consumo e diversificar os compradores dos produtos têm impactos diretos. Em resumo, ao nível da produ-ção como do mercado, a integraprodu-ção, de um lado, entre setores – privado, não-governamental e público – e, de outro, dos diferentes níveis da cadeia organizacional – do local imediato ao internacional – amplia as pers-pectivas de se atingir os objetivos do triângulo crítico.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados iniciais dessa pesquisa apresentados no item anterior e o processo em si de realização desse estudo exploratório levantam uma série de questões. Finalizando esse texto, gostaria de enfocar uma questão de ordem substantiva, dois aspectos metodológi-cos e apontar etapas futuras na pesquisa.

4.1 Theobroma versus Pedro Peixoto: duas hipóteses

Uma comparação consubstanciada entre as duas áreas foge ao escopo dessa primeira abordagem do tema. Entretanto, os resultados iniciais permitem traçar alguns paralelos que vão contra algumas das hipóteses de trabalho iniciais. Por mais preliminares que sejam os resultados, eles colocam algumas questões específicas sobre o impacto de projetos de desenvolvimento como o PLANAFLORO e as interações horizontais e verticais na cadeia organizaçional nas duas áreas pesquisadas. Mais do que isso, essas questões se vinculam a debates mais amplos tais como, os sobre as formas institucionais mais pertinentes para se proteger o meio ambiente – regimes de governân-cia internacional (Young, 1994) ou gestão local (Sachs, 1993) – e os sobre o papel do Estado no desenvolvimento de países do terceiro mundo (Evans, 1995; Tendler, 1997).

Em Theobroma, chamou atenção a preocupação e mesmo ação mais determinada dos parceleiros com relação ao desmatamento e degradação de recursos. Esse fato se tornou saliente por dois fatos. Primeiro, num período de dez anos, houve uma mudança radical com relação ao discurso e ação dos parceleiros na Região de Theobroma. Segundo, Theobroma é uma área de relativa estagnação econômica, não integrando as áreas de Rondônia de maior dinamismo e com uma ação mais marcante e presente de ONGs e entidades mais críticas aos processos em curso em Rondônia.

O quadro visto em Theobroma ganhou maior destaque quando se avançou com as entrevistas em Pedro Peixoto. Mesmo dentro de um contexto organizacional pouco estruturado, o balanço final é que as associações em Theobroma são mais dinâmicas, menos arraigadas a um associativismo paternalista e mais engajadas num processo de enfrentamento dos desafios colocados pelo triângulo

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crí-tico. Esse resultado não é conclusivo e deve ser visto no contexto de um estudo exploratório.

Considerando o descontentamento generalizado com o PLANAFLORO12 é bastante estimulante examinar os resultados

des-se levantamento realizado em Theobroma. Por pior que tenham sido os resultados do PLANAFLORO como um todo, alguma coisa de positiva ficou. Dentro do escopo desse trabalho, não é possível avaliar a genuinidade, abrangência e impactos a médio e longo prazo dessas mudanças, mas não se pode negá-las. Na ausência de um trabalho mais intenso de ONGs e outras entidades na área específica de Theobroma, não parece inconsistente levantar a hipótese de que grande parte dessas mudanças decorrem de forma direta ou indireta de projetos do PLANAFLORO.

Nessa linha, não seria demais afirmar que mais do que as interações horizontais e internas ao município foram as relações verticais e externas, nesse caso os recursos e projetos de agências multilaterais intermediados pelo Estado, a base para mudanças. Deve-se salientar que os projetos em si e a sua gestão foram redefinidos, em grande medida, a partir do movimento de pressão e crítica alavancado por redes ambientalistas de escopo internacional e que contou com a participação de movimentos sociais locais, tais como o Forum de ONGs-Rondônia. Esse é um resultado estimulante que vai contra o senso comum presente em círculos ambientalistas ou entre profissio-nais da área de estudos sobre desenvolvimento.

No caso do Pedro Peixoto, a hipótese de trabalho anterior à ida ao campo contemplava em grande medida um quadro mais favorável do que o esperado para Theobroma. Assumia-se que por mais distante, em termos espaciais e simbólicos, que Pedro Peixoto estives-se dos movimentos sociais de vanguarda do Acre, em particular o movimento seringueiro, não havia como não ser por eles influenciado. O quadro encontrado é bem distinto. O diálogo entre as porções ocidental e sul do Acre é pequeno. A “influência seringueira” ou das propostas defendidas pelos grupos a eles ligados se materiali-zam de forma muito acanhada em ações concretas na Região do Pedro Peixoto. ONGs historicamente ligadas ao movimento seringueiro tem um trabalho pequeno nessa região e as suas propostas não penetraram 12 Veja Fórum das ONGs e Movimentos Sociais que Atuam em Rondônia (1996).

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a região. A exceção talvez seja o PESACRE com a maioria da sua ação voltada para o Pedro Peixoto. Entretanto, ainda que os projetos dessa ONG se alinhem às perspectivas críticas ao processo de ocupação da fronteira amazônica, eles não têm suas raízes no movimento dos seringueiros.

O aspecto contraditório desse “diálogo truncado” é que ele se dá num momento em que o movimento dos seringueiros amplia seu espaço político formal no plano estadual e nacional. A explicação genérica de que “a colonização não faz parte do Acre mas é uma extensão de Rondônia que não respeitou a divisa estadual” pode ser parte da explicação mas não dá conta do fenômeno.

A hipótese de trabalho, ainda que temporária, sugerida por esse quadro é que ao nível das interações internas – entre associações e no âmbito da região/estado – há entraves reais para se formar uma base sólida para reversão do quadro atual de degradação de recursos naturais. Por mais distintos que sejam os atores das diversas associa-ções locais ou movimentos populares de agricultores e populaassocia-ções seringueiras, ambas estão sujeitos a processos muito semelhantes e buscam alternativas com diversos pontos em comum. Ao mesmo tempo, um equacionamento mais definitivo da problemática passa necessariamente pela formação de coalisões ambientalistas mais abrangentes. Essas coalisões implicam a incorporação e representação dos diversos atores, entre os quais os pequenos agricultores. Não há razão para sustentar a incongruência de um “campesinato ecológico” na Amazônia (Sawyer, 1991).

Em resumo, os dados da pesquisa apontam resultados e levantam hipóteses que são por natureza controvertidas. Entretanto, eles têm o mérito de propor uma reflexão que procura superar o debate polarizado e ideológico. Esse debate tem colocado as agências multila-terais na posição de vilão e reificado os movimentos de populações tradicionais. Nenhuma dessas posições capta o processo na sua com-plexidade e, muito menos, oferece soluções que abrem perspectivas para atingir de forma mais integrada os objetivos e desafios colocados pelo triângulo crítico.

4.2 Metodologia: conceitos e definições

A pesquisa enfrentou os desafios de definir minimamente o que é uma Organização Local (OL). Mesmo tendo optado por um

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recorte bastante preciso – associação de pequenos produtores (APPs) – verificou-se no campo alguns dilemas com os quais a literatura tem se debatido e que constituem questões abertas. Entre esses dilemas detacam-se: quais os atributos de uma OL, quais os indicadores para se captar identidade, objetivos, estrutura, filiação, participação e impacto e interações horizontais e verticais entre organizações.

Esses dilemas revelam a complexidade do estudo de orga-nizações e instituições (número de variáveis, situações envolvidas, níveis de análise etc.) e a nova ordem de questões que emergem quando

se integra tal estudo às problemáticas inerentes ao triângulo crítico. Etapas futuras deverão enfrentar de forma decisiva esses dilemas e procurar explorar meios para avançar as questões por eles colocadas.

4.3 Metodologia: estratégias e instrumentos

Fatos como a falta de dados secundários sobre as APPs e o curto espaço de tempo para realizar a pesquisa condicionaram a estratégia do trabalho de campo. Essa estratégia se mostrou eficaz para reunir um conjunto relativamente grande de informações em um curto espaço de tempo. Entretanto, como se antevia, o enfoque previ-legiou uma visão particular e não explorou a riqueza e complexidade do fenômeno.

Ao lado das restrições impostas pela própria estratégia, alguns entraves de ordem mais logística na estruturação do modus operandi da pesquisa impediram que se adotasse uma rotina diária

mais solta. Assim, contatos informais e que quebram, ou pelo menos diminuem, o distanciamento e artificialidade da relação entrevistador-entrevistado foram raros. Nessa pesquisa, ter a possibilidade de acom-panhar algumas atividades das associações (ex. reuniões formais, atividades específicas de um projeto em curso) ou mesmo estar no campo sem ter que cumprir diariamente uma agenda carregada teria sido importante para captar de forma mais rica e detalhada os proces-sos em curso, penetrar mais a lógica do contexto local e poder desen-volver uma sensibilidade mais apurada.

Tendo em vista os pontos acima mencionados, etapas futuras deverão incluir entrevistas com outros membros das APPs e com parceleiros que não são sócios e outros métodos para coleta de dados. Entre esses outros métodos incluem-se: observação direta direcionada (o que ocorre e não ocorre, comunicação não verbal etc.),

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indicadores não-obstrusivos, atividades e interações estruturadas e interações informais. Deverá ser adotada uma logística de campo que dê mais oportunidade para ser reflexivo no próprio campo e poder avaliar de forma sistemática se estão sendo abarcados:

a) os principais fenômenos e as dimensões mais importan-tes;

b) as diversas perspectivas e os diferentes significados que um mesmo processo tem para os diversos atores nele envolvidos. Ao mesmo tempo, esse procedimento con-tribuirá para avaliar se a construção do pesquisador é consistente com a construção dos entrevistados e/ou os fatos diretamente observados no campo.

A necessidade de ajustar os instrumentos de pesquisa no início do trabalho de campo revelou os dilemas de ordem mais concei-tual acima referidos e os impasses para se estabelecer uma perfeita sintonia entre diferentes linguagens. Foi um desafio traduzir em linguagem cotidiana simples conceitos teóricos complexos. A fluidez de relações ou os múltiplos arranjos encontrados desafiaram os esque-mas teóricos que sugerem maior lógica e solidez.

Os formulários para coleta de dados no campo ainda que pensados apenas como um guia para orientar as entrevistas e servir como um “check list” não apresentaram os retornos esperados. Apesar

de terem garantido uniformidade nos procedimentos e a coleta de dados mínimos para todos os entrevistados, eles não corresponderam às expectativas. De forma geral, os maiores problemas foram que eles pressupunham:

a) organizações locais e um contexto organizacional mais estruturado;

b) atividades e/ou projetos mais definidos (motivação ini-cial, objetivos, resultados esperados, participantes etc.).

A estratégia de pesquisa, e por conseguinte os instrumen-tos utilizados, direcionaram para um formato de entrevista que na maioria das vezes não correspondia à lógica do discurso dos entrevis-tados. Um dos aspectos em que esse “desajuste” foi mais sentido foi na percepção da noção de tempo. Neste sentido, o formulário sobre a

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cronologia foi útil como forma de orientar a entrevista, retomar informações dadas de forma truncada e confirmar se as informações estavam sendo registradas de forma precisa. Pesquisas futuras deve-rão incluir procedimentos para coleta de dados mais adaptados à própria forma de expressão e manifestação dos entrevistados e que procurem transpor os limites e “desequilíbrios ou desigualdades” existentes na tradicional interação entrevistador-entrevistado.

Do ponto de vista metodológico duas questões chaves a serem enfrentadas são: método para coleta de dados e “amostragem”. Dada a complexidade da temática parece que um caminho mais promissor em termos da metodologia é a combinação de diferentes métodos (“mixed-method approach”) explorando os benefícios e

pro-curando vencer os desafios de se integrar diferentes recortes e para-digmas diversos (Greene, Caracelli, 1997). Quanto à “amostragem”, fatores substantivos tais como a complexidade, o nível de análise desejada e os temas específicos a serem investigados e fatores pragmá-ticos como a logística de campo e os recursos disponíveis recomendam a adoção de amostras intencionais ao invés de amostras repre-sentativas para o universo. Possíveis tipos de amostras intencionais incluem, entre outros: amostra de casos extremos ou desviantes, amostra de casos típicos, amostra de variação máxima, amostra de casos críticos e amostra de casos confirmatórios e não-confirmatórios (Patton, 1990).

4.4 Etapas futuras na pesquisa

Etapas futuras desse trabalho deverão incluir atividades de duas ordens. De um lado, realizar uma análise sistemática da bibliografia pertinente, permitindo integrar os resultados obtidos a um quadro teórico abrangente. De outro, avançar na coleta de dados e aprimoramento dos intrumentos para sua coleta, enfocando algumas questões chaves que emergiram nesse primeiro trabalho.

A análise sistemática da bibliografia permitirá traçar pa-ralelos, verificar similaridades e diferenças, assim como identificar temas e questões a serem aprofundados em novas pesquisas. Duas áreas específicas da literatura a serem trabalhadas são a referente às relações entre OLs e desenvolvimento rural e a que examina as ONGs (incluindo as OLs) e a emergência da problemática ambiental.

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Um tema a ser aprofundado é a questão dos vínculos horizontais e verticais entre organizações nos planos interno (projeto de colonização, município) e externo (região circunvizinha, estado, país e exterior). Mais do que isso, é importante relacionar essa questão à controvertida discussão sobre a “definição da agenda” e os mecanis-mos ou processos que a controlam. Essa abordagem permitirá não apenas enfrentar alguns dos desafios conceituais acima referidos, como incorporar de forma mais determinada uma dimensão mais

simbólica ou ideológica.

A perspectiva adotada por Rasmunssen, Meizen-Dick (1995) sobre a relação entre organizações locais e manejo de recursos naturais (OL–MRN) que serviu de base para esse trabalho privilegia a dimensão estrutural das OLs. Essa dimensão estrutural abarca os

aspectos organizacionais tais como, características do grupo e os arranjos institucionais (regras, normas, procedimentos e a interação entre organizações). Já a dimensão simbólica ou ideológica, privilegia

conceitos, idéias, percepções, significados e conhecimentos inerentes ao grupo social. Essas dimensões não constituem simples níveis de análise mas dimensões entrelaçadas e com influências recíprocas.

Do ponto de vista metodológico, um caminho promissor para captar essa dimensão simbólica é adotar o paradigma interpre-tativista (Guba, Lincoln, 1990; Denzin, Lincoln, 1994; Schwandt,

1994). Esse paradigma tem como objetivo principal de análise desven-dar como os indivíduos constroem significados a partir de suas expe-riências e é robusto para captar a diversidade e complexidade de contextos com diversos atores, dimensões distintas e fatores entrela-çados como é o caso do presente estudo.

Em suma, integrar enfoques e níveis diversos de aborda-gem permitirá desvendar e descrever de forma mais acabada os processos da dinâmica da cadeia organizacional, assim como a sua interface com a formulação e implementação de políticas. Um mapea-mento como esse não responderá todas as questões mas certamente ampliará as possibilidades de deter os atuais processos de desmata-mento e degradação de recursos naturais e superar, pelo menos em parte, alguns dos dilemas mais prementes enfrentados em áreas de colonização dos trópicos úmidos.

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