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Medicina e Cirurgia de Animais de Companhia

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Academic year: 2021

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Medicina e Cirurgia de Animais de Companhia

Mariana dos Santos Carvalho de Assis e Brito

Orientadora:

Prof. Margarida Duarte Cerqueira Martins de Araújo Co-Orientadores:

Dra. Hrund Ýr Óladóttir

Dra. Hálldora Hrund Gudmundsdóttir

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Medicina e Cirurgia de Animais de Companhia

Mariana dos Santos Carvalho de Assis e Brito

Orientadora:

Prof. Margarida Duarte Cerqueira Martins de Araújo Co-Orientadores:

Dra. Hrund Ýr Óladóttir

Dra. Hálldora Hrund Gudmundsdóttir

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Resumo

O presente relatório de estágio tem como objetivo apresentar e discutir 5 casos clínicos, de entre tanto outros, que tive a oportunidade de presenciar e participar durante o meu estágio curricular com a duração de 16 semanas no Hospital Veterinário de Reiquejavique: Dýraspítalinn Vídidal. Durante o estágio foi-me possível desenvolver conhecimentos e solidificar os que aprendi durante os meus anos de aprendizagem no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar e também no Hospital Veterinário da UP. Durantes estas 18 semanas foi-me possibilitado acompanhar as doutoras durante as consultas, dar consultas de forma autónoma a clientes, realizando exames físicos completos, dar vacinas anuais a cães e gatos e colocar microchips. Também fui capaz de participar em exames complementares e de rotina tais como assistir a ecografias (inclusivamente ecocardiografias), assistir e realizar de forma autónoma radiografias, recolher sangue (da jugular e do membro anterior) para análises sanguíneas e tratamento dos mesmos, colocar cateteres e analisar urina. Também me foi possibilitado assistir a cirurgias (ortopédicas, castrações (ooforectomias e orquiectomias), tumores, enucleações, entre outras), participar e realizar cirurgias (de forma autónoma fui capaz de realizar castrações de gatos machos e fêmeas sem intervenção de nenhuma das médicas, mas sempre com supervisionamento), participar ativamente na área de medicina dentária, sendo capaz de realizar radiologias e interpretar os resultados de forma a que, com acompanhamento da Dra. Hrund, chegasse a um diagnóstico e decisão finais. Nesta área também fui capaz de realizar extrações dentárias, tanto com técnica aberta e também fechada, limpezas dentárias e ainda auxiliar a Dra. Hrund na medicina dentária de roedores, nomeadamente coelhos e porquinhos-da-Índia. No internamento fui capaz de seguir os casos clínicos de perto, monitorizando-os, praticando administrações medicamentosas e de fluídos e realizando exames físicos.

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Agradecimentos

A todas as médicas do hospital veterinário Vidídal que me abriram a porta de sua “casa” e me permitiram experienciar uma nova realidade da medicina veterinária. Que me guiaram e responderam às minhas questões sempre com profissionalismo e simpatia. Não podia ter-me sentido mais bem-vinda.

À Dra. Hrund que me tratou de forma igual como sua colega e me possibilitou conhecer a Medicina Dentária dum ângulo completamente novo.

À professora Margarida que sempre me orientou nas melhores decisões a tomar, me incentivou a seguir os meus próprios passos e a acreditar nas minhas capacidades. E que mesmo na pandemia do Covid-19 conseguiu celebrar o meu progresso e orientar-me.

Aos meus amigos em Portugal, aos novos que fiz na Islândia e ao meu companheiro Tiago. São e serão sempre um porto de abrigo e fazem parte da família que escolhi para mim.

Ao meu pai, que mesmo longe, esteve sempre presente, me guiou e torceu incondicionalmente pelas minhas vitórias.

À minha avó que durante todos os meus anos de vida me apoiou inteiramente e abraçou o papel de mãe de forma perfeita. Obrigada por me teres acompanhado, me teres ajudado a atingir este objetivo da minha vida e por seres literalmente a melhor pessoa que eu conheço.

E por último, mas não menos importante, à minha Luna que me acompanhou durante os meus 6 anos de faculdade, sempre fiel e terna do meu lado, possibilitando que a minha vida fosse tolerável mesmo em ambiente tempestuoso. E que agora me está a acompanhar num plano diferente. Luninha, foste a melhor. Prometo tratar de muitos como tu nos meus anos como médica veterinária.

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v Lista de Abreviaturas % - Percentagem > - Maior < - Menor µg - micrograma ºC – graus Celsius AE – átrio esquerdo ALP – fosfatase alcalina

ALT – alanina aminotransferase Ao – artéria aorta

AST – aspartato aminotrasnferase AVA – área valvular aórtica

BID – cada 12 horas, duas vezes por dia Bpm – batimentos por minuto

CCF – fratura complicada de coroa Cm - centímetro

CMD – cardiomiopatia dilatada DVD – doença valvular degenerativa EF – fração de ejeção

EV - endovenoso g – grama

GGT – gama-glutamil transferase h – hora

ICC – insuficiência cardíaca congestiva IECA – inibidor da enzima conversora da angiotensina

IM – intramusucular

IVS –septo interventricular

IVSd – espessura do septo interventricular na diástole

IVSs - espessura do septo interventricular na sístole

Kg – quilograma L – litro

LCCr – ligamento cruzado cranial LDH – lactato desidrogenase LV – ventrículo esquerdo

LVIDd – diâmetro interno do ventrículo esquerdo no fim da diástole

LVIDs – diâmetro interno do ventrículo esquerdo no fim da sístole

LV FS – fração de encurtamento do ventrículo esquerdo

LVPWd – espessura final da parede livre do ventrículo esquerdo na diástole

LVPWs - espessura final da parede livre do ventrículo esquerdo na sístole

MCH – hemoglobina corpuscular média MCHC – concentração de hemoglobina corpuscular média

mg – miligrama mL - mililitro

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vi mm - milímetro

mmol – milimole

MPV – volume plaquetário médio MVC – volume corpuscular médio

PDW – largura de distribuição das plaquetas PO – per os; via oral

RBC – contagem de células vermelhas RDW – distribuição de células vermelhas Rpm – respirações por minuto

SC – subcutâneo

SID – cada 24 horas, uma vez por dia T3 – triiodotironina

T4 - tiroxina

TPLO – osteotomia de nivelamento de plateau tibial

TRC – tempo de repleção capilar

TRH – hormona libertadora de tirotroponina TSH – hormonal estimulante da tiróide TTA – avanço da tuberosidade tibial VHS – vertebral heart size

VR – valor de referência

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Índice

Resumo ... iii

Agradecimentos ... iv

Lista de Abreviaturas ...v

Caso Clínico 1: Ortopedia – Avanço de Tuberosidade Tibial (TTA-Rapid) ... 1

Caso Clínico 2: Cardiologia – Doença Valvular Degenerativa ... 7

Caso Clínico 3: Endocrinologia – Hipertiroidismo Felino ... 13

Caso Clínico 4: Ortodontia – Ausência de Dentes Definitivos ... 19

Caso Clínico 5: Piómetra: Cirurgia de Tecidos Moles... 25

Anexo 1: Ortopedia: Avança da Tuberosidade Tibial (TTA-Rapid) ... 31

Anexo 2: Cardiologia: Doença Valvular Degenerativa ... 34

Anexo 3: Endocrinologia: Hipertiroidismo Felino ... 35

Anexo 4: Ortodontia: Ausência de Dentes Definitivos ... 36

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Caso Clínico 1: Ortopedia – Avanço de Tuberosidade Tibial (TTA-Rapid)

Identificação do animal: O Bronco é um canídeo de raça Labrador Retriever de cor preta, macho não castrado, com 7 anos de idade e 35,6kg de peso.

Motivo da consulta: claudicação do membro pélvico esquerdo

Anamnese: O Bronco tinha vindo ao hospital na semana anterior para reavaliar uma lesão de joelho. Há 3 meses tinha sido diagnosticada uma rutura total do ligamento cruzado cranial, tendo nessa altura sido submetido a um procedimento corretivo, com recurso à técnica de sutura lateral. Contudo, ao longo dos últimos 3 meses o Bronco não melhorou e nunca mais apoiou corretamente a pata posterior esquerda (claudicação grau 3 e 4). Não coabitava com outros animais, era um animal indoor, com acesso constante ao exterior privado e realizava passeios regulares no espaço exterior público. Encontrava-se vacinado e desparasitado corretamente. Era alimentado com ração seca Royal Canin e água ad libitum.

Exame geral e Dirigido: animal de temperamento equilibrado, alerta e recetivo a estímulos. Condição corporal normal. Hidratação, temperatura, gânglios linfáticos, mucosas, frequência cardíaca e respiratória dentro das caraterísticas e valores normais. À palpação do membro pélvico esquerdo não se sentiu tumefação ou rubor e o animal não manifestava dor. A avaliação da flexão e extensão da articulação do joelho do membro pélvico esquerdo foi dolorosa e o movimento de gaveta (realizado com o animal sedado) foi positivo. O restante exame ortopédico estava normal.

Lista de problemas: claudicação grau IV do membro pélvico esquerdo

Diagnósticos Diferenciais: rutura do ligamento cruzado cranial, artrite, artrose, miosite, rutura dos músculos extensores

Exames complementares: 1) Radiografia: projeções latero-lateral (Anexo 1, Fig. 1) e dorso-ventral (Anexo 1, Fig. 2) ao membro pélvico esquerdo. Os resultados demonstraram que a técnica anteriormente utilizada não foi bem-sucedida.

Diagnóstico Definitivo: rutura total do ligamento cruzado cranial no membro pélvico esquerdo Tratamento: O tratamento realizado foi cirúrgico, recorrendo à técnica rápida de avanço da tuberosidade tibial (TTA-Rapid). Para a preparação da TTA-rapid foram realizadas medições pré-operatórias para definir o tamanho do excerto na situação do Bronco (Anexo 1, Fig. 3 e 4). Protocolo anestésico: A pré-medicação utilizada para sedar o Bronco consistiu na associação de dexmedetomidina (0,025mg/kg) com metadona (0,3mg/kg) IM no membro pélvico direito e, posteriormente, diazepam (0,3mg/kg) também pela mesma via. Após sedação, foi colocado um cateter endovenoso e iniciada fluidoterapia com NaCl numa taxa de 80mL/h. A indução foi realizada com propofol (4mg/kg) EV, que antecedeu a colocação de um tubo endotraqueal de

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silicone. Para manutenção da anestesia foi utilizado isoflurano em concentração de 1 a 2% em oxigénio, com ventilador. Imediatamente antes da cirurgia, foi administrada cefuroxima (13 mg/kg) EV.

Preparação da cirurgia: Após sedação, o Bronco foi colocado na mesa de preparação cirúrgica, em decúbito lateral. Procedeu-se então à tricotomia do membro pélvico esquerdo em todo o seu perímetro, desde a zona da cabeça do fémur até ao tarso, com aplicação de vet wrap na extremidade do membro. A assepsia da área tricotomizada foi realizada com iodopovidona a 5% diluída em água (1:5) e finalizou-se com aspersão de álcool.

Técnica cirúrgica TTA-rapid: Na primeira parte da cirurgia, o Bronco foi colocado em decúbito dorsal para se realizar uma aproximação crânio-lateral na articulação do joelho do membro pélvico esquerdo. Inicialmente, com uma lâmina de bisturi, foi realizada uma incisão na pele desde o tubérculo lateral do fémur até à zona dorsal da crista tibial, ao longo da articulação do joelho, de forma a incidir a cápsula articular. Esta incisão teve como objetivo verificar o estado da articulação do joelho e retirar a sutura anteriormente utilizada na técnica de sutura lateral. Verificou-se que a sutura se encontrava solta, tendo por isso sido retirada (Anexo 1, Fig. 5). Observou-se então que a rutura do ligamento cruzado cranial era total e que as superfícies articulares de ambos os côndilos medial e lateral do fémur apresentavam algumas incongruências, sugerindo a fase inicial de um processo de artrose (Anexo 1, Fig. 6). Os meniscos apresentavam-se intactos. Finalmente, procedeu-se ao encerramento da cápsula articular com um padrão de colchoeiro horizontal, utilizando fio de sutura monofilamentar absorvível (Vicryl® 2.0). O tecido mole profundo foi suturado num padrão simples contínuo e o encerramento da pele foi conseguido com um padrão contínuo intradérmico. Na segunda parte da cirurgia, a posição do Bronco foi alterada para decúbito lateral esquerdo para se incidir com uma lâmina de bisturi o lado medial da articulação, desde o côndilo medial da tíbia até meio comprimento da tíbia. Foi incidida a pele e aprofundou-se de forma a expor a superfície medial da tíbia. Após exposição da tíbia, inseriu-se um pino metálico de 2,5mm de diâmetro na cápsula articular, na interseção do côndilo femoral com o plateau tibial, perpendicularmente ao eixo longitudinal da tíbia. Este foi usado para fixação proximal do guia da serra. Seguidamente, inseriu-se o guia da serra no orifício correspondente ao 12, uma vez que foi esse o avanço necessário medido pré-operatoriamente no caso do Bronco, correspondente ao excerto escolhido para o caso clínico. Após isso, inseriu-se uma cavilha metálica no braço horizontal do guia da serra, uma vez mais, no orifício que corresponde ao 12 e pressionou-se o guia contra o lado medial da tíbia e a cavilha contra o lado cranial da tíbia. Após garantir estabilidade nesta posição, procedeu-se à osteotomia parcial da tuberosidade tibial recorrendo a uma serra elétrica

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cirúrgica. Cautelosamente, para evitar fraturar a tuberosidade tibial, procedeu-se ao afastamento do flap ósseo recorrendo a um afastador de Leibinger (Anexo 1, Fig. 7). Esta foi a etapa mais crítica da TTA-rapid uma vez que é desejado que não aconteça fratura da osteotomia parcial. Antes de se proceder à introdução do implante, foi necessário elevar ligeiramente as asas caudais e dobrar ligeiramente as craniais do implante em relação à sua posição com a tíbia de forma a garantir um correto encaixe do implante na zona de osteotomia. Seguidamente, inseriu-se o impante na zona de osteotomia (cerca de 3mm abaixo do limite dorsal da tíbia) (Anexo 1, Fig. 8) e com a ajuda de fórceps ósseos para manter o mesmo fixo, procedeu-se à inserção dos parafusos de titânio nas asas do implante com recurso a uma aparafusadora cirúrgica (Anexo 1, Fig. 9 e10). Iniciou-se a colocação dos parafusos numa ordem proximal-distal. Os parafusos caudais do implante foram inseridos numa direção crânio-medio-proximal para caudo-latero-distal e os parafusos craniais numa direção medio-proximal para latero-caudo-latero-distal. Após apertar os parafusos e garantir a correta colocação do implante, procedeu-se ao encerramento dos tecidos profundos com fio de sutura monofilamentar absorvível (Vicryl ® 2.0) com um padrão simples contínuo e posteriormente a pele foi encerrada, com o mesmo tipo de fio, com um padrão contínuo intradérmico.

Acompanhamento: Com o animal ainda sob o efeito da anestesia, procedeu-se à realização de radiografias pós-cirúrgicas da articulação do joelho nas projeções latero-lateral (Anexo 1, Fig. 11) e dorso-ventral (Anexo 1, Fig. 12) para verificar a posição do implante e dos parafusos. Foi realizada a limpeza da sutura com peróxido de hidrogénio e foi colocado um penso transdérmico de Fentanil antes de se proceder à colocação de ligaduras. Posteriormente foi aplicado frio durante 10 minutos (uma placa de gelo foi colocada no lado contrário ao da sutura) e realizou-se uma sessão de laser com intuito de auxiliar na cicatrização. Foi dada alta médica e prescrita a seguinte medicação oral: carprofeno (4mg/kg PO SID durante 24 dias), tramadol (4mg/kg PO BID durante 2 dias) e amoxicilina ácido-clavulânico (14mg/kg PO BID durante 10 dias). O Bronco voltou durante 7 dias seguintes à cirurgia para revisão e sessões de laser. Nestas visitas, o Bronco já apoiava o membro pélvico esquerdo e encontrava-se bem-disposto e sem sinais de dor. Apresentava algum grau de claudicação (grau 1), mas a recuperação a longo-termo é promissora.

Discussão do caso:

A rutura parcial ou total do ligamento cruzado cranial (LCCr) é a condição mais comum que afeta a articulação do joelho em cães, causando claudicação do membro posterior. Pode ter diversas etiologias: a) rutura devido a trauma - é possivelmente a causa menos comum, mas pode acontecer em todas as raças e idades, apresentando os animais um início súbito de claudicação

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após exercício físico intenso ou após algum tipo de trauma que leve à sobre extensão da articulação do joelho; b) degenerescência do LCCr em animais de meia idade a idosos - sendo esta a razão mais comum para rutura parcial ou total do ligamento, e o que se suspeita que tenha acontecido no caso do Bronco. Está descrito que a fossa intercondilar do fémur em raças com alto risco de desenvolver esta patologia (como o Labrador Retriever) é mais estreita do que noutras raças, aumentando o risco de existir fibrocartilagem na porção do ligamento e que está sujeito a impacto. Estas alterações fibrocartilaginosas podem levar a insuficiência do CrCL (Lewis & Langley-Hobbs, 2015); c) rutura em cães jovens de raças grandes, devido à conformação anatómica dos membros pélvicos (“straight leg dog”) (Vérez-Fraguela et al. 2017) e, por fim, d) rutura associada a artropatias inflamatórias, imunomediadas ou infecciosas, que podem causar mudanças patológicas no ligamento, resultando na sua rutura. (Denny & Butterworth 2000). Anatomicamente, o CrCL origina-se no interior da fossa intercondilar do fémur, no aspeto caudomedial do côndilo lateral, estendendo-se na diagonal e insere-se na área cranial intercondiloide da tíbia, fazendo um trajeto craniomedial. Este ligamento tem diversas funções biomecânicas que previnem a hiperextensão da articulação do joelho, a rotação interna excessiva da tíbia em relação ao fémur, prevenindo ainda o movimento cranial de gaveta, uma vez que os músculos bíceps femoral e semitendinoso (estabilizadores ativos) providenciam forças que puxam a tíbia proximal caudalmente. Quando esta força é insuficiente, o ligamento cruzado cranial (estabilizador passivo) previne o movimento cranial da tíbia em relação ao fémur (Vérez-Fraguela et a.l 2017; Lewis & Langley-Hobbs 2015).

Os sinais clínicos desta patologia podem ser diversos, dependendo da rutura ser parcial ou total e também da condição da superfície articular do joelho. Pode verificar-se: 1) claudicação crónica ou súbita com diversos graus (do I ao IV); 2) inflamação da articulação do joelho; 3) desconforto ou dor à palpação, especialmente durante hiperextensão da articulação; 4) teste de gaveta positivo; 5) 7 a 10 dias após a rutura, o animal pode recomeça a apoiar o membro pélvico, mas em estação fica apoiado só com a ponta dos dedos; 6) o membro posterior não apoia no solo e o joelho mantém-se ligeiramente fletido; 7) sons crepitantes (“clicks”) mais audíveis quando o animal anda e 8) atrofia muscular do membro afetado (Denny & Butterwood 2000; Vérez-Fraguela et al. 2017). Segundo um estudo, 79,3% dos cães com rutura do LCCr são de raças médias e grandes, tendo uma idade compreendida entre os 6 e 10 anos, existindo a partir dos 5 anos 2,5 vezes mais possibilidade de vir a ocorrer. Na literatura, as raças mais predispostas a esta patologia são os Rottweilers, Newfoundland, Boxers, Chow Chow, Mastiff Napolitano, São Bernardo, Labrador Retriever, West Highland White Terriers e Staffordshire Terrier Americano,

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apesar de esta ser uma condição que pode afetar animais jovens e também raças pequenas, miniatura e gigantes (Pécin et al. 2017; Arican et al. 2017).

Existem diversas opções para tratamento da rutura do ligamento cruzado cranial. Está descrito que em animais até 13kg de peso se deve recomendar o tratamento médico, recorrendo a medicação anti-inflamatória não-esteróide (NSAIDs) e repouso absoluto durante 6 a 8 semanas. Caso esta abordagem não seja suficiente, então avança-se para a opção cirúrgica (Arican et al. 2017).Entre as técnicas cirúrgicas disponíveis, as mais utilizadas e conhecidas são: 1) Sutura fabelo-tibial lateral – técnica usada normalmente em animais com menos de 10kg, sendo uma opção mais barata que a TTA ou TPLO, é a cirurgia de correção desta mais frequentemente realizada. Tem como objetivo recriar a função do ligamento cruzado cranial recorrendo a um fio de nylon espesso não absorvível colocado extra-capsularmente, passando caudalmente à fabela lateral do fémur e através dum buraco iatrogénico na crista tibial; 2) Osteotomia de nivelamento do plateau tibial (TPLO) - inicialmente desenvolvida por Slocum em 1993, esta técnica elimina a subluxação tibial cranial através duma osteotomia rotacional cilíndrica na tíbia proximal que diminui o ângulo de plateau tibial (tornando o plateau tibial quase perpendicular ao áxis longitudinal da tíbia) (Barnhart & Maritato 2019) diminuindo assim o impulso tibial cranial e aumentando a eficácia da ação ativa dos músculos flexores do membro posterior. É uma técnica complicada que exige o uso de instrumentos médicos patenteados (fixador externo, serra oscilante especial e implante metálico com os 6 parafusos para fixar). Recorre a mais instrumentos cirúrgicos que as outras técnicas, acarretando maior risco pós-operatório de lesão dos meniscos. Além disso, é mais dispendiosa que a técnica de sutura lateral e a TTA. Após cirurgia recomenda-se repouso absoluto e só deve ser retomada a atividade física quando existir evidências radiológicas de ossificação. Normalmente, 10 dias após a cirurgia os pacientes recomeçam a apoiar o membro posterior no chão e após 12 semanas voltam a caminhar normalmente (Vérez-Fraguela et al. 2017); 3) Avanço da tuberosidade tibial (TTA) - desenhada por Tepic e Montavon, é menos invasiva do que a TPLO e, apesar de apresentar resultados similares a esta após os meses de recobro, com a TTA espera-se uma recuperação mais rápida (Arican et al. 2017). Esta técnica, tal como a anterior, visa modificar as forças tibiofemorais de impulso cranial da tíbia, modificando a sua geometria cranial. Com o avanço da crista tibial, o ângulo entre o plateau tibial e o ligamento patelar passa a ser de 90º, eliminando assim a componente de rotação sobre o LCCr (Vérez-Fraguela et al. 2017). Para aplicar esta técnica são necessárias medições pré-operatórias rigorosas para determinar o avanço tibial para, assim, escolher os implantes mais adequados (armação intraóssea, plate, forks). Um dos erros mais comuns cometidos nesta técnica é a osteotomia demasiado cranial, associada a complicações

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devido a peso corporal elevado dos animais. Esta técnica desloca completamente a crista tibial, requerendo o uso de diversos implantes metálicos. (Vérez-Fraguela et al. 2017); 4) TTA-rapid - é uma modificação da técnica TTA clássica, diferindo desta porque na TTA-rapid não se secciona completamente a crista tibial, conservando um flap ósseo e colocando o excerto de titânio na fenda iatrogénica. Isto traz vantagens em relação ao método tradicional, permitindo que o tempo de cirurgia seja significativamente menor, a cirurgia em si seja mais fácil de realizar e também sejam necessários menos instrumentos cirúrgicos. Há estudos que comprovam que este tipo de implante é mais estável e que este método que funciona para todos os cães, não sendo necessário mudar a técnica dependendo do tamanho e peso do animal, como acontece com as técnicas tradicionais. Um estudo de 2017 mostrou que em 17 cães a técnica TTA-Rapid só não foi bem-sucedida em um animal, tendo-se verificado que o implante falhou (provavelmente devido à colocação inadequada dos parafusos). Nos restantes cães a cicatrização óssea foi identificada cerca de 1 mês e meio após a cirurgia e 100% dos pacientes apresentaram cicatrização óssea completa 3 meses após a realização da cirurgia. Do ponto de vista clínico, após os 3 meses de duração deste estudo, 8 cães (41,1%) apresentaram um resultado excelente (inexistência de claudicação acompanhada de cicatrização completa óssea), 6 cães (35,2%) um resultado bom (existência de claudicação moderada ou ocasional acompanhada de cicatrização óssea clínica ou completa) e 3 cães (17,6%) apresentaram um resultado moderado (existência de claudicação acompanhada de cicatrização óssea clínica ou completa) (Arican et al. 2017). No caso do Bronco espera-se uma excelente recuperação a longo prazo.

Bibliografia:

1. Arican M, Parlak K, Sahin H, (2017) “Evaluation and Application of the TTA-rapid Method in Dogs with Cranial Cruciate Ligament Rupture”. Acta Veterinaria-Beograd, 67 (2), 238-253

2. Barnhart MD, Maritato KC, (2019) “Tibial Plateau Leveling Osteotomy for Cranial Crucial Ligament Rupture” in Locking Plates in Veterinary Orthopedics”,167-174

3. Denny HR, Butterworth SJ, (2000) “The Stifle” in A Guide to Canine and Feline Orthopaedic

Surgery, 4th Edition, 532-553

4. Lewis DD, Langley-Hobbs J, (2015) Small Animal Orthopedics, Rheumatology and Musculosketal

Disorders,193-196

5. Pécin M, Lipar M, Kos J, Smolec O, Kreszinger M, Stejskal M, (2017) “Breed, gender, age and reproductive status in relation to the predisposition for cranial cruciate ligament rupture in 117 dogs treated by a single surgeon (2010-2015) – a short communication” . Veterinarski Arhiv, 87(6),783-789 6. Vérez-Fraguela JK, Kostlin R, Reviriego RL, Peris SC, Margallo FMS, Gargallo JU, (2017) “Surgical

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Caso Clínico 2: Cardiologia – Doença Valvular Degenerativa

Identificação do animal: A Hekla é um canídeo fêmea da raça Schnauzer miniatura, não castrada, cor branca, 10 anos de idade e 9kg de peso.

Motivo da consulta: claudicação grau IV do membro pélvico esquerdo

Anamnese: A Hekla é uma cadela geriátrica que apresentou início súbito de claudicação grau IV do membro pélvico esquerdo. Foi referenciada por outro hospital para cirurgia ortopédica. Era uma cadela indoor com acesso ao exterior público, estava corretamente vacinada e desparasitada. Era alimentada com ração seca e húmida da Royal Canin, água ad libitum e coabitava com mais um canídeo no ambiente de sua casa. Aquando do primeiro exame físico à Hekla, foi constatado a presença de um sopro cardíaco.

Exame geral e dirigido: animal de temperamento equilibrado, alerta e não agressiva, com condição corporal normal (nível 3 a 4 em 9). Parâmetros físicos de desidratação, gânglios linfáticos, mucosas, TRC e respirações por minuto dentro dos valores e características normais. Na auscultação cardíaca detetou-se a presença dum sopro sistólico de grau 3 em 4 maioritariamente audível no hemitórax esquerdo, com maior intensidade sob a zona de projeção da válvula mitral, sendo que apresentava uma frequência cardíaca normal (60 bpm).

No exame locomotor, verificou-se que a Hekla apresentava claudicação não ambulatória no membro posterior esquerdo (claudicação grau 4), não apresentava tumefação ou rubor no mesmo nem dor à palpação superficial. Já sob anestesia, verificou-se teste da gaveta positivo, tendo sido diagnosticada rutura do ligamento cruzado cranial, com indicação para resolução cirúrgica.

Lista de problemas: claudicação grau 4, sopro cardíaco sistólico grau 3

Diagnósticos Diferenciais (cardíacos): doença valvular degenerativa, cardiomiopatia dilatada, dirofilariose, estenose valvular pulmonar

Exames complementares: 1) Radiologias: projeções latero-lateral (Anexo 2, Fig. 1); verificou-se a perda da cintura cardíaca (coração de formato quadrado), apontando para dilatação do átrio esquerdo. Também se constatou ligeira cardiomegália (VHS= 11, VR < 10,5).

2) Ecocardiograma (Anexo 2, Tabela 1): aumento da razão entre o perímetro do átrio esquerdo e artéria aorta, verificando-se aumento do átrio esquerdo (LA/Ao = 1,8; VR: < 1,6). Também se visualizou que a válvula mitral apresentava espessamento e prolapso, com consequente regurgitação. Outros parâmetros dentro dos valores normais.

Diagnóstico Definitivo: doença valvular degenerativa no estadio B2 com disfunção da válvula mitral e dilatação do átrio esquerdo

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Tratamento e Evolução: Foi dada autorização para a cirurgia ao joelho, mas com especial atenção à anestesia, recorrendo a doses ligeiramente menores: dexmedetomidina (0,01mg/kg) e metadona (0,3mg/kg) IM. Posteriormente, utilizou-se diazepam (0,3mg/kg) também pela mesma via. Foi utilizado propofol (2mg/kg) como indutor anestésico. Uma vez que se trata de cirurgia ortopédica, foi administrado cefuroxima (13mg/kg) IM. Para manutenção foi utilizado isoflurano a 1% em oxigénio com ventilador. Após recuperação da cirurgia foi enviada para casa com carprofeno (4mg/kg PO BID durante 3 dias) e amoxicilina com ácido clavulânico (14mg/kg PO BID durante 7 dias). Para tratamento da patologia cardíaca, foi prescrito para tomar em casa pimobendan (0,25mg /kg PO BID), tendo sido recomendada uma reavaliação se surgirem sinais clínicos de patologia cardíaca no futuro.

Discussão do caso: A doença valvular degenerativa (DVD) é a patologia cardíaca mais frequentemente diagnosticada na espécie canina. Trata-se de uma doença degenerativa das válvulas atrioventriculares que também pode ser designada de endocardiose, degeneração mixomatosa valvular, degeneração mucóide ou regurgitação adquirida da mitral (ou tricúspide). Esta patologia causa o enfraquecimento gradual das válvulas atrioventriculares, prejudicando o seu encerramento, causando regurgitação valvular e sobrecarga crónica dos átrios, o que pode conduzir a sopros e à ampliação da silhueta cardíaca, como observado no caso da Hekla. Eventualmente, se a patologia não for diagnosticada e controlada a tempo, existe o risco de desenvolvimento de sinais de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), podendo surgir sinais de congestão venosa pulmonar e edema. A válvula mitral é mais frequentemente afetada, podendo ou não haver envolvimento da válvula tricúspide (Smith et al. 2016, Fuentes et al. 2016).Em termos de prevalência, a DVD pode afetar cães de qualquer raça e tamanho, mas é mais comumente diagnosticada em raças de pequeno a médio tamanho, tais como King Charles Cavalier Spaniel, Daschund, Papillon, Poodle, Chiuhuahua e afeta principalmente cães geriátricos. Os machos parecem desenvolver patologia numa idade mais precoce do que as fêmeas (Fuentes et al. 2016). Atualmente não se conhece a prevalência de DVD em gatos, espécie em que raramente tem importância clínica. A DVD pode ter origem infeciosa (endocardite) mas é uma causa incomum em cães e raramente observado em gatos (Smith et al. 2016, Fuentes et al. 2016). De acordo com Consenso da ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine), esta patologia pode ser classificada em diversos estadios:A) inclui cães predispostos a desenvolver DVD, mas sem evidência da mesma (como o King Charles Cavalier Spaniel); B) cães com evidência de regurgitação mitral, mas sem sinais de ICC. É o período pré-clínico, podendo os animais manter-se nesta fase muito tempo. Pode dividir-se em duas sub-categorias: B1) estadio muito precoce sem evidência de cardiomegália e B2) quando

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já existe cardiomegália compensatória, mas sem sinais de ICC; C) cães com sinais de ICC e D) cães com sinais de ICC refratários ao tratamento (Boswood et al. 2016; Smith et al. 2016). A Hekla, sendo um canídeo de raça de porte médio, sempre foi considerada grupo de risco para o aparecimento de DVD, mas no momento do diagnóstico foi colocada no grupo B2 por apresentar sopro cardíaco e evidência de regurgitação mitral, mas sem ICC (Boswood et al. 2016). Atualmente, não se conhecem os processos patológicos específicos que causam a doença, no entanto Han e colaboradores concluíram que na válvula mitral de cães com DVD, contrariamente ao que se passava em animais saudáveis, se verificava uma redução no número de células endoteliais valvulares. Em resposta, há proliferação de miofibroblastos ativados subjacentes às áreas danificadas com consequente destruição e perda da membrana basal e da matriz extracelular (Han et al. 2008; Han et al. 2013). O resultado é a existência dum estroma valvular com excesso de proteoglicanos com desorganização e perda de colagénio(Han et al. 2013). Conclui-se, portanto, que na DVD se observa uma transformação degenerativa das válvulas afetadas, sendo necessários mais estudos para perceber quais os processos genéticos implicados nesta patologia (Han et al. 2013). Esta transformação degenerativa da válvula mitral leva à sua incompetência, o que em termos práticos significa que uma parte do sangue ejetado do átrio para o ventrículo é regurgitado de volta para o átrio. A regurgitação mitral aumenta a pressão dentro do átrio, potenciando a sua dilatação e aumentando sucessivamente a pressão na veia pulmonar. Numa fase avançada, e dependendo da velocidade de degeneração da válvula mitral, esta patologia cursa com edema pulmonar. No caso de se tratar de ICC direita, os sinais clínicos estão relacionados com a congestão sistémica, como a presença de ascite (Smith et al 2016). Os sinais clínicos de ICC devida a DVD incluem a) tosse de natureza multifatorial, que pode ser resultado de edema pulmonar devido ao extravasamento de fluído dos alvéolos, estimulação dos recetores justapulmonares sensíveis ao aumento da pressão venosa ou compressão dos brônquios pelo átrio dilatado; b) dispneia e intolerância ao exercício devido à presença de edema pulmonar e c) síncope aquando da existência de arritmias que promovem uma diminuição da perfusão cerebral (Smith et al. 2016). Em termos de métodos diagnósticos, um correto exame clínico é sempre o ponto de partida para o diagnóstico final. Um dos achados acidentais mais significativos é a presença de um sopro sistólico que pode ter diversos graus de intensidade, maioritariamente audível na zona de projeção da válvula mitral. Também se pode apresentar como um pequeno “click” a meio da sístole em animais mais velhos, o que aponta para prolapso da válvula mitral. A ausência de arritmia sinusal respiratória é outro sinal clínico importante, pois em animais acometidos por DVD existe pouca influência vagal na frequência cardíaca (Smith et al. 2016). Quanto a meios complementares de diagnósticos, a radiografia

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torácica é um dos primeiros passos a tomar, sendo que a cardiomegália precede a presença de edema pulmonar num estadio inicial da doença e a presença de edema sem cardiomegália exclui ICC devido a DVD. Visualmente, num animal saudável o átrio esquerdo situa-se caudodorsalmente na silhueta cardíaca numa projeção latero-lateral, sendo que a porção caudal da traqueia se curva ventralmente sobre este. Quando o átrio esquerdo está dilatado, a traqueia assume uma posição mais elevada e mais paralela em relação à coluna vertebral. Também é recomendado medir o tamanho do coração através do VHS (vertebral heart sum) (VR: 9,7 ± 0,5 em cães). Numa projeção dorso-ventral, o átrio esquerdo encontra-se no centro da silhueta cardíaca e quando há ampliação, os brônquios principais são impelidos lateralmente (Smith et al. 2016). No presente caso, foi realizada unicamente projeção lateral, onde se pôde visualizar um coração de formato quadrado, elevação da traqueia e VHS = 11, o que indica cardiomegália (Anexo 2, Fig. 1). A ecocardiografia é o método de escolha para diagnóstico definitivo de DVD, pois permite estimar a severidade da regurgitação mitral. No caso dum animal com DVD é possível visualizar no modo B o espessamento nodular difuso da válvula, prolapso da válvula mitral e dilatação do átrio esquerdo, caso já se verifique aumento da silhueta cardíaca. O modo Doppler é útil para a visualização do fluxo sanguíneo (Smith et al. 2016; Fuentes et al. 2016). No caso da Hekla, a razão AE/Ao era de 1,8, encontrando-se acima do valor de referência (VR <1,6), indicando um aumento do perímetro do átrio esquerdo. Foi ainda visualizada regurgitação e um ligeiro espessamento e prolapso da válvula mitral. Quanto ao tratamento, no caso da Hekla o princípio ativo escolhido foi o Pimobendan. Atualmente, não existe consenso sobre o efeito positivo do tratamento médico no prolongamento da fase B de cães com DVD. No entanto, existem estudos que indicam que o uso de pimobendan tanto no controlo de CMD (cardiomiopatia dilatada) como de DVD no estadio C está relacionado com a redução do tamanho do coração (Boswood et al. 2016). O pimobendan é um fármaco inodilatador, com um mecanismo de ação duplo pois exerce um efeito ionotrópico positivo (aumenta a sensibilidade dos miofilamentos cardíacos ao cálcio sem aumentar o consumo de oxigénio pelo miocárdio) e vasodilatador arterial e venoso (causado pela inibição das fosfodiesterases III e V que degradam o AMPc). Promove assim o aumento do débito cardíaco, da contratilidade do miocárdio e diminuição da pré e pós-carga, sendo-lhe ainda atribuído efeito anti trombótico e capacidade para melhorar o relaxamento cardíaco (efeito lusitrópico positivo). O pimobendan está indicado para o controlo de ICC devido a insuficiência valvular e CMD em cães. O seu uso não está autorizado em gatos (Ramsey 2014). Num estudo recente de Boswood publicado em 2016 foi avaliado se a administração crónica do pimobendan em cães com evidências de cardiomegália secundária a DVD pré-clínica da válvula mitral atrasaria o aparecimento de sinais de ICC ou

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morte súbita ou necessidade de eutanásia por complicações secundárias a problemas cardíacos. Neste estudo foram incluídos cães com idade igual ou superior a 6 anos, peso corporal entre 4,1 kg e 15kg (cães de pequeno a médio porte). Apresentavam sopros sistólicos de intensidade moderada a elevada (com maior intensidade sob a área da mitral) com evidência: a) ecocardiográfica de DVD da mitral avançada, b) de dilatação do átrio direito ou esquerdo (LA/Ao ≥ 1,6) e de cardiomegália (VHS > 10,5). Resumidamente, foram incluídos cães com as mesmas evidências e características da Hekla, tendo sido administrado a esses animais pimobendan (0,4-0,6mg/kg, PO, BID). Os resultados apontam para um efeito positivo em que se verificou um prolongamento de 60% do período pré-clínico (estadio B), levando aproximadamente 462 dias (15 meses) extra a desenvolver ICC ou falecer devido a complicações secundárias a DVD da válvula mitral em relação ao grupo placebo. Este estudo sugere que o pimobendan atrasa o aparecimento da ICC e que o tratamento foi seguro e bem tolerado, sendo o risco de um cão experienciar um evento cardíaco letal reduzido para aproximadamente um terço (Boswood et al. 2016). No entanto, se o tratamento não for precoce ou se for insuficiente, o animal evoluirá para o estadio C, com desenvolvimento de sinais clínicos de ICC, como: tosse noturna, intolerância ao exercício e taquipneia/dispneia com presença de edema pulmonar. Nesta fase, a maioria dos animais com sinais progressivos de ICC secundária a DVD acabam por falecer no prazo de 1 ano (Haggstrom et al. 2008).Por esta razão, é muito importante identificar a patologia num estadio precoce e implementar a terapêutica indicada o mais rapidamente possível, na expectativa de aumentar o período pré-clínico. Mas o tratamento médico de animais com ICC secundária a DVD pode incluir a administração de outros fármacos, como diuréticos (furosemida) e inibidores da enzima conversora da angiotensina (ex.: enalapril, benazepril e captopril), que podem ser administrados concomitantemente com pimobendan (Haggstrom et al. 2014). O benazepril é um inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA), que para além de inibir a conversão da angiotensina I em angiotensina II (um péptido vasoconstritor), inibe também a degradação da bradicinina (um péptido vasodilatador). Essa dupla inibição resulta num efeito vasodilatador arterial e venoso que leva à redução da pré e pós-carga. Ao reduzir a formação de angiotensina II compromete também a secreção de aldosterona (diminuindo a retenção de sódio e água) (Ramsey, 2014) e os efeitos remodeladores (como a hipertrofia cardíaca patológica e alterações renais degenerativas) tão nefastos na progressão da patologia. Neste âmbito, um estudo de Haggstrom e colaboradores mostrou que a administração de benazepril e pimobendan de forma independente a dois grupos de cães com sinais de ICC secundária a DVD teve um impacto diferente na longevidade dos animais. Neste estudo foram incluídos 260 cães, com idade média de 10 anos e o peso médio

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de 9,2kg (5 a 20kg). Os autores concluíram que os cães que estavam a ser medicados com pimobendan viveram quase o dobro do tempo (267 versus 140 dias) comparativamente aos animais que estavam a tomar benazepril, considerando como eventos cardíacos fatais a morte súbita, eutanásia secundária a problemas cardíacos. Foram retirados do protocolo animais que necessitassem de medicação adicional para sobreviver (Haggstrom et al. 2008).

Assim, no caso da Hekla a escolha de tratamento médico foi adequada e atempada, melhorando as probabilidades de longevidade e qualidade de vida. No entanto, é sempre importante recordar aos tutores que a DVD é uma doença degenerativa progressiva, sendo de extrema importância detetar sinais precoces de ICC que o animal possa apresentar. Assim, recomendou-se a realização de consultas de acompanhamento frequentes, ficando em aberto a possibilidade de realização de exames imagiológicos para avaliar a evolução da patologia.

Bibliografia:

1) Boswood A, et al. (2016) “Effect of Pimobendan in Dogs with Preclinical Myxomatous Mitral Valve Disease and Cardiomegaly: The EPIC Study – A Randomized Clinical Trial”. Journal of Veterinary

Internal Medicine, 30(6):1765-1779

2) Fuentes VL, Johnson LR, Dennis S, (2016), “Myxomatous mitral valve disease” BSAVA Manual of

Cardiorespiratory Medicine, 2nd Edition, 186-194

3) Haggstrom J, (2008), “Effect of Pimobendan or Benazepril Hydroclorid on Survival Times in Dogs with Congestive Heart Failure Caused by Naturally Occurring Myxomatous Mytral Valve Disease: The QUEST Study”. Journal of Veterinary Internal Medicine, 22(5):1124-1135

4) Han RI, Black A, Culshaw GJ, Else RW, Corcoran BM, (2008) “Distribution of myofibroblasts, smooth muscle like cells, macrophages and mast cells in mitral valve leaflets of dogs with myxomatous mitral valve disease”. American Journal of Veterinary Research, 69(6):763-769

5) Han RI, Clark CH, Black A, French A, Culshaw GJ, Kempson SA, Corcoran BM, (2013) “Morphological Changes to Endothelial and Intersticial Cells and to the Extra-cellular matrix in canine myxomatous Mitral Valve Disease (endocardiosis)”. The Veterinary Journal, 197(2):388-394

6) Ramsey I, (2014) BSAVA Small Animal Formulary 8th Edition

7) Smith FWK, Tilley LP, Oyama MA, Sleeper MM, (2016), “Acquired Valvular Disease” in Manual of

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Caso Clínico 3: Endocrinologia – Hipertiroidismo Felino

Identificação do animal: O Loki é um gato macho adulto, com aproximadamente 9 a 10 anos de idade, inteiro, sem raça definida e com 3,9 kg de peso corporal.

Motivo da consulta: mudança comportamental

Anamnese: O Loki é um gato indoor, sem acesso ao exterior, corretamente vacinado e desparasitado, sem outros animais na habitação. Era alimentado com comida comercial húmida e seca. A tutora reportou que o Loki começou há uma semana a ingerir muita comida húmida e abandonou a ingestão de comida seca, salientando que apesar de ingerir muita comida húmida, estava a perder peso. Referiu ainda que nessa altura o Loki começou a urinar fora da caixa da areia e que parecia estar mais prostrado.

Exame geral e Dirigido: Uma vez que não existem registos anteriores do peso do Loki, não foi possível determinar a perda de peso. Animal alerta e um bocado nervoso. Parâmetros de desidratação (< 5%), mucosas (rosadas e húmidas) e TRC (< 2seg) normais. Condição corporal nível 3 em 9. Apresentava-se taquipneico (aproximadamente 80 rpm) e taquicárdico (250 bpm) e na auscultação encontrou-se sopro sistólico grau 2, maioritariamente no hemitórax esquerdo. Lista de Problemas: perda de peso, polifagia, taquicardia, taquipneia, sopro cardíaco

Diagnósticos Diferenciais: hipertiroidismo, diabetes mellitus, cardiomiopatia hipertrófica, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal crónica, neoplasia

Exames complementares: 1) Hemograma: sem alterações (Anexo 3, Tabela 1); 2) Perfil Bioquímico: Ureia no limite máximo superior - 12,8 mmol/L (VR: 5,7 – 12,9 mmol/L) (Anexo 3, Tabela 2), restantes parâmetros normais. 3) Medição T4 total: 120 nmol/L (VR: 10 - 60 noml/L) Diagnóstico Definitivo: hipertiroidismo.

Tratamento e Evolução: Uma vez que os níveis séricos de T4 livre apresentavam valores acima dos 100 nmol/L, foi prescrito carbimazol 15mg PO SID. Caso os valores séricos se encontrassem abaixo de 100 nmom/L então o tratamento iniciava-se com 10mg/dia. Verificou-se que os valores de ureia sérica estão perto do valor máximo, portanto foi aconselhada consulta de acompanhamento com realização de novas análises sanguíneas, incluindo SDMA (dimetilarginina simétrica) para verificar a função renal.

Discussão do caso: O hipertiroidismo é o distúrbio multissistémico endocrinológico mais comumente reportado nos gatos e caracteriza-se por uma elevada produção e secreção das hormonas triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) levando a um aumento das suas concentrações séricas. Na maioria dos casos é uma doença crónica causada pela existência de um adenoma benigno em ambos os lobos tiroideus (em 30% dos casos afeta 1 dos lobos e em 70% afeta os

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2) (Mooney & Peterson 2012, Nelson & Couto 2014). O carcinoma da tiróide é uma causa rara de hipertiroidismo nos gatos e ocorre em menos de 2% dos casos (Mooney & Peterson 2012). Do ponto de vista anatómico, a tiróide é uma glândula não palpável em circunstâncias normais que se encontra dividida em duas pequenas estruturas alongadas localizadas lateralmente à traqueia e caudalmente à cartilagem cricoide. Embriologicamente resulta de duas estruturas distintas e isso reflete a sua dualidade funcional: tiróide endócrina - constituída por células foliculares produtoras de T3 e T4 e a tiróide exócrina - constituída por células C ou células parafoliculares, produtoras de calcitonina (Rijnberk & Kooistra 2010).

A função da tiróide é regulada pela hormona TSH (hormona estimulante da tiróide), secretada pela adeno-hipófise em resposta à hormona libertadora de tireotrofina (TRH), produzida pelo hipotálamo. A TSH, quando secretada em resposta a um aumento de TRH, atua na glândula tiroide levando a um aumento de expressão de co-transportadores NIS na membrana das células foliculares e a um aumento da libertação de hormonas tiroideias (T3 e T4) para a corrente sanguínea (Volckaert et al. 2016). Quando se verifica um aumento da concentração dessas hormonas no sangue é ativado um mecanismo de feedback negativo a nível do hipotálamo, que leva a uma diminuição da secreção de TRH. Portanto, quando existe uma hipertrofia nodular adenomatosa autónoma (que acontece em 70-75% dos casos, sendo a causa suspeita do hipertiroidismo do Loki), ou adenoma das células foliculares, vai existir um maior número de células tiroideias a produzir e libertar hormonas T3 e T4. Este aumento da T3 e T4 em circulação é independente do estímulo produzido pela TRH e TSH, logo insensível ao feedback negativo usual (Mooney 2002).

Vários estudos tentaram identificar os fatores de risco para o aparecimento de hipertiroidismo, mas nenhum foi capaz de indicar um fator dominante. No entanto, existem vários fatores ambientais que parecem estar ligados ao aumento de risco de hipertiroidismo, tais como: uso de caixas de areia, estilo de vida indoor, uso regular de parasiticidas e o elevado consumo de comida húmida enlatada. Este último fator prende-se com o facto de a quantidade de iodo existente na composição das latas variar muito entre marcas, existindo frequentemente em concentrações excessivas em comparação às quantidades recomendadas (Mooney & Peterson 2012). O hipertiroidismo é uma doença característica de gatos de meia idade a idosos, atingindo com maior frequência animais acima dos 10 anos de idade, sem predisposição sexual (Mooney & Peterson 2012; Mooney 2002). Os gatos de raças puras apresentam menor incidência desta patologia (particularmente os Siameses e os Himalaia), enquanto que os gatos europeus de pêlo curto e longo são os mais predispostos a desenvolver hipertiroidismo (Mooney & Peterson 2012).

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Os sinais clínicos do hipertiroidismo são derivados à ação que as hormonas tiroideias desencadeiam nos tecidos periféricos e centrais, regulando o calor corporal, a metabolização celular e os efeitos positivos o sistema simpático no sistema nervoso central (Mooney & Peterson 2012). Os sinais mais comuns de hipertiroidismo são: a) perda de peso sem perda de apetite, acompanhado na maioria das vezes por polifagia, pois as hormonas tiroideias aumentam a absorção de glucose a nível do trato intestinal, com aumento de glicólise, gluconeogénse e metabolismo lipídico, ao mesmo tempo que aumentam a sensibilidade do tecido adiposo para a lipólise (Mooney & Peterson 2012; Volckaert et al. 2016). Por estas mesmas razões também existe perda de peso gradual (aumento da taxa metabólica) podendo o animal atingir o estado caquético; b) poliúria/polidipsia ocorre em < 50% dos casos e pode ser devida a patologia renal concomitante e também devido a tireotoxicidade a nível do hipotálamo (polidipsia primária); c) taquicardia (bpm > 240) um dos achados mais importantes no exame físico e documentada em > 50% dos casos, estando relacionada com o efeito direto que as hormonas tiroideias exercem no miocárdio e efeito indireto no sistema nervoso adrenérgico, o que conduz a um aumento do débito cardíaco e, consequentemente, a desenvolvimento de hiperplasia e dilatação das câmaras (cardiomiopatia hipertrófica e, menos frequentemente, a cardiomiopatia dilatada e normalmente é uma situação reversível após instituição de tratamento); d) Sopros sistólicos usualmente entre I e III (numa escala de IV) associados a outflow devido a obstrução dinâmica na saída do ventrículo; e) hiperatividade/irritabilidade e f) sinais gastrointestinais intermitentes (vómitos ou diarreia) causados pela ação direta das hormonas tiroideias na CTZ do centro do vómito ou pela rapidez que o animal se alimenta devido ao apetite voraz (Nelson & Couto 2014; Mooney & Peterson 2012). Existem, no entanto, outros sinais clínicos menos comuns, mas que podem estar presentes: anormalidades respiratórias (taquipneia e respiração ofegante), anormalidades cardíacas (ritmo de galope, arritmias), lesões dermatológicas (alopécia regional, pêlo com aspeto mate) e aumento moderado da temperatura corporal (Mooney & Peterson 2012). Vários dos sinais clínicos referidos estavam presentes no caso do Loki, pois verificou-se um aumento de apetite acompanhado de perda de peso, taquicardia acompanhada de sopros cardíacos sistólicos e taquipneia, sendo todos eles indicativos de patologia. A história clínica e uma correta anamnese são aspetos muito importantes para diagnosticar hipertiroidismo.

Bioquimicamente, 90% dos gatos hipertiroideus num estadio precoce apresentam aumento de pelo menos uma das enzimas hepáticas (ALT, AST, ALP e LDH) devido a má nutrição, ICC, hipóxia hepática ou efeitos diretos das hormonas tiroideias no fígado. No entanto, exames histopatológicos e ecografias hepáticas não demonstram nenhuma alteração significativa. No

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que diz respeito à ureia e creatina, em 20% dos gatos estas encontram-se ligeiramente elevadas. O aumento da ureia pode ser consequência do aumento do catabolismo e da ingestão de proteínas na dieta (exacerbada pela polifagia). O fosfato encontra-se aumentando em 35-45% dos casos devido aos efeitos diretos das hormonas tiroideias no metabolismo ósseo. Igualmente é importante realizar-se uma urianálise para diferenciar doenças concomitantes com sinais clínicos semelhantes, tais como diabetes mellitus. Proteinúria moderada é normalmente observada e deve-se à hipertensão glomerular (Mooney & Peterson 2012).

Em termos de procedimentos diagnósticos, o mais utilizado é a medição dos níveis séricos de T4 total, como aconteceu no caso do Loki. Elevadas concentrações de T4 total séricas (acima de 60 nmol/L) suportam fortemente o diagnóstico de hipertiroidismo, especialmente quando acompanhadas de sinais clínicos característico. No entanto, o diagnóstico de hipertiroidismo não deve ser excluído se os valores de T4 estiverem dentro dos valores padrão, mas o animal apresentar sinais clínicos compatíveis com a patologia e/ou alterações da tiroide (Nelson & Couto 2014). A palpação da zona da tiróide está indicada para tentar identificar nódulos ou um aumento desta glândula que normalmente é uma estrutura não palpável. Outro método de diagnóstico disponível é a quantificação da concentração de T4 livre, mais sensível porque existe uma menor supressão dos níveis de T4 livre por patologia não-tiroides, comparativamente aos níveis de T4 total, indicando valores elevados em 95% dos gatos hipertiroides que apresentavam valores normais de T4 total (Mooney & Peterson 2012; Nelson & Couto 2014). Contudo, devido ao seu custo elevado (método realizado por diálise de equilíbrio), este teste é reservado para os casos em que os valores totais de T4 se apresentam normais, mas o animal apresente evidências clínicas de hipertiroidismo, tendo os valores dos dois testes que ser comparados, pois um valor elevado de T4 livre acompanhado de valores baixos a normais de T4 total não é sugestivo de hipertiroidismo (Rijnberk & Kooistra 2010). Igualmente existe o teste de estimulação da TRH, que se baseia no mecanismo de estimulação da TSH que conduz, no final, à maior produção das hormonas T3 e T4 a nível da tiroide em gatos saudáveis. Em gatos hipertiroides, como a produção de hormonas é autónoma, vai existir um aumento mínimo ou nulo após administração (Money & Peterson 2012). Ainda não existe protocolo para medição das concentrações séricas de TSH, mas foi recentemente reportado que os seus níveis séricos em gatos hipertiroideus estão abaixo dos níveis de referência em 100% dos casos e presentes em 10% de gatos eutiroideus. Adicionalmente, em gatos geriátricos existiu maior probabilidade de desenvolvimento de hipertiroidismo num prazo de 1 ano quando a concentração sérica de TSH se encontrava diminuída (Mooney & Peterson 2012; Rijenberk & Kooistra 2010). O recurso a diagnóstico por imagem tem como objetivo avaliar a presença de cardiomiopatia hipertrófica (a

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CMD é raro acontecer nestes casos), pois em 50% dos gatos hipertiroideus existem evidências de aumento da silhueta cardíaca na radiografia torácia, sendo que na ecocardiografia os achados mais comuns são hipertrofia ventricular, dilatação atrial e ventricular e hipertrofia do septo interventricular. Também pode ser observado edema pulmonar ou efusão pleural caso já se tenha instalado ICC. Estas modificações cardíacas geralmente são reversíveis após instituição do tratamento (Mooney & Peterson 2012).

No que diz respeito a opções de tratamento, existe atualmente terapia com iodo radioativo, tireoidectomia ou tratamento médico recorrendo a fármacos anti-tiroideus como o metimazol ou carbimazol (Trepanier 2006), como aconteceu no presente caso clínico. Para cada caso, há que ter em conta todos os fatores, tais como, severidade da tireotoxicidade clínica existente, presença ou não de patologias concorrentes, idade do gato, acesso à terapia por iodo radioativo, condições para realizar uma tireoidectomia, vontade por parte do dono de manter uma terapia crónica, facilidade de administração de medicamentos ao gato, custo de tratamento e potenciais complicações (Mooney & Peterson 2012). O tratamento crónico recorrendo a medicamentos é uma opção prática para muitos gatos, pois é prática, não requer equipamento especializado e permite que as hormonas tiroideas alcancem valores normais e estabilizem rapidamente. No entanto, é uma opção que depende inteiramente da disponibilidade do tutor do animal, sendo necessário reforçar a ideia de que não se trata de um tratamento curativo, o que implica monitorizar regularmente os níveis séricos de t4 de forma a assegurar a eficácia do tratamento (Mooney & Peterson 2012; Trepanier 2006). O carbimazol é um pró-fármaco que é metabolizado imediatamente na sua forma ativa, o metimazol, após administração oral. O metamizol apresenta uma boa biodisponibilidade e interfere na síntese das hormonas tiroideias através da inibição das reações catalisadas pela peroxidase, bloqueia a oxidação de iodeto para iodo, inibe a incorporação do iodo na tiroglobulina e o acopolamento de resíduos de tirosina para formar T4 e T3 (Mooney & Peterson 2012; Trepanier 2006). São necessárias, normalmente, entre duas a três semanas para estabilizar as concentrações das hormonas tiroideias para níveis normais, uma vez que este fármaco não bloqueia a libertação de hormonas tiroideias pré-formadas. Um estudo conduzido por Frénais em 2009, teve como objetivo verificar a eficácia e segurança do uso oral do carbimazol, que foi o medicamento utilizado no presente caso clínico. Nesse estudo foram incluídos 54 gatos confirmados com hipertiroidismo (níveis séricos de T4 total acima do valor de referência 50 nmol/L), entre os 11 e 17 anos de idade. Não só foi apurado o nível sérico de T4 total, mas também a condição clínica de cada gato (condição corporal, batimentos cardíacos, apetite, ingestão de água e comportamento) tendo-se verificado a necessidade de reajustar a medicação segundo a condição clínica apresentada por cada indivíduo ao longo do

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estudo (com duração de 53 semanas). Verificou-se que apenas 10% dos gatos necessitaram de manter a dose inicial de 15 mg a partir do 10º dia em que seria suposto diminuir a dose inicial para metade e em 37% dos casos foi necessário reajustar a dose uma vez. O estudo mostrou nos primeiros 10 dias de tratamento os níveis séricos de T4 desceram para níveis normais em 70% dos gatos, subindo esse valor para os 76% após 3 semanas. O número de gatos clinicamente estáveis aumentou gradualmente ao longo do estudo. Foram reportadas reações adversas, sendo as mais referenciadas vómitos, diarreia, diminuição de apetite, perda de peso e anormalidades dermatológicas. No entanto, apenas 50% foram classificadas como relacionadas com o tratamento instituído, com uma seriedade foi moderada que não obrigou à descontinuação do tratamento, sugerindo uma boa tolerância ao fármaco (Frénais et al. 2009). Assim sendo, no caso do Loki também se espera boa resposta ao tratamento instituído. Também seria possível indicar, como primeira medida, numa dieta seca com restrição de iodo (Prescription y/d) promovendo uma limitação na produção de hormonas tiroideias. No entanto, considerou-se que a condição física e clínica justificava o recurso a tratamento médico. Em termos de opções não médicas, o recurso ao iodo radioativo não se colocava por não existir essa opção no país. Quanto à opção cirúrgica, existe a tiroidectomia uni ou bilateral caso não estejam implicados riscos elevados de anestesia. Devem ser preservadas as glândulas paratiroides e feito tratamento médico anteriormente à cirurgia para estabilizar a produção de hormonas.

Bibliografia:

1) Frénais R, Rosenberg D, Burgaud S, Horspool LJI, (2009) “Clinical efficacy and safety of a once-daily formulation of carbimazole in cats with hyperthyroidism”. Journal of Small Animal Practice, 50:510-515

2) Mooney CT, (2002) “Pathogenesis of feline hyperthyroidism”. Journal of Feline Medicine and

Surgery, 4:167-169

3) Mooney CT, Peterson ME, (2012) “Feline Hyperthyroidism” in BSAVA Manual of Canine and Feline

Endocrinology 4th Edition, 92-110

4) Nelson RW, Couto CG, (2014) “Disorders of the Thyroid Gland” in Small Animal Internal Medicine,

5th Edition, 740-776

5) Rijnberk A, Kooistra HS, (2010) “Thyroids” in Clinical Endocrinology of Dogs and Cats, 73-79

6) Trepanier LA, (2006) “Medical Management of Hyperthyroidism”. Clinical Techniques in Small Practice, 21:22-28

7) Volckaert V, Vandermeulen E, Daminet S, Saunders JH, Peremans, K, (2016) “Hyperthyroidism in cats Part I: anatomy, physiology, pathophysiology, diagnosis and imaging”. Vlaams Diergeneeskundig

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Caso Clínico 4: Ortodontia – Ausência de Dentes Definitivos

Identificação do animal: A Bella é um canídeo fêmea de raça Pug, não castrada, 4 anos de idade (data nascimento 6/12/2015) e 9,6kg de peso.

Motivo da consulta: ausência de dentes definitivos

Anamnese: A Bella é uma cadela castrada da raça Pug que compareceu a uma consulta de check-up para vacinação anual e durante o exame físico constatou-se a ausência vários dentes definitivos. Era uma cadela indoor que realizava passeios regulares no espaço exterior público. Era alimentada com ração Royal Canin seca e tinha acesso a água ad libitum. A tutora reportou que a Bella sempre ingeriu comida normalmente e que nada mudou nos últimos tempos. Estava corretamente vacinada e desparasitada e não coabitava com outros animais.

Exame geral e dirigido: cadela alerta, bem-disposta, condição corporal normal. No exame ocular verificou-se a existência de queratite no olho direito e constatou-se na ficha clínica a existência prévia de entrópion (razão pela existência de pigmentação na córnea). Mucosas rosadas e húmidas, gânglios linfáticos dentro dos parâmetros normais. Batimentos cardíacos ligeiramente abafados, mas normais (80 bpm) e movimentos respiratórios com características normais (24 rpm), com estridor respiratório comum em raças braquicefálicas à auscultação. No exame dirigido ao aparelho dentário, verificou-se a ausência de vários dentes definitivos (Anexo 4, Fig. 1), nomeadamente o 105, 205, 305, 405, 106, 110, 210, 310, 410, 401, 301 e rotação dos pré-molares e primeiros molares.

Lista de problemas: Ausência de dentes definitivos, abafamento dos sons cardíacos

Diagnósticos diferenciais: não erupção dos dentes definitivos, inexistência congénita dos dentes definitivos, fratura da coroa (CCF: complicated crown fracture) dos dentes definitivos, queda dos dentes definitivos

Exames complementares: Radiologias: maxilar e mandibular, tanto do lado esquerdo como direito. Confirmou-se a ausência completa dos dente 410 e 411 (Anexo 4, Fig. 2), 310 e 311 (Anexo 4, Fig. 3), 205 e presença do 206 abaixo da superfície ((Anexo 4, Fig. 4), ausência total do 105 e existência do dente 106 abaixo da superfície e com raízes reabsorvidas (Anexo 4, Fig. 4), ausência do 305 (Anexo 4, Fig. 6), do 405 (Anexo 4, Fig. 6), existência sob a superfície de ambos os incisivos 301 e 401 (Anexo 4, Fig. 7).

Protocolo anestésico: Para se proceder à limpeza e avaliação dentária, sedou-se a Bella com dexmedetomidina (0,01mg/kg) e metadona (0,3mg/kg) IM nas doses para cão geriátrico, uma vez que se trata de raça braquicefálica. Após a Bella adormecer, procedeu-se à colocação dum cateter intravenoso num dos membros anteriores e foi utilizado propofol (2mg/kg) IV para aprofundamento da anestesia. Procedeu-se à entubação com tubo endotraqueal de silicone.

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Tratamento: Foi realizada limpeza dentária com o instrumento apropriado. Procedeu-se também à avaliação dos dentes existentes e acima da superfície (probing) e concluiu-se que os dentes 107, 108, 109, 207, 208 e 209 sofriam de rotação, que os dentes 403 e 402 com mobilidade grau 1 podiam permanecer, mas como o 110 apresentava mobilidade grau 2 tinha indicação para ser extraído. Todos os dentes anteriormente referidos como estando abaixo da superfície também deveriam ser extraídos. Posteriormente, foi feito o polimento de todos os dentes com pasta de dentes veterinária.

Durante a avaliação dentário a Bella começou a apresentar dificuldades respiratórias, razão pela qual não foi possível concluir o procedimento. No entanto, conseguiu-se extrair o dente 106 através da técnica fechada, uma vez que este apresentava raízes reabsorvidas. Foi realizada radiografia torácica numa projeção latero-lateral e constatou-se presença de fluído na zona crânio-ventral pulmonar, sendo administrado furosemida (4mg/kg) IM e dexametasona (2mg/kg) SC, tendo a Bella sido enviada para casa no mesmo dia com furosemida (2-4mg/kg, PO BID) durante 2 dias e amoxicilina com ácido clavulânico (18mg/kg PO BID) durante 7 dias.

Discussão do caso: A exploração dentária aquando do exame de rotina, especialmente em cães jovens, é de extrema importância para que, como médicos veterinários, possamos avaliar a queda correta dos dentes decíduos e ausência ou a má erupção dos dentes definitivos. No caso de cães adultos, é importante reavaliar, caso anteriormente não tenha sido feito, a presença de todos os dentes definitivos e o desenvolvimento de tártaro, assim como presença ou não de doença periodontal. Uma saúde oral comprometida, apesar de muitas vezes não ser aparente ao dono, pode afetar a qualidade de vida do animal e ter consequências na sua saúde, longevidade e interação com o dono (Bellows et al. 2019).

As duas arcadas de dentes devem perfazer um total de 42 dentes definitivos: 12 incisivos, 4 caninos, 16 pré-molares e 10 molares (4 maxilares e 6 mandibulares). A contagem dos dentes inicia-se na mandíbula direita (100) seguindo-se a mandíbula esquerda (200), maxila esquerda (300) e, por fim, maxila direita (400). A ordem de contagem é mesio-distalmente, ou seja, o primeiro incisivo da mandíbula direita é o 101 enquanto que o canino é o 104 e o último molar é o 110. É importante saber fazer esta contagem aquando do exame de rotina. Os dentes decíduos também assumem a mesma ordem, mas inicia no 500 (maxila direita, passando para 600 maxila esquerda até 800 que corresponde à mandíbula direita (Reiter & Gracis 2018). No caso da Bella, os dentes definitivos perfaziam um total de 30 no exame dirigido, com 12 dentes visualmente ausentes.

A Bella é uma cadela Pug, uma raça braquicefálica em que devido à estrutura anatómica do focinho, se verifica um encurtamento anormal da mandíbula. Como consequência o espaço

Referências

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