DEPARTAIVIENTO DE
ECONOMIA
Mestrado
em RelaçõesInternacionais
e Estudos EuropeusMundialismo
canibal:
do
jogo
das
vítimas
ao
banrlho
dos
sabres
A
propósito
das
teses
de
Serge
Latouche
Dissertação
de
mestrado
apresentada
por:
JoãoInácio
Tavares RobertoOrientador:
Prof. Doutor
Silvério
daRocha
Cunha
r
DEPARTATVIENTO DE
ECONOMIA
Mestrado
em RelaçõesInternacionais
e Estudos EuropeusMundialismo
canibal:
do
jogo
das
vítimas
ao
banrlho
dos sabres
A
propósito
das
teses
de
Serge
Latouche
/
Disserta$o
de
mestrado
apresentada
por:
JoãoInácio
Tavares RobertoOrientador:
Prof. Doutor
Silvério
daRocha
Cunha
I'lJtt
3
)b
,;.. F I Dezembro de 2006Mund.ialívno canibal: do jogo dax oíti,rnqs ao barulho dos sabres
A propósi.to dns teses de Serge Intauche
Mund.ialísmo canihal: do jogo das oíti.mas ao baralho dos sabres
A propósito d,as teses de Serge Lauuche
Agradecimentos
"Aqueles
que
passampor
nós, não
vão
sós,não
nosdeixam sós.
Deixam
um pouco desi,levam um
pouco den6s." Antoine de Saint-ExuPéry
A
todos os quepartiram,
obrigado porque e§tiveram.A
todos os que estão, obrigado por terem ficado.Mund,iali,snto cani.bal: do jogo das oítimas ao barulho dos sabres
A prqósito das teses de Ssrge Innuche
Munüalismo
canibal:
dojogo
dasvítimas
aobanrlho
dos sabresA
propósito
das teses de SergeLatouche
Resurrro
O formato
desenvolvimentista, seguido pela sociedade ocidental,conduziu
a umagradual
uniformização planetária
castradora de alternativas. Vivemos nesteinício
do
século
XXI
um
mundialismo canibal que,
à
sombra
de
um
imaginário
colonizado, se expande numa dança tempestuosa que enfeitiça a humanidade e thepropõe a cegueira
totalizante
do iogo dasvítimas.
A
consequência é uma respostade
resistência
militante, inscrita
no
barulho
dos
sabres,
que:
agoradesembainhados e livres, se preparam para esculpir o tempo vindouro.
A
propósitodas teses de Serge Latouche é apontada uma cartd de alfomia para com a técnica, a
ciência
e
a
economia. Nessa imensa vontadede
devolvero
Homem
ao Homem, extrapolamosa
sociedadedo
decrescimentopara
o
campointernacional,
através das constatações construtivistas em ascensãono domínio da
análise das RelaçÕesInternacionais.
World
cannibaüsm:
from
thevictims's
game toúe
sabre's noiseAbout
Serge Latouche'súesis
Abstract
The
development'smodel, followed
by
the
western
society,leads
to
a
gradualplanetary
standardizationthat
castrates alternatives.\7e live
in
the beginning
of
this
XXI
century
aworld
cannibalism,
that
in
the
shadowof
an imaginary
onecolonized, expands
in
a
stormy
dance
that
it
bewitches
the humanity and
it
proposes
the total
blindnessof
thevictims's
game.The
consequenceis
an answerof
militant
resistance, inscribedin
the
sabre's noise,that,
now unseamed and free,they get ready
to
sculpt the coming time. About
SergeLatouche's thesis,
an enfranchisernent letteris pointed to the
technique,the
science and the economy.In
that
immensewish
ofreturning
theMan
to the Man, we extrapolated the decreasesociety
for
the
international
field,
through
the
constructivist veriÍications in
Mundialismo canibal: do jogo das vítimas ao barulho dos sabres
A propósito dns teses de Serge Latouche
Índice
Agradecimentos Resumo/AbstractÍndice
Introdução
ParteI
l.
O paradigma desenvolvimentista a) Crescimento e Desenvolvimento ParteII
l.
Oautor-
Serge Latouche2.
A
perspectiva de Serge Latouche3. Globalização desenvolvimentista ou
Mundialismo
canibal?a)
A
invenção do trabalho noimaginário
social b)A
megamáquinac)
A
megamáquina e os seus impactosd)
A
megamáquina como responsável pela destruição dovínculo
social e)A
mundialízaçáo (globalização desenvolvimentista) e oimperialismo
da economia (mundialismo canibal)
D
A
questão Norte-
Sul 4. O iogo dasvítimas
a)
A
ocidentalizaçáo do mundo b) O racional e o razoável 5. O barulho dos sabresa) O pós desenvolvimento
b) Perspectivas altermundialistas
c)
A
origem da ideia do decrescimentod) O decrescimento
e) O decrescimento face às relações internacionais
Conclusão
Bibliografia
3 4 5 6l3
t4
26 27 34 36 38 40 46 49 54 64 65 77 92 93 104 106 109r23
134t40
Mundiali,sno canibal: dp jogo das oítimas a.o ba?alho d.os sobres
A propósito dw teses de Snge La.nuche
IntroduSo
Este
trabalho
apresentauma
perspectivacrítica
sobreo
actual
paradigma socialque radica
no
economicismo hegemónico.O
véu
que envolvea
relaçãoentre
osagentes que compõem o puzzle internacional deriva de
um
capitalismo que "é hoiemenos
um
modo de
produção
que
um
modo de vida.
O
individualismo
e
oconsumismo
Eansferiram para
a
esfera
privada
a
equaçãoentre
interesse
ecapacidade.
É
nessa esferaque hoje
os
indivíduos identificam melhor os
seu§interesses
e
as capacidadespara
thesdar
satisfação.A
reduçãoà
esfera privadadesta equaçio faz com que
muitas
das desigualdades e opressões que ocorrem emcada
um
dos
espaços-tempoestruturais sejam invisíveis
oür se
visíveis,trivializadas."
(SANTOS, 1994:27q.É
portanto
da génese dos quadros nacionaisque emanam a
estrutura
e os agentes das relaçõesinternacionais (Rf).
Assim esteparadigma
monolítico
efectivou-se enquantoprática de
sociedade generalizada efoi
simultaneamenre causae efeito do
fenómeno de globalização económica quealastrou aos quatro cantos do mundo.
Ao
considerar as relações internacionais nocampo
de
uma
leitura
que não
dispensea
componente sistémica
na
qual
aestrutura
"torna
possível pensar nas unidades comoformando
um
conjunto,
algomais do
queuma
mera colecção."(W4LJ2,2002:
62) verificamo§ queo
sistemamundo, sobretudo com o
fim
da GuerraFria
e com a queda do comunismo a leste,se redesenhou com o traço de
"uma
espécie de teologia ile Mercado, que reverencia amã,0 imsisível"
(MOREIRA,
2002: 437) e no qual"progrediu
a convicção de que umadesregulamentação
das trocas
comerciais
e a
total
liberdade
dos
mercadosconduzirão
a um nível
de
vida
superior em
todo o
mundo,
e a uma
sociedademundial
maisiusta." (MOREIRA,
2002: 437).A
forma
como
o
conceito
de
desenvolvimento económicomobilizou e em
boaverdade
mobiliza
os paísese a
maneira
como essalógica determina
as relaçÕesinternacionais
no mundo
contemporâneo sáoaqui
referidas
e
reflectidas
tendocomo
âncora
o
trabalho
desenvolvido
pelo
Professor
Serge
Latouche. Apresentamosuma
perspectivana qual
se
identifica
o
desenvolvimento comointimamente
ligado
aos problemas,e
não
às soluçõesque pretende
preconizar.Como
métodos,
socorremo-nos
do
histórico
e
do
descritivo.
Evitamosdeliberadamente
o
recurso
a
análises
estatísticas
na
medida
em
que
tal
representaria, de acordo com o ângulo do autor estudado, a prossecução de outro§Murd,iali.smo canibal: do jogo dw oítinas ao ba?alho dos sabres
Aprqósiu das teses de Snge Innuche
de um
modo diferente para que
§e possamtornar diferentes..."
(LATOUCHE,
1998: 141).
Mergulhamos numa abordagem analítica que sugere a desmistificação da
mentira
histórica de que
o
crescimentogera
desenvolvimentoe que
este,por
sua vez,promove
uma plataforma
devida
socialque
acalentaa
esperança deum
mundomais iusto para
as
geraçõesfuturas.
Opera
pois na
densidadedas
palavras deBertrand Russel
(2005:
7),
segundo
as quais,
"A
tentativa
de
conceber,
naimaginação,
üD
ordenamento
da
sociedadehumana melhor
do
que
o
cao§destrutivo
ecruel
em que a humanidadeexistiu
até agora não é, de modo algum,moderna:
é
pelo
menos
tão antiga
como
Platão,
cuia
República estabeleceu omodelo para sãs utopias dos filósofos subsequentes. Quem
quer
que contemple omundo
àluz
deum
ideal-
seja o obieto de sua busca o intelecto,a
aÍÍe, o amor, asimples felicidade, ou
tudo
isso-
devesentir
grande tristeza diante dos males queos
homens desnecessariamentepermitem que continuem.
E,
sefor
um
homemdotado de força e de energia
vital,
sentiráum
desejo urgente de levar os homens àconcretização
do bem que inspira
a
suavisão
criativa.". Com
Serge Latouchevisitamos uma
mundializaçãor,foriada na tríade
compostapor
ciência, técnica eeconomia,
na qual,
em nome da competiçã,0 saudfutel, os países e oS povos actuamsubordinados a uma espécie de neo-ruetaflsi,ca
dirigida
peloritmo
ensurdecedor doOcidente.
Na
senda de uma globalizaçãotimbrada
pela necrofagia do novol*oiatã
(que se
identifica
empleno
como
conceito de megamáquina) que não reconhecelimites,
sublinhamos a divisãoNorte-Sul
que estabeleceum
antagonismo crónicoentre
os quetudo têm
e os que nada podemou,
sepreferirmos, entre
sociedadesopulentas
e
sociedades pobres.Em
referência ao
que
designamo§por iogo
dasoítirna,
identiÍicamos
como causas basilares dessainjustiça
global
o
processo de expansão dacultura
ocidental quetudo nivelou
e sobretudo
exerceu a §ua acção(crescente
na
segunda metadedo
séculoXX
e
tendencialmente absolutista
noinício do
séculoXXI),
bem como
a
deriva racionalista que
encostou às cordas aconcepção
de
razoabitidade. Sobrea
ocidentalizaçã,odo mundo
começamospor
t Utilizamos ao longo deste trabalho o termo mundializaçáo como sinónimo de globalizaçáo, náo
obstante elas não serem unanimemente reconhecidas como tal' como adiante referiremos. Apesar
de notarmos que "qualquer palavra que utilizemos levanta problemas, tran§porta ideias e sentimentos subiacentes." (PIMENTA,2004:25), optamos preferencialmente por mundialização
Mundi.alismo canihal: do iogo das üítimas ao barulho dos sabres
A propósito das teses de Snge Latouche
apresentar
uma breve
resenha
da
origem
da
relaçáo
entre
um
determinadoterritório
e os ideais que o povoam e destacamos a construção e alargamento de um certoimaginário
de progresso, com base em pressupostos de carácterliberal,
queengendra
um
processode
desculturaçáo
dos povos onde se implanta.
Estaocidentalização que parece querer enclausurar o mundo entre o etnicismo, por
um
lado,
e o
etnocentrismo,por outro,
encontra
no
mercadoo
veículo privilegiado
para
aÍirmar,
regiamente, a sua identidade.No
que toca aodomínio
racionalista, verificaremos que ele é resultante de uma viaque adquiriu
proeminência
entre
duas
possíveis.Temos que esta
avassaladoraconquista
"é
o
produto
de
uma
revolução
intelectual verificada durante
oRenascimento
e que
setraduziu
pela
emergênciae a difusão da
convicçãonum
desenvolvimento
indefinido das
potencialidades humanas.
Nesta crença
napossibilidade de uma
transformaçãoantrópica
do
dado
natural
inscreve-se umagenealogia
que
se pode
fazer remontar
a
Nicolau
Copérnico,
Galileu
Galilei,
Francisco Bacon, IsaacNewton,
René Descartes,Gottfried
§Tilhelm
Leibniz
ouJoseph-Louis
Lagrange."
(MÀRECHAL,
1999:23).
Serápois
que existe
e§paçopara
a
reabilitação
da
razoabilidade?Concerteza
que sim.
Há,
todavia,
quedesconstruir
um conjunto
de dogmas nos quais assentam a tónica e a significânciado
tempo
preseute.Como
percurso deste
confronto entre racional
e
razoâvelacompanha-nos
o
espírito
encrostadonas
sábias
(e
acrescentamo§ oportunas)questões levantadas
por
René Passet no prefácio dolivro
de Jean-Paul Marechal2,onde escreve
"Deste
modo,o
signiÍicado
emerge noslimites
deum
economismoque
esgotaos
efeitos: quando
a
maior parte
das
necessidades essenciais estãosatisfeitas,
qualquer produção
de
ter
não
é,
necessariamente,o
indício de
umprogresso
e
apareceo
problema
do
ser comofinalidade
da
economia; quando odesenvolvimento tecnológico ameaça
o
meio
natural, a
questãoda
inserção nosregulamentos
da
biosfera
passapara a primeira
fila;
quando
a
substituição
doHomem pela máquina levanta a questão da exclusão social, o que está em causa é a
finalidade
do
aparelho produtivo;
e
quando
faz
aparecer
a
interrogação
dautilização do tempo
liberto
pelo progresso técnico, é dafinalidade
davida
humanaque
setrata em última
instância.
Já
náo
senhorae
soberana,mas ciência,
em relação com todas as outras, subordinadas aos valores, aohumano
e àvida.
Este2MARECHAL,Jean-Paul, lggg,A economia,o anprego eo ambi.snte- o racional e orazoánel, Lisboa:
Mundialismo canihal: do jogo das oítimas ao barulho dos sabres
A prapósito das teses de Snge Latouche
estatuto de subserviência, de ancila
-
ao serviço dos homens-
não será a sua únicaÍazáo de ser?"
(MARECHAL,
1999: 15).Adiante
pomos enfoque nas alternativas que,
pela força da
superação, tentamespreitar a
luz
do dia. Nas vozes que se levantam, pode ouvir-se o ba.rulho dos sabres.Começamos
por
realçar que
há
possibilidade
de
construçãode uma
sociedadealternativa
que
se
liberte
da
corrente
massificada
e
acrítica
que
conduz
ahumanidade
num
carneirismo quase religioso onde pareceexistir um
destinofatal
e em que o Homem é apenas um
humilde
e servil lacaio.Como sabemos a
dinâmica
davida
social globalizada conduz ao aparecimento deuma permanente margem de novidade, para a qual é preciso encontrar respostas. É esse
o
espírito que
assisteas
correntes
críticas que se
posicionam
no
pós-desenvolvimento.
É
também
essaa
postura
do
autor aqui
estudado
e
que
éactualmente
um
dosprincipais
expoentes (em França) da tesedo
decrescimento.Terra dura
aquela em que cravafirmes
as garras da convicção.Em
que apresentaum
proiecto de esperança.Com
aparentes e várias fragilidades, mas com a nobreintenção de quem
lê
a sociedade comouma
construção incessante ao serviço doshomens
e
que
atravésdela
se concretizam obiectivosde
solidariedade humana. Paratal,
é urgente reposicionar a relação entre opolítico
e o económico. É precisoque
o
primeiro
pressuponha uma visão coordenadada
sua acção transformadora.Sem
isto,
o
poder
político
deixa
de
cumprir
a
sua finalidade,
tornando-seincompreensível
num primeiro
momento e, mais tarde, questionável na sua forma.Quanto ao
segundoé urgente romper com
a
sua hegemoniaditatorial
que tudocomprime e
tudo
seca, enquanto promoveum
situacionismo
castradorde
novasexpectativas. Vive-se,
portanto, numa
espéciede
embriaguezcínica em que
pordetrás
de
valores
filantrópicos
secimenta uma ordem
predadora,a
montante, enquanto, a jusante, está a tranquilização das próprias consciências.Sabendo
que
"o
poder
económicopode
compensar,na
balança
de
poderes esuposta paz, a ausência
ou
perda de poderpolítico"'
(MOREIRA,2002:419),
não deixaremos, no entanto, de apresentar umaleitura
desafiante dessa ortodoxia.Por
fim
desembocaremosnuma pista
exploratória
de
resposta
à
seguinteinterrogação: de que
forma
poderá o decrescimento agregar-se como corpo teóricoà esfera das relações internacionais?
Trabalharemos portanto numa arena de superação da quietude dos espíritos.
Terra
Mundialisrno canibal: do jogo das vítimas aa barulho d.os sabres
A propósito da.s teses de Serge Lanuche
Temos
assim
que,
neste
trabalho,
à
luz
de uma
leitura
inovadora,
conceitoshabitualmente vistos numa
perspectiva doméstica, searticulam num
contributo
que confirma
o
percurso
de que
"As
relaçõesinternacionais,
de facto,
foramconstituídas
por
acréscimos
sucessivos,mais
que
por
avanços
decisivos"(SMOUTS,2004:15). E
que o Homem depende domundo tanto
quanto o mundodepende
do Homem.
E
a humanidadetem
estaextraordinária
característica: não para de surpreender!Mundialisrno canihal: do iogo das oítimas ap baralho dos sabres
A propósin dqs teses de Serge la.touche
Munitialisrno canibal: do jogo d.as oítirnas ao baru.lho d.os sabres
A prspósito das teses de Serge Innuche
"Mas o trsí)ão da explosão
final
abafou tarnbétno
ominoso silêncioanterior,
esse silêncio queainda
hoje nos
respondt
sernpreque
nosatre?)emos
a
perguntar
não
«contra
Çruelutqfltos
nós»,
rnl,s
«Pelo
que
lutatnos?»"Mundiatívno canibal: do iogo dqs vítirnas ao barulho ilos sabres
A propósito d.w teses de Serge Lauuche
l.
O
paradigma desenvolvimenti§ta
As razÕes que têm por base a existência de intercâmbios comerciais entre os paíse§
abrigam-se na concepção de que, através deles, surgirão melhorias para as diversas partes.
Mais
do que os clássicos argumentos de soma nula, com a expansão gradualdo
mercado, o palcofoi
tomado pelafigura
da soma positiva.Com o
acentuar dopeso
das
relações
internacionais,
ganhou
contornos
a
inevitáveltransnacionalização
onde
as
"interacções
entre
Estados, são substituídas
porrelações
transnacionais"
@ADIE
e SMOUTS, 1999:91)
eem
que e§tá patente oparticularismo
e o
relativismo
cultural
de
cada povo.
É
ne§te rasto
queencontramos
a
generalizaçáo aomundo daquilo a
que designaremo§no
presentetrabalho
por paradignta desenvolvimentista. Fazemosaqui
um
esforço para chamar ao debate académico a discussão sobre a sua ascensão, o seuimpério
e o anúncio do seufim.
Durante
a segunda metadedo
séculoXX,
o
desenvolvimentofoi
propalado comosinónimo de uma aspiração deseiada à escala universal.
Serve-nos
de
lição
a
observaçãoda
História que
ensina,
pela
evidência,
ainexistência
de
paradigmas eternos.Não há
linearidade
no tempo
longo.
Pelocontrário,
é sob abitola
do sobressalto quepairam
os relatos do passado. As maisÍirmes
construções humanas sempre desabaramno
tempo.Territórios,
impérios, regimes, lideres, movimentos, conceitose
ideologiasforam
primeiro
expectativa, depois realidade e,finalmente,
memória.Foram o
mais eo
meno§. Esperanças edesilusões.
Há
efectivamente
uma ideia que
parece
subsistir ao
desgaste dos tempos-
arelatividade
das lógicas de vivência do Homem em §ociedade. Colhe ocolectivo, em tempo
próprio,
o que a vontade humana semeou.Frutos
nascidos deum
saberparticipado
e amadurecido pela densidade e precisão das circunstâncias, onde a mão que hoie traçao
zig é a me§ma que amanhã desenhao
zag. Pois comolembra Hanna
Arendt
(2006 (1961):26
e
27)"Só
na
medida em que
pen§a, namedida em que
é
intemporal
é
que
o
homem,
na plena
realidade
do
seu
ser concreto, habita este hiato no tempo entre pas§ado efuturo".
Numa
busca, seguramentefilantrópica,
consome-sea
energiaque
dá ânimo
àsmassas, inventa-se a esperança e alicerçam-se convicções em terrenos polvilhados de justiça
primordial.
Apregoa-se a mezinha. Por elereiubilam
trombetas. Profetasde
direita,
de esquerdae do centro
anunciam-no.A
multidão,
crente, não tolera quem o não venere.Ei-lo:
o desenvolvimento. Pô-lo em causa) mais do que arroio,Mundialisrno cani.bal: do jogo das rtítimas o,o badho dos sabres
A propósito dos teses de Srrge Latauche
parece
loucura. Mas afinal, que
conceito
é
esseque
parece,à
primeira
vista,encarnar,
de forma
quasebíblica, o
bem,
no
seu
e§tadomais puro.
Intocável.Absoluto. Inatacável.
Ou
contingência
a
ultrapassar?
Retirar
da
penumbraalgumas abordagens acutilantes apontadas
a
este Rei, Midasda
actualidade é umdos obiectivos que perseguiremos ao longo do presente trabalho.
O
desenvolvimento na perspectiva queaqui
se levanta é indissociável daideia
de progresso.De
tal
maneira que
o
estadoposterior
será sempremais
apetecível,porque
melhor, que
o
anterior.
Assentana "ideia de que
o
curso das
coisas, especialmente da civilização, conta desde oinício
comum
gradual crescimento dobem-estar
ou da
felicidade, com uma melhoria
do indivíduo e da
humanidade,constituindo um
movimento
em
direcçãoa um
objectivo
desejável." (BOBBIO,MATTEUCCI
ePASQUINO,
2004 (1983): 1009e
1010).Rumo
aum firmamento
perscrutado pelos
anciãosdo
tempo,
o
desenvolvimentofunda
no
imaginário
colectivoum
alçado que promete uma escaleira de avanços inquestionáveis, comose de proféticos passos para o céu se tratasse.
Ao folhear
quaisquer revistas, brochuras ouboletins timbrados
como
símbolo daOrganização das Nações
Unidas
(ONI»
encontraremos vezes sem contao
termod.esewobimento.
Afnal,
não seriapois o plano internacional uma
super estruturadesligada da realidade
micro,
decariz
desenvolvimentista, cuja consolidação temvindo
a desenhar-sequer
em extensão quer emprofundidade. Não
obstante toda estavisibilidade,
a sua consistência é questionada e até considerado terreno poucofirme, de
horizonte sombrio
e de
arestas cortantes capazesde
laminar
desde asingela sobrevivência ao
mais
elaborado dos sonhos, como teremo§ oportunidadede analisar adiante.
a)
Crescimento eDesenvolvimento
Quando tentamos
formular um
quadro de análisedo
desenvolvimento, e à nossavolta
percepcionamos a tendente hegemonia da globalização,fica
certa a noção deque
estamosa lidar
com
a
convergênciatemporal
e a
expansão espacialde
umprocesso
que
se
consubstancia
num
determinado
traço
identitário:
o"desenvolvimento histórico do
capitalismo" (MURTEIRA,
2003: I55).Se
dúvidas existiam,
o
século passado tê-las-á dissipado aodeixar claro que
noMundialismo canibal: do jogo dw rtítinw ao barulho dos sabres Apropósito dqs teses de Serge La.touche
igualmente esse o
tom
que dá voz às actuais estratégias internacionais3.É
apartir
desta premissa produtora de incrementos que severifica,
pelo menos teoricamente,uma
dinâmica
autopoiética,
que
funda
e dá
§entido
ao
binómio
crescimento/desenvolvimento.
Ainda
que mergulhado
numa
aura
de
"expansãodos homens
em
relação aoshomens" (PERROIJX,
1981: 56),o
desenvolvimento não ousa aÍirmar-se sem o apoio da bengala-
o crescimento.É,
desde
há
muito,
reconhecido
o
papel
do
crescimento
como
factor
dediferenciaçáo
entre
os povos. Comotal,
não é, embom
rigor,
possível pensar a§relações internacionais à margem deste facto.
Um
antigo presidente da AssociaçãoEconómica
Americana
e distinto
estudiosomundial do
crescimento económico,Prof. Abramowitz,
não hesita mesmo em estabelecer uma curiosa conexão entre amais divulgada
obra deAdam Smith, o
crescimentoe
as relações internacionais: "A,Riqueza das Nações,pelo seutítulo,
anuncia a preocupação de AdamSmith
comas forças
que
governamos níveis relativos
de
bem-estarentre
paísese
com
a§causas
que levam
alguns
ao
progres§oe
outros ao atra§o"
(ABRAMO§trITZ,
1992:24).Também nesta
linha,
François Perroux, marco incontornável
na apreciaçãodo
tema, aborda a questãodo
desenvolvimento sem crescimento, bem como, o crescimento sem desenvolvimento. Segundo ele, a divaga de que é possíveldesenvolvimento sem crescimento
tem
por base aideia "superficial
epreiudicial"
@ERROIIX,
l98l:
62)
há
alguns
ano§propalada
na
Europa
a
propósito
docrescimento zero.
Ainda,
"seo
crescimento sem desenvolvimento éum
fenómenoobservável,
o
desenvolvimento sem crescimento permanece-
felizmente
-
uma hipótesegratuita" (PERROIIX,
1981: 64) e, comotal, "O
desenvolvimento náo écompatível com o crescimento zero salvo distorções e
perdas" @ERROUX,
l98l:
64).
O crescimento é, portanto, condição necessária para o desenvolvimento.
É
apartir
deste espigar
que
setorna
materialmente
viável um
estado subsequentemelhor
que
o
anterior.
O
crescimento precede,portanto,
o
desenvolvimento. Poder-se-áaÍirmar,
utilizando
um
paralelismopopular,
que se o desenvolvimento é a om,eletao
crescimento serão os o?os,no
entanto,nem
só aiguaria
condiciona a refeição e"Se
por
desenvolvimento se entendeo
crescimentodo PIB
para
assegurar mais3 A este propósito deve dizer-se que, ainda que disfarçado com a roupagem sugerida na expressáo
,,desenvolvimento humano", o sublinhar, na Declaração d.o Milénin d.as Naçoes Uni'd,as, dos direitos
económicos bem como a referência ao financiarnento para o dasnaoktimsnto onde são referenciadas
Mundialírmo canibal: d.o jogo das víti.mas ao baru.lho dos sabres
A propósito das teses de Serge la.touche
bem-estar às populações, é hoie
fácil
mostrar que o bem estar das populações não dependetanto
donível
da riqueza quanto dadistribuição
dariqueza."
(SANTOS,2OO0:27).
É
aforma
como se efectuaa
aplicaçãodo
crescimento, baseada numa equidade subjectiva(ainda
queinstitucional)
queirá
determinar a
concretizaçãodo desenvolvimento. Mas,
por si
só, o crescimento nada garante. Podemos mesmotomar
como exemplo
o
conhecimentorecolhido
atravésde
inúmeros
relatórios elaboradospor
diversas organizações que observaram,e
observam,de perto
esteprocesso
de
crescimento-desenvolvimentonos
países menos desenvolvidos, parademonstrar
algumasdas
razõespelas quais
o
crescimentonão
é
circunstânciasuficientemente
forte para
se
traduzir em
desenvolvimento.A
este
propósito"Tomar em
consideraçãoo
desenvolvimento
é
fazer compreender
o
risco
docrescimento sem desenvolvimento. VeriÍica-se manifestamente quando, nos países
em desenvolvimento, a animação económica se acantona à
volta
das implantaçõesde firmas
estrangeirasou
de
grandestrabalhos, sem irradiação
no
coniunto"
GERROIIX,
l98l:
6l
e
62).A
não repercussãodo
crescimentona
esfera onde égerado,
não permite fomentar
acréscimosde
bem-estar
bem
como
alargar
aspossibilidades
dos
agentes.Isso significa uma
degeneração,um
momento
deatrofio
e
corte
na
via
condutora
ao
objectivo formulado.
É,
assim,
daresponsabilidade
do
sistemadecisional
imediato
ao
crescimentoa
condução do processo que está nofulcro
da nossa questão:"É
tãoimportante
reconhecer o papelcentral da riqueza na
determinação das condiçÕese
da qualidade
devida
comocompreender
a
natureza especíÍicae
contingente
dessa relação.Uma
concepçáo adequada de desenvolvimento tem deir
muito
paralá
da acumulaçãode
riqtueza,do
crescimentodo produto
nacional
bruto
e
outrasvariáveis relativas à
receita. Semignorar
aimportância
do crescimento económico, temos deolhar
muito
paralá
dele"
(SEN,2003: 30).Ao
ter
raízesno
crescimento,mas ao não
se esgotar neste,o
desenvolvimento transpõe para o campo de acçáopolítica
a responsabilidade pela sua arquitectura.Harmoniosa
ou
assimétrica,regular
ou
descontínua.No mínimo,
de
morfologia variada e muitas vezes substanciado em reproduções grosseiras e bastante diversas do bem intencionado, projectoinicial,
ele arranca com facilidade alguns reparos.A
significância
dotermo
assimetria tem, porventura, sido o espaço maisutilizado
para caracterízar o apontar de dedo ao desenvolvimento, permitindo-se mesmo, no
limite,
questioná-lo. Temos que"Os
espaços económicos e os espaços sociais nãosão homogéneos e náo há nenhuma indicação de que o tendam a ser. Também não
Mund.i.alismo canibal: il.o iogo das oítimas ao baru'lho ilos sabres
A propósito das teses de Suge Lanuche
igualmente
distribuídos"
(PERROUX,
1981:
67).
E,
precisamente,
ne§taincapacidade
de
asseguraruma
coesão plenaentre
todas as peça§do puzzle
que reside o calcanhar de Aquiles.A
justificação
para
este
facto
pareceter
variadas origens.
Podemos encontrar exemplos que vão desdea
âreainstitucional
até aos simples posicionamentos delivre
mercado.No
respeitante ao ponto de vista do relacionamento entre o§ diferentes países sob abatuta
da
ONU
temos,
desdelogo, que
ape§ardo
discurso
apontar para
umdeterminado objectivo, nem sempre
tal
é conseguido, pois se "Os termos «aiuda» e«desenvolvimento»
deixam
perceber que setrata
de solidariedadeentre
os paísesricos
e
os
paísespobres.
Na
verdade, trata-se
muito
pouco
disso.
O
que
osespecialistas designam
por
«ajudapública
ao desenvolvimento» representa umapercentagem, extraordinariamente reduzida, dos rendimentos nacionais dos países
ricos e é
utilizada
como meio deinfluência
e depoder." (BERTRAND,2004:124).
Já no campo da União Europeia(uE)
poder-nos-emosinterrogar
sobre a dimensãodo
contributo
-
0,56%, menos deum
ponto percentual-
que aUE
consagra do seuRendimento Nacional
Bruto
para apoiar
a
cooperaçãopara
o
desenvolvimentoa.Mas outros podem ser os exemplos que, sem
dificuldade, ilustram
ofigurino
destedesequilíbrio
efectivo
(quer
internamente,
quer
em
diferentes
estrutura§territoriais).
O
mercado(aqui
entendido em sentido amplo, aberto à governança),pode ele
próprio permitir
o
acentuar
das disparidades,como salienta
Françoisperroux
(1981: 68)"Quando
seimplantam,
as unidades capitalista§exploram
aomáximo a
suasuperioridade em
relação aoconjunto.
Prosseguindoa
evolução,atraem para
a
sua esferade
interessese de influência
osmais ricos
e
os
mais poderosos que separam do seu povo propondo-lhes operações rendosas eum
estilo de vida ocidental.".Esta
leitura,
para além
de
sugerir uma
condução ocidentalizada
da
ageudainternacional,
atenta para o aspecto da quebra dos laços de comunidade, propondoo
surgimento
de ilhas
sociais
de
interessesnão
coincidentes
e,
por
isso,
não integradores. Uma vez mais, e sublinhando a óptica de relações internacionais, "Sepor
desenvolvimento se entendeo
crescimentodo PIB e da
riqueza
dos países menos desenvolvidos para que se aproximem mais dos países desenvolvidos, éfácil
4
A
esre propósito pode consultar-se o Boletim do Centro Regional de Informaçáo das NaçõesMundiali,smo can'ibal: do jogo das nítimas qfr banalho dos sabres
A propósi,to das teses de Serge Lanuche
mostrar
quetal
objectivo é uma miragem
dadoque a
desigualdadeentre
países ricos e países pobres, não cessa de aumentar." (SANTOS,2000: 27).5O
fosso cavado conduz ao acentuar das diferenças deslocandoo plano
de análisepara
os
extremos.
Então,
podemo§
concluir
que
a
"desigualdade
dosdesenvolvimentos
arrasta
a
dos
re§ultado§
obtidos,
ou
seia, dos
progre§sos"@ERROLX,
l98l:
68). Particularmente, porque devido
à
estrutura
genética dodesenvolvimento a avaliação só pode ser
feita
exclusivamente atravésdo grau
deeficiência
económica.Não fora
alguma situação
excepcional, engendrada foradeste quadro,
e
não
seria certamente
atravésda
sofisticaçãoda
economia
demercado
que
fugiríamos
à
"irredutibilidade
do
desenvolvimento pessoal
aodesenvolvimento económico" (PERROIJX, 1981:
7l).
O económico não é mais umacomponente
que se
interliga
num
mosaico
plural.
É
o
próprio
mosaico'Dissimulado
na
aúdezdo
mercadoglobal, o
económico desenhauma
trajectóriaensimesmada, na qual o desenvolvimento se
mistura
e se confunde.É
a motivaçãomaior
queorienta
a agenda internacional6.Teriam
alguma vez pensadonuma tal
extensãode
consequênciastodos
o§que ao longo
do
tempo teorizaram
o livre
comércioentre
as nações comouma forma de
promoçãode
pazentre
os povos?Afinal
pretendeu-se a criação de"vínculos
de interdependência económica detal
forma
fortes quetornariam
quase impossível o recurso àguerra'" (DOUGHERTY
e
pFATZGRAFF
JR., 2003: 536). Por detrás desta concepção e§tá certamente não aguerra
em
si
mesma mas asvítimas
que atravésdela
sáo fabricadas.Tal
leitura,
obriga por honestidadeintelectual
a levantar a seguinte que§tão: estará presente na cabeçados altos
executivose
dirigentes
mundiais
um
semelhanteconceito
devítimas
quandoproferem
discursose
palestrasa
incitar
a
certo§e
determinados posicionamentos de combate no âmbitodaquilo
a que chamam guerra económica? Otermo
afinal
não
desapareceu.Pelo contrário,
tornou-se
vulgar.
E
como
que,paradoxalmente,
foi
esvaziadoda
sua cargabélica. Eventualmente,
e§tamo§ na pre§ençade uma
nova realidade,ou
de
um
regre§so'.. Estamosna
presença dareanimação
do
imperialismo,
traiado
de
progres§o,
Qü€,
através
dodesenvolvimento económico,faz a proposta do paraíso na terra. O caminho
trouxe-5
Sobre a desigualdade entre países pode consultar-se o Relatório do PNUD @rograma das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) 2005.
6 Ver por exemplo
o
msm,oranilo da Conferência das Nações Unidas Parao
Comércioe
o Desenvolvimento, Décima Primeira Sessáo. São Paulo, 13-
l8
de Junho de2004, por ocasião doMundialivno cani.bal: ilo jogo d.as oítimas ao barulho d.os sohres
A propósito dqs teses de Snge Intouche
nos
a
estelugar
onde"A
par do
mercadomundial
e
doscircuitos mundiais
deprodução emergiram
uma nova ordem mundial, uma lógica de poder
e
umaestrutura de poder novas, ou em suma, uma nova forma de soberania. O
Império
éo
sujeito
político
que regula efectivamente as trocasmundiais, o poder
soberano que governa omundo."
(IIARDT
eNEGRI,
2004:1l).
A
crescente abertura das economias aoexterior
e o consequente desaparecimentode
barreiras
aolivre fluxo
de capitais
foi
o
ouro
no
azul
do
céuneo-liberal
quetrouxe como corolário lógico a possibilidade de deslocação dos factores económicos e financeiros. Como seria, obviamente, de esperar a componente
financeira
tomoua
dianteira
e ocapital
teve campo aberto na procura de vantagens remuneratórias significativas para os seus detentores, os investidores. Veio juntar-se a este cenário o simultâneo interesse dos Estados que, rendidos ao encanto do desenvolvimento egovernados
por
uma
classede
tecnocratas formados sobo
pressupostoda
novaordem mundial capitalista, não resistiram
a
subtrair
da
sua
alçada
práticasintervencionistas,
ao
mesmo tempo
que
os
seus
orçamentos
restritivos
osimpulsionaram
para
que conoidassernos privados
a
aumentar
o
investimento,independentemente
da
origem
geográfica
dos capitais,
fossem
nacionais
ou estrangeiros. Observamos que a abordagem da mundialização desenvolvimenti§tavista
de
um
ângulo estritamente
económico
é
indutora
de
uma
lógica
decapacidade de atracção
de
investimento. Os paísestudo
fazeme a
qua§etudo
sesujeitam para
sereminternacionalmente
competitivos. Neste gigantescobaile
dedebutantes expressa-se
simpatia
sob
a forma de
desregulamentação.Em
causadeixou de estar apenas a sua realização como povos, com pertença de determinado
território,
e
orgatizados
num
certo
sistema
político, para se tornarem
numamercadoriaT.
Assistimos
à
asfixia dos
modos
de
produção
autóctones,com a§
re§pectiva§ consequên cías,"(Jn
rnode de proiluctionqui
exi,ge de plus en Plus de capita;u,x, d'es débquchés de ptus en plus larges pour arnortir les inaestissernents, mais de moins en moinsdn trazsailleurs (ou de
"tarsail-aiaant'),
tend inexorablement à s'o;u,to-asphyxier, dàs lors que I'mganisation sociopolitique,à
échelle de chaque pays età
celle d:u. monde, interditI'extension du marché soktable par réparti,tion d'un paurtoir d'achat à cette double échelle'
pouooir d'achat que serait
donc indépendant ú,t.uaoail
et fonction
seulement desdéboachés
à
wsurer
à
la
production.Les
capacités producthtes au,grnententet
se?
A
propósito do assunto "mercadoria", ver JAPPE, Anselm, 2006, As aoenturc$ da mcrcadori.a,Mundi.al.ííno canibal: d.o jogo d.as oítimas ao barulho d,os sabres Apropósito das teses de Ssrge Intouche
concentrent, pour réponilre aux besoins d'une minmi,té qui diminze."s
@ARTANT,
1982: l s3).Neste contexto internacional, e após a queda do
muro
deBerlim
em Novembro de1989 que, como sabemos, marcou
o
fim
dos anos da guerrafria,
a perspectiva defuturo
das
sociedadeafunilou-se, caminhou
para
um
quadro
monolítico
numaespécie de parábola sobre um destino do qual ninguém mais
fugiria.
Desde então a tensão globalizante tem sido o referencial desta nova acepção.
Falar
de
globalizaçáo
é
falar de
mobilidade. Mobilidade
crescentede
factores,
decapitais,
de
pessoas,de
bens,de
serviços.Mobilidade
derivada de
um
processocontínuo de
desregulação dos mercados que,a
par
com
o
progresso tecnológico,contribui
para o aprofundar da integração económicaregional
(no sentido macro)e
porventura para afundar muitos
países,sobretudo
do
designado
Sul,
comoveremos adiante.
É
portanto
neste terrenofértil
de inúmerosfluxos
económicos efinanceiros,
responsáveispelo
rasgo das antigasfronteiras
estatais,que
ganham relevo no discurso conceitos que selegitimam
e autovalidam enquanto adquirem oestatuto de
nmw
unidades de rneüda.A título
de exemplo há asublinhar
o caso doInvestimento
Directo
Estrangeiro,vulgarmente
designado apenaspor
IDEe
queapesar
de ser
apresentadocomo
uma
interpenetração
positiva
é
ainda
assim, segundo CarlosPimenta,
"um
fenómeno com acentuadas diferenças entre países,revelando-se
mais uma vez que
são
os
paísesmais
desenvolvidosque
maisbeneficiam
do
investimento
directo
estrangeiro.
(...)
nas
economias8 Um modo de produção que requer cadavez mais capitais, com saídas de capital também elas cada
vez maiores para amortizar os investimentos, mas cada vez menos trabalhadores (ou de
"trabalho-vivo'), tende inexoravelmente para â auto asfixia, desde o momento que a organizaçáo
sócio-política, à escala de cada país e desta para o mundo, interdita a extensão do mercado solvente pela
repartiçáo de
um
poder de compraa
essa dupla escala, poder de compra que será entãoindependente de trabalho e função somente das aplicações que assegurarem a produçáo. As capacidades produtivas aumentam
e
concentram-se, para responder às necessidades de umaminoria que diminui.
'
É pertinente referir que não obstante explorarmos aqui uma visáo crítica das vias circulatórias onde se move este filho tlo desmooloimenlo, na análise dominante, e que é em rigor puramente económica, prestigiados autores não deixam de salientar que "o Investimento Directo Estrangeiro(IDE) tem registado, especialmente na última década, uma expansão extraordinária, atingindo
fluxos de dimensáo considerável e constituindo-se como instrumento essencial da globalização económica" (LEITE, António Nogueira, 2002: 36).
Mundialismo cani.bal: do jogo das oítinas ao baru.lho dos sabres
A prapósito das teses ile Snge la.tauche
subdesenvolvidas estes investimentos directos estrangeiros estão
parcialmente
(ouquase
totalmente)
desinseridosdo coniunto da
actividade
económicalocal,
não gerando efeitosmultiplicadores
ou aceleradores."(CUNHA,
2005: 62).Chegámos pois a uma situaçáo de di.tad,u,ra participoda de bwe ooluntdri,a, em que, o
alimentar do
sistema,no qual
assentaa
mundializaçáo canibal, resulta
de
um quadro psicológico colectivo, dematriz individualista,
que se dinamiza pela adesãoespontânea dos sujeitos.
Mais,
essa adesáo é, noimaginário
resultante, uma forma de participação coma
caÍgaaltruísta
de dever.Dir-se-á
que estamos na presençade algo que não era de todo
suposto. Quando FranciscoLucas Pires
(1998: 46) escrevia, a propósito do poder(num
contexto de poderpolítico)
que"a
força segueo poder, mas não é o poder.", não
imaginaria
que seria possível esta fusã,0 cósmicaentre força
e
poder,
que
estabelecea
arquitectura
do
desenvolvimento,
do progresso, mas também da miséria e da fomero.Perante
tal
diagnóstico, perspectivam-se novos enquadramentos,mais
ou
menosimpulsionadores
de
reconversões,mais
ou
meno§
capazesde
Sequestrar erecuperar
o
modelo, mais
ou
menos legíveis
numa nova cartografia que
seadivinha. Para o nobel daeconomia
Amartya
Sen (2003: 30 e3l)
"OsÍins
e os meiosdo desenvolvimento requerem exame e análise em vista de uma compreen§ão mais
completa do processo de desenvolvimento; não é, pura e simplesmente, conforme à
realidade
tomar
como obiectivo
básico apenasa
maximizaçãoda
receita
ou
dariqueza, que
é,
comoAristóteles
salientava, «meramenteutilitária,
em
vista
deoutra
coisa».
Pela
mesma
razío,
o
crescimento económico
não
pode,palpavelmente, ser tratado como
um
fim
em si mesmo. O desenvolvimento tem deser mais
referido à
promoçãoda
vida
que
construímose
àsliberdades de
queusufruímos."
Por seu lado, há todoum coniunto
de pensadores que ou§amir
alémdo paradigma e especulam sobre
um
tempo novo.Anunciam
a morte do presente enela
fundam
os caboucos de uma superação que parece gradualmente encontrar oseu
próprio
espaço,afinal "A
falência da miragem do desenvolvimentoé
cada vezmais
evidente,
e, em vez de
se buscarem
novosmodelos
de
desenvolvimentoalternativo,Íalvez
seja tempo de começar acriar
alternativas ao desenvolvimento." (SANTOS, 2000:27).A
derradeira tentativa de
sobrevivênciada ruzio
desenvolvimentistaterá sido
aadiectivação,
com
destaquepara
o
chamado desenvolvimento sustentável, masl0 Infelizmente parece náo ter eco pleno a afirmação de que "muita coisa relacionada com a pobreza
Mund.ialírruo canibal: do jogo das oítimas ao barulho dos sabres
A propósüo dqs teses de Snge Laauche
também
aqui
nada de novo. Não pode falar-se de sucesso para os países pobres naintegração
no
mercado
mundial.
Nem
sustentabilidade
fraca,
nemsustentabilidade
forte
resolveram,
ou
tão
pouco
se
aproximaram
de
soluçõessatisfatórias
que
equilibrassem as relações económicasinternacionais.
É
que
atéem
matéria
de sustentabilidade adoutrina
liberal
não prescinde-
pelo
contrárioidolatra
-
dos mecanismos de mercado na gestão ecológica do planeta. Como tal,este campo de possibilidade está votado ao fracasso uma vez eue
n
elle estfonüe
surla
croyanceen
la
possibilité de rubstituer perpétuellementfu
capital
technique auxressources naturelles épuisées grôce au progràs technique, cette crcyd,nce s'o|rposant à toute
apptication ú,t principe de préca:u.tion;
-
ellecroit
possible d.efaurnir
une &taluationmonétaire iles biens naturels
à
conütion
deprivatker
ceux-ci;
sa Profession defoi
enfaoeur de
la
durabilité de l.a croissance nefait
qu'exprimer le choix dela
durabikté ducapitati,nne
;
-
ette réduit le ternps bio-physi,que au ternps du calcul éconornique; un tü,txd'intérêt
ou
d'actuali,sation ercprirne toujoursla
préférencedu
présentpar
rafiPott
àI'arseni.r
; - elle
nie
I'existence d,'une logiquepropre
dcs
systàmes oioants*."t|(I{ARRIBEY,2004:
160e
161).Exemplo disto
éo
comportamentoveriÍicado
noque toca
à
abordagemfeita
pelo país
de maior
pesona
cenainternacional
emrelação
ao
famosoProtocolo
de Kyoto.
Desde
que
o
me§mofoi
celebrado, osEstados
Unidos
da
América
recusam
ratificá-lo. Como
fica
patente,
mesmo acordos internacionais que tocam matérias comuns a todos o§ povo§ e transversaisa
todas as
nações, estãofora
das
preocupaçÕes daquelesa
quem
cabea
maior
quota-parte
de
responsabilidadena
origem
do
problema.
E,
na
ausência de'
Pour une présentation plus complete de la critique de cette démarche néo-classique, voir\
Passet, L'Écornmique et le oirtant, Paris, Payot, 1979r2 éd. Paris, Economica, 1996;J. M. Harribey,
L'líconorni.e éconnme, op, cit., et
l*
Dfue@anqnt §outütable, Paris, Economica, 1998.u - Funda-se na convicção da possibilidade de substituir perpetuamente desde o capital técnico aos
recursos naturais esgotáveis, graças ao progresso técnico, esta convicção opõe-se a toda a aplicaçáo
do princípio da precauçáo; - Acredita ser possível promover uma avaliação monetária dos bens
naturais com vista a privatizáJos; esta profissáo de fé a favor da durabilidade do crescimento mais náo fazdo que expressar a escolha pela durabilidade do capitalismo; - Reduz o tempo biofísico ao
tempo do cálculo económico; uma taxa de juros ou de actualização exprime hoie em dia a
preferência do presente em relação ao futuro;
-
Nega a existência de uma lógica própria dosMundi.alivno canibal: d.o jogo d.qs aíti,rnas ap barulho dos sabres
A pro1ósi,to das teses de Ssrge Latouche
vontade,
fica explícito
que "le marche est Ílndarnentalernení incapable d'être régulateur omni,scient de la société."t2(I{ARRIBEY,
2004: 167).Seja
qual
for o
enfoque,
a
discussãosobre
o
desenvolvimento
não pode
ser dissociadada crítica
ao modelocapitalista,
uma vez quea
acumulação "proaoque quantité de déSâ.x sociaux et écologiques que l,a si,mple éoocationpar
toutes les institutionsintemationaks, tous
les gauoemerne%tset
maintenant lesfimtes
transnationales, du,«d.éoelappement durable» ne
xtffira
pasà
étiminerni
mêmeà
réduire."t3GIARRIBEY,
2004:167). É,
por
isso, fundamentalorientar
o pensamentocrítico
para a busca de outras concepções.Na
senda das alternativas, assim se poderia chamar o caminhotrilhado
pelo autor, objecto de estudo neste trabalho, pela forma como persegue uma perspectiva para ofuturo.
Num
arregaçar das mangas com vista a esboçarum
quadro opcional ondeas relações entre os povos sejam mais do que o acentuar de evidentes desigualdades
produzidas pelo capitalismo vigente, veremos de seguida os
principais
aspectos da concepção de Serge Latouche.12
O mercado é fundamentalmente incapaz de ser o regulador omnisciente da sociedade.
13 Provoca quantidades de danos sociais
e
ecológicos quea
simples evocaçáo por todas asinstituições internacionais, todos
os
governose
agoraas
empresas transnacionais, doMund.ialisno canihal: do jogo das rsíti.mas ao barulho dos sabres Apropósito das teses de Serge Latouche
Mundiali^çmo canibal: da iogo dw rtítimas aa barulho ilos sabres
A propósito das teses d.e Serge Intouche
"E
al,ém disso, tambérn pode o,contecer, cotno oRei
Leu
disse ao cego Gloucester,«trn
hom,emsem olhos corceguir l)er como
oai
este rnundo».Na
oerdade,hd
muita
coisa transparente e?nrelaçao
à
pobrezae
à
rniséri,a."(SEN,
1999Mund.ialismo canibal: do jogo das oíti.rnas ao bo,rulho dos sabres
A propósho dqs teses de Serge Latouche
l.
O
autor
-
SergeLatouúe
Serge
Latouche
nasceuem
Vannesa
l2
de Janeiro
de
1940.É
especialista emrelatórios económicos e
culturais
entre oNorte
e o Sul. Economista de formação, éum
dos colaboradoresmais
reconhecidosda revista
MAUSS
(Mouvement
Anti-Utilitariste
dans
les
Sciences Socialesta),presidente
da
associação"La
ligned'horizon",
professoremérito na
Faculdade deDireito,
Economiae
Gestão JeanMonnet
(Sceaux)
da
Universidade
de
Paris
XI.
É
um
dos
defensores maisconhecidos,
na
actualidade,
da
perspectiva
do
decrescimento
sustentável(decrescimento
convivial).
É
igualmente reconhecido pelos
seustrabalhos
emantropologia
económica,onde
sustentauma teoria
bastantecrítica
em
torno
daortodoxia
económica.Critica
notavelmente, através deum
discurso teóricoforte
euma
aproximação
empírica alimentada
por
muitos
exemplos,
as
noções
deracionalidade
e
eÍicácia
económica.É
director
do
Groupe
de
Recherche enAnthropologie, Epistemiologie
et Economie de la Pauvretérs (GRAEEP). Objectorde crescimento (o
termo
é normalmenteutilizado
para"objector
de consciência",signiÍicando os
cidadáosque,
por
motivos
éticos
ou
religiosos,
se
recusam
aparticipar
em
guerras,por
exemplo.), SergeLatouche é autor
devários
artigos elivros, entre
outros: Cri,ti.que de I'irnpéri,aliwne, Paris:Editions Anthropos,
1979' LeProcàs de l.a sctence sociale,
Paris:
Editions
Anthropos,
1984, L'occidentalisation du monde,Paris:
Editions
La
Découverte, 1989,La
Méga-machine,Lyon:
Parangon, 1995,Os
perigos d.o mercado planetdrio,Lisboa:
Instituto
Piaget,
1998,La
planàte unifortne, CastelnauLe Fez
Climats,
2000,La
déraison de la raison éconornique, ed.Albin
Michel,
Paris,
2001,Justice
sans limites,ed. Fayard, Paris,
2003,La
penséecréatine contre l'éconoruie
de
I'absurde,ed.
Parangon,
Paris,
2003,Suruiore
au dfuetopperuent,Parísi
Mille et
une nuits,
2004, Décoloni,ser l'imagi'naire, Lyon: Parangon, 2005, e L'inventi.on de l'economfe, Paris:Editions
Albin
Michel,
2005.ta Movimento Anti-Utilitarista para as Ciências Sociais
Mund.iali.smo canihal: do jogo da oítima an barulho d.os sabres
Aprupósin das teses de Serge Latouche
2.
A
perspectiva de SergeLatouche
A
corrente
de
pensamento sustentadapor
SergeLatouche
partilha e,
nalgunscasos,
aprofunda
o
diagnóstico
crítico daquilo
a
que ele
designa
por
omni-mercantilizaçio
domundo
e em que responsabilíza, ao mesmo tempo, a sociedadeocidental pela
hegemonia existente.Numa postura que
pretendeir
além de
umdiscurso
pseudo-politicamente-incorrecto,"Il
est dettenu banal,de
rnsiours,
dedénoncer l'impérialisme,
Tous
lesbons
espritsse
déclarent r&toltésPar
I'inégalitéscandaleuse des sí,tuations
:
onüplore
la misàre et I'appa:u,orissernent du Ti,ers-Mond,e, onfusttse l'échange inégal
et
l'égotw.e dns nationsriches."t6
(LATOUCHE,
1979:ll),
afronta
o desenvolvimento ao considerá-lo responsávelpelo
sub-desenvolvimento. Serge Latouche considera,por
exemplo, no prefácio à edição de 2005 da sua obra "L'occid,entalisationdu
monde"t7,que
"l'uniaersalisrne des l-utniàresn'est que
leparticulnrivne de la
«tibu
occidentale»»tt@ATOUCHE,
1989:l6).
Realça a questãoda desigualdade entre
Norte
e Sul e responsabílíza oNorte
pela massificação, "Desflux
«culntrels»à
sens unique partent des pays du Cenffe et inond,ent la planàte;
irnages,rnots, oaleurs mwales, nor?nes juri,üques, coiles politiques, critàres
de
cotnpétence se d.éoersent d,es unités créatrices oers les tiers rnondespat
les médins (jouruaux, raüos, télés,film»
liores, disques,oiüo|
L'essentiel de la profutction mondiale de «signe» se concentreau
Noril, ou se fabri,que dans lesfficines
contrôléespar lui,
ou selon ses noffneset
sesrnodes."te
(IATOUCHE,
1959: 45).Tal
comportamento provoca no Sul um proces§ode
"Décioil:isation: hocessus de destntction dela
cbilisatiqn
antérieure engendrépar
tó É extremamente banal nos nossos dias denunciar
o
imperialismo. Todas as boas pessoas sedeclaram revoltadas pela escandalosa desigualdade das situaçóes: deploram
a
misériae
oempobrecimento do Terceiro Mundo fustigado por trocas desiguais e pelo egoÍsmo das nações ricas.
17 A
ocidentalízaçáo do mundo.
rB O universalismo das Luzes (em alusão ao que decorre do Iluminismo) náo é mais do que o
particularismo da tribo ocidental.
le Os fluxos "culturais" de sentido único partem dos países do Centro e inundam
o
planeta;imagens, palavras, valores morais, normas legais, códigos políticos, critérios de competência
Íixam-se nas unidades criativas do terceiro mundo através dos media (iornais, rádios, televisões, Íilmes'
livros, discos, vídeos). O essencial da produção mundial de «marca» concentra-se no Norte, ou