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O Colégio Manuel da Nóbrega: o papel da educação jesuíta nos projetos de restauração católica no Recife (1917-1930)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE – MESTRADO LINHA DE PESQUISA – TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

O COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA:

O papel da educação jesuíta nos projetos de restauração católica no Recife (1917-1930)

LIZABETHLI PETRONIO DA SILVA

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LIZABETHLI PETRONIO DA SILVA

O COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA:

O papel da educação jesuíta nos projetos de restauração católica no Recife (1917-1930)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção de título no Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Orientador: Prof. Dr. André Gustavo Ferreira da Silva

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460

B586c Silva, Lizabethli Petronio da.

O Colégio Manuel da Nóbrega: o papel da educação jesuíta nos projetos de restauração católica no Recife (1917-1930) / Lizabethli Petronio da Silva. – Recife: O autor, 2015.

131 f. ; 30 cm.

Orientador: André Gustavo Ferreira da Silva.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2015.

Inclui Referências e Anexos.

1. Educação - História. 2. Jesuítas – Educação - História. 3. Restauração católica. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Silva, André Gustavo Ferreira da. II. Título.

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LIZABETHLI PETRONIO DA SILVA

O COLÉGIO MANUAL DA NÓBREGA: O PAPEL DA EDUCAÇÃO JESUÍTA NOS PROJETOS DE RESTAURAÇÃO CATÓLICA NO RECIFE (1917 – 1930)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovada em: 30/04/2015.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. André Gustavo Ferreira da Silva (Orientador) Universidade Federal de Pernambuco

Prof. Dr. Luiz Carlos Luz Marques (Examinador Externo) Universidade Católica de Pernambuco

Prof.ª Dr.ª Adriana Maria Paulo da Silva (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco

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A Deus, em quem nos apoiamos em todos os momentos de aflições. À Marilin Ferreira, minha mãe, sem ela não teria sido possível conseguir completar esta tarefa tão árdua. Sinto orgulho de você e de suas palavras.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Deus Pai, forte protetor, que me guarda em todos os momentos de minha vida. Ao Deus Filho, misericordioso, que segura minha mão todas as vezes quando estou prestes a desmoronar. Ao Deus Espírito Santo, meu eterno consolador, que me faz ter a certeza da concretude e presença desta Santíssima Trindade nos mais difíceis ou gloriosos dias.

À grande professora Marilin, minha mãe, que não só me ensinou as primeiras letras, mas também me abriu um universo de possibilidades, dando-me os livros como melhores amigos desde a mais tenra idade, doutrinando-me a encarar e buscar o conhecimento acadêmico como uma incansável colheita que nos fornece os mais preciosos frutos. A essa minha grande matriarca, que nas limitações de unidade conseguiu se fazer múltipla, sendo minha mãe, pai, professora, médica e terapeuta.

Somado a ela, agradeço a Ilson Lagedo, um pai de outra vida, que em sua infinita paciência esteve sempre pronto a me escutar. Esse que, além de aguentar cotidianamente minhas falácias e partilhar as loucuras da minha cabeça, vive numa incansável tentativa de ajudar o próximo e de ser solícito a quem lhe bate a porta.

À Jaqueline Ferreira, minha tia/mãe que, com seu carinho e seu afeto mais doce, não mede esforços para estar presente nos mais importantes momentos da minha vida. Sempre me encorajando a continuar nos caminhos que escolho seguir, se alegrando e se entusiasmando com minhas conquistas, mais até do que se dela fossem.

Ao meu amor, Otávio Vinícius, por sua infinita compreensão nos meus momentos de ausência. Por me incentivar a nunca parar de buscar o futuro com o qual sonhamos juntos, por estar sempre lá quando mais preciso e, principalmente, por me fazer esquecer tudo nos momentos que eu mais necessitei.

A minha melhor amiga, irmã e companheira de jornada acadêmica, Rafaela Ribeiro, responsável por 90% do valor da minha conta telefônica, que mesmo quando não pode, me atende, sendo muitas vezes até minha orientadora. Agradeço-lhe a amizade e até as sábias palavras.

A minha querida “diva acadêmica” Olívia Tereza, grande amiga que muitas vezes abdicou dos únicos momentos livres que tinha para me ajudar, demonstrando com

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sua prontidão em me socorrer, uma amizade e afeto que um dia espero ter o privilégio de retribuir.

Aos meus primeiros Orientadores e queridos amigos Emanuela Ribeiro e Luiz Carlos Marques, que demonstraram, desde muito cedo, em seus atos cheios de afeto, cuidado e atenção, grandes exemplos de excelência acadêmica a seguir. Orgulho-me de lhes ter na história de minha vida, me ensinando não só a empenhar-me em ser uma boa profissional, mas um ser humano melhor.

A André Ferreira, meu querido orientador, que sempre se esforça a quebrar as barreiras entre professor/aluno, sempre acessível e pronto para ajudar, tornando muito mais leve esta etapa para mim e meus companheiros, fazendo sempre o possível e o impossível para nos auxiliar.

Aos professores que compuseram a banca de defesa, André Ferreira, Adriana Paulo e Luiz Carlos Marques, que num compromisso altruísta pelo desenvolvimento educacional e científico do país, estiveram sempre de prontidão, amparando-me neste início de vida acadêmica.

Aos meus companheiros do PPGE, Ramon de Oliveira, Amaury, Clara Angeiras, Alex Lins, Reginaldo, etc. que tornaram esta etapa extremamente prazerosa de ser vivenciada. A amizade de vocês foi aquilo que de mais importante ficou desta experiência.

Aos funcionários da Biblioteca da Universidade Católica de Pernambuco, que extremamente solícitos e competentes, sempre se comprometem a facilitar o máximo possível a vida dos pesquisadores que a eles recorrem, montando, sem sombra de dúvida, uma das melhores estruturas entre os arquivos do Estado de Pernambuco.

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RESUMO

O objeto desta dissertação encontra-se na investigação do envolvimento da Companhia de Jesus nos trabalhos desenvolvidos em nome da restauração católica. Os recortes estão delimitados através da análise das atividades dos Jesuítas no Colégio Manuel da Nóbrega no Recife, no período entre 1917 a 1930, na tentativa de compreender a função desempenhada por esta instituição e qual a natureza deste processo de restauração. Para tal, os fundamentos teóricos que direcionaram nosso olhar foram, em especial, aquele encontrado no conceito de habitus de Pierre Bourdieu. Assim, as questões cotidianas, encontrados principalmente nos diários do Colégio Nóbrega, foram examinadas pelas ligações com seu contexto histórico, no intuito de decifrar a realidade social que envolveu aquela prática, o que, ao longo deste trabalho, nos fez deduzir o Colégio Nóbrega como um espaço de produção e reprodução de discursos, aliado aos mais diversos setores sociais, inclusive e especialmente o político, vinculado a uma realidade que não demonstrou a necessidade de uma restauração da instituição, no sentido literal da palavra.

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ABSTRACT

The object of this work is to investigate the involvement of the Society of Jesus in work on behalf of Catholic restoration. The side view is delimited by the review on the activities of the Jesuits at the Manuel da Nobrega College, in Recife, in the period from 1917 to 1930, in an attempt to try understanding the role played by this institution and the nature of this restoration process. Therefore, the theoretical foundations that were directed our gaze, are especially those found in the concepts of social place of Michel De Certeau and habitus of Pierre Bourdieu. So the everyday issues were examined by the links with their historical context in order to decipher the social reality involving this practice, which made us deduce, during this paper, the Nobrega College as a place of production and reproduction of speeches, connected with the various social sectors, including and especially the political one, linked to a reality that did not seem to need a restoration, at least in the literal sense of the word.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

1.1 Transposição do Atlântico ... 10

1.2 Destaques sobre Jesuítas e relações Igreja/Estado na historiografia contemporânea 15 2. CAPÍTULO 1: O LUGAR DO COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA ... 23

2.1 Em defesa da moral e dos bons costumes... 27

2.2 Relação entre ricos e pobres ... 33

2.3 Liberalismo, Socialismo e Comunismo ... 38

2.4 Maçonaria ... 42

3. CAPÍTULO 2: UM HABITUS CIVILIZANTE: QUESTÕES DE HIERARQUIA, DISCIPLINA E HIGIENE ... 46

3.1 Disciplina: subjetivação e naturalização do credo para o futuro Militante Católico 51 3.1.1 Liga para a Restauração dos Ideais... 53

3.1.2 Práticas disciplinares para a formação de um modelo padrão de moço cristão combatente ... 58

3.2 Higiene: principal confluência com a modernidade ... 63

4. CAPÍTULO 3: ENTRE PESSOAS, LUGARES E INSTITUIÇÕES: UM ESTREITAMENTO DE LAÇOS COM A ELITE PERNAMBUCANA COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA? ... 68

4.1 Rede católica de intercâmbio do CMN... 70

4.2 Deveres sagrados de mãe e esposa: o posicionamento estratégico da mulher católica ... 75

4.3 Relação com as Forças Armadas ... 77

4.4 Aproximação política ... 81

5. CAPÍTULO 4: O QUE PODEMOS PENSAR PARA O RECIFE, UM PROJETO DE RESTAURAÇÃO CATÓLICA OU MANUTENÇÃO DO PODER? ... 93

5.1 Laicidade e Restauração Católica ... 96

5.2 Onde esta O Movimento de Escola Nova? ... 104

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 109

REFERÊNCIAS ... 113

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1. INTRODUÇÃO

1.1. Transposição do Atlântico

Nesta dissertação, investigamos o envolvimento da Companhia de Jesus no Recife nos esforços de restauração do poder aparentemente perdido pela Igreja com a implantação do Estado Laico. Através da análise das atividades dos Jesuítas no Colégio Manuel da Nóbrega, no período de 1917 a 1930, tentamos compreender qual a natureza desse processo de restauração e decifrar a realidade social que envolveu aquela prática vinculando as questões cotidianas ao contexto histórico,

Antes, é necessário transpormos o Atlântico para visualizar os republicanos portugueses que eram contrários ao Cristianismo Católico, descartando a possibilidade de que o catolicismo pudesse contribuir de alguma forma à vida nacional. Eles miravam, entre outros, a Companhia de Jesus, como um adversário visível, cujas atividades desviavam radicalmente Portugal do caminho para onde a República apontava. No fim do século XIX e no início do século XX, os Republicanos estavam lutando contra o catolicismo e suas expressões culturais em Portugal.

Essas ideias tornaram-se mais fortes, após implantação do Regime Republicano em 04 de outubro de 1910, período em que se destacaram as medidas do então Ministro da Justiça Afonso da Costa, que em 08 de outubro do mesmo ano, expulsou os Jesuítas de Portugal e restabeleceu a legislação pombalina, abolindo as ordens e expressões religiosas. Assim, estigmatizada por uma série de mudanças históricas, a década de 1910 foi demasiado turbulenta para a Igreja Católica em Portugal, que se viu sem significativas influências num estado Laico a partir de 20 de abril de 1911, através da Lei de Separação do Estado e da Igreja.

Exilados, os Jesuítas veem no Brasil, não apenas um país com afinidades culturais, linguísticas e religiosas, mas um excelente refúgio proporcionado por um contexto histórico-político favorável para onde, não só eles, mas, muitos outros clérigos, iam buscar asilo da legislação “anti-católica” que orbitava a Europa no início do século XX:

Os Jesuítas exilados refletiam o exemplo de milhares de imigrantes que, noutros tempos, vieram às Américas, perseguidos por causa de suas crenças religiosas e buscando um lugar onde pudessem praticá-las. Além disso, os Jesuítas portugueses encontravam-se num estado psicológico muito especial: Como lusitanos, buscavam uma terra anteriormente parte de Portugal, mas

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dele separada com a proclamação da sua independência em 1822. Como Jesuítas, estavam retornando a uma terra marcada maciçamente pela ação cultural de seus correligionários na época colonial. Mas então e na mesma terra o iluminismo pombalino suprimira a Companhia de Jesus e, mais de século e meio mais tarde, o mesmo iluminismo na sua forma republicana expulsou a Companhia de Portugal. Numa doce ironia, esse mesmo iluminismo, desta vez, na sua forma republicana brasileira, recebe os Jesuítas portugueses que, de maneira imprevista, iriam fruir, como a Igreja, a liberdade da Velha República. (AZEVEDO, 1986. p. 01)

Embora existissem campanhas portuguesas solicitando a não aceitação dos Jesuítas no Brasil e sendo aqui também a Igreja separada constitucionalmente do Estado desde a instauração do Regime Republicano, alguns estudos apontam que, para a elite o importante era evitar a incompatibilidade entre os seus ideais e os da nação. Toda a ação nesse sentido estava centralizada na criação de um conjunto de valores identificados com as bases tradicionais da Pátria que se mostrasse como um elemento dinamizador e arregimentador das riquezas históricas do povo, daí retirando os valores que guiariam o seu processo e a sua elevação moral numa unidade mais coesa, assim como o crescimento intelectual dos indivíduos que integram a nação. O que indica que no Brasil as influências católicas aparentemente se davam nos âmbitos político, social, econômico e cultural, tornando possível a vinda da Companhia de Jesus.

Chegando ao Brasil, fora nomeado, em 02 de fevereiro de 1911, o Pᵉ Antônio Menezes como Superior da Missão Jesuíta Brasileira Septentrional da Província Portuguesa que abrangia os Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas, para quem a maior preocupação era garantir que não se dispersasse a Ordem Jesuíta (AZEVEDO, 1986).

Estabelecidos, os Jesuítas no Brasil receberam inúmeras solicitações para o aproveitamento profissional dos religiosos considerados exilados, uma vez que se tratavam de educadores entre os mais qualificados para o ensino primário e secundário de toda a Europa, o que fez dos colégios católicos, especialmente de ordens religiosas, como a dos Jesuítas, empreendimentos eficientes e lucrativos.

`É importante salientar que somente com a implantação do Estado Novo o ensino primário e o ensino secundário tornaram-se dever da Federação, de modo que este era de responsabilidade da União e dos Governos Estaduais e o primário dos Estados e municípios, os quais raramente conseguiam manter instituições que atendessem a demanda da sociedade que acabava recorrendo a grande oferta das instituições privadas e, especialmente, as de ordens religiosas. Sendo assim, várias instituições de ensino foram estabelecidas no Brasil pela Companhia da Jesus., entre as

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principais delas no Nordeste estão: o Instituto São Luiz Gonzaga e o Colégio Antônio Vieira na Bahia, a Escola Apostólica em Baturité no Ceará e o Colégio Manuel da Nóbrega em Pernambuco.

Acompanhando as tendências nacionais, em 1912, foi solicitado aos Jesuítas pelo Arcebispo de Olinda e Recife, D. Luiz Correia da Silva Britto, que fundassem um colégio no Recife. Entretanto, essa solicitação só foi atendida na gestão do Arcebispo D. Sebastião Leme, que reiterou o pedido feito pelo bispo anterior. Então, em março de 1917, os jesuítas fundaram o Colégio Manuel da Nóbrega, estabelecido no Palácio da Soledade1, prédio antes pertencente à Arquidiocese de Olinda e Recife.

Não só o Colégio Manuel da Nóbrega, mas o ensino secundário em todos os colégios fundados no Nordeste pelos Jesuítas neste período, desde o seu planejamento, já possuíam um público alvo muito bem definido: os grupos pertencentes à elite local. De modo que o projeto pedagógico dessas instituições continha disciplinas que preparavam seus alunos para os cursos universitários, especialmente, o de Direito, já que dois terços da elite republicana era composta por advogados (HEINZ, 2006). Além disso, desde 1915 a Reforma Maximiliano instituiu o exame do vestibular e a obrigatoriedade do diploma de conclusão do ensino secundário para o ingresso no ensino superior, excluindo assim, as classes proletárias que, quando muito, só conseguiam ter acesso ao ensino primário e ao profissionalizante.

Durante toda a República Velha, a Igreja Católica empreendeu um projeto intitulado, na época, de recatolização com o objetivo de “retomar” sua influência na sociedade, já que, como instituição, teria perdido grande parte do seu suposto poder político de intervenção após a instauração do Estado Laico. Como a Igreja precisava aumentar sua abrangência de influência, uma das maneiras mais eficientes foi iniciando uma reaproximação com as elites, primeiro no âmbito local, depois expandindo o raio de alcance do discurso Católico para os espaços extra- católicos, em sentido amplo (MICELI, 1988).

Como término de nosso recorte cronológico, escolhemos a Revolução de 1930, por entendermos que essa mudança sistemática nas relações políticas, trouxe às

1

Localizado na Rua Oliveira Lima, nº 824, Bairro da Boa Vista, Recife-PE. Atualmente a edificação do Palácio da Soledade serve como filial ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN-Recife), enquanto o Colégio Manuel da Nóbrega, atual Colégio Liceu Nóbrega, encontrasse no mesmo terreno do Palácio mas em um edifício diferente, com sua fachada voltada à Rua do Príncipe, em frente à Universidade Católica de Pernambuco

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discussões em torno das relações Igreja/Estado um novo elemento, que tiveram repercussões no cotidiano do colégio, inaugurando um novo período, ao qual não desejamos nos ater nesta fase da pesquisa.

Auxiliado pelo contexto do pós 1ª Guerra e a “ameaça comunista”, o discurso anticomunista, antes apropriado pela Igreja, é incorporado ao ensino, e, num pacto com o Estado após a Revolução de Trinta, a Igreja consegue colher os frutos do processo de

romanização e recatolização empreendidos na República Velha. Assim sendo, a

construção do Estado vai se basear na trindade “Pátria, Catolicismo e Família”, em que um nacionalismo com profundas conotações moralistas é instaurado e vai se utilizar do discurso da Igreja, como auxiliar na formação de um povo ordeiro (ANDRADE; ALMEIDA, 2001).

Desse modo, durante as primeiras décadas do século XX, a Igreja Católica e o Estado viam na Educação um meio de legitimação do poder, com interesses que se confluíram, fecharam um “pacto” que atendia a ambos. Por conseguinte, caberia, pois, aos profissionais da educação, a missão de implantação de um saber positivo, ordeiro, disciplinador e legitimador das tradições patrióticas, de caráter profético e restaurador a serviço da naturalização do caráter hierárquico da sociedade elitista, que dualizasse e dicotomizasse o contexto político, colocando os detentores do poder como salvadores da sociedade, excluindo qualquer ideologia que se afastasse destes objetivos (ANDRADE; ALMEIDA, 2001).

Portanto, o Colégio Manuel da Nóbrega representa um lugar social (CERTEAU, 2000) muito significativo para uma análise das relações sociopolíticas entre o catolicismo e os ideais estatais de ordem social vigentes no período. O que nos leva a indagar a seguinte questão: na vinculação dos Jesuítas do Colégio Manuel da Nóbrega aos supostos esforços de recristianização política empreendidos por membros da Igreja Católica no Estado Laico Republicano, qual seria o conceito de recristianização que as práticas sugerem?

Para tanto, ainda como introdução ao nosso estudo, destacaremos no próximo tópico, na historiografia contemporânea, quais conceitos e correntes estamos filiados dentre os inúmeros estudos que tratam das amplas relações estabelecidas entre a Igreja e Estado, principalmente, aquelas mais específicas sobre a Companhia de Jesus.

No primeiro capítulo, partiremos especialmente do Arcebispo D. Leme, pela vinculação do Colégio Manuel da Nóbrega (CMN) ao seu pensamento, segundo nossas fontes, e das ideologias papais em que se apoia, pois, uma vez sendo um ambiente de

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produção de discursos, precisamos compreender a seguinte pergunta: em que contexto ideológico se fundava a educação jesuíta do Nóbrega?

Já a indagação, encontra-se o aparelhamento do colégio jesuíta do Recife a serviço da formação do Católico militante, pois, é aquele que impulsiona as análises feitas no capítulo “um habittus Civilizante: questões de hierarquia, disciplina e higiene” onde a partir das análises feitas no primeiro capítulo em comparação com os dados encontrados nas Consultas2, nos Diários do CMN e nas obras Institucionais da

Congregação Mariana, partimos para investigação de como se planejava construir a subjetividade de um futuro católico militante.

No capítulo intitulado “Entre pessoas, lugares e instituições: um estreitamento de laços com a elite pernambucana como estratégia política?”, partimos das análises das encíclicas3 Rerum Novarum, tomando-a como pensamento impulsionador e a

Quadragésimo anno, como contexto resultante, reafirmado o marco da doutrina social

Leonina, que juntamente com as anteriores ordenanças do ensino da doutrina cristã de Pio X formam o pensamento basilar do Episcopado de D. Sebastião Leme, observando onde situa-se o Colégio Manuel da Nóbrega em confluência com esse programa.

Em vista disso, faremos uma comparação dos discursos proferidos nestes documentos com as relações estabelecidas com agentes políticos, das Forças Armadas e da Elite Eclesiástica e Leiga no cotidiano do Colégio Nóbrega, encontrados nos Diários

de Fundação do colégio para questionarmos: estariam as relações estabelecidas entre os

agentes do Colégio Manuel da Nóbrega e uma dita Elite Pernambucana, encontradas nos Diários de Fundação do CMN, a serviço de um amplo projeto de Recristianização? Estariam os jesuítas se somando aos esforços da Igreja em manter-se como um dos principais atores políticos nacionais, em reação à suposta laicidade da República?

Esta investigação do envolvimento católica política, também nos leva a questionar: será que podemos pensar para o Recife um projeto de Recatolização ou simplesmente uma Manutenção do Poder? E é aqui que nos permitimos uma certa ousadia, contudo, com a humildade que cabe a qualquer pesquisador, não podendo fechar os olhos àquilo que encontramos em nossa documentação (além do não dito), que sinceramente nos fez duvidar de trabalhos mais gerais, que pensam para o Brasil uma investida de retomada da política para a Igreja, perdida com a implantação do

2 Anexo C 3

Todas elas disponíveis no acervo da Biblioteca Central da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

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Estado Laico e com o crescimento dos pensamentos liberais. Pois, acreditamos que quando falamos na República Pernambucana, não podemos pensar nos mesmos moldes da República Carioca e Paulista. Partindo disso, demostraremos aqui as conclusões com que as práticas do cotidiano do CMN nos permitiram chegar.

Começamos, então, com os diários de Fundação do Colégio Manuel da Nóbrega, nossas fontes principais, que até onde sabemos, ainda não foram usados em nenhum trabalho acadêmico semelhante ao nosso, depois com o livro de registro intitulado

Consultas, dado ao quase ineditismo do seu uso4. De acordo com tais fontes, há vários indícios da inexistência de uma ruptura significativa entre Igreja e Estado pensados para uma República Laica. Também utilizamos como uma extensão de nossas fontes primárias usando as encíclicas.

É necessário destacar também, que ao explorarmos os Diários5 de Fundação do Colégio Manuel da Nóbrega, notamos a ausência de certos registros, como as dos anos de 1923, 1925 e 1926. Logo, a falta de tais registros nos fazem levantar algumas questões ,como sobre quais foram os motivos que levaram ao não registro dessas datas, no que concerne às atividades cotidianas, uma vez que os diários são cadernos corridos e, no que se refere à conservação e preservação deste material, não notamos nenhum dano que indicasse a supressão das páginas com esse conteúdo?.

1.2 Destaques sobre Jesuítas e relações Igreja/Estado na historiografia contemporânea

Antes de qualquer coisa, é necessário esclarecer que partimos de análises gerais com o intuito de chegarmos às correntes historiográficas educacionais, mesclando estudos em História das Religiões e História da Educação, contribuindo-se, assim, com as concepções que pautam a compreensão do contexto influenciador da formação de determinado pensamento pedagógico.

Partindo-se desse pressuposto, é interessante ressaltar, que a partir da mudança paradigmática instalada na História com o movimento dos anos de 1970, um novo olhar foi estabelecido a respeito do papel da religião na sociedade. Antes diagnosticada como

4 Ferdinand Azevedo chega a citá-los na obra A missão portuguesa da Companhia de Jesus no Nordeste 1911-1936 em um dos capítulos sobre a criação dos Colégios Jesuítas no Nordeste

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“retrocesso” para as sociedades modernas, a religião começou a ser entendida como um importante aspecto da vida social.

O Dicionário das Ciências Históricas, Franco Pierini, aponta o estabelecimento de um “setor de pesquisa de não secundária importância” na Itália, que acompanha esse movimento de releitura de estudos sobre a História da Igreja e do Cristianismo, o qual não ocorreu só na Itália, mas em outras partes do mundo. Historiadores laicos italianos, de “sólida formação marxista”, dirigiram um trabalho sobre História do Cristianismo, os quais admitiram que “a milenar experiência cristã constitui um dado inalienável do nosso patrimônio cultural e histórico” (MARQUES, 2006.).

Na América Latina esse movimento é acompanhado pela criação, em 1973, da Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina e no Caribe (CEHILA). Aqui, tal movimento é confirmado com a criação do CEHILA-Brasil, fundado em 1980, que possui entre seus principais trabalhos, destacados nas obras coletâneas de História

da Igreja no Brasil, destacam-se os que focam os diversos ciclos econômico-religiosos,

através dos quais a Igreja expandiu-se no Brasil, e aqueles cujas obras compõem as coletâneas de História das Religiões no Brasil, que antes de tudo, promovem o escoamento de uma enorme rede de núcleos de estudos críticos sobre as manifestações religiosas vislumbradas no Brasil.

Quando avaliamos sobre qual pensamento formador da elite burguesa republicana, que era embasado na ordem e hierarquia, recorremos a Marilena Chauí, em o Brasil o Mito Fundador e sociedade autoritária, no qual é mostrado que o imaginário nacional foi construído simbolicamente em torno da ordem, em que um político não é visto como estando a serviço do povo, mas sim a serviço do Estado.

Em torno da instauração do Estado Laico na República, precisamos evidenciar duas grandes correntes interpretativas, das quais a mais recorrente é aquela que acredita ter havido uma enorme perda de poder com este fato. Já outros autores, numa corrente inaugurada ainda em sua contemporaneidade, pelo Padre Júlio Maria, acreditam que a partir disso a Igreja vai ter a liberdade e a independência institucional para atuar, uma vez acabado, juntamente a vinculação estatal o regime do padroado.

Recorremos às inúmeras obras do seminarista salesiano Riolando Azzi, nascido em 1928, que cursou História Eclesiástica na Pontifica Universidade Gregoriana, foi professor de história do Instituto Teológico Pio XI e trabalhou como assessor em movimentos, como, o MEB por exemplo, para uma visão geral da acentuada participação da Igreja Católica em todos os setores da sociedade brasileira, em especial

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nas suas influências na formação da elite burguesa em seus esforços de não perder o espaço político e a influência social, além de visões mais específicas em torno do estabelecimento salesiano no Brasil e algumas interpretações sobre a atuação dos leigos e do bispado brasileiro.

É importante, nesse caso, destacar o que entendemos por elites. Utilizamos a concepção de “administradores” dos negócios públicos das sociedades organizadas, conceito apresentado por Flávio Heinz, em Por outra História das elites. Seus estudos, partem de análises historiográficas de pesquisas sobre as elites, centrados especialmente na análise das metodologias utilizadas desses estudos. Heinz, usando a metodologia de biografias coletivas, pontua algumas perspectivas sobre os mais diversos tempos históricos, demostrando que os estudos sobre as elites são tradicionalmente entranhados de valores dicotômicos que muitas vezes impedem análises mais objetivas.

Segundo o estudioso, antes do início da República, os cargos mais altos eram reservados para uma pequena elite escolhida pela monarquia hereditária e seus sucessores, “(...) procedimentos democráticos somente eram empregados para preencher cargos locais, provinciais e alguns parlamentares.” Com a Constituição de 1891, ficou estabelecido que se realizassem eleições para praticamente todos os postos dos poderes executivos e legislativos.

Também utilizamos suas concepções no entendimento de que no início do novo regime essa intenção, de modo geral, não fora plenamente cumprida, haja vista os líderes estivessem sempre tentando se reeleger ou colocar seus sucessores como forma de manter-se no poder. A democracia passou todo o século XX numa gradual tentativa de aperfeiçoamento. Segundo Heinz:

Nos primórdios do século XX, a elite política coincidia bastante com as elites sociais, econômicas e intelectuais. Cada vez mais, porém, disponibilizou-se o acesso ao cargo público a indivíduos da classe média, de modo que a elite política não mais se sobrepunha tanto às outras. Carreiras políticas tornaram-se meios de mobilidade ascendente para pessoas talentosas com qualificações certas. Essa tendência trouxe um certo grau de democratização à sociedade brasileira, porque a liderança não mais estava restrita a um pequeno número de pessoas. (HEINZ, 2006, p. 28)

Podemos intuir a partir de Heinz que “as elites políticas coincidiam bastante com as elites sociais, econômicas e intelectuais” são intelectuais católicos que estavam presentes nas mais diferentes rodas de discussão, tinham contato com pessoas

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pertencentes aos mais diferentes setores da esfera pública, já que, como foi dito, a Igreja e o Estado tinham se separado.

Embora diversas obras não tratem diretamente dos jesuítas, são importantes para análise das relações entre as ordens e congregações religiosas católicas, o estado e a sociedade do período em questão, entre elas destacam-se: o Historiador cearense João Alfredo de Sousa Montenegro, na obra Evolução do catolicismo no Brasil, nos fornecendo as pistas necessárias ao entendimento contextual de como a Igreja consolida sua influência nessa sociedade republicana:

Consolidada a organização republicana, acomoda-se a Igreja ao novo regime político começando a plantar as bases de um trabalho pastoral duradouro e marcante, o qual é orientado pela concepção religiosa da vida, não de todo uniforme ao longo de sua ascendência, mas desdobrando-se com extraordinária capacidade de resistência às pressões da secularização, num conservadorismo recebido das fontes católicas europeias com o pontificado de PIO IX. (MONTENEGRO, 1972 p. 154)

Ainda de acordo com Montenegro, percebemos que através de uma herança cultural, o moralismo, juntamente a necessidade de “ordem”, formou-se um sistema de valores, que já vinha de longe e ia se consolidando na república, integrando-se como elemento-chave numa concepção religiosa da vida. Entretanto, esse sistema de valores nasceu em meio à ebulição nacionalista, sofrendo o impacto da crise da quebra da hegemonia católica no Brasil, o pensamento católico não pode fugir à influência das novas correntes ideológicas.

A partir daí e com base em Emanuela Sousa Ribeiro, na sua tese de Doutorado

Modernidade no Brasil, Igreja Católica, Identidade nacional – Práticas e estratégias intelectuais: 1889-1930, vimos que a Igreja se adaptou-se à modernidade, usando uma

abordagem da religião adaptada aos novos preceitos modernos para manter o moralismo cristão e a modernidade atrelados.

Isso nos levou a necessidade do entendimento de outro aspecto: a importância do catolicismo na formulação de uma identidade nacional. A noção de nacionalidade na República Velha supervalorizava os modelos estrangeiros, passando o nacional a ser mais forte só na década de 30 e 40. Embora a separação entre Igreja e Estado tivesse sido feita e houvesse essa supervalorização do modelo estrangeiro, existia uma busca pela formação de uma identidade nacional. Símbolos que unissem a nação naquele momento eram de imprescindível importância, pois, caso contrário, as elites republicanas veriam a nação fragmentada em pouco tempo.

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Essa busca por algo que unisse a nação é abordada no livro A formação das

almas: o imaginário da República no Brasil, de José Murilo de Carvalho. Usando como

fontes documentos históricos, tratados políticos e obras literárias, o historiador e cientista político ligado à UFRJ, possui por temática a busca por símbolos e mitologias a serviço do sistema político. A busca de “Heróis” para esta nova República e a não aceitação da cópia da simbologia francesa, representada em forma de mulher, contribui, inevitavelmente, para a manutenção do povo como coadjuvante da vida política do Estado. Tais fatos provam a imutabilidade de valores e estruturas na dinâmica institucional, com a proclamação da República, uma vez que a cultura do patriarcado já estava arraigada em nossa sociedade. Entre os vários exemplos retratados pelo autor, há a figura de Tiradentes, “O Cristo cívico”, tido como a representação do modelo patriarcal cristão, que continuava a vigorar no Brasil, legitimando, assim, os homens brancos e cristãos católicos do poder.

Percebendo o quanto essa busca de uma identidade nacional era importante, pois a modernidade tinha trazido a falta de interesse do homem para com a esfera pública. O catolicismo vem, assim, como auxílio para a construção da nação utilizando as influências sociais como ferramentas para se fazer presente nas instituições políticas. Isso pode ser percebido no Programa de Ação Católica, no capítulo que mostra os deveres dos cristãos diante da política e dos ramos da esfera pública:

(...) Lacordaire: ‘depois do serviço desinteressado de Deus, não conheço nada mais heróico que o serviço público do homem de Estado. Seria comparável a renuncia dos católicos a colaborar na política, até certos respeitos, ao chefe de família que negligenciasse o andamento e bem estar do seu lar. Que outra cousa é a Pátria sinão o prolongamento da Familia? Demais, cooperar no governo de um país é para o catolico uma ocasião oportuna de restaurar o domínio de Cristo na Sociedade. Ensina-o o Papa atual quando disse: ‘Bem que se abstenha da política de partido, a Ação Catolica quer preparar-se

para fazer a boa política; quer formar politicamente as conciencias dos cidadãos, forma-los política e cristianamente... Não só a Ação Catolica não

dificulta aos particulares a participação na boa política, mas até lhes inculta isso como dever rigoroso, pondo-os em condição de intervir na política com uma conciencia mais iluminada e mais profunda. A Ação Catolica como

ação católica não faz política, ela quer apenas ensinar aos catolicos a fazer da política o melhor uso, ao qual são obrigados todos os cidadãos e os catolicos de um modo particular. (grifo nosso) (NERY, 1933, p.107)

Pode-se ver que o projeto de Recristianização, Recatolização e Restauração

Católica, podia servia de estratégia de reaproximação política Esse fato fica evidente

em outras obras da historiografia brasileira que embora divirjam quanto ao especto cronológico e a questões de nomenclatura, sustentam esse entendimento, sendo,

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portanto, quase unânimes de que a ideia de esses projetos foram gestados no fim da República Velha e consolidados na Era Vargas, mostrando que o termo Restauração foi o termo usado pelos próprios agentes da época, sendo encontrado na própria documentação, e sobre o qual nos aprofundaremos no decorrer do texto.

Na verdade alguns historiadores atribuem a Bruneau a inauguração de uma corrente historiográfica que afirma que nos trinta primeiros anos da República houve uma brusca separação entre Igreja e Estado, ocorrendo uma reaproximação apenas em 1921, com a criação da revista A Ordem que implanta as bases da aproximação da Igreja, que é consolidada apenas no Estado Novo (RIBEIRO, 2009).

Quanto aos aspectos do projeto de Romanização, alguns autores mais clássicos, como Bruneau, por exemplo, acreditam que “por volta dos anos 20 (num espaço de duas a três gerações) o Catolicismo romano já estava implantado no Brasil, deixando sobreviver o antigo catolicismo brasileiro apenas em setores marginais” (Bruneau, 1974. p. 140). Segundo o autor, por volta de 1922 corresponderia também o fim do período de consolidação do catolicismo romanizado no país.

Já para Alípio Casali, cuja interpretação nos filiamos, existem sinais muito anteriores aos acima citados, como, por exemplo, a Carta Pastoral ao Clero a aos Fieis

da Arquidiocese de Olinda de D. Sebastião Leme da Siqueira Cintra em 1916 e sua

atuação posterior como Cardeal no Rio de Janeiro que servem de marcos para a reaproximação da Igreja com o Estado no Brasil.

D. Leme, por sua vez, com a Carta Pastoral de 1916 tornou-se, segundo certa corrente, _cujos alguns autores serão mais destacados a seguir_, aquele que inaugura os trabalhos de Restauração Católica no Recife, estabelecendo as diretrizes daquilo que seria o programa da Ação Católica responsável pelo incentivo e criação de uma série de instituições católicas leigas, assistencialistas, de intelectuais, de caridade, escolas, etc.

Consideramos também Sérgio Miceli, que em vários estudos sobre o processo de

Romanização do catolicismo brasileiro defende que era clara a noção que os projetos

clérigos nacionais, em especial do episcopado, em conjunto com as autoridades romanas faziam parte de um conjunto de ações para regeneração da Igreja Brasileira.

Ainda nessa linha de pensamento, citamos o livro Fé, Saber e Poder – os

intelectuais entre a Restauração Católica e a política no Recife (1930-1937) de Carlos

André Silva de Moura, que ao abordar a figura de D. Leme e a história da recatolização do Recife, que vem desde publicação da Carta Pastoral de 1916, mostra a contribuição

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dos “letrados” e leigos da Faculdade de Direito do Recife às empreitadas da Igreja na

restauração da política para o pensamento católico.

A obra Igreja Católica e a política no Brasil, de Scott Mainwaring, brasilianista de nova geração, traz à historiografia esse tão importante olhar estrangeiro sobre a interação entre Igreja Católica e a política brasileira. Além disso, o status de não católico o deu ainda mais autonomia e o necessário distanciamento à análise de suas fontes, coletadas na época que trabalhava no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento econômico e Social (IBRADES), centro jesuíta no Rio de Janeiro. Scott analisou a temática a partir de documentos e entrevistas coletados em várias cidades do Brasil, inclusive em Recife, aos quais teve acesso enquanto trabalhava no instituto.

O argumento-chave de sua obra é o de que a Igreja é uma instituição, e como tal defende seus interesses. Logo, qualquer análise sobre ela deve partir dos aspectos que compõe essa instituição. No caso da Igreja Católica, devemos levar em conta que as maiores tensões internas não se dão entre a base e a hierarquia, mas entre as inúmeras concepções de missão da Igreja. Diferentes modelos geram diferentes interesses, de modo que o desenvolvimento político foi o especto que Mainwaring mais deu ênfase, haja vista a instituição (ou a missão que a representa) acreditar que o é. Essa crença pode derivar dos mais diferentes contextos, pois inserida na sociedade, a Igreja acompanhará as mudanças sociais nela ocorridas, ou servirá de componente inspirador ao questionamento da ordem.

No caso do período Neocristandade, que toma como marco inicial a publicação da Carta Pastoral de 1916 do cardeal D. Leme (periodização a qual nos filiamos). A partir de então, dissolvido o regime do padroado, a Igreja possuí maior autonomia para atuar nas mais diferentes esferas. Os movimentos de base social da Igreja naquele momento não podiam ser negligenciados, pois eram uns dos mais importantes canais de manutenção política da Igreja. Uma aproximação das elites governamentais era realizada através das estratégias de estreitamento e inserção do católico leigo na defesa dos interesses institucionais.

Para Scott, (concordamos com ele), a questão não é “se” a Igreja estava envolvida na política, mas sim “como”. Ele parte do pressuposto de que a Igreja em muitos de seus segmentos no período denominado por Neocristandade estava abertamente envolvida com a política, além de enxergarem o modelo educacional como pertencente ao grupo de interesses indispensáveis ao aumento da influência católica na sociedade.

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Já em relação ao enfoque de nossa pesquisa, é interessante lembrar que diversos trabalhos já foram publicados sobre os Jesuítas e a Companhia de Jesus, abordando as polêmicas em torno da validade das ações desta Ordem religiosa. Em relação aos autores pernambucanos mais recentes que trabalharam esse tema, como por exemplo, Nilo Pereira6, e as contemporâneas Giselda Brito7 e Zuleica Dantas8, Newton Cabral e Ferdinand Azevedo.

Entretanto, em relação à proximidade de nosso objeto, destacamos dois autores: o primeiro é Ferdinand Azevedo9 com a obra A Missão Portuguesa da Companhia de

Jesus no Nordeste 1911-1936, cuja tese central, orbita em torno das razões pela escolha

do Brasil como refúgio do restabelecimento da Legislação Pombalina em Portugal, relatando que os Jesuítas viam o Brasil, não apenas um país com afinidades culturais, linguísticas e religiosas, mas um excelente refúgio proporcionado por um contexto histórico-político favorável.

Já o segundo, é Newton Cabral10 com a obra Memórias de um cotidiano escolar:

A Universidade Católica de Pernambuco, 1943-1956, cuja abordagem sobre a fundação

da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manuel da Nóbrega, em 1943, atual Universidade Católica de Pernambuco, inicia-se com as discussões sobre a tendência nacional de criação de instituições de Ensino Superior católica e a mudança de enfoque do Colégio Manuel da Nóbrega, considerado por essa faculdade o “centro do trabalho dos Jesuítas em Pernambuco. A faculdade era considerada, não apenas a “continuação do apostolado educacional para alunos do Colégio Nóbrega”, em sentido estrito, mas também o “coroamento do projeto de recatolização” em sentido amplo.

6

Foi Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco, Membro da Academia de Letras Jurídicas, Membro da Academia Nordestina de Letras e Arte, Vice presidente da Academia Pernambucana de Letras “Conflitos entre a igreja e o estado no brasil”, “A Encíclica 'Rerum Novarum' e a condição operária”, “ A expulsão dos Jesuítas de Pernambuco”.

7 Possui publicações como: A base cristã do integralismo em Pernambuco; Política e Religião: a construção da ordem feminina no Brasil e em Portugal do séc. XX; O universo católico como espaço circulante da produção de sentido dos discursos integralistas no pós-1930

8

Possui trabalhos como: Religião e Sociedade: identidades ou singularidades?;Marianos Recatequizando Pernambuco; Mercado e Religião na América latina.

9 Era graduado em Filosofia pela Gonzaga University (1963), mestre em História pela Loyola University of Los Angeles (1968) e doutor em História pela CatholicUniversityofAmerica (1974). Norte-americano, entrou na Companhia de Jesus em 1957 e chegou à Universidade Católica de Pernambuco em 75, tendo sido Provincial do Nordeste de 96 a 2001.

10 Entre seus trabalhos encontramos: A Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica no Recife: uma atuação religiosa, política e social, Repercussões da romanização da Igreja nos anos iniciais da Universidade Católica de Pernambuco e Nascida do coração da Igreja no centro do Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 70 anos de educação superior católica.

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2. CAPÍTULO 1: O LUGAR DO COLÉGIO MANUEL DA NÓBREGA

Entendemos que o CMN, como um dos muitos outros, posicionou-se como legítimo porta-voz da visão de mundo católico cujo aparente objetivo final, naquele momento, de seu conjunto de esforços era sacralizar a política, segundo apontam nossos documentos. Contudo, ao encararmos o CMN como um espaço de produção destes discursos de recristianização da política, precisamos estudar também as relações sócias, econômicas e culturais mantidas pelo colégio, assim como as questões que envolvem essas esferas. Foi então que percebemos que os discursos produzidos pelos sujeitos que compõem esse meio não são apenas “corpos flutuantes” (CERTEAU, 2000), são falas que enquanto subjetivavam o seu tempo, estavam situados no seu tempo.

Além disso, não podemos entendê-lo puro e simples como ambiente que produz, pois, ao estar situado num determinado contexto social, econômico, político e cultural ele acaba por se submeter a imposições deste contexto, assim como se liga aos privilégios que estão enraizados em cada particularidade. Afinal, que instituições formaram o sujeito? Quais têm relação direta com sua visão de mundo? É, pois, impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função do qual ele se organiza silenciosamente (CERTEAU, 2000), ou se pensar no discurso, única e exclusiva pela sua fala, sem analisar de suas práticas, e vice versa.

Desta forma os principais debates em que os agentes do CMN se envolveram, ou que eram recorrentes no período histórico que estudamos estão presentes neste capítulo com o intuito de dar o primeiro passo em situar as práticas cotidianas da educação jesuíta recifense ao contexto ideológico a que se vincula, tentando determinar qual o papel desta instituição num campo político que abraça os ideais ditos de restauração católica.

Veremos como os sujeitos do CMN pareciam ocupar um lugar privilegiado junto às ordens diretivas políticas por conseguirem, através de sua capacidade discursiva, “construir” simbolicamente um governo. E aqui me entendo fazendo apenas uma conclusão lógica natural, daquilo que tradicionalmente não seria nenhuma novidade ao mundo acadêmico, apenas indicando aquilo que historicamente já se tornou natural e elementar: instituições religiosas e de ensino quase sempre ocuparam o papel de produtoras de sentido dos tempos históricos.

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Sendo assim, eles ocupam naturalmente um posicionamento de destaque num “lugar social” carregado de pressupostos, ao se colocarem na defesa daqueles interesses políticos e da estrutura a que estão vinculadas, e acabando por colocar em risco a lógica de qualquer sistema de governo que tendam a negligenciá-las, uma vez que um governo muitas vezes necessita do apoio de um capital simbólico para legitimá-lo.

Usamos, neste capítulo, documentações como encíclicas papais publicadas desde o Pontificado do Papa Pio IX ao de Pio XI, o programa de Ação Católica em D. Leme, e uma série de documentos oficiais proclamados pela Igreja com o intuito de neles, encontramos as pistas iniciais dos interesses confluentes que permitiram a aproximação dos dirigentes da dita república laica a segmentos que de inicio poderiam parecer antagônicos.

Ao analisarmos o CMN, levamos em consideração também sua condição de vinculo a uma instituição secular que por maiores contradições que possam existir internamente, acaba trazendo consigo uma serie de posicionamentos previamente estabelecidos por um ordenamento hierárquico que, segundo encontramos nos diários, era obedecido. Especialmente pela força do movimento de Romanização no Recife, ao menos em relação aos Jesuítas, referendamos documentos romanos em nosso texto, que em sua maioria não se tratam especificamente do caso pernambucano, mas que parecem ter sido, ao estudarmos nossas fontes, inspiração para uma série de ações no Colégio Nóbrega.

Um ótimo exemplo introdutório é a carta encíclica Syllabus, que foi elaborada por uma comissão de cardeais, possuindo 80 proposições reunindo condenações que o Papa Pio IX já havia feito em vários escritos. Nele, que foi escrito na metade do século XIX, encontramos posicionamentos claros e objetivos de afirmações que oficialmente eram considerados “Erros destes tempos”, que tocaram nos mais diversos assuntos, consolidando o posicionamento da Igreja em debates que se tornaram comuns mais tarde, no fim do século XIX e início do XX:

18. O protestantismo nada mais é do que uma forma diferente da mesma verdadeira religião cristã, e nesta, como na Igreja Católica, é possível agradar a Deus.

45. Todo regime de escolas públicas nas quais se educa a juventude de qualquer estado cristão, feita exceção apenas de algum modo aos seminaristas diocesanos, pode e deve ser atribuída à autoridade civil, de tal modo que não seja reconhecido a qualquer outra autoridade nenhum direito de imiscuir-se na organização as escolas, no regulamento dos estudos, nas colações de graus e nas escolhas e aprovações dos professores.

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47. A condição ideal da sociedade civil requer que as escolas populares – que estão abertas a todas as crianças de qualquer classe popular, e dos institutos públicos em geral, destinados ao ensinamento das letras e disciplinas mais rigorosas e aos cuidados da educação da juventude – sejam esvaziados de toda autoridade, força de regulamentação e ingerência da Igreja, sendo submetidas ao inteiro controle da autoridade civil e política, segundo o beneplácito dos soberanos e em conformidade com as opiniões comuns do tempo.

49. Os católicos podem aceitar aquele sistema de educação da juventude que seja separado da fé católica e do poder da Igreja, e que diga respeito somente, de modo exclusivo ou ao menos primário, ao conhecimento das coisas naturais e aos âmbitos da vida social terrena.

55. A Igreja deve ser separada do Estado e o Estado da Igreja

66. O sacramento do matrimônio outra coisa não é do que elemento acessório ao contrato e deste separável, e o sacramento consiste apenas numa benção nupcial.

67. Por direito natural o vínculo do matrimônio não é indissolúvel, e em diversos casos o divórcios pode ser sancionado pela autoridade civil.

68. A Igreja não tem o poder de introduzir impedimentos dirimentes no matrimônio, mas tal poder compete à autoridade civil, da qual devem ser removidos os impedimentos existentes.

73. Um verdadeiro matrimônio pode subsistir apenas sustentado pelo contrato civil, sendo falso que o contrato de matrimônio entre cristãos seja sempre o sacramento, ou que o contrato é nulo se for excluído o sacramento

74. As causas matrimoniais e os esponsais por sua própria natureza dizem respeito ao foro civil. (IGREJA CATÓLICA, 1846)

Com o intuito de compreender os trabalhos desenvolvidos no Recife pelos Jesuítas no CMN, nossas análises começam com a Encíclica Rerum novarum no exercício do magistério divino a ele confiado, por ter sido sob seu impulso que nasceu uma verdadeira ciência social católica. A partir daí foram surgindo por toda a parte e cada vez mais numerosas as associações, fundadas segundo os conselhos e diretivas da Igreja e ordinariamente sob a direção do clero de mútuo socorro aos mais diversos estratos sociais, inclusive para operários (LEÃO XIII, 1891).

Em seguida, o Papa Pio X, trouxe grande influência aos trabalhos desenvolvidos em grande parte do Nordeste após o seu Pontificado. Aqui, precisamos destacar seu papel como uma das grandes inspirações à formulação das estratégias posteriormente desenvolvidas por D. Sebastião Leme. Citado várias vezes pelo próprio clérigo, ele encontra no Sumo Pontífice grandes inspirações em relação ao ensino da doutrina cristã, além de percebemos grandes confluências em relação ao modo de ensino da doutrina através do catecismo de adultos (auxiliado pelos leigos quando necessário), e da enorme necessidade da construção de escolas ligadas a este propósito. Por isso, algumas encíclicas do Prelado, ganham destaque em nosso texto.

Considerado o marco inicial dos trabalhos da ação católica desenvolvidas em Pernambuco, a Carta Pastoral de 1916, escrita por D. Sebastião Leme da Siqueira

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Cintra, saudando a diocese de Olinda, será supracitada nesta pesquisa, pela relação de proximidade que os Jesuítas do Nóbrega possuíam com ele e o apoio completo que forneciam a seus projetos.

A partir disso, analisaremos primeiramente os mais fortes posicionamentos oficiais da Igreja com as quais o colégio, segundo nossa documentação, compactua, visando encontrar neles, os fios condutores que levaram uma ligação entre as comunidades eclesiásticas e os leigos, para que através deles ocorresse uma ligação, a primeira vista improvável, entre Igreja e Estado Laico.

Delimitando mais este recorte espacial, trazendo-o a realidade brasileira iremos notar a série de reafirmações destes dispositivos nas posteriores pastorais coletivas e especificamente em Recife através do programa de Ação Católica.

A validade da Ação Católica em seu estreitamento de laços políticos e da eficiência na incorporação do apostolado leigo, nos trabalhos iniciados na Arquidiocese de Olinda e Recife é reconhecida mais tarde pelo Papa Pio XI em carta ao clérigo Sebastião Leme

Estamos convencidos de que a Ação Católica é uma grande graça de Deus para os fiéis que são chamados a colaborar mais estreitamente com a hierarquia eclesiástica, com os bispos e os sacerdotes, que irá sempre encontrar pessoas dispostas nas fileiras da Ação Católica para ajudá-los de forma eficaz na sua tarefa sagrada diária. Na verdade, quem não vê que, mesmo nos países católicos, o número de sacerdotes é insuficiente para dar a todos os fiéis a assistência necessária? (PIO XI, 1935)

Sua validade não foi reconhecida apenas pelo auxílio ao clero, mas pela forma como ampliou e ordenou estes trabalhos, coordenando este reforço de forma estratégica a alcançar os mais variados setores, convencendo-os através do auxílio mútuo – e ainda sim numa relativa harmônico no convívio com os outras esferas sociais para defender seus interesses, o que até a década de 30 vai consolidar o trabalho da Igreja com as associações leigas:

Deve também reconhecer que as associações nascentes não só vivem em perfeita harmonia, mas também ser devidamente coordenada em unidade orgânica mais perto e mais; associações da paróquia, a diocese eo Conselho Nacional de Diretores estão unidos e conectados. Como membros de um só corpo, como as coortes de um exército invencível. Forças da União, não espalhar; não um concurso ocasional funciona, mas ordenada colaboração para o bem comum; sem compressão da floração espontânea de associações individuais, mas o desenvolvimento dos partidos e forças, para que a dignidade e beleza, em uns componentes orgânicos complexos, brilhar em todo o corpo. Seria, portanto, um erro e um dano grave se paróquias ou

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dioceses surgir associações de fiéis com fins semelhantes aos da Católica, mas completamente independentes e de forma coordenada para a Acção Católica, ou pior, entrando em conflito com ele. Os benefícios especiais, ou limitada a um pequeno círculo de fiéis de tais associações permanecem completamente eliminados do dano que causaria com dispersa e quebrar e, por vezes, colocá-los em uma colisão entre as forças católicas; estes, como dito acima, nos tempos atuais deve ser acordado e associados, sob a orientação dos Pastores, para o benefício da Igreja. (PIO XI, 1935)

O Programa de Ação Católico, oficialmente só ganha esta roupagem na década de 1930. Todavia, como já demonstramos através de nossos destaques historiográficos, e pelos indicativos de nossa documentação, os projetos de recristianização e

recatolização no Recife dentro da Ação Católica são muito anteriores aos anos 30,

tendo de fato por marco inicial o apostolado de D. Sebastião Leme, em 1916, com a publicação da Carta Pastoral de saudação.

2.1. Em defesa da moral e dos bons costumes

Em referência aos costumes da modernidade, tanto os de cunho moral quanto os advindos com o saber científico, disse o Papa Pio XI: “Somente uma rígida disciplina dos costumes, energicamente apoiada pela autoridade pública, poderia ter afastado ou mesmo prevenido tão graves inconvenientes” (PIO XI, 1931). Esta lógica utilizada por Pio XI, tem aplicabilidade especial no Brasil pós-império, onde pelo seu contexto de militantismo combinado a de hierarquia e de elites, faz parecer que as únicas alternativas viáveis de projetos pensados pelo catolicismo só alcançariam eficácia se formulados e dirigidos sempre de cima para baixo (GONÇALVES, 2008).

Contudo, as hierarquias católicas não podiam atuar isoladamente, num sistema de cunho ditatorial, pois, elas foram construídas por meio de uma ação conjunta dos mais variados setores sociais que apoiavam a intelectualidade. Isso significa dizer, que suas ações de cunho hegemônico, não necessariamente, impunham seus preceitos usando os mecanismos legais do Estado absolutamente. O poder simbólico das mais variadas esferas que compunham a estrutura social, em sua maior parte, se mostraram eficientes a esse propósito (ANDRADE; ALMEIDA, 2001).

Segundo o historiador Walter Valdevino do Amaral, nas primeiras décadas do século XX, a modernidade urbana vivida pela elite recifense longe de se chocar com o catolicismo, confluiria quando o assunto era reordenar e disciplinar a sociedade. Essas elites queriam constantemente delimitar seus espaços sociais e estabelecer modelos de

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comportamento e família, além de criar referências que as diferenciassem de outros setores da sociedade (AMARAL, 2012).

Ocorre uma hierarquização dos costumes, trazendo um correto “modo de ser”, extremamente ligado ao movimento de “boa imprensa”, principal instrumento de comunicação com as massas. Apoiado pela Ação Católica, esse movimento era de extrema relevância, pois, “ao pé da escola, o apostolado moderno toparia com a imprensa”, porque eles não eram apenas folhas de tinta, eram “o livro do operário e do burguês” (NERY, 1933. pg. 92) perpassando pelos mais diversos espaços.

Ainda segundo Walter Amaral, naquele período, muitos esforços da Igreja se intensificaram com o intuito de criação de uma imprensa que estivesse a serviço da defesa da moral, da ética e da fé cristã. De forma que a comunidade católica começou a difundir e preservar um jornalismo que defendesse uma “verdade católica” (a boa imprensa), para que ela fosse usada em combate a um jornalismo que a cada dia mais difundisse a “irreligião” e a “imoralidade” (má imprensa) (AMARAL, 2012).

Sabe-se por exemplo que a sensualidade ameaça arruinar a constituição juvenil dos estudantes; torna-los membros raquíticos, definhados, inúteis à sociedade e a privar a nossa pátria de seus filhos, levando-os a senilidade precoce. A esse inimigo nacional a nossa Liga declara guerra de morte, procurando premunir os seus membros contra ele por muitos modos. (CONGREGAÇÃO MARIANA 1924-1927. pg.45)

Foi por causa desse pensamento que em janeiro de 1910 foi criado o Centro da Boa Imprensa. Aprovado pelo Cardeal Arcoverde e pelo episcopado brasileiro, possuía entre as finalidades de seu estatuto, a de “favorecer a fundação e manutenção de bons jornais e revistas. Formar jornalistas e escritores; amparar jornalistas católicos na indigência” (SOARES, 1988. pg. 186 apud AMARAL, 2012).

Logo após, no Congresso dos Jornalistas Católicos, foi criada a Liga da Boa Imprensa, que tinha como principal função o auxílio financeiro e administrativo do Centro da Boa Imprensa. Nela, grupos de católicos deveriam contribuir mensalmente com a quantia de dez mil réis.

Isso ocorria porque os periódicos católicos representavam muito mais que um projeto de comunicação social, pois se havia percebido que o jornalismo influía na consciência de parte da sociedade urbana no século XX. Logo, era imprescindível a organização de jornais e revistas que compactuassem com o modo de ser católico. Fato

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que resultou, ainda em 1913, num total de 140 publicações periódicas, segundo dado estatístico encontrado por Walter Amaral em seus estudos.

A partir disso, um conjunto de ações solicita que instituições primárias de ensino incentivassem a formação de jornalistas, muitas das quais com o tempo evoluíram, tornando-se elas próprias instituições superiores de formação de jornalistas. O que torna mais explícito o Programa de Ação Católica: “é necessário ir mais adiante, criar e sustentar a imprensa católica” (NERY, 1933. pg. 93) e criar “uma escola formadora de jornalistas” (NERY, 1933. pg. 94).

Sendo a imprensa usada como difusora da verdade católica, alguns debates calorosos na imprensa sobre o ensino entre liberais e católicos são citados em vários livros. Um dos argumentos que nos chama atenção nesse momento é a referência ao constante crescimento dos índices de criminalidade, atribuindo isto a falta da disciplina e da moral, antes fornecida pelos clérigos, e falta da formação na escola de uma instrução corretiva dentro da religião católica (CARVALHO, 2007).

A “boa imprensa”, além de difusora da verdade católica, justificava e blindava a moral dos agentes da Igreja, por esse motivo a proximidade direta entre produtores da imprensa e os sujeitos das mais diversas comunidades eclesiásticas tomaram um papel estratégico na ação católica nos espaços urbanos, tornando-se “usufrutuários de vantagens sociais” (GONÇALVES, 2008. pg. 73).

Essa justificativa ia além dos jornais católicos, aqui em Recife a lógica de “Contra a Imprensa, Imprensa” usadas nos estudos de Walter Valdevino, chega não só à imprensa católica como aos jornais seculares. Nos recortes de nossa pesquisa, seus estudos foram usados em especial para cobrir os ataques relacionados à venda do Palácio da Soledade11 à Companhia de Jesus.

De toda a Imprensa local, apenas o ‘Jornal do Recife’ se atreveu a censurar ligeiramente o Arcebispo por ter cedido o seu Palácio aos Jesuítas; mas vendo-se só sua lucta, depressa se calou. E mais tarde todos os jornaes do Recife se recusaram a aceitar contra o Arcebispo e contra nós, de modo que os maçons se viram obrigados a crear um jornaleco em Pau d’Alho, por nome Radical, para extravasarem a sua bílis. (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929 p. 08)

Alguns anos mais tarde, o Jornal da Noite publicou uma matéria criticando a venda do Palácio da Soledade aos Jesuítas, e algumas discussões voltaram sobre a

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questão, a qual, segundo alguns autores foram um dos principais motivos a por em crise o apostolado de D. Leme na Arquidiocese de Olinda e Recife.

14/06/1921 – “O Jornal a Noite[?] publicou uma carta do Conego[?] Azevedo censurando a _________[?], pelo Arcebispo, aos Padres Jesuítas do Palácio da Soledade, protesta e diz que Palácio tem de voltar para a ________[?]. O jornal ___________[?] a _______[?] do Conego e levanta contra o Sr. Arcebispo numa campanha nesse sentido. A imprensa unanimemente não ______[?] parte e alguns, como o Diário de Pernambuco e o Jornal do Comercio escreveriam algo de _______[?] para os Jesuítas. (DIÁRIO DE FUNDAÇÃO 1917-1929. pg. 135)

Esta publicação a qual se referiu o diário de Nóbrega foi respondida em nota publicada no Jornal do Comércio no exemplar do dia seguinte:

O Palácio archiapiscopal – Remette-nos o Padre João Baptista Golçalves diretor do Collegio Nóbrega: ‘A directoria do Collegio Nóbrega roga a v. exc. A fineza de mandar publicar no seu conceituado jornal o seguinte, em referência ao editorial d’’A Noite’ do dia 13 do corrente, favor pelo qual se confessa desde já agradecida:

1) Os Jesuítas não cogitam nunca em negociar com firma alguma conhecida, ou desconhecida, qualquer parcela do terreno da chacara do Palacio da Soledade;

2) Quando os Jesuítas entraram em posse do referido Palácio, não encontramos nele, nem na Capella, quadros alguns, ou objectos artísticos;

3) Da biblioteca do Palacio archiapiscopal nenhum livro passou ao uso dos Jesuítas;

4) Os Jesuítas não se apossaram do Palacio da Soledade com altivez ou em represalia de quaesquer factos precedentes: encontraram na posse dele mediante prévio contracto, e pelo preço estipulado. (JORNAL DO COMÉRCIO, 15/06/1921)

Poucos dias depois, em 18 de junho de 1921, outra opinião foi emitida em matéria publicada ainda sobre o assunto. Intitulada “A venda do palácio da Soledade”, ela traz argumentos defendendo a moral jesuíta, de D. Leme e mostrando como a aquisição do palácio pela Companhia de Jesus só beneficiou os recifenses, quão injusta e anacrônica é a “campanha” agitada naquele momento contra eles.

Em primeiro lugar falou-se do inoportuno momento da oposição à compra da propriedade, pois a venda já tinha sido realizado há quatro anos, não ocorrendo na época nenhum protesto significativo. Portanto, contraditoriamente eram “protestos violentos por parte daquelles mesmos que a nada se oppuzeram, dando-lhe pelo contrário, o seu assentimento”. Em segundo, expôs-se a legitimidade da aquisição, acordada a quantia de 300 contos de réis pelo bem (JORNAL DO COMÉRCIO, 18/06/1921).

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