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Voto representativo e o dever de lealdade: análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

DOUTORADO EM DIREITO

DOUGLAS WHITE

VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE:

ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO

CONSELHEIRO

DIANTE

DOS

INTERESSES

DA

COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE

ECONOMIA MISTA

Salvador – Bahia

2019

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VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE

JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO

DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA

MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA como requisito para obtenção do grau de doutor em Direito, sob orientação do Professor Doutor Dirley da Cunha Junior do Departamento de Estudos Jurídicos Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

Salvador – Bahia 2019

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Biblioteca Teixeira de Freitas, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia W583 White, Douglas.

Voto representativo e o dever de lealdade: análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista / por Douglas White. – 2019. 450 f.

Orientador: Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito, Salvador, 2019.

1. Sociedades de economia mista. 2. Acionistas – Votação. 3. Governança corporativa. 4. Intervenção estatal. 5. Empresas - Diretoria. 6. Direito Econômico. I. Cunha Júnior, Dirley. II.

Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Direito. III. Título. CDD – 346.066

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VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Tese submetida à aprovação como requisito para a obtenção do grau de doutor em Direito, Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca:

Orientador: Professor Doutor Dirley da Cunha Junior Professor da Faculdade de Direito da UFBA

Membro: Professor Doutor Mário Jorge Philecreon de Castro Lima Professor da Faculdade de Direito da UFBA

Membro: Professor Doutor João Glicério de Oliveira Filho Professor da Faculdade de Direito da UFBA

Membro: Professor Dr. Gabriel Seijo Leal de Figueiredo Professor da Faculdade Baiana de Direito

Membro: Professor Doutor Thiago Carvalho Borges Professor da Faculdade Baiana de Direito

Salvador – Bahia 2019

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das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista. Observa-se o ambiente do direito societário com as experiências e expectativas que podem advir dos acionistas, nas articulações e as relações criadas com o mercado, afetando a sociedade empresaria. Confere-se o manto legal da sociedade de economia mista, entendida como sociedade empresária no arcabouço jurídico da sociedade anônima. Desenvolve uma análise das decisões do membro do conselho de administração, com os respectivos reflexos na companhia, sequelas para os acionistas privados e coletividade. Análise jurídica sobre as posições e conflito exaradas pelo conselho de administração; os conflitos de interesses da companhia, as relações acionista majoritário ou na posição de acionista controlador na sociedade de economia mista, e as repercussões socioeconômicas, legais e administrativas. O exame dos aspectos da intervenção do Estado na ordem econômica. Experiências e expectativas dos acionistas nas articulações, relações entre mercado e sociedade empresaria. O dano ao inábil cidadão das decisões imperfeitas do conselheiro. Combate as insidiosas práticas pela direção empresarial sob poder estatal. O mercado e a preservação do necessário Estado Democrático de Direito. A sociedade de economia mista e os atos de gestão sem a observação e o atendimento por ser sociedade empresária com a boa-fé, a lealdade na postura do conselheiro, conferindo confiança. A governança empresarial sob os ditames da governança corporativa, com as devidas obrigações de transparência, obrigação de informar, ação gerencial, equidade, prestação de Contas. A responsabilidade corporativa e dos agentes de governança. A preservação da ordem social e legal. Ementas a observar pela sociedade empresária estatal.

Palavras chaves: voto representativo, dever de lealdade, análise jurídica, posições, conflitantes, conselheiro, interesses, companhia, acionista majoritário, conselho de administração na sociedade de economia mista, voto, sociedade estatal, sociedade empresária estatal, Estado, mercado, intervenção, boa-fé, lealdade, confiança, governança corporativa, dano econômico, dano social, dever legal.

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of the conflicting positions of the counselor in the interests of the company and the majority shareholder in the board of directors in the mixed-capital society. It is observed the environment of corporate law with the experiences and expectations that can come from the shareholders, in the articulations and the relations created with the market, affecting the company society. The legal mantle of the mixed-capital company, understood as a business corporation within the legal framework of the corporation is conferred. It develops an analysis of the decisions of the member of the board of directors, with the respective reflections in the company, sequels for the private shareholders and collectivity. Legal analysis of the positions and conflicts expressed by the board of directors; the conflicts of interest of the company, the majority shareholder relations or in the position of controlling shareholder in the joint stock company, and the socioeconomic, legal and administrative repercussions. The examination of aspects of state intervention in the economic order. Experiences and expectations of shareholders in the articulations, relations between market and business society. The damage to the awkward citizen of the imperfect decisions of the counselor. Combat insidious practices by state-run business management. The market and the preservation of the necessary Democratic State of Law. The mixed-economy company and the management acts without the observation and the attendance by being a business company with good faith, loyalty in the posture of the counselor, conferring confidence. Corporate governance under the dictates of corporate governance, with due obligations of transparency, reporting obligation, management action, equity, accountability. The corporate responsibility and the agents of governance. The preservation of social and legal order. Comments to be observed by the state business community.

Keywords: representative vote, duty of loyalty, legal analysis, confidential positions, counselor, interests, company, majority shareholder, board of directors, company of the mixed economy, state company, state business society, state, vote, market, intervention, good faith, loyalty, trust, corporate governance, economic damage, social damage, legal duty.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE

DIREITO DA UFBA

DOUTORADO EM DIREITO

DOUGLAS WHITE

VOTO

REPRESENTATIVO

E

O

DEVER

DE

LEALDADE: ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES

CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS

INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA

MAJORITÁRIO

NO

CONSELHO

DE

ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA

MISTA

Dissertação apresentada perante à Banca Examinadora à Banca

Examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal

da Bahia, como exigência para obtenção do título de Doutor em

Direito, sob a orientação do Professor Doutor Dirley da Cunha

Junior, do Departamento de Estudos Jurídicos Fundamentais da

Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

Salvador – Bahia 2019

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Minha reverência ao Professor Dirley da Cunha Junior, meu Orientador, que

me conferiu o apoio necessário no curso deste trabalho, inclusive nos

periodos da minha enfermidade, com lhaneza de trato e saber jurídico, minha

gratidão.

Agradeço aos meus colegas Professores da Faculdade de Direito da UFBA

por todos os préstimos para conclusão desta dissertação.

Muito obrigado aos funcionários da Faculdade de Direito da Universidade

Federal da Bahia, em especial os lotados na Biblioteca da Augusta Casa, que

me proporcionaram o melhor atendimento.

O meu carinho a Lucia Maria Furquim de Almeida White, minha mulher e

colega, que ao lado dos meus filhos Karina, Simone e Henrique,

ofereceram-me ininterrupto apoio espiritual para a construção deste escrito.

A todos que trabalharam com habilidade e inteligência para a formação

intelectual e moral da nação brasileira.

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aquisição da virtude e da felicidade entre os homens,

tanto em sua vida como após sua morte’ – Platão (‘O

banquete’ – escrito por volta de 380 a. C.).

‘A fé é o fundamento do que se espera e a

convicção das realidades que não se veem’

- (Hebreus 11:1).

Salvador – Bahia 2019

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INTRODUÇÃO ... p. 1

1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

– MERCADO ... p. 8

1.1 Mercado... p.17 1.1.1 Dinheiro – Moeda... p.20 1.1.2 Bens ... p.24 1.1.3 ‘Ação’ como Patrimônio ... p.32 1.1.4 O povo (o cidadão) e o Estado ... p.34 1.1.5 Direito Econômico como suporte ... p.55 1.1.6 Alusão à riqueza ... p.64

1.2 O Estado e o exercício da atividade

empresarial ... p.68

1.2.1 O mercado e os bens na ordem econômica ... p. 82

2. A LIVRE INICIATIVA E A LIVRE

CONCORRÊNCIA ... p.96

2.1 Livre iniciativa ... p.99 2.2 Livre concorrência ... p.102

3. PESSOA JURÍDICA – SOCIEDADE ANÔNIMA – ÓRGÃO ... p.114

3.1 Sociedade anônima ... p.121

3.1.1 Doutrina ‘ultra vires’ ... p.134

3.2 Órgão ... p.135

4. ESTRUTURAS EMPRESARIAIS ESTATAIS ...p.144

4.1 Sociedade de economia mista ... p.180 4.2 Características da sociedade de economia mista ... p.186 4.3 Constituição da sociedade de economia mista ... p.211

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JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA

MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ... p. 226

5.1 Voto ... p.233 5.2 Quorum ... p.244 5.3 Relações entre acionistas ... p.248 5.4 A maioria – o acionista controlador – voto ... p.259 5.5 O exercício abusivo do acionista controlador (atos “ultra vires”) ... p.268 5.6 O acionista minoritário (acionista dissidente) ... p.272 5.7 A oclusão da representação da minoria por manobra da maioria ... p.276 5.8 O direito de retirada ... p.279 5.9 Assembleia ... p.283 5.10 O Conselho de Administração e o conselheiro ... p.288 5.11 Elos de gestão e responsabilidade do dirigente ... p.310 5.12 O acionista controlador e o membro do conselho de administração ... p.313 5.13 Sociedade - O acionista – O cidadão – O detentor invisível do Poder -

Dominação Empresarial ‘ab extra’ - O povo soberano ... p.317 5.14. O laço da Boa-Fé com a Lealdade ... p.341

5.15 Lealdade ... p.359 5.16 Aspectos da Governança Empresarial ... p.367 5.17 O voto na canalização da Boa-Fé e Lealdade ... p.397

CONCLUSÃO ... p.419 REFERÊNCIAS ... p.433

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A dúvida leva a pesquisa, esta leva a busca do conhecimento para distinguir o verdadeiro do falso. Neste esforço surge a discussão, que oferece a compreensão.

Essa toada influenciou o autor a desenvolver este trabalho sobre o voto representativo e o dever de lealdade, com uma análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração da sociedade de economia mista, envolvendo o direito econômico e o direito empresarial moderno, matéria que vêm provocando discussões no seio da sociedade brasileira com intensidade, atravessando os muros políticos, agitando a área acadêmica, com murmúrios na ciência jurídica. A presente proposição analisa os elos da confiança, os laços da boa-fé e lealdade, a textura fiduciária alinhada ao interesse do acionista, o exercício do direito do voto, a vontade do simples acionista partilhando os destinos da companhia com o acionista majoritário ou controlador da sociedade empresária estatal, o poder e a intervenção do Estado na seara do direito societário.

Investiga-se a tecelagem das posições de gestão dos membros do Conselho de Administração na sociedade de economia mista, a repercussão destas medidas no mercado e além das fronteiras da companhia, examinando a afinação das funções do Conselheiro do órgão sob a orientação do acionista majoritário/controlador, e ao mesmo tempo apurando a efetivamente do cumprimento das decisões de acordo com a lei.

No desenvolvimento desse estudo aprecia-se o empoderamento do Estado interferindo na atividade mercantil, afetando o campo do direito empresarial, os conflitos jurídicos nas áreas dos interesses do público e do privado. Observa-se as revelações e advertências decantadas na experiência histórica, dos procedimentos adotados da intervenção estatal na atividade mercantil privada, com as naturais consequências no mercado, com receio das reverberações na área privada, face as significativas manifestações acontecidas em épocas conturbadas, sensível a essas interferências do Estado.

O tema suscita polêmica, especialmente quando os cenários econômicos nacional e ou internacional estão buliçosos, propícios a expressar vaticínios que alavancam influências nos pregões dos mercados, principalmente no mercado de capitais – valores mobiliários. As interferências estatais, medidas governamentais na área econômica e financeira da nação, em

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geral propiciam resultados que se imbricam com o direito empresarial, levando os juristas e legisladores procurar eliminar as discrepâncias, com a elaboração de uma nova legislação.

Observa-se que na elaboração dessa engenharia política e jurídica, os atores dessa produção legislativa e até jurisprudencial aproveitam do arcabouço do direito comparado, cujos experimentos possibilitam suportes para a vivência nestas bordas, a fim de atender novo gerenciamento mercantil.

No caso deste trabalho, questiona-se a atividade econômica das sociedades de economia mista com o interesse público e a relação com o lucro, elemento alvo de toda sociedade empresária, bem como a inquirição sobre a função social da empresa, diante da prática de absorção do rendimento empresarial ou a abdicação da lucratividade, sob justificativa de conduzir esse elemento para potencializar o atendimento da coletividade em seguimentos de maior necessidade, com abrandamento dos preços sobre bens e insumos básicos, em favor do consumidor de menor poder aquisitivo. Por ser matéria complexa, buliçosa, enseja uma pluralidade de entendimentos científicos, que motivam outras demandas e muitas pesquisas mais pertinentes.

Extrai-se, quando o Estado se intromete no mercado como protagonista centralizador do poder, a lembrança da exclamação do “L’État c’est moi”. Episódio com manifestações ao culto da razão do Estado, e outras passagens que geraram incertezas, abalando a paz social, atiçando a ciência jurídica e o bom direito. Dessa passagem faz recordar o lema: “The King can do no wrong” que provocou a ideia da irresponsabilidade jurídica do Estado, ventilando indagações atinentes as circunstancias do poder público de se submeter ou não ao mesmo direito aplicável aos particulares, suscitando controvérsias, em especial as regras das politicas públicas, aos ditames da governança empresarial, em sintonia ou não com os deveres dos gestores para bem atender os interesses individuais e coletivos da nação.

Toma-se como suporte a declaração constitucional de que “todo o poder emana do povo e em seu nome é exercitado”, mesmo que a referida declaração possa ser considerada uma mera abstração, ou um simples enunciado de princípio, que se revolve, por que proporciona esteio e valor programático, por não ser uma alegoria, e não deve ser encarada como uma bazófia anunciada, ou uma frase simplista para a prática politica. Tampouco não é um anúncio. Entende-se como uma ênfase inafastável da forca da outorga do povo, uma advertência ao governante, pois, não é uma frase para ser pronunciada meramente para surtir efeitos perante o

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eleitor ou apenas para este escutar momentaneamente. Deve ser ouvida como a vontade do povo, para haver uma reflexão perante todos os cidadãos, por mais homem comum que seja.

Nessa caminhada observa-se a figura do Estado interventor, atraindo para si a prática acontecida na época da supremacia do rei sobre os barões, ditando normas, obrigando todos estar de acordo com sua vontade, trazendo à tona a questão: [...] “preferível ser amado ou temido”, procedimento que assola a sociedade que se encontra em constante e complexa mutação, propiciando novas estruturas econômicas e empresariais comprimindo o mercado.

Essas interferências nas atividades empresariais exigem atenção e adequação as novas práticas de gestão, a exemplo da governança corporativa, que advém das formulações nas legislações, doutrina nacional e estrangeira, aportando na responsabilidade do administrador das empresas novos moldes.

À essas mesmas exigências submete-se o membro do Conselho de Administração obrigando-se aos deveres fiduciários dos gestores executivos, amoldando-se aos feitios e métodos de prestação de contas, transparência, legalidade, equidade, responsabilidade corporativa arcando com as sequelas das decisões da companhia na forma da Lei nº. 13.303/2016, conhecida como “lei das estatais”, impactos nos empregados, investidores, governo e comunidades, e não apenas aos acionistas da companhia.

Enfoca-se o desenvolvimento da sociedade de economia mista, examina-se os esteios da confiança, um ingrediente que deve estar sedimentado na organização empresarial privada ou pública, na governança ética, como elemento condutor no desenvolvimento e valorização social e empresarial e comunitário de qualquer sociedade organizada. As falhas do dever empresarial na sociedade de economia mista, a quebra do decoro, avivam-se os filamentos e as atribuições conferidas ao Estado-empresário na atuação dos ideais, deveres, encargos e responsabilidade do gestor para com o acionista-controlador como responsável político, social e econômico na função da empresa estatal contemporânea.

Nessa engrenagem da sociedade de economia mista tem-se a predominância do comando estatal sobre os membros do Conselho de Administração. Inspeciona-se a postura submissa do Conselheiro do órgão ao governante do Estado, quando servil, com conduta inadequada, sem recato, ou duvidoso dever de lealdade no seio societário. Observa-se o peso da posição desses acionistas na conjugação dos interesses na organização, e os procedimentos de averiguação para evitar situações confusas e conflito de interesses entre acionistas e o Estado-empreendedor, ou destes com terceiros e vice-versa.

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Questiona-se o Estado na condição de protetor do cidadão e da sociedade em um todo, especialmente quando o Estado atua como Estado-empresário, interferindo no mercado, como concorrente e provocando fissuras na livre iniciativa. Essa caminhada estatal enseja cisão, com a pendular possibilidade de atender ou favorecer a sociedade empresária estatal, ou algum interesse exógeno. A presença do Estado-empresário no mercado, exercitando semelhante poder que pratica na administração pública, exubera controle e decisão na companhia com a capacidade de dar maior peso de interferência, impondo os interesses do Estado nas relações de negócios que não sincronizam com a realidade da atividade mercantil. Simultaneamente, no lugar de uma sintonia comercial, confere-se orientação política imprópria de governo, alvejando o mercado e o funcionamento da companhia, repercutindo na própria sociedade empresária, junto dos acionistas e perante a coletividade.

Medidas prejudiciais a companhia, acionistas e outros, devem ser previamente interceptadas pelo Conselho de Administração da sociedade de economia mista, antevendo os resultados nefastos. Observa-se as transformações operadas pelo Estado como Estado-empresarial, aceitas quando necessárias, outras com a devida ponderação, do quando deve ou pode interferir na concorrência e na livre iniciativa, o cometimento na concorrência, e nos particulares, podendo acarretar transgressões, equívocos, prejudicando o cidadão o qual deve ser sempre amparado, sopesado, que ele é o centro principal, e deve ser preservado.

Desse cenário não se pode olvidar a presença do direito econômico constitucional esgarçando situações e decisões do Estado-empresário, inclusive quando aglutina, ou percebe sinalização, que muitas vezes leva a provocação para exames administrativos, ou além, perante os tribunais para decidir as querelas que afetam o âmbito do direito empresarial, inclusive, questões que podem estar encravadas nos inevitáveis pigmentos do direito constitucional, do direito administrativo, do direito consumerista, e em outras áreas do direito, que perpassam na estrutura do direito econômico. Com essa prospecção chega-se à advertência aos gestores da administração pública quando intervêm na liberdade, na vontade pessoal, e que na atividade privada, a observar, o entendimento que é licito fazer tudo aquilo que a lei não proíba, conquanto que na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.

Nessa arquitetura do direito econômico empresarial apresenta-se e examina-se a figura do voto como direito, com o condão do quórum, como inseparáveis elementos de significativa importância no ordenamento jurídico do direito societário. O voto possibilita o acionista expressar a sua vontade para atender e conduzir os destinos da empresa, participando e agindo no interesse da companhia nas assembleias, reuniões e outros encontros de grupos. O acionista

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tem como valioso instrumento o seu voto que utiliza para defesa do seu direito, também servindo para detectar alguma prática abusiva do gestor, ou ao verificar o alijamento de algum acionista, algum exercício que esteja a configurar e dar esteio ao direito de retirada.

Nessa linha estão a confiança, a boa-fé, forjando elos para fomentar a lealdade, figuras que se completam para atender a boa condução dos atos humanos. Estuda-se o atrelamento da governança corporativa como elemento de controle na economia de mercado. Visita-se o liberalismo, contempla-se seus acenos para uma reflexão sobre a denominada ‘mão invisível’, reguladora do mercado e do Estado providência, com o desejo de atender os anseios e direitos fundamentais do cidadão.

A presente pesquisa adentrou acervos públicos e privados, não desprezando a legislação vigente e revogada (nacional e estrangeira), acessando diversos bancos de dados eletrônicos, o acesso a bibliotecas, que proporcionaram a leitura dos títulos, exemplares dos autores referidos, desde os antigos aos contemporâneos, assim, com a autoridade desses escritores, como diziam os modernos, embora ao seu lado fossem “anões”, apoiando-se naqueles, tornavam-se “anões em ombros de gigantes”, desse modo tem-se agradecer a todos os autores das obras pesquisadas, a disponibilidade dos seus trabalhos, que incentivam o noviço ávido a abeberar o saber.

Este estudo não visou alcançar exatamente um resultado teórico, limita-se a partilhar um arremate singelo sobre as relações empresariais, a postura do gestor singular ou na composição em diretorias, bem como o membro no conselho de administração da sociedade anônima de economia mista com os reflexos no mercado, e na sociedade em geral.

A composição do trabalho está dividida em capítulos, com um ligeiro enfoque histórico sobre o mercado, no qual recai constantes pensamentos, desde acaloradas discussões, inclusive históricas, questionando-se o seu papel, com as inseparáveis indagações, se o mercado existe? se o mercado é livre, se o mercado é justo? E algumas respostas sobre inquietações e sequelas que estão na história, nas crises econômicas, a vida dos povos através dos séculos. Todas essas situações, crises, permeadas pela ganância, outras enfermidades e circunstâncias, sob atitudes temerária e amoral que não serviram para advertir a trupe que agitam esses cenários sob percalços econômicos e financeiros, assolando continuadamente os habitantes deste planeta.

O capítulo 2 trata dos aspectos da intervenção do Estado na ordem econômica – o mercado, o dinheiro, a moeda -, com uma visão dos povos e a utilização da moeda, dos bens, na formação do patrimônio, a busca da riqueza, elementos que agitam as economias pessoais e das nações.

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Em seguida, o capítulo 3 aborda aspectos da livre iniciativa e livre concorrência, a postura da sociedade de economia mista sob as rédeas do Estado interferindo na atividade empresarial privada, no mercado e consumo dos bens, sob justificativa de atender o interesse da coletividade organizada. Tem-se a atividade empresarial, salientando a importância da livre iniciativa e da livre concorrência, pilares dos meios de produção na construção de um sistema econômico sob molde capitalista, onde o Estado aparece, ora como incentivador, ora como regulador. Do mesmo modo confere-se as transformações acontecidas nos campos da tecnologia, das ciências em geral, os novos panoramas econômicos, as consequentes avaliações, encetando decisões empresariais. As inovações, e as perspectivas técnicas, econômicas e jurídicas.

O capítulo 4 atém-se a uma compreensão da pessoa jurídica e do órgão na sociedade anônima, manto legal da sociedade anônima de economia mista que adotou o arcabouço para estruturar a plataforma legal da sociedade empresária estatal, comentando a figura do órgão sua competência e advertência com relação aos atos ‘ultra vires’.

No capítulo 5 expõe-se sobre as estruturas empresariais estatais, abordando as características e posições doutrinarias consolidadas no ambiente jurídico nacional e além fronteiras, os elementos e atribuições, executando competências sob um conjunto institucionalizado de deveres e poderes funcionais, ressaltando os aspectos subjetivo e dinamizador, envolvendo a vontade e a capacidade das pessoas. Comenta-se o aproveitamento do referido molde de sociedade empresária adotada para construir a empresa pública, alicerçada nas características e constituição da sociedade anônima. Analisa-se a empresa estatal para atingir e manter padrões de eficiência semelhantes ao da iniciativa privada, a missão pública e política, o contorno jurídico adequado para viabilizar a convivência, atuação ordenada no mercado.

No capítulo 6 aprofunda-se o estudo sobre o voto representativo, o dever de lealdade, com uma análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista, abordando o cenário jurídico nacional, com a sua legislação. Salienta-se a figura do voto como ato de vontade para exprimir uma opção sobre, envolvendo, o interesse coletivo, com o quorum, legitimando o objeto da votação com a qualificação do número de pessoas reunidas para discutir assunto do interesse de todos.

O estudo avança para entender o acionista, quando maioria e ou minoritário, vivenciando a assembleia, seus direitos e relação ética com a companhia e demais sócios. Abre espaço para

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estabelecer os elos da boa-fé, confiança e o dever de lealdade. Neste diapasão analisa-se as posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista.

Apura-se o acionista investidor, pessoa natural ou jurídica, convertendo recursos, bens ou direitos em valores mobiliários. Examina-se a participação dos acionistas no patrimônio social da sociedade anônima estatal, estimulado pelos negócios agitados no mercado de valores mobiliários.

Na sequência estende o exame da relação do acionista com o membro do conselho de administração, contemplando as divergências das posições acionárias, destacando as figuras da ‘ação’ e do acionista na composição da sociedade anônima de economia mista. Examina-se a ‘ação’ como título de crédito, o montante e espécie da posição acionaria, a sustentação financeira e legal do acionista majoritário ou minoritário como acionista controlador.

Confere-se as hipóteses de exercício abusivo dos acionistas quando majoritário e ou controlador, e ao mesmo tempo estabelece a linha de defesa do acionista minoritário e a oclusão do acionista em destempero legal, inclusive aventando-se a hipótese do direito de retirada.

Aborda-se a assembleia como órgão de participação direta pelo qual os sócios tratam das grandes decisões da organização, considerado como o órgão social supremo da sociedade anônima, o cerne do poder social, como órgão legislativo e de supervisão com poderes para nomear e revogar nomeações para os outros órgãos da companhia.

Nesse mesmo capítulo destaca-se a atividade do conselheiro no conselho de administração, os elos de gestão que envolvem o administrador e o membro do referido conselho, a sociedade e acionista. O cidadão como detentor invisível do poder dominação empresarial ‘ab extra’ - o povo soberano. Enfeixa abordagem sobre a sociedade de economia mista sob controle do acionista majoritário, os gestores, diretores, os integrantes do conselho de administração, a coletividade, o povo e o seu interesse, a soberania da nação. Consequentemente traz a discussão os laços da boa-fé com a lealdade, aspectos da governança empresarial, o voto como elemento canalizador da boa-fé e lealdade, com a conclusão do trabalho elegendo ementas sobre o tema. A conclusão do tema convive com ementas, destacando a necessidade da governança corporativa e a submissão a legislação das sociedades estatais, cujo texto deve preservar a ética e os elos da boa-fé e lealdade.

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1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA - MERCADO

Quando o homem iniciou a vida neste planeta em seu primeiro habitat buscou e se preocupou com a limitação dos recursos então existentes, atento a sobrevivência, naquele instante, provavelmente, conviveu com o desabrochar da Terra e viu surgir a primeira flor. Estimam os antropólogos, algo em torno de 114 milhões de anos atrás, houve uma transformação evolucionária, aconteceu um formidável abrir das flores, provocando uma explosão de cores e perfumes por todo planeta1. Esses delicados seres com suas fragrâncias,

continuam estão a desempenhar um significativo e um efetivo papel de relacionamento com o homem, expressando e proporcionando não só beleza e aroma, mas tantas outras qualidades que impulsionam o ser humano a convencionar a flor como símbolo da fertilidade, da reprodução. As flores provocam sentimentos puros, como o de admiração, de prazer, de êxtase através dos sentidos, que os botânicos intitulam de angiosperma; sem esquecer o humano (homem ou mulher) que se comove quando recebe mimos em flores, os presenteados sentem-se amados (principalmente os considerados românticos).

Da mesma maneira, como as flores nos primeiros tempos, também o homem se comportou nas sociedades primitivas com exuberância, quando vivia em pequenos grupos esparsos, isolados, via de regra, em algum sítio natural, onde tudo era produzido dentro de uma pequena organização social voltada para o próprio consumo, em uma economia de subsistência. Acentuam os cientistas que naquela época o homem exercitou a troca de bens, procedimento primitivo, período inaugural da atividade mercantil, alcunhado de ‘comércio silencioso’, pois, sem ruídos os indivíduos transferiam a posse de bens, numa nítida relação socioeconômica, sujeito e coisa, formando um sentimento de retribuição de bens.

La primeira forma de comercio fue probablemente el llamado “comercio silencioso”. En él, los participantes no tenían contacto directo; Los membros de uma família o tribu se allegaron a um espacio aberto, desplegaban los bienes que desaban cambiar y se escondían.

A continuación, se aproximan los interessados en el trato, extendían todo lo que estuviesen dispuesto a oferecer a cambio y tambien se retiraban. Aquellos que habían hecho el primer movimento volvían y examinaban la oferta de sua vecinos. Si estaban satisfechos, tomaban los biens oferecidos y se iban, dejando los suyos allí. Si consideraban que el precio era insuficiente,

1 TOLLE, Eckhart. Um novo mundo: o despertar de uma nova consciência. Tradução de Henrique Monteiro. Rio de Janeiro, Sextante, 2007, p. 9 (Eckhart Tolle, pseudônimo de Ulrich Leonard Tolle - escritor e conferencista alemão, residente em Vancouver no Canadá).

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retiraban de sus propios biens y se encondían outra vez para que la outra parte del trato examinasse la nueva oferta 2.

Com o transcorrer do tempo esses pequenos grupos aumentaram, ampliando a comunicação entre si, com significativo crescimento nas trocas de bens. A expansão populacional aguçou a criação e a transformação por novos bens e objetivos, propiciando atender as próprias necessidades, e a obsequiosidade. Assim nasceu o escambo que evolui permanentemente, estimulando o homem, sob propícias condições transcendentais, como a observação, como no empirismo conduzindo ao conhecimento e a interpretação do desconhecido.

As circunstâncias que estruturaram a base da história natural da espécie, conduz a experiência existencial para exibir o produto do trabalho humano, utilizando essa capacidade de labor e conhecimento como força e instrumento de poder. E quando vencedor, passou a dominação. Os homens se levantaram e se tornaram seres falantes, modificaram as relações de troca de então, transformando o escambo, numa ferramenta amigável, burilando os mecanismos de uso, inovando procedimentos para harmonizar a convivência humana e obter ganhos. Presume-se que no começo dessas relações humanas, praticando troca de bens, era um consenso, sem coerção, exprimiam sem ambiguidade, um convívio solidário, procurando reunir uma só conversação3 que serviu para fomentar o desenvolvimento, evoluindo as ações de

comunicação continuada, resultando em um aprendizado que ficou assentado, proporcionando ao homem criar regras, normas, como a busca da purificação e segurança de um sistema jurídico, em continuo aperfeiçoamento e expansão, no sentido de que está aberta a possibilidade de melhoramentos mediante reformas institucionais segundo a ordem jurídica em vigor4.

A relação da troca de bens analisada por Raffestin5 que:

[...] É de admirar que a noção de troca, que reteve a atenção das ciências do homem de uma maneira bastante geral, não tenha sido solicitada para construir uma teoria da relação. Porém, é possível o esboço de semelhante teoria: “Os ‘trocadores’ trazem uma realidade orgânica: seus corpos, suas mãos, além de seus instrumentos e produtos. Entram em contato. Esse contato, que traz uma informação, a cada uma das partes, os modifica. Há junção de uma energia orgânica e de uma energia informacional. Esse ato inicial é sempre atual, pois é repetido ad infinitum e reproduzido em todas as manifestações da vida cotidiana. Mas a relação não está somente presente na troca material; é

2 SIMÓN, Julio A. Tarjetas de Credito. Abeledo-Perrot. Buenos Aires, 1990, p. 14.

3 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, pp. 6-7.

4 NOBRE, Marcos. Como nasce o novo. Experiência e diagnóstico de tempo na Fenemenologia do espírito de Hegel. Todavia, 2018, S. Paulo, p. 59.

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extensiva e cofundadora de toda relação social. Se é verdade que o ato da troca material se distingue da não-troca — doação e roubo, por exemplo — e da troca puramente mental, não deixa de ser verdade que a troca material está inserida nesta categoria mais geral que é a relação. A troca material não passa de um caso particular, importante sem dúvida, mas não é exclusiva da relação. Se a relação não foi teorizada em profundidade é porque aparece como um conceito muito global, muito geral. De fato, não o seria se quiséssemos identifica-la com precisão.

A complexidade das relações é talvez o que torna tão difícil a abordagem relacional. Se, por razões de comodismo, descreve-se primeiro as relações bilaterais, não se pode esquecer que se trata de uma abstração, no sentido de que, na maior parte do tempo, as relações são multilaterais.

Para simplificar, tomemos de início a relação bilateral do contrato de trabalho, que apesar de comum não é nada simples. De fato, o contrato só é bilateral na aparência, porque, se há um vendedor de trabalho, o ofertante, e um comprador de trabalho, o demandante, sua relação produz, em todo caso, a organização estatal, presente pelas regras, as leis, numa palavra, os códigos que regulamentam a venda e a compra do trabalho. Pode produzir também as organizações sindicais, presentes pelas convenções coletivas e igualmente por um conjunto de regras.

A organização estatal e a organização sindical são partes privilegiadas na relação, pois delimitam o campo sociopolítico da relação. Dependendo do país, é evidente que a organização sindical pode estar ausente. Pode-se também imaginar que a organização estatal seja anulada, como no caso de um contrato de trabalho ilegal6.

Verifica-se se é verdade, se o ato da troca material se distingue da ‘não-troca’ (como rotula Raffestin) — doação e roubo, por exemplo — e da troca puramente mental, não deixa de ser verdade que a troca material está inserida nesta categoria mais geral da relação. Confere-se que os movimentos de troca e produção das leis em favor do grupo, muitas vezes não significa que aquela pessoa ou grupo sejam pessoalmente responsáveis pela promulgação de tais leis, uma vez que a figura proeminente do soberano esteve e está presente na obra que legisla, que direta ou indiretamente, a utiliza para legalizar seus atos sob amparo de um sistema legal.

Observa-se também que essa manifestação leva a uma possível conclusão de que a fonte das leis tem origem naquele conjunto de esforços interessado para implantar normas, que estarão sujeitas a uma constante evolução social como acontece no âmbito da filogenética, cuja etapa implica numa postura objetivista e sociocentrica, no sentido de que os padrões cognitivos e normativos estabelecidos no contexto social passam a ser inquestionáveis e atuam como critérios definitivos do conhecimento e julgamento moral7.

6 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Titulo original: ‘Pour une géographie du pouvoir’. Paris 1980. Tradução: Maria Cecilia França. Editora Ática, 1993, p. p. 31/32.

7 NEVES, Marcelo. Entre Themis e Leviantã: uma relação difícil. WMF Martins Fontes. São Paulo, 2013, p.p. 25-27.

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No âmbito dos negócios entre organizações, quer sejam sindicatos, cooperativas, associações e similares, porque tem conotações de maior força social e política, dependendo da estrutura legal, amplia o leque de negociação, propiciando melhores condições quando assentados em regras próprias reconhecidas pelo sistema jurídico vigente.

Entende-se que o aparecimento do comércio é um reflexo dessa revolução, e foi um meio eficaz para satisfazer as necessidades dos agrupamentos sociais em evolução, provocando uma sequencia de movimentos na troca de bens, que passaram a ser denominados ‘mercadorias’, criando uma nova estrutura de negociação que cada vez mais evolui e se organiza.

Face a explicação advinda da dinâmica social, pode ser entendido como fácil, simples conceber, e até dispensar discussões sobre o inicio da atividade comercial, mas, observando a historia econômica, quando os homens com suas limitações e aptidões lutaram para superar as adversidades que se apresentavam, confere-se que foi algo extremamente fatigante, e ao mesmo tempo profuso.

No curso da história observa-se o talento do homem na produção de bens dos mais diversos, desde bens materiais e imateriais, que são avaliados de acordo com a medida do interesse e necessidade de cada adquirente. O comércio nasceu da necessidade do homem em dar continuidade a sua jornada de sobrevivência, e se transformou em um categórico recolhimento de bens para que fossem suficientes para o seu provimento e do seu grupo mais próximo, como uma necessidade indiscutível de adotar o abastecimento como procedimento de segurança. Com o êxito do resultado, sentiu-se estimulado para manter essas posses para alcançar novas riquezas, permanecendo na finalidade encetada. O comércio passa a ser entendido como uma atividade pragmática, que não requer base, cujo fato assinala que nenhum outro animal, além do sapiens, passou à prática do comércio.

Todas as redes de comércio dos sapiens, sobre as quais se tem informações detalhadas ao longo da história da civilização, apoiou-se na relação de confiança, elemento fundamental, estabelecido entre as partes, para o bom exercício dos negócios. O comércio foi calcado e se desenvolveu em decorrência da relação do homem ou grupo de homens com base na confiança, criando a “auto vinculação”. Carneiro da Frada8 examina como um conceito-essência

(Inbegriff) de toda ação comunicativa pela qual um ator desperta em outros sujeitos expectativas de modo estável. Essa relação estimula outras relações para atender comportamento futuro, que,

8 FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil. Almedina, Coimbra, 2016, pp. 767/780.

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sumariamente, se pode entender como um padrão de conduta continuado, que consolida e assegura expectativas, fazendo prosperar promessas, comprometendo-se com o dever de prestar com fidelidade a reciprocidade, e que se pode aperfeiçoar através de instrumento escrito a sinalagma.

A confiança se apresenta como um elo de segurança que um homem tem para com outro homem, ou perante grupo de pessoas, para sedimentar os entendimentos e negócios. A história mostra que as relações mercantis não subsistem sem esse elemento firme, que é a confiança. Pode-se inferir que a confiança legal é um dever legal, e que nem todo poder de um representante vem de par com tal dever, de modo que o poder e o dever não são idênticos9.

A confiança proporciona extirpar o temor, ou minimiza dúvidas nas construções e propostas comerciais, especialmente na fase incipiente das relações quando há receio entre as partes, que conduz criar dificuldade, estreitando acreditar em estranhos. Por isso, razoável a investigação e a troca de informações mercantis que antecedem a concretização do negócio.

Contemporaneamente os negociantes buscam referencias pelos sistemas de informática, redes eletrônicas destinadas a esses fins, canais cibernéticos e nos cadastros tradicionais processados nas relações mercantis, cada vez mais sofisticados e eficientes10, não obstante

reconhecer a possibilidade da ilícita invasão nos bancos de dados pessoais sem a devida autorização. Essa coexistência não somente se aproxima do conceito função medianeira para atender as necessidades imediatas do consumo público, como, também, está intrinsecamente somada no ato mercantil executado com a intenção de cumprir a finalidade do produtor e atender o consumidor com práticas habituais, e proporcionar lucro11.

Dessa sincronização surge a figura do crédito com nítido liame, condição, que se assenta na confiança, e com uma certa estreiteza otimizar as relações econômicas, mercantis, favorecendo a circulação de bens, evoluindo para a formação dos contratos. Ao mesmo tempo tem-se a confiança como ferramenta bem utilizada para atender o desenvolvimento dos negócios, conferindo uma convivência de paz social, além da satisfação material e psicológica para os indivíduos.

9 RAZ, Joseph. O Conceito de sistema jurídico – uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Tradução de Maria Cecília Almeida, revisão de tradução de Marcelo Brandão Cipolla, WMF Martins Fontes. São Paulo, 2012, p. 27; p. 115.

10 HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. L&PM Editores, 2012, p. 44.

11 DE PLÁCIDO E SILVA. Noções Práticas de Direito Comercial. Editora Guaíra: 5a. ed. – após 1944 a 4a. ed., p.p. 13-14.

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O crédito e a confiança entremeiam-se para ajustar os negócios, e obtenção dos benefícios da contraprestação. O crédito é uma dessas criações que atestam o bom resultado da inventividade humana, tal como o escambo que é considerado marco da engenhosidade que conduziu o homem ao comércio e a ideia da moeda.

Como o crédito, a moeda foi assimilada pela sociedade dando a espécie poder de apropriação. Enquanto a moeda proporciona a aquisição de um bem incontinenti. O crédito visa a compra do bem com uma promessa de pagamento futuro. Troca-se uma prestação executada por uma prestação futura, e ao mesmo tempo constitui uma faculdade de exigir a execução futura dessa prestação. O crédito nada mais é do que uma faculdade jurídica ou, pelo lado oposto, uma obrigação jurídica: o crédito de um lado, é o débito é o outro lado12.

As raízes do conceito de soberania na Baixa Idade Média foi utilizado pelos legistas do século XVI, sobre a situação de poder, relembrando passagem de “O Príncipe”, quando o autor da referida obra trata da crueldade e da piedade, provocando “... preferível ser amado ou temido...”, frase que estimula dissecação, gerando declarações para entender o autor nada mais fez do que mostrar, ironicamente, o que os príncipes fazem de fato, não o que afirmam ou deveriam fazer para a segurança do Estado e o bem de seus súditos13.

Os peritos sobre as situações e práticas do governante procuram explicar a expressão de que: “Os fins justificam os meios”, comumente associada a Nicolau Maquiavel, o que pode ser compreendido como o interesse para alcançar certos objetivos; até mesmo qualquer ato criminoso seria justificável.

O aprendizado ao longo desse tempo, a história traz testemunho do crescimento fenomenal da busca do poder pelo homem, como aconteceu nos últimos 500 anos com relação a população mundial sob domínio, convivendo-se com conflitos pelo mundo sem uma verdadeira paz. No ano 1500 havia cerca 500 milhões de homo sapiens em todo o mundo. Hoje há mais de 7 bilhões14 de pessoas sob os ditames de governos e governantes dos mais diversos,

exercitando o poder.

A concepção de uma soberania estatal, no plano interno, representa, reconhecidamente a desorganização entre o soberano e o aparelho de poder institucionalizado, confusão

12 MAMEDE, Gladston. Títulos de Crédito – Direito Empresarial Brasileiro, 10a. ed., 2018, edição eletrônica, Editora Atlas (GEN).

13 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Roberto Grassi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969, capítulo XVII, p.p. 102-3.

14 Historical Estimates of World Population, U.S. Census Bureau, http://www.census.gov.ipc/www/worldhis.html. Acesso: 26/12/2016.

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voluntariamente criada, por certo, como meio-termo artificial entre o ideal democrático e as exigências autocráticas dos grupos dominantes. O aparelho estatal não existe em si e por si, mas encontra sentido e coerência como expressão de um poder que transcende, e que dele se utiliza, como enfatizam Comparato e Salomão Filho. Poder supremo que Aristóteles recorreu para fundar a sua conhecida classificação dos regimes políticos, e não à mera aparência de governo15.

O entendimento de soberania se enraíza com a segurança territorial integrando ao Estado, e, por conseguinte, esse território torna-se um espaço propício para o surgimento do mercado.

Explicitar o conhecimento e a prática que os homens têm das coisas é, involuntariamente, desnudar o poder que os mesmos se atribuem ou procuram atribuir sobre os seres e as coisas. O poder não é nem uma categoria espacial nem uma categoria temporal, mas está presente em toda “produção” que se apoia no espaço e no tempo. O poder não é fácil de ser representado, mas é, contudo, decifrável. Falta aos homens somente saber fazer, ou então poder sempre reconhecer16. Um dos cenários propícios para tanto, e que se apresenta amiúde, é o mercado,

que acolhe e articula exercícios mercantis com significativos atores e titeriteiros.

Não obstante o combate a ganância e as indevidas práticas mercantis, estas continuam sendo exercitadas da dicção de velho bordão de repensar o comportamento daqueles que convivem diuturnamente deturpando os negócios, extrapolando limites éticos e legais. Atualmente os negócios não mais se limitam a um mero procedimento de permuta, da troca de um bem, contemporaneamente a via cibernética estimula negociações em curta e longa distancias, aproximando relações econômicas, financeiras das mais diversos, interferindo nas decisões politicas e sociais, generalizando a impressão de que os negócios desvincularam-se da moral, que de alguma forma precisa ser restabelecido esse vínculo17.

Do quanto já protagonizado interessante alguns aspectos das análises que Aron18

procedeu ao apreciar as falas de Comte, da relação das ideias por ele esposadas envolvendo o pensamento teológico da época, ao abordar o pensamento científico que comandaria a inteligência dos homens modernos, após o desaparecimento da estrutura feudal e da organização monárquica, entendendo que:

Diariamente, em todas as fases de nossa existência, somos confrontados com a noção de limite: traçamos limites ou esbarramos em limites. Entrar em

15 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 29.

16 RAFFESTIN. Obra citada, p. 6, Notas Prévias.

17 SANDEL, Michael J., O que o dinheiro não compra. Civilização Brasileira. 2017, p.-44.

18 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução Sérgio Bath. Martins Fontes. 2000, pp. 72-74.

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relação com os seres e as coisas é traçar limites ou se chocar com limites. Toda relação depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se origina, se realiza e se esgota19.

A produção cientifica e industrial que dominariam a sociedade daquele período, apontou fato novo, chamando a atenção dos observadores no princípio do século XIX para a indústria, que no entendimento de Comte, a partir daí, algo original aconteceu, consoante os traços que enumerou, caracterizando como:

1º A indústria se baseia na organização cientifica do trabalho. Em vez de se organizar segundo o costume, a produção é ordenada com vistas ao rendimento máximo.

2º Graças à aplicação da ciência à organização do trabalho, a humanidade desenvolve prodigiosamente seus recursos.

3º A produção industrial leva à concentração dos trabalhadores nas fábricas e nas periferias das cidades; surge um novo fenômeno social: as massas operárias.

4º ... Essas concentrações de trabalhadores nos locais de trabalho determinam uma oposição, latente ou aberta, entre empregados e empregadores, entre proletários de um lado e empresários ou capitalistas do outro.

5º Enquanto a riqueza, graças ao caráter científico do trabalho, não pára de aumentar, multiplicam-se crises de superprodução, que têm por consequência criar a pobreza, mercadorias deixam de ser vendidas, para escândalo do espírito.

6º O sistema econômico, associado à organização industrial e cientifica do trabalho, se caracteriza pela liberdade de trocas e pela busca do lucro e a concorrência, e que quanto menos o Estado intervier na economia, mais rapidamente aumentará a produção e a riqueza.

O quadro acima atribui à cada uma dessas características certa importância. Entende como decisivas, porque a indústria se define pela organização cientifica do trabalho, que produz o crescimento constante das riquezas e a concentração dos operários nas fábricas, observando-se uma contrapartida da concentração de capitais ou dos meios de produção nas mãos de um pequeno número de pessoas. O livre comércio, acentuado pelos teóricos liberais, consideram como causa decisiva do progresso econômico20, e que o desenvolvimento da produção se ajusta,

por definição, leva ao interesse de todos.

Neste mesmo patamar, está a consideração, que a lei da sociedade industrial é o desenvolvimento da riqueza, que postula ou implica numa conciliação final dos interesses, enfatizando que a civilização material só pode desenvolver se cada geração produzir mais do que é necessário para sua sobrevivência, transferindo à geração seguinte um estoque de riqueza maior do que o recebido da geração precedente, numa consequente capitalização dos meios de

19 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecilia França. Editora Ática. 1993, p. 164.

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produção, porque seria uma caraterística do desenvolvimento da civilização material que leva à concentração.

O aludido pensamento conduz ao entendimento que a organização cientifica da sociedade industrial levaria a atribuir a cada individuo um lugar proporcional à sua capacidade, realizando assim a justiça social, proporcionando otimismo nesse ponto de vista, sob uma analise socioeconômica do capitalismo21; e o pensamento de Marx22 conduziria a uma interpretação de

caráter contraditório ou antagônico da sociedade capitalista, num esforço destinado a demonstrar que esse caráter contraditório é inseparável da estrutura fundamental do regime capitalista e é, também, o motor do movimento histórico.

Para Aron, analisando os célebres textos de Marx no ‘Manifesto Comunista’ – aponta no Prefácio da Contribuição à crítica da economia política, e ‘O Capital’, explicando o antagonismo do regime capitalista, qualificando-o de não-cientifico as colocações contidas nos referidos repertórios, por entender haver uma inclinação à propaganda, cujo tema central é a luta de classe, expressando que a história de toda sociedade até nossos dias convive com esse conflito.

O homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de oficio e companheiro, opressores e oprimidos se encontram sempre em constante oposição, travam uma luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que não termina sem por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou então pela ruína das diversas classes em luta.

No prefacio da terceira edição da ‘Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada’, escrito por Adolf Berle e Gardiner C. Means23, que:

O deslocamento de cerca de dois terços da riqueza industrial do país da propriedade individual para a propriedade de grandes empresas financiadas pelo público transforma radicalmente a vida dos proprietários, a vida dos trabalhadores e as formas de propriedade. O divórcio entre a propriedade e o controle, resultante desse processo, envolve quase necessariamente uma nova forma de organização econômica da sociedade.

Para os referidos autores, nas primeiras décadas do século XX aflora uma compreensão relativa dos atributos da propriedade, entendendo que o arriscar da riqueza coletiva em empreendimentos que visam o lucro, assume a responsabilidade final pelo empreendimento.

21 ARON, ibidem.

22 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Fonte digital RocketEdition 1999, www.jahr.org, p. 7.

23 BERLE, Adolf Augustus; MEANS, Gardiner C.. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada. 1967; 3a. ed. – Nova Cultural, 1988, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, p. 3.

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Essa postura de aparente divorcio, leva as respostas dessas mudanças que propiciaram a separação, não somente com relação a lei, mas, também entende ser necessário procura-las nos fundamentos econômicos e sociais da lei, ultrapassando períodos que não os detém, pois, continuam numa pauta ideológica ininterrupta, e até mesmo atual, envolvendo discussões significativas sobre as relações econômicas e sociais.

Aproveitando esses traços que se coadunam com a densidade da história das ideias econômicas e afins com o direito comercial, reconhece-se haver uma linha divisória, quando uma norma legal pode de algum modo criar embaraços a uma via que conduz a um economia que proporcione ao individuo exercitar com maior plenitude a atividade escolhida. De qualquer modo as fronteiras não podam simplesmente impor e desrespeitar os limites do exercício mercantil ferindo liberdade ou simplesmente interferindo na conjugação das relações interindividuais.

O bom convívio conduze a um mercado harmonioso, mas é natural observar alguma necessidade e até mesmo algum fenômeno que enseja a intervenção do Estado na economia, quando a diversidade de sistemas se manifesta na procura de um ajuste econômico planificado de direção central, ou por um sistema de economia de mercado mais ou menos puro.

1.1 Mercado

A partir de critérios marxistas do modo de produção, visto a apropriação coletiva ou a apropriação privada dos meios de produção24 acontece a intervenção do Estado na economia.

Constata-se que criar condições indispensáveis para haver liberdade econômica é um dos objetivos para que possa ser exercitada plenamente a atividade mercantil, respeitando os limites do exercício da liberdade dos outros, que se fundamenta em um conjunto de relações interindividuais, sendo uma delas a expressão que se denomina de mercado. Este por sua vez estabelece uma relação econômica entre sujeitos livres, dispondo das suas capacidades para tratar dos seus interesses sem restrição.

A atividade mercantil é resultado da autonomia privada não condicionada por objetivos e fins exteriores. Moncada afirma que a noção do bem público não é independente do bem privado, é simplesmente um conjunto dos bens privados. É o conceito de um sujeito

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transcendental e autônomo relativamente aos fins exteriores capazes de uma atividade econômica independente, que está na origem da desconfiança liberal face aos valores e fins que ao individuo possam ser impostos pelo Estado.

Vale compreender a visão de Sandel 25 sobre a liberdade de mercado e o bem-estar social: A questão do livre mercado fundamenta-se basicamente em duas afirmações – uma sobre a liberdade e a outra sobre bem-estar social. A primeira refere-se à visão libertária dos mercados. Segundo essa ideologia, ao permitir que as pessoas realizem trocas voluntárias, estamos respeitando sua liberdade; as leis que interferem no livre mercado violam a liberdade individual. A segunda é o argumento utilitarista para os mercados. Esse argumento refere-se ao bem-estar geral que os livres mercados promovem, pois, quando duas pessoas fazem livremente um acordo, ambas ganham. Se o acordo as favorece sem que ninguém seja prejudicado, ele aumenta a felicidade geral.

A liberdade e bem-estar social para muitos céticos do mercado, questionam esses argumentos por haver compreensão que as escolhas de mercado nem sempre são tão livres quanto podem parecer, e que certos bens e práticas sociais são corrompidos ou degradados. Tanto assim que, quando se menciona transação, dinheiro, emerge a lembrança de um argumento utilitarista.

Bom lembrar o episódio acontecido no início da Guerra Civil Americana, a convocação de soldados para luta, tanto pela União quanto pela Confederação, admitia que a pessoa convocada para integrar as fileiras militares, caso não quisesse ir a linha de frente, poderia contratar outra pessoa para assumir seu lugar. Esse episódio deu origem à expressão ‘guerra dos ricos, luta dos pobres’.

Apreciando o fato, observa-se que diferença entre convocação e o exercício voluntário não significa que uma seja compulsória e o outro livre, mas que cada um envolve formas diferentes de coerção. Tanto que as figuras da força da lei e das pressões econômicas estariam a validar a consideração de Jean-Jacques Rousseau26, ao argumentar que transformar dever

cívico em uma mercadoria negociável não aumenta a liberdade; ao contrário, a reduz:

A partir do momento em que um serviço público deixa de ser a principal atribuição dos cidadãos, que preferem servir com o próprio dinheiro em vez de se engajar para servir, o Estado está prestes a ruir. Quando é necessário marchar para a guerra, eles pagam aos soldados e ficam em casa (...) Em um país verdadeiramente livre, os cidadãos fazem tudo com os próprios braços e nada por meio do dinheiro. Longe de pagar para se isentar dos seus deveres,

25 SANDEL, Michael J. . Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2014. p. 99.

26 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato Social – 1762, Livro III, capitulo 15, tradução: Heloisa Matias e Maria Alice Máximo.

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eles até pagariam para ter o privilégio de realiza-los. Estou longe de concordar com a noção geral: considero o trabalho forçado menos contrário à liberdade do que os impostos.

[...]

O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles. Como é feita essa mudança? Ignoro-o. Que é que a torna legitima? Creio poder resolver esta questão27.

E o próprio Rousseau procura responder ao dizer que:

Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; tão logo ele possa sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor; porque, recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com o qual lhe arrebataram, ou este serve de base para retomá-la ou não se prestava em absoluto para subtraí-la. Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de alicerce a todos os outros. Esse direito, todavia, não vem da Natureza; está, pois, fundamentado sobre convenções.

Há uma advertência de que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu semelhante, e que a força não produz nenhum direito, restando as convenções como base de toda autoridade legitima entre os homens28. Nesta rota Sandel traz à meditação situações

contemporâneas, como os casos de barriga de aluguel em que participam da discussão pais, filho biológico e outros, ou não. Julgamentos houveram, ora a rejeitar a ideia de comércio de bebês, ora a considerar admissível como comércio29.

Polanyi30 mostra o ponto de partida para pensar no mercado, para a obtenção de bens

distantes, como o que houve no passado com: “A aplicação dos princípios observados na caça para obter bens encontrados fora dos limites do distrito, levou a certas formas de troca que nos apareceram, mais tarde, como comércio”, gerando a atividade mercantil a longa distância para aquisição das mercadorias, bem como o exercício relativo a divisão do trabalho realizada em determinada localização.

Para Braudel31:

27 ROUSSEAU. Do Contrato Social.. Tradução Rolando Roque da Silva. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Moraes (www.jahr.org), Livro I – acesso em 25-08-2016.

http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf

28 ROUSSEAU. Do Contrato Social. (Da escravidão, IV do Livro I).Tradução: Rolando Roque da Silva. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Moraes.

29 SANDEL, Michael J. Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2014. pp. 116/128.

30 POLANY, Karl. A grande transformação. As origens da nossa época. Rio de Janeiro. Editor Campus. 1980 [1944]. p. 73.

31 BRAUNEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Sécs. XV-XVIII. Vol. 2, “Os jogos das trocas”. São Paulo. Martins Fontes. 1966 [1979]. P. 12/193.

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[...] o mercado, mesmo elementar, é o lugar predileto da oferta e da procura, do recurso a outrem, sem o que não haveria economia no sentido comum da palavra, mas apenas uma vida ‘encerrada’ na autossuficiência ou na não-economia.

Observando que a fase de pura subsistência é ultrapassada, os excedentes de cada grupo passam a ser objeto de troca, considerado como um momento da troca simples. O escambo primitivo de comércio não teve força para mudar a valoração do bem que cada grupo conferia no tempo e espaço. Foi o comércio especulativo que proporcionou mudanças nas relações sociais, introduzindo uma nova relação com e entre os bens, mercadoria e com as moedas, forçando a sociedade local ir além-fronteiras à busca de adaptação dos interesses e negócios, criando novos processos produtivos e novas condições de cooperação32.

Algumas sociedades tentaram resolver o problema estabelecendo um sistema central de escambo que coletava produtos de cultivadores e manufaturadores especializados e os distribuía àqueles que precisavam, no entanto, a maioria das sociedades encontrou uma forma mais fácil de conectar um grande número de especialistas introduzindo o dinheiro, que permite criar equivalências imaginárias, é considerada a fonte de uma aritmética criativa de espaços abstratos que realizam a equivalência dos não equivalentes.

1.1.1 Dinheiro – Moeda

Preconiza-se que o reconhecimento das necessidades humanas só acontece quando o outro ou, antes, só reconhece a existência de suas necessidades na medida em que aceita o jogo das equivalências forçadas que se exprime no valor de troca. O valor de troca, resumindo, nesse caso, a situações diferenciais de poder: “O valor de troca estabelece sua preponderância no decorrer de uma luta acirrada contra o valor de uso, após tê-lo constituído como tal, e sem nunca dele se separar”. Diz Raffestin que Lefebvre atinge o cerne do problema ao escrever:

Marx não viu o conflito entre esses dois momentos; inerente, contudo, ao conflito uso-troca. No entanto, esse conflito ocupa todo o horizonte da História. Na falta de um corpo de hipóteses que coaja a realidade, não existe valor de troca que não seja coerção. Isso é tão verdadeiro que, para se impor, o valor de troca teve de passar pela intermediação dessa mercadoria que não é uma mercadoria: o dinheiro. É possível desalentar-se com todas essas mitologias que fazem do dinheiro, por intermédio de infinitas metáforas, a causa de todos os males. Mas o dinheiro, invenção preciosa, não merece nem tantas indignidades nem tantos louvores. Ele não é nada mais que uma

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