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E o vento insistiu, mas não levou... o Amor

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Academic year: 2021

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E o vento insistiu, mas não levou... o Amor

Por céus e mares eu andei, Vi um poeta e vi um rei Na esperança de saber

O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer, Eu já queria até morrer

Quando um velhinho Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,

É o espinho que não se vê em cada flor. É a vida quando

Chega sangrando aberta em pétalas de amor.

(O velho e a flor, Vinícius de Moraes)

“E o vento levou...”, filme com Vivien Leigh e Clark Glabe, 1940

Por Luciana Helena Mussi

ue me desculpem aqueles que escrevem que o “o amor está longe de ser a solução para o fim do sofrimento humano” (reportagem Folha de S.Paulo, assinada por Juliana Cunha, 08/01/2013). Estou mais para as palavras de Mario Quintana quando diz “tão bom morrer de amor e continuar vivendo”.

Ou, talvez, “amar: fechei os olhos para não te ver e a minha boca para não dizer... E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei, e da minha boca fechada nasceram sussurros e palavras mudas que te dediquei... O amor é quando a gente mora um no outro”.

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Será assim tão “rasgado”, exagerado em todas as letras, esse amor? Bem, o filósofo Simon May, professor do King’s College, em Londres, e autor de “Amor - uma história”, lançado no Brasil no fim do ano passado, pensa que sim.

Trazendo o espanto de Nietzsche em 1988 nas primeiras linhas de seu livro – “quase dois mil anos, e nem um único deus!” – May corrige: “Mas ele estava errado. O novo deus estava ali, na verdade, estava bem debaixo do seu nariz. O novo deus era o amor. O amor humano”.

Este é apenas um aperitivo da linha de pensamento crítica que o escritor adota ao longo de sua obra. Gostem ou não, May é impiedoso com os românticos exagerados ou até perversos.

Como bem diz Juliana Cunha: “Para ele, o sentimento está supervalorizado: ocupou o espaço deixado pela religião e se tornou o novo deus do Ocidente”.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o professor e filósofo afirma: “Somos todos fanáticos. Exigimos que nosso sentimento seja eterno e incondicional e camuflamos sua natureza condicional e efêmera. É a mais nova tentativa humana de roubar um poder divino”.

E qual o problema do “Amor” nos tornar seres fanáticos (do bem), de sentimentos incondicionais e “quase” ladrões por natureza do poder divino? Já dizia o saudoso poeta Cazuza: “Exagerado, deitado a seus pés, eu sou mesmo exagerado (...)”. Sim, parece que hoje somos forçados à imparcialidade, a tomar a razão como prioridade em nossas vidas. Com isso nos transformamos em seres, únicos e exclusivamente “da cognição”.

“De acordo com o filósofo, a religião do amor incondicional é reforçada pela cultura. Ele cita filmes em que um dos personagens não quer saber de namorar e só pensa na carreira. No final, ele sempre descobre que sem uma paixão sua vida não será completa”, escreve Juliana Cunha.

Seria tão complexo entender que não vivemos para sermos sós? Estamos constantemente em busca de um “estranho outro” que nos complete e nos devolva a parte faltante, perdida nos anos ou vidas do túnel do tempo.

Mas Simon May defende outra teoria. Para ele, “nada humano é verdadeiramente incondicional, eterno e completamente bom. Essa é uma forma de amor que só Deus pode ter. Esse entendimento gera expectativas altas, que relacionamentos cotidianos não são capazes de suprir”.

Cunha acrescenta outro filósofo, o alemão Richard David Precht, autor de “Amor - um sentimento desordenado”. Ele diz: “O papel de nos aceitar por inteiro, com todos os nossos defeitos e limitações, cabia a Deus. Hoje buscamos alguém que possa cumprir essa função e ainda dormir conosco. É realmente pedir demais”.

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Insisto que para os sempre apaixonados, é essa mesma a dinâmica do Amor: ter alguém que possa nos suprir nas nossas deficiências, nos tornar grandes, fortes, e nos devolver o elixir roubado pelos deuses de outrora: “O amor só é lindo quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser”, dizia Mario Quintana.

A história do amor

Viajando pela história, Simon May traça um histórico das diferentes concepções de amor, e atribui ao romantismo do século 19 a culpa pela supervalorização do sentimento.

A psicanalista Regina Navarro Lins se interessou pelo tema e pesquisou a história do sentimento. Em 2012 publicou “O livro do amor”, obra em dois volumes.

Para ela, “o amor romântico está com os dias contados. Domina filmes e novelas, mas está saindo de cena na vida real”. Ela lembra que o futuro mostra o “poliamor” e formas menos convencionais do que o casamento.

“As pessoas estão mais individualistas, buscam sua própria satisfação. Isso irrita os conservadores, mas aumenta as chances de cada um ser feliz”.

Mas mesmo vivendo o chamado “poliamor” e outras formas de união, o Amor, em sua essência e expectativa continua o mesmo. Os processos mudam, mas os objetos de desejo ainda são semelhantes: homens e homens ou mulheres e mulheres ou homens e mulheres, pouco importa a combinação, a raiz do sentimento se mantém.

Regina Navarro Lins e Simon May têm outra opinião: consideram que o amor romântico é irreal. “Você conhece uma pessoa, atribui a ela características que ela não possui e passa a vida infernizando a criatura, querendo que ela seja como você imaginou”, afirma a psicanalista.

Acrescenta: “A troca de exigências gera um ‘rancor matrimonial’, uma sensação de que o parceiro nos enganou ao não cumprir nossas expectativas”. Bem, penso que o raciocínio, dos filósofos e da psicanalista, gira em torno de uma intelectualidade, por que não dizer, exagerada. Não necessariamente numa relação a dois a “coisa” se dá dessa maneira, com tantos rancores e frustrações acumulados. E mesmo que seja assim, em alguns casos esse é o movimento de qualquer ser humano social: alguém inconstante, inquieto e incoerente.

Simon May ressalta não acreditar que a solução seja dar menos importância ao sentimento, mas rever os conceitos. Ele simplifica: “Precisamos mudar nossas expectativas, não reduzi-las. É preciso abandonar a ideia de que amor implica intimidade incondicional, benevolência e altruísmo. Para mim, amor é algo

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completamente condicional. Ele só existe enquanto a outra pessoa parece dar sentido à nossa existência”.

Se você quiser uma fórmula, talvez essa seja a mais adequada: nunca desconsidere a intensidade de seu sentimento, por mais avassalador que seja. Cuidado com as grandes doses de expectativa, ingrediente que pode ser traiçoeiro e tornar sua relação uma verdadeira Torre de Babel. Pense sempre nas palavras dos filósofos, fique atento para as viagens dos psicólogos, mas, acima de tudo, mantenha em seu coração os versos dos poetas, aqueles que emergem da mais profunda paixão e, que me perdoem os intelectuais, vivam suas intimidades, apaixonados de plantão, mesmo que incondicionais.

A filosofia e suas repostas sobre o amor

Atualmente, May trabalha na preparação de seu próximo livro: “Love - a phenomenology” (Amor, uma fenomenologia).

O filósofo é conhecido fora do Brasil pela obra “Thinking aloud” (Pensando em voz alta, 2009). À época, foi escolhido como um dos livros do ano pelo jornal “Financial Times”. Em entrevista à Folha, publicada em 08/01/2013, ele fala como a filosofia pode dar respostas sobre o amor.

Folha - São Paulo está cheia de cartazes pedindo “mais amor”. Essas manifestações têm a ver com a sua tese sobre o amor como religião?

Simon May - Sim, isso tem a ver com enxergar o amor como a solução para todos os problemas. Uma cidade como São Paulo deve ter problemas bem maiores que a falta de amor, mas hoje as pessoas subestimam o poder das questões sociais como componentes da felicidade. Viver em paz, com emprego e dignidade, provavelmente traz mais alegria duradoura que o amor.

Folha - Se o amor é uma religião, como você explica o troca-troca de parceiros? Crentes não trocam de igreja muitas vezes.

Simon May - Trocar muito de parceiro não contradiz a tese de que o amor é uma religião. Um dos motivos para tanta troca é que estamos tentando encontrar o par perfeito, a pessoa que irá preencher a ânsia por um amor incondicional, eterno. Como a ideia toda é impossível, trocamos de par a vida inteira. Quando os relacionamentos terminam, em vez de culpar o modelo, culpamos a outra pessoa.

Folha - Você escreve que tudo mudou no último século, menos a visão sobre o amor. O sentimento não é mais valorizado hoje?

Simon May - O amor fica cada vez mais valorizado à medida que a sociedade se torna mais individualista e outras formas de pertencimento no mundo declinam. O que não mudou é a tentativa de comparar o amor humano ao amor divino. Isso gera pensamentos do tipo ‘se você me amasse incondicionalmente, não faria x e y’.

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Folha - Existe um modelo de amor mais saudável?

Simon May - O amor é a paixão que sentimos por aqueles que suscitam em nós a esperança de uma fundamentação indestrutível para a nossa vida. É uma necessidade de raízes, de encontrar um sentido para nossa própria existência. Poucas pessoas podem nos dar essa segurança, e é por isso que o amor é tão raro.

A solução é compreender o sentimento do modo correto e, assim, não ficar tão arrasado quando o amor se mostrar destrutivo ou não correspondido. Também é preciso buscar o amor em outros lugares, não só em um parceiro sexual.

Folha - Hoje, amor é tema de livros de autoajuda: as pessoas querem resolver seus problemas. É papel da filosofia dar respostas?

Simon May - Faz tempo que o amor não é um tema central para a filosofia. Até o século 17 era importante para os grandes filósofos: Platão, Aristóteles, Agostinho e outros trabalharam em definições detalhadas sobre a natureza do amor. Hoje, só questionamos qual seria a melhor forma de alcançá-lo ou de mantê-lo.

Acho que é papel da filosofia sugerir alguns caminhos, sim. O mais importante é: certifique-se de que você e seu parceiro têm um profundo sentimento de enraizamento um no outro. Esse sentimento é inconfundível, é como se os dois fossem maçãs da mesma cesta, mesmo que cada um tenha vindo de uma origem muito diferente.

Fotos no registro do Amor

Na ocasião da matéria sobre o “Amor” no Caderno Equilíbrio da Folha de S.Paulo. em 08/1/2013, a redação do jornal apresentou um projeto virtual que reúne fotos de casais anônimos.

Conta a reportagem: “A jornalista e empresária Daniela Arrais, 28, é responsável pela série “Amores anônimos”, uma seleção colaborativa de

fotos de casais apaixonados na rua, registrados em fotos tiradas com celular. Antes disso ela produziu uma série de entrevistas em seu site, “Don't Touch My Moleskine”, chamada “O que é o amor para você hoje?””, na qual coletou depoimentos de anônimos e celebridades.

“Daniela é uma seguidora assumida da religião do amor. “Quando terminei um relacionamento complicado, cheio de idas e vindas, comecei a me focar muito nesse assunto. Acho curioso como está todo mundo buscando o amor e tão pouca gente o encontra”.

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Com a publicitária Luiza Voll, 28, ela mantém o perfil “Autoajuda do dia”, na rede social Instagram, pelo qual compartilham dicas. O tema principal, claro, é o amor. “A felicidade em outras áreas, no trabalho, na família, é importante. Mas o amor é uma coisa tão forte que, quando as coisas estão bem com ele, tudo bem se o resto da vida está meio torto”.

Referências

CUNHA, J. Sentimental demais. Disponível em

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/87474-sentimental-demais.shtml. Acesso em 08/01/2013.

LINS, R.N. O livro do amor - vols. 1 e 2. São Paulo: BestSeller, 2012. MAY, S. Amor, uma história. Rio de Janeiro: Zahar, 2012

PRECHT, R.D. Amor, um sentimento desordenado. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012

REDAÇÃO FOLHA. ‘Falta de amor não é o maior problema das grandes cidades’. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/87476-falta-de-amor-nao-e-o-maior-problema-das-grandes-cidades.shtml. Acesso em 08/01/2013.

REDAÇÃO FOLHA. Projeto virtual reúne fotos de casais anônimos. Disponível

em

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/87478-projeto-virtual-reune-fotos-de-casais-anonimos.shtml. Acesso em 08/01/2013.

Data de recebimento: 19/05/2013; Data de aceite: 19/05/2013.

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Luciana Helena Mussi - Engenheira, psicóloga e mestre em Gerontologia pela PUC/SP. Doutoranda em Psicologia Social PUC/SP. Membro associada do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE) ativa na Equipe Portal do Envelhecimento. E-mail: lh0404@terra.com.br

Referências

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