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O PATRIMONIALISMO RENITENTE DIANTE DE MAX WEBER E RAYMUNDO FAORO: QUE LIBERALISMO É POSSÍVEL?

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RVMD, Brasília, V. 12, nº 1, p. 60-77, Jan.-Jun. 2018

O PATRIMONIALISMO RENITENTE DIANTE DE MAX WEBER E RAYMUNDO

FAORO: QUE LIBERALISMO É POSSÍVEL?

PERSISTENT PATRIMONIALISM BEFORE MAX WEBER AND

RAYMUNDO FAORO: WHAT LIBERALISM IS POSSIBLE?

João Paulo Ocke de Freitas

Resumo: Este artigo problematiza a tese de

que o bom funcionamento das instituições jurídicas e políticas é determinante para o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Para tanto, o artigo recupera o pensamento de Weber e Faoro para considerar que as práticas patrimonialistas são decorrentes do mau funcionamento do aparato burocrático racional-legal e, ao mesmo tempo, são um efeito da degradação dessas instituições. Conclui-se que o ethos capitalista, ao enfrentar as complexidades da ação política numa democracia de massas, reúne condições para incrementar os recursos, as estruturas e as organizações que possibilitem um combate eficaz ao patrimonialismo renitente na formação social do Brasil. Disso decorre que o Liberalismo que pode advir do aprimoramento das instituições jurídico-políticas não é incompatível com a obtenção de bons índices de justiça social e de desenvolvimento econômico.

Palavras-chave: Max Weber. Raymundo

Faoro. Instituições jurídico-políticas. Patrimonialismo. Liberalismo.

Abstract: This article discusses the thesis that

the proper functioning of the legal and political institutions is crucial for economic growth and social development. Therefore, the article recovers the thought of Weber and Faoro to evaluate that the patrimonial practices are due to malfunction of the legal-rational bureaucratic apparatus and, at the same time, are an effect of degradation of these institutions. The article concludes that the capitalist ethos, to face the complexities of political action in a mass democracy, is fit to increase the resources, structures and organizations that enable effective combating persistent patrimonialism in social formation of Brazil. It follows that the Liberalism that can result from the improvement of legal and political institutions is not incompatible with achieving good levels of social justice and economic development.

Keywords: Max Weber. Raymundo Faoro.

Legal and political institutions. Patrimonialism. Liberalism.

SUMÁRIO: 1. Weber e Faoro: que dizer do Brasil atual? 2. Weber: o ethos capitalista e o papel da

política 3. O patrimonialismo e a sociedade estamental contra o Liberalismo 4. O patrimonialismo como barreira para a organização racional-legal do capitalismo 5. Que Liberalismo é possível?

Mestrando na UFRN em Ciências Sociais; pós-graduando na ESMAT - 13ª Região em Direito Material e Processual do Trabalho; graduado na UFPR em Ciências Sociais e Direito; pós-graduado na UNIBRASIL/ABDConst-PR em Teoria Geral do Direito e em Direito Empresarial e Civil; advogado. E-mail:

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1. Weber e Faoro: que dizer do Brasil atual?

O Liberalismo nunca foi plenamente estabelecido no Brasil, apesar de o termo “neoliberalismo” já ter se transformado num turpilóquio tupiniquim que tem a pretensão de assinalar uma continuidade e, ao mesmo tempo, diferenciar algo atual daquilo que nunca chegou a existir.

Há quem possa entender que, para a compreensão da realidade brasileira na segunda década do século XXI, seja dispensável mobilizar os autores da Sociologia clássica ou da Sociologia brasileira que escreveram no século XIX e início do século XX ou entre as décadas de 1930 e 1960. Afinal, são realidades díspares a estudada por aqueles autores clássicos e a atual.

Ocorre que intelectuais tais como Max Weber, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Celso Furtado, Nunes Leal, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes escreveram obras que são clássicas porque transcendem o momento histórico específico em que foram elaboradas e se projetam para além do seu tempo como um referencial explicativo, metodológico ou conceitual que pode iluminar aspectos importantes de formações sociais distintas. Vale dizer: os clássicos formularam perguntas que se protraíram no tempo e ainda hoje exigem respostas satisfatórias.

Por isso é razoável lembrar que Raymundo Faoro, adotando uma perspectiva weberiana para tentar compreender a realidade brasileira, desenvolveu, como tema central de sua obra Os donos do poder, a análise da estrutura de poder patrimonialista estamental presente no Estado português e transferida para o Brasil. Segundo Faoro, o patrimonialismo estamental constituiu a base da construção da Independência e da República brasileiras.

O Estado brasileiro emergiu da análise de Faoro como uma instituição intervencionista que priorizava o atendimento aos interesses particulares de quem detinha o poder político e que não visava, portanto, manter uma ordem jurídica impessoal e universal. Nesse sentido, o capitalismo aqui cultivado não seguia regras estáveis que possibilitassem o cálculo racional econômico.

Faoro entendia que a sociedade brasileira estava dividida, primordialmente, entre, de um lado, o estamento burocrático, e, de outro, o resto da sociedade. O estamento era por ele conceituado como uma camada essencialmente não econômica, constituída pelo grupo que controlava o Estado e que adotava um modo de vida estilizado e exclusivista.

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Numa sociedade estamental, a desigualdade e o particularismo é que ganham destaque. Assim, para Faoro, a distância entre o Estado e os interesses da nação encontrava correspondência na distância entre o estamento burocrático e o restante da sociedade.

Sob esse aspecto, as definições e análises de Faoro ainda definem o Brasil atual, marcado por políticas e por uma legislação que, por exemplo (levando em conta apenas o período posterior à redemocratização em meados dos anos 1980), são absolutamente contrárias ao pensamento e às práticas liberais: planos econômicos esdrúxulos; bilionários estatizados; sistemática formação de cartéis em concorrências públicas; um modelo de privatização concentrador de capitais; índices de corrupção altíssimos; modelo de concessão de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias posto em prática com enorme injeção de dinheiro público; fúria arrecadadora do Estado; um volume gigantesco de normas voltadas para regular as atividades econômicas e trabalhistas; um intervencionismo econômico irresponsável e atabalhoado no mercado para favorecer certos segmentos em detrimento de outros... Enfim, os desacertos patrimonialistas, clientelistas e populistas do Estado brasileiro se manifestam numa proporção variada e significativa.

O patrimonialismo do Estado brasileiro, de acordo com Faoro, sempre se manifestou na adoção de uma racionalidade pré-moderna, personalista, e que confundia as esferas pública e privada. O problema é que o favoritismo constitui ainda um meio importante para a ascensão social e o sistema político constitui um meio eficaz para a garantia do poder particular e o privilégio, em detrimento da validade de regras universais e da igualdade formal ou legal.

Daí decorre a importância de reconhecer que, no Brasil, o sistema político e jurídico deve ainda começar a incorporar princípios liberais e, para tanto, é preciso compreender a dimensão exata do Liberalismo. Por isso, este artigo encara a tarefa de definir o Liberalismo, analisando os seus requisitos e princípios constituintes, com base no pensamento de Max Weber.

Há muitas questões envolvendo a definição de “Liberalismo” e muitas abordagens importantes no campo da Economia, Filosofia, História, Ciência Politica e na esfera do Direito. Tais questões permanecem válidas e são eficazes para o entendimento do contexto socioeconômico da América Latina, continente onde ainda é possível pensar que a Cortina de Ferro não foi aberta e o Muro de Berlim não foi despedaçado...

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2. Weber: o ethos capitalista e o papel da política

Na introdução da obra A ética protestante e espírito do capitalismo, Weber1 delineou

os elementos do capitalismo ocidental e as suas especificidades, isto é, buscou determinar as causas que levaram o Ocidente a manifestar certos fenômenos culturais dotados de desenvolvimento universal em seu valor e significado. Interessava a Weber desvendar as origens do sóbrio capitalismo burguês, entendido como um empreendimento racional da iniciativa privada, com capital fixo, cálculos precisos e fundado na organização racional do trabalho; ou ainda: interessava desvendar a origem da burguesia ocidental e as suas peculiaridades na relação com a organização capitalista do trabalho.

Weber admitiu que até mesmo a ciência e a arte alcançaram um estágio de desenvolvimento peculiar no Ocidente, estando tal peculiaridade relacionada ao incremento de um ethos fundado em métodos sistemáticos, conceitos racionais, esquemas rígidos, no uso de técnicas racionalizadas, e na ação de especialistas treinados.

Isso se refletiu no Estado moderno e na moderna economia ocidental, que são altamente dependentes da organização de funcionários especialmente treinados técnica, comercial e, sobretudo, juridicamente. O Estado assumiu, no Ocidente, a feição de uma associação política baseada numa Constituição racionalmente elaborada, em leis racionalmente ordenadas e em uma administração dirigida por essas leis e por funcionários treinados. O mesmo ocorreu com o capitalismo, identificado com a busca do lucro sempre renovado, por meio da empresa permanente e racional.

A ação econômica capitalista está baseada numa expectativa de lucros pela utilização das oportunidades de troca, isto é, nas possibilidades pacíficas de lucro; tanto assim, assegura Weber, que a apropriação capitalista racional implica uma ação ajustada por cálculo de capital ou pela utilização planejada de recursos materiais e pessoais com vistas à obtenção do lucro. Dessa forma, a ação individual das partes sob o capitalismo, deve ser baseada em cálculos porque as operações requerem um mínimo de racionalidade.

No Ocidente, continua Weber, a organização capitalista está assentada no trabalho livre institucionalizado, numa organização racional orientada para um mercado real, na separação jurídica entre a empresa e a economia doméstica, e na criação de uma

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contabilidade racional. Para que a organização capitalista assumisse essa configuração, as peculiaridades da estrutura social ocidental promoveram as condições econômicas aptas a incentivar a utilização técnica do conhecimento científico. Resta saber de que parte da estrutura social surgiram tais incentivos.

Surgiram, então, das estruturas racionais das leis e da administração, já que o moderno capitalismo exige, ressalte-se, meios técnicos de produção, um sistema legal calculável e uma administração baseada nas leis. Todo esse sistema legal teve origem, inclusive, no interesse capitalista que levou à predominância do papel do direito e da administração de juristas treinados na legislação racional.

Do ponto de vista metodológico, Weber advertiu que o racionalismo ocidental é dotado de peculiaridades, cuja origem deve ser identificada de tal forma que se reconheça a importância fundamental do fator econômico, mas sem deixar de considerar correlações inversas, já que o desenvolvimento do racionalismo econômico depende tanto da técnica e do direito racionais quanto da habilidade e da disposição dos homens para adotar certos tipos de condutas racionais práticas. Nesse sentido, obstáculos de natureza espiritual, como forças mágicas e religiosas e ideias éticas, podem efetivamente impedir o desenvolvimento da conduta econômica racional.

Por isso é que se pode admitir a influência de certas práticas culturais e institucionais ou político-jurídicas para o desenvolvimento de um espírito econômico ou do ethos de um sistema econômico, de tal forma que é possível estabelecer a conexão entre uma determinada racionalidade do espírito do capitalismo e a cultura. Não se pode esquecer, contudo, que o conceito de “racionalidade” é complexo, e isso implica admitir que uma “coisa nunca é irracional por si mesma, mas de um particular ponto de vista racional”2.

Superando o materialismo mecanicista, Weber demarcou a importância de fatores superestruturais no desenvolvimento do capitalismo moderno e destacou aspectos metodológicos imprescindíveis para a compreensão do avanço social e econômico das sociedades contemporâneas. Partindo de Weber, pode-se, portanto, entender a ação política como crucial para a delimitação dos níveis socioeconômicos de um dado país.

2 Ibid., p. 140.

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Weber3 reconheceu que a atividade política sempre esteve presente na história da

humanidade, tendo assumido diferentes formas e promovido valores e instituições variados; assim, o Estado foi por ele definido como uma das instituições originadas da ação política, um resultado do processo de racionalização da modernidade e como a instituição detentora do monopólio do uso legítimo da força. A política, enfim, é um fenômeno muito amplo que engloba o Estado.

Ocorre que os Estados podem ser classificados entre os que admitem que os quadros administrativos sejam os donos dos meios materiais da administração e os que separam aqueles quadros destes meios materiais. Assim, as associações políticas estamentais são aquelas em que os meios materiais da administração são controlados de forma autônoma, total ou parcialmente, pelo quadro administrativo dependente. De outro lado, a ordem estatal burocrática racionalizada é típica do Estado moderno, que controla os meios da organização política agrupadas sob um único líder:

[...] o Estado moderno é uma associação compulsória que organiza a dominação. Teve êxito ao buscar monopolizar o uso legítimo da força física como meio de domínio dentro de um território. Com essa finalidade, o Estado combinou os meios materiais de organização nas mãos de seus líderes, e expropriou todos os funcionários autônomos dos estamentos, que antes controlavam esses meios por direito próprio. O Estado tomou-lhes as posições e agora se coloca no lugar mais elevado.4

Mas, na análise de Weber, fica nítida a complexidade da relação entre os quadros políticos e administrativos do Estado e o próprio Estado. Assim, por exemplo, o desenvolvimento da economia monetária fez com que o apoio aos líderes dos partidos políticos, próprios do Estado constitucional ocidental, estivesse baseado na concessão de recompensas, que pode assumir a forma de troca de cargos nos setores público e privado. Por isso conclui-se que “Todas as lutas partidárias são lutas para o controle de cargos, bem como lutas para metas objetivas.”5

Para impedir que o suborno, a mera satisfação de interesses privados e a corrupção se tornassem práticas normalizadas de ação política houve uma progressiva profissionalização e especialização do funcionalismo moderno. Daí a prominência cada vez

3 WEBER, Max. A política como vocação. In: ______. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p. 97-98.

4 Ibid., p. 103. 5 Ibid., p. 107.

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maior do servidor público profissional e especializado dedicado ao seu trabalho, voltado para atender as necessidades técnicas da administração. Essa importância progressiva dos funcionários especializados permitiu, inclusive, o aparecimento daqueles que Weber6

denomina de “políticos destacados”.

Nesse sentido, Weber7 não ignorou que a democracia de massas requer certas

práticas estruturais que ainda dão o tom da política contemporânea, tais como a necessidade de cortejar e organizar as massas para garantir maior unidade de ação e mais disciplina; a ação dos políticos “profissionais” que atuam fora do parlamento no comando da organização partidária como se “empresários” fossem ou como funcionários assalariados; bem como o exercício efetivo do poder por uma minoria que se dedica permanentemente ao trabalho no interior das associações ou que suporta financeira ou pessoalmente os processos da organização, mesmo que haja uma maior formalização das práticas democráticas no interior das associações políticas. O resultado de práticas estruturais como essas é que:

Os seguidores do partido, e acima de tudo os seus funcionários e empresários, esperam naturalmente uma compensação pessoal pela vitória de seu chefe — isto é, cargos e outras vantagens. É decisivo que esperem tais vantagens do chefe, e não apenas do membro do parlamento, individualmente. Esperam que o efeito demagógico da personalidade do chefe, durante a luta eleitoral do partido, aumente os votos e mandatos e, com isso, o poder, e, com isso, na medida do possível, amplie as oportunidades que seus seguidores têm de encontrar as compensações esperadas. Idealmente, uma das molas mestras é a satisfação de trabalhar com a dedicação pessoal leal por um homem, e não apenas por um programa abstrato de um partido constituído de mediocridades. Sob esse aspecto, o elemento “carismático” de toda liderança funciona no sistema partidário.8

A política, segundo Weber, num contexto de democracia de massas, não está livre de ser exercida tanto pelos que sentem uma mera satisfação de trabalhar para um líder quanto pelos que almejam a satisfação de interesses ideais e mesmo materiais. Weber, inclusive, identifica uma dinâmica específica de disputas e conflitos por causa da ambição de liderar o processo político-partidário, o que implica a constituição de um “sistema de despojos”:

6 Ibid., p. 108-109.

7 Ibid., p. 124-125. 8 Ibid., p. 125.

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O que significa esse sistema de despojos, a entrega de cargos federais aos partidários do candidato vitorioso, para as formações partidárias de hoje? Significa que partidos sem princípios opõem-se mutuamente; são apenas organizações de caçadores de empregos, elaborando suas plataformas que variam segundo as possibilidades de conseguir votos, modificando suas cores num grau que, apesar de todas as analogias, não se encontra em nenhuma outra parte. Os partidos são simplesmente e absolutamente condicionados à campanha eleitoral que é mais importante para a distribuição de cargos: a luta pela presidência e pelo Governo dos vários estados.9

Ora, então, nada impede que haja uma identidade entre o líder partidário e o empresário capitalista: ambos pragmáticos, calculistas, nem sempre corretos e dotados de uma racionalidade eficaz para a obtenção de apoios e para o estabelecimento de redes de influência:

O chefe é indispensável â organização do partido, e esta fica centralizada em suas mãos. Proporciona, substancialmente, os meios financeiros. Como os consegue? Bem, em parte pelas contribuições dos membros e especialmente tributando os salários dos funcionários nomeados através dele e de seu partido. Além disso há o suborno e as gorjetas. Quem deseja violar com impunidade uma das muitas leis necessita da conivência do chefe político e tem de pagar por ela; ou, então, terá problemas. Mas isso apenas não é suficiente para acumular o capital necessário às empresas políticas. O chefe é indispensável como recipiendário direto do dinheiro dos grandes magnatas financeiros, que não entregariam seu dinheiro, com finalidades eleitorais, a um funcionário assalariado de um partido, ou a ninguém mais que tivesse de dar explicação pública de seus negócios. O chefe, com sua discrição judiciosa em assuntos financeiros, é o homem natural para os círculos capitalistas que financiam eleições. O chefe político típico é um homem absolutamente sóbrio. Não busca honras sociais; o “profissional” é desprezado na “sociedade respeitável”. Busca apenas o poder, o poder como fonte de dinheiro, mas também o poder pelo poder. [...] A distribuição de cargos é realizada, em primeiro lugar, de acordo com os serviços prestados ao partido. Mas também ocorre com frequência o leilão de cargos através de ofertas de dinheiro, e há certas taxas para cargos individuais. Existe, portanto, um sistema de venda de cargos [...]10

Diante desse quadro, Weber11 definiu as satisfações íntimas que a política pode

oferecer e os requisitos pessoais que devem existir para os que pretendem se dedicar à política. Como a carreira política proporciona uma sensação de poder com efeitos sobre os homens e sobre o próprio curso da história, há uma demanda pela formulação de uma

9 Ibid., p. 130-131.

10 Ibid., p. 132. 11 Ibid., p. 138-139.

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indagação de natureza ética: que tipo de homem deve conduzir a história? Segundo Weber, três são as qualidades decisivas que um político deve cultivar para assegurar a “força” da sua personalidade “política”: paixão, responsabilidade e senso de proporção.

Além disso, como o político deve enfrentar o desafio de administrar a violência, não pode prescindir da ética para adequar corretamente os meios e os fins da política. Ocorre que isso deve ser feito a partir da experiência historicamente acumulada relativa à percepção da existência de irracionalidade no mundo ou à certeza de que o resultado final da ação política nem sempre está de acordo com o seu sentido inicial:

[...] o mundo é governado pelos demônios e quem se dedica à política, ou seja, ao poder e força como um meio, faz um contrato com as potências diabólicas, e pela sua ação se sabe que não é certo que o bem só pode vir do bem e o mal só pode vir do mal, mas que com frequência ocorre o inverso. Quem deixar de perceber isso é, na realidade, um ingênuo em política.12

Nesse sentido é que toda conduta eticamente orientada pode ser guiada por uma “ética das finalidades” ou por uma “ética da responsabilidade”, que são fundamental e irreconciliavelmente diferentes, não podem ser receitadas antecipadamente13 e cujo exame

detido transcende os objetivos deste artigo.

As argutas observações de Max Weber ainda permitem construir um lúcido cenário para a ação política no mundo capitalista contemporâneo. As suas reflexões referentes às peculiaridades do capitalismo ocidental e às complexidades dos embates da atividade política revelam uma desconfiança e uma desilusão com relação ao processo de racionalização ou burocratização do mundo, decorrente do próprio desenvolvimento do capitalismo, e que afeta sobremaneira a forma e o conteúdo da ação política ainda hoje.

Esse Liberalismo cauteloso de Weber, contudo, não invalida a estrutura de pensamento e o método revelados em suas obras, que podem ser eficazmente apropriados para analisar a realidade brasileira. E isso foi realizado por Raymundo Faoro.

3. O patrimonialismo e a sociedade estamental contra o Liberalismo

12 Ibid., p. 147.

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Ao ter publicado, com apenas 33 anos de idade, a obra Os donos do poder, em 1958, Raymundo Faoro havia desenvolvido, entre outros, os conceitos de “patrimonialismo” e de “estamento” afastando-se dos pressupostos do marxismo e, mesmo, de uma filiação mecânica e automática a Max Weber, apesar de ter manifestado uma linha de pensamento que tangenciou em muitos aspectos a obra deste pensador alemão.

Faoro examinou as raízes portuguesas da história do Brasil e elaborou, a partir daí, uma análise profunda sobre a identidade brasileira que, incrivelmente, permanece atual, inclusive num ponto que é um dos mais sensíveis para o tema deste artigo: o que diz respeito à relação entre as esferas pública e privada. As categorias conceituais operacionalizadas por Faoro para a análise desta relação são particularmente férteis para que se perceba o quão pouco liberal foi e tem sido a sociedade brasileira, apesar de muitos atribuírem às práticas liberais (ou “neoliberais”) a origem e a persistência de graves problemas no país que, mais apropriadamente, têm suas causas precisamente relacionadas à ausência de práticas liberais!

O cenário apresentado por Faoro revela um Brasil tradicionalmente pouco republicano, comandado por elites políticas pouco afeitas a se dedicar à boa gestão dos assuntos públicos e mais preocupadas em gerir os negócios particulares como uma extensão da esfera estatal. Negando ao mundo português um caráter feudal e a ele atribuindo um caráter patrimonial, Faoro identifica as raízes da mastodôntica e ineficiente presença do Estado na realidade socioeconômica:

Patrimonial e não feudal o mundo português, cujos ecos soam no mundo brasileiro atual, as relações entre o homem e o poder são de outra feição, bem como de outra índole a natureza da ordem econômica, ainda hoje persistente, obstinadamente persistente. Na sua falta, o soberano e o súdito não se sentem vinculados à noção de relações contratuais, que ditam limites ao príncipe e, no outro lado, asseguram o direito de resistência, se ultrapassadas as fronteiras de comando. Dominante o patrimonialismo, uma ordem burocrática, com o soberano sobreposto ao cidadão, na qualidade de chefe para funcionário, tomará relevo a expressão. Além disso, o capitalismo, dirigido pelo Estado, impedindo a autonomia da empresa, ganhará substância, anulando as esferas das liberdades públicas, fundadas sobre as liberdades econômicas, de livre contrato, livre concorrência, livre profissão, opostas, todas, aos monopólios e concessões reais.14

14 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. 2 v. p. 17-18.

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Nesse sentido, o patrimonialismo implica que o governante adota um procedimento autoritário e centralizador sobre os governados, assume o papel do senhor de um território e das atividades econômicas, torna a relação política fundamentalmente uma composição de caráter patriarcal e sufoca os requisitos que propiciam o dinamismo econômico e o desenvolvimento social:

A atividade industrial, quando emerge, decorre de estímulos, favores, privilégios, sem que a empresa individual, baseada racionalmente no cálculo, incólume às intervenções governamentais, ganhe incremento autônomo. Comanda-a um impulso comercial e uma finalidade especulativa, alheadores das liberdades econômicas, sobre as quais assenta a revolução industrial. Daí se geram consequências econômicas e efeitos políticos que se prolongam no século XX, nos nossos dias.15

Ainda assim, há um aparelhamento do Estado, inclusive para que seja possível gerir as atividades econômicas, com base em princípios jurídicos sistemáticos e devidamente racionalizados. Ressalte-se que esta operação conforma o estamento, uma camada que é, sobretudo, social, com atribuições políticas, e que não deve ser entendido como uma camada econômica tal como na perspectiva de análise marxiana, em que o grupo que comanda o Estado constitui um comitê executivo dos interesses da burguesia. O estamento é um produto de sociedades onde não vigora a economia de mercado ou onde não há plena vigência dos princípios liberais e é constituído por indivíduos que buscam afirmar, com base numa pauta de convenções e não exatamente nas leis, um distanciamento social e distinções espirituais, criando mecanismos exclusivistas para a apropriação de atividades lucrativas e de cargos públicos. Ainda assim, o Direito contribui para o enrijecimento das convenções sociais que atingem negativamente o mercado livre, porque permite a apropriação estamental e, portanto, neoaristocrática, e não democrática, das atividades econômicas e políticas:

O estamento político [...] constitui sempre uma comunidade, embora amorfa: os seus membros pensam e agem conscientes de pertencer a um mesmo grupo, a um círculo elevado, qualificado para o exercício do poder. A situação estamental, a marca do indivíduo que aspira aos privilégios do grupo, se fixa no prestígio da camada, na honra social que ela infunde sobre toda a sociedade. Esta consideração social apura, filtra e sublima um modo ou estilo de vida; reconhece, como próprias, certas maneiras de educação e projeta prestígio sobre a pessoa que a ele pertence; não raro hereditariamente. Para incorporar-se a ele, não há a distinção entre o rico

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e o pobre, o proprietário e o homem sem bens. Ao contrário da classe, no estamento não vinga a igualdade das pessoas – o estamento é, na realidade, um grupo de membros cuja elevação se calca na desigualdade social.16

Resultou desse cenário uma burguesia presa às barras da saia do Estado (afidalgada), pouco ousada e presa a valores que mais negavam do que motivavam os negócios e o trabalho manual e honesto. Resulta também um direito voltado para elaborar regras casuísticas; para garantir a centralização do poder e definir a organização política na sua estrutura administrativa, e que deixa para o segundo plano os direitos civil, penal e processual:

[...] somente onde uma comunidade, um grupo, uma classe pode subsistir sem a interferência do príncipe se consolidou o direito como categoria inviolável ao arbítrio do Estado. Fora daí, numa estrutura de predomínio absoluto das interferências estatais, a realidade jurídica será sempre uma sombra do poder político, altaneiro, incontrastável, ameaçador. As atividades econômicas, os interesse, os contratos não se reduzem, dentro desse contexto social, ao ganho, ao lucro e às vantagens materiais. Tudo se subordina à glória, à honra, ao incremento dos valores que o estamento corporifica, atolado na cobiça mas com a cabeça nas nuvens.17

O patrimonialismo assume a feição de uma organização política fechada sobre si mesma do qual resulta o estamento, num contexto de apropriação privada dos cargos e orçamento públicos. O modelo de governo daí decorrente é o comandado pelo líder carismático, personalista e patriarcal, orientador do capitalismo, tutor das massas e dos investidores, tidos como sócios menores, incapazes e desastrosos. O governante se serve do estamento para conformar um governo de minoria, que exerce o poder em nome próprio; mas não se deve confundir o estamento com a classe dirigente, na medida em que é o estamento que concentra as energias políticas e se serve da elite, como também define, caracteriza e impulsiona a própria elite.

O governo tudo sabe, administra e provê. Ele faz a opinião, distribui a riqueza e qualifica os opulentos. O súdito, turvado com a rocha que lhe rouba o sol e as iniciativas, tudo espera da administração pública, nas suas dificuldades grandes e pequenas, confiando, nas horas e agonia, no milagre saído das câmaras do paço ou dos ministérios. Esse perigoso complexo psicológico inibe, há séculos, o povo, certo de que o Estado não é ele, mas uma entidade maior, abstrata e soberana [...] Um aparente paradoxo: o

16 Ibid., p. 46. 17 Ibid., p. 67.

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Estado, entidade alheia ao povo, superior e insondável, friamente tutelador, resistente à nacionalização, gera o sentimento de que ele tudo pode e o indivíduo quase nada é. O ideal, utopicamente liberal, que afirma o domínio, a fiscalização e a apropriação da soberania de baixo para cima, base do regime democrático, esse ideal não perece, não obstante sua impotência.18

O estudo de Faoro alcançou até o fim do primeiro governo Vargas (1930-1945) e constatou a força do capitalismo politicamente orientado na formação do Brasil. Resta evidente que a realidade brasileira negou os princípios mais básicos da doutrina liberal, especialmente quando da apropriação das atividades econômicas pela comunidade política e quando do domínio patrimonialista e estamental sobre a sociedade.

4. O patrimonialismo como barreira para a organização racional-legal do capitalismo

Sob o pano de fundo do Liberalismo, é inevitável a busca pela compreensão de como se dá a conexão entre o poder e a economia para avaliar os melhores meios para alcançar o desenvolvimento socioeconômico que todo país almeja. A análise weberiana oferece um excelente ponto de partida para que se reconheça a relevância do bom funcionamento das instituições político-jurídicas como o melhor recurso para que um país obtenha altos índices de desenvolvimento. Daí decorre o límpido, correto e clássico diagnóstico realizado por Faoro que permite concluir que o patrimonialismo renitente no Brasil está relacionado à rejeição aos princípios liberais.

Para além da matriz weberiana, mesmo diante de outras perspectivas analíticas, fica evidente a importância da análise a respeito da relação entre a ação política e o mercado. Nesse sentido, Wanderley Guilherme dos Santos19 demarca que o Liberalismo do século XVIII

buscava conciliar a defesa das liberdades fundamentais da maioria com a tese esboçada por Bodin de irresistibilidade da soberania do governante; no século XIX, o liberalismo fez um movimento inverso, ou seja, buscou traçar limites para a intervenção da maioria na vida privada da minoria. Assim, o epíteto de liberal atribuído a Weber ou a Faoro não permite esquecer que os diferentes contextos culturais da Europa interferiram na manifestação do

18 Ibid., p. 393-394.

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Liberalismo e demarcaram campos distintos (como, por exemplo, o Liberalismo ético e o utilitarista).

Apesar dessa diversidade de manifestações, uma questão central do Liberalismo é a que diz respeito ao papel do Estado na esfera econômica e tal questão permite avaliar como as práticas institucionais patrimonialistas dificultam a viabilização do Liberalismo. Assim é que, de acordo com a perspectiva de Wanderley Guilherme dos Santos, a intervenção do Estado na ordem social e econômica deve obedecer a dois parâmetros inter-relacionados:

1) para prover defesa contra agressões externas, administrar a Justiça e remediar os seguintes falhas do mercado: externalidades [revoluções ou movimentos sociais que levem à desordem civil], produção de bens públicos, equívocos do consumidor e assimetria intertemporal entre poupança e investimento, cabendo o ônus da prova de que existe falha de mercado a quem sugere a intervenção; 2) que o propósito da intervenção se limite a criar condições para que o mercado opere tal como ele deveria operar, isto é, conforme um modelo em que as falhas do mercado não existissem.20

E do ponto de vista político:

a) o sistema político é institucionalmente autônomo em relação ao sistema econômico e ao conglomerado de microrrelações que compõem o sistema social. Em outras palavras, existe clara distinção institucional legal entre as esferas do público e do privado; b) o governo se exerce de acordo com as regras estruturadas da pólis, isto é, o governo é coextensivo à pólis e está sob controle desta, seja diretamente através de eleições livres, ou indiretamente mediante a fiscalização de partidos interagindo em parlamentos; c) a pólis é coextensiva ao demos com a exclusão de menores e alienados; e d) a participação do demos na pólis se faz pela mediação do sistema partidário e dos grupos de interesse legitimamente organizados.21

Vale a ressalva de que a elaboração de um modelo teórico não serve como uma exaustiva descrição do que ocorre na prática, mas tem finalidades aproximativas, tem um caráter ideal, no sentido de servir como parâmetro analítico e para regular ou até mesmo para definir políticas específicas:

Todos os principais formuladores e expositores do liberalismo clássico, neoclássico e até neo-neoclássico, insistem que o modelo é precisamente um modelo, jamais tendo existido em sua pureza conceitual, e que a empiria reflete a melhor opção possível em comparação com o ideal.22

20 Ibid., p. 83-84.

21 Ibid., p. 84. 22 Ibid., p. 87.

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Deve-se considerar, contudo, que a relação entre a economia e a política é um elemento constituinte da própria dinâmica da constituição do Liberalismo desde o fim da Idade Média. Se não se encontram separadas no mundo real, não é possível pretender separá-las eficazmente para efeitos analíticos no campo teórico. De qualquer forma, os parâmetros inter-relacionados apontados por Wanderely Guilherme dos Santos implicam necessariamente a existência de um regime econômico minimamente racionalizado e, por isso, previsível para que dada sociedade alcance altos padrões de desenvolvimento.

Com efeito, os estudos de Weber possibilitam compreender o conceito de Estado na relação com o funcionamento do mercado, de tal forma que é admissível aceitar a tese de que o poder que se manifesta na forma legal-racional é o mais ajustado ao objetivo de promover o desenvolvimento socioeconômico. Isso significa admitir que há legitimidade do aparato legal e do conjunto de direitos que fundamentam o exercício do poder. Nesse caso, o domínio se realiza pela crença na validade das leis e na competência dos funcionários públicos e destes é esperado, no mínimo, que tenham uma atuação impessoal, que obedeçam à hierarquia e detenham conhecimento especializado. A presença desse conjunto de aspectos na realidade institucional tende a enfraquecer as práticas patrimonialistas e, consequentemente, a tornar a atuação política menos propensa a criar obstáculos ao alcance do desenvolvimento socioeconômico.

O Brasil, como já havia sido percebido, inclusive, por Faoro, ainda está distante de apresentar um quadro político que manifeste uma adesão às melhores práticas institucionais nos termos definidos por Max Weber. Contudo, há importantes sinais de que essa situação está sendo revertida, pois que está havendo uma valorização de medidas para a concretização de práticas não patrimonialistas ou legais-racionais no âmbito do Estado e na esfera da relação entre o Estado e o mercado.

Está claro que Weber não era um otimista com relação à tendência de racionalização ou de burocratização, estreitamente vinculada ao avanço das práticas capitalistas. Mas cabe reconhecer que essa relação é complexa, na medida em que o capitalismo pode existir num contexto de baixo índice de burocratização legal-racional. Dessa forma, de acordo com a

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abordagem de Francisco Pereira de Farias23 as práticas clientelistas, por exemplo, não

implicam uma vitória do irracionalismo político.

Uma característica do clientelismo, o “voto mercadoria”, é uma relação de troca entre o eleitor e um cabo eleitoral (o líder local que representa os eleitorais diante das autoridades públicas). O cabo eleitoral vende os votos que controla para o político de clientela. Assim, o clientelismo está associado à predominância de relações capitalistas e é nesse contexto que o cabo eleitoral propõe ao eleitor aceitar um benefício imediato e certo em troca do voto: o cidadão negocia o voto livre com o objetivo de obter vantagem material e, com essa atitude, exprime o princípio da liberdade no exercício do direito político.

O clientelismo não deve ser confundido com o coronelismo, que é uma mera manifestação de fidelidade do eleitor a um político na ausência de uma troca mercantil ou de coerção física. O coronelismo, portanto, está associado às relações de produção pré-capitalistas. Já o clientelismo está presente mesmo em sociedades capitalistas desenvolvidas e pode ser visto como uma prática compatível com a democracia.

Por isso, a pobreza e uma possível falta de consciência política não podem explicar o fenômeno do clientelismo: a independência no âmbito das relações de trabalho (com o assalariamento do trabalho e o princípio do contrato livre entre o trabalhador e o capitalista) é o fundamento da transformação do voto em mercadoria negociável, ou seja, o clientelismo está inserido no sistema capitalista de produção. Deve-se considerar também que o eleitor realiza um cálculo político consciente que o leva a negociar o voto como uma estratégia para diminuir o risco de não obter vantagens se tiver como objetivo o rompimento com os esquemas de manipulação de voto.

Como aponta a análise de Francisco Pereira de Farias24 (2000), a racionalização do

mundo, que tende a acompanhar o desenvolvimento do capitalismo, não implica necessariamente a superação de práticas contrárias a uma concepção idealizada de ação política – vale relembrar Weber: a política encara a todo tempo “potências diabólicas”.

23 FARIAS, Francisco Pereira de. Clientelismo e democracia capitalista: elementos para uma abordagem alternativa. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 15, nov. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782000000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 24 jul. 2016.

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5. Que Liberalismo é possível?

O contexto econômico atual implica o reconhecimento de que os indivíduos ainda precisam de mecanismos de defesa contra o Estado hipertrofiado e ineficiente. Além disso, há uma crescente complexidade da esfera econômica, que se torna cada vez mais incompatível com o dirigismo centralista, e um extraordinário avanço dos investimentos em alta tecnologia, que não prescindem de liberdade criativa e de um ambiente competitivo. O contexto atual, em suma, encontra-se diante do desafio de não criar mecanismos que fragilizem as instituições democráticas e de não utilizar instrumentos que fragilizem também a economia de mercado.

No Brasil de tradição patrimonialista, os próprios empresários clamam pela intervenção estatal a todo o momento, seja para financiar investimentos, cobrir os seus prejuízos ou regular a produção econômica para diminuir os riscos inerentes aos investimentos privados: o liberalismo não frutifica onde deveria prosperar. Há que se reconhecer, inclusive, que o próprio aparato legal, em meio a muitas qualidades, contribui para a sobrevivência de um Estado hipertrofiado e ineficiente, que, por sua vez, contribui para a existência de, por exemplo, “bilionários de estimação” cevados pelo Estado, e de políticos que entendem ser possível conciliar atividades parlamentares à condição de réus em tribunais superiores, só porque eles se consideram “especiais”.

Uma das conclusões possíveis das férteis análises desenvolvidas por Weber e Faoro é que é preciso dimensionar se o caminho fortemente intervencionista de um Estado pouco afeito ao cálculo e à administração racional e impessoal, fundado em privilégios, é o melhor para que se alcance o progresso material do país.

Daí a necessidade premente de colocar na pauta da discussão acadêmica os estudos sobre o pensamento liberal. Afinal, os sistemas legislativo e judiciário estão na linha de frente das demandas sociais e podem dar uma contribuição decisiva para que tais demandas sejam atendidas de tal forma que não se pervertam ainda mais, em nome de projetos demagógicos, a racionalidade e a previsibilidade tão caras para a estabilidade e o desenvolvimento econômico.

O entendimento da dinâmica relação entre as várias esferas estruturadoras da realidade, não pode cair na tentação de torná-las autônomas: a economia, a política, a moral, o Direito estão fortemente imbricados. Nesse sentido, é possível determinar que o

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Liberalismo implica uma certa ordem que se contrapõe a medidas que, a despeito de realizarem ideais de justiça social por meio da hipertrofia da ação estatal, aproximam os regimes políticos de práticas patrimonialistas, que trazem sérios prejuízos sociais, suprimem a dignidade dos cidadãos, e fragilizam as instituições democráticas e os próprios mecanismos da economia de mercado.

Afinal, o Liberalismo assume claramente que a liberdade de mercado e as liberdades políticas e individuais constituem os melhores requisitos para o progresso das sociedades. Se a esses princípios são associadas medidas que aprimoram o funcionamento das instituições político-jurídicas, menos árduo e sacrificante se torna o caminho para o desenvolvimento socioeconômico.

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