• Nenhum resultado encontrado

BENS CULTURAIS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS. O PATRIMÔNIO COMO ESPELHO DO SOFT POWER

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "BENS CULTURAIS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS. O PATRIMÔNIO COMO ESPELHO DO SOFT POWER"

Copied!
40
0
0

Texto

(1)

Rodrigo Christofoletti

(Organizador)

BENS CULTURAIS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

O PATRIMÔNIO COMO ESPELHO DO

SOFT POWER

(2)

Editora Universitária Leopoldianum Av. Conselheiro Nébias, 300 – Vila Mathias 11015-002 – Santos - SP - Tel.: (13) 3205.5555

www.unisantos.br/edul Atendimento leopoldianum@unisantos.br

Coordenador

Prof. Me. Marcelo Luciano Martins Di Renzo Conselho Editorial (2017)

Prof. Me. Marcelo Luciano Martins Di Renzo (Presidente) Profª Drª Ana Elena Salvi

Prof. Dr. Gilberto Passos de Freitas Prof. Dr. Luiz Carlos Barreira Prof. Dr. Luiz Carlos Moreira Prof. Dr. Luiz Sales do Nascimento Profª Drª Maria Amélia do Rosário Santoro Franco

Profª Drª Maria Helena de Moraes Barros Flynn Profª Drª Norma Sueli Padilha

Prof. Dr. Paulo Ângelo Lorandi Prof. Dr. Sergio Baxter Andreoli

Dom Tarcísio Scaramussa, SDB Prof. Me. Marcos Medina Leite

Profª. Dra. Mariângela Mendes Lomba Pinho Profª. Me. Roseane Marques da Graça Lopes Prof. Pe. Me. Cláudio Scherer da Silva Chanceler

Reitor Pró-Reitora Administrativa Pró-Reitora de Graduação Pró-Reitor de Pastoral

(3)

Santos 2017

Rodrigo Christofoletti

(Organizador)

BENS CULTURAIS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

O PATRIMÔNIO COMO ESPELHO DO

SOFT POWER

(4)

Distribuidora Loyola Rua São Caetano, 959 (Luz) CEP 01104-001 – São Paulo – SP Tel (11) 3322.0100 – Fax (11) 3322.0101 E-mail: vendasatacado@livrarialoyola.com.br

Colabore com a produção científica e cultural.

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor.

Revisão Viviane Campos

Planejamento Gráfico / Capa Elcio Prado

Sobre o livro

• Formato: 180 x 255 mm • Mancha: 145 x 220 mm

• Tipologia: Times New Roman (textos/títulos)

• Papel: Cartão Supremo 250g/m2 ; Offset 75g/m2

• Tiragem: 500 • Impressão: Gráfica Santuário Este livro foi impresso em 2017. Foi feito o depósito legal.

Dados Internacionais de Catalogação

Departamento de biblioteca da Universidade Católica de Santos _____________________________________________________________________________

B474 Bens culturais e relações internacionais: o patrimônio como espelho do soft 2017 power / Rodrigo Christofoletti (Organizador) -- Santos (SP): Editora Universitária Leopoldianum; 2017.

466 p.

Inclui bibliografias

1. Relações internacionais. 2. Patrimônio cultural. I.Christofoletti, Rodrigo. II. Título.

CDU 1997 -- 327

________________________________________________________________________________________

ISBN: 978-85-60360-71-0

(5)

SUMÁRIO

PREFÁCIO

Bernardo Buarque de Hollanda...09 INTRODUÇÃO

Patrimônio como esteio das Relações Internacionais: em questão o soft power

Rodrigo Christofoletti...13

PARTE 1

RELAÇÕES INTERNACIONAIS E BENS CULTURAIS: TEMAS ABRANGENTES

A Cooperação Sul-Sul brasileira no campo dos bens e patrimônios culturais

Gilberto M. A. Rodrigues e Tadeu Morato Maciel...43

A proteção do Patrimônio Cultural imaterial no Direito Internacional

Fernando Fernandes da Silva...63

Organização Internacional da Francofonia (OIF) como geradora de soft power nas Relações Internacionais

George Niaradi e Marina Bueno Feitosa...77

Mundialização e a construção política do patrimônio mundial

Simone Scifoni...87

Soft power: a construção da imagem brasileira no exterior

Benalva da Silva Vitório...99

O tráfico ilícito de bens culturais e a repatriação como reparação histórica Rodrigo Christofoletti...113

Uma crítica à originalidade do soft power nas Relações Internacionais

Caio Martins Bugiato...133

PARTE 2

ATORES, ORGANISMOS E MANIFESTAÇÕES EM FOCO

Considerações sobre a disposição espacial dos patrimônios da humanidade da

UNESCO

Bernardo Futuro Rodrigues Hazan...147

(6)

Patrimônio e Direitos Humanos: contribuições para alargar o tema

Tainan Henrique Siqueira...161

A UNESCO e os bens culturais: desafios de uma agenda complexa

Jéssica Silva Fernandes...173

“Un courant sympathique”: primórdios da internacionalização da preservação

do patrimônio cultural na segunda metade do século XIX

Marcos Olender...189

De Itanhaém à Viña del Mar: internacionalização e paradiplomacia por meio do patrimônio cultural – uma análise comparativa

Patrícia Silva Zanella...213

O modelo de conservação patrimonial inglês

Mayara de Oliveira Cerqueira...225

Destruição do patrimônio cultural e terrorismo nas Relações Internacionais: a ação do Estado Islâmico, um exercício de soft power?

Victor Mendes...239

PARTE 3

MUSEUS E ACERVOS EM DESTAQUE: LOCUS E ETHOS DO SOFT POWER

ComingOut: e se o museu saísse à rua? A exposição-como-um-mundo dentro do mundo-como-uma-exposição

Alice Semedo e Manuel Morais Sarmento Pizarro...255

A imigração musealizada: representações sobre a imigração em museus do Esta- do de São Paulo

Odair da Cruz Paiva...279

O texto, ações intelectuais e o desenvolvimento do pensamento museológico nas

décadas de 1950 a 1970

Tathianni Cristini da Silva...301

Considerações sobre a experiência com acervos pessoais: a extroversão como

instrumento de construção de identidades

Elly Rozo Ferrari...319

Documentação: uma “arma” de soft power nos museus

Alexandre Matos...331

Fósseis: um patrimônio científico e cultural

Tiago R. Simões e Bruno Trece...349

(7)

PARTE 4

CIDADES E TURISMO: FRONTEIRAS DA DIPLOMACIA CULTURAL

A cidade e a memória histórica: relações de validação patrimonial do espaço

público

Cesar Bargo Perez...365

Patrimônio, identidade e diplomacia cultural: a importância da cultura para a inserção da França no cenário internacional

Aline Burni...377

Turismo, lazer, tempo livre e bens culturais: conceitos e práticas socioespaciais Mateus de Almeida Prado Sampaio...395

Patrimônio Turístico do Brasil: território, cultura e pertencimento

Aluísio Finazzi Porto...409

O nativo como espetáculo: patrimônio imaterial e turismo – uma relação possível Priscila Enrique de Oliveira...429

Valoração da memória social: conceitos e reconhecimento para a salvaguarda de

bens culturais

Leila Regina Diegoli...445

Sobre os autores

...459

(8)
(9)

PREFÁCIO

Bernardo Buarque de Hollanda Professor-pesquisador do CPDOC-FGV

O

leitor tem em mãos uma obra original e de peso. O seu vulto pode ser aferi- do de imediato pela extensão quantitativa do livro, fruto do empenho com- petente e apaixonado do seu organizador. A coletânea alinhava um total de vinte e seis capítulos, divididos em quatro partes autônomas e interligadas, em que fica evidente o impressionante investimento de compilação de textos inéditos. Estes, por seu tur- no, resultam de pesquisas em boa parte desenvolvidas na Universidade Católica de Santos, mediante trabalhos acadêmicos dedicados a uma interface até então inexplorada no Brasil – o patrimônio cultural e as Relações Internacionais.

A originalidade do volume jaz não apenas no preenchimento de uma lacuna reflexiva por parte da Academia brasileira, aporta uma questão de fundo, ainda pouco dimensionada em sua abragência, nessa emergente área de estudos e de atuação. Tal questão se refere ao fenô- meno dos bens culturais na contemporaneidade e pode ser formulada nos seguintes termos:

até que ponto o soft power, termo originário da área de RI, pode constituir uma ferramenta útil no entendimento dos processos de mercantilização e de transnacionalização da cultura, de um lado, e na formulação de políticas públicas culturais, que se colocam acima dos interesses meramente nacionais, de outro?

Como se sabe, “poder brando” foi uma expressão cunhada no início dos anos 1990, para designar habilidades de persuasão na esfera decisiva de governos e na estratégia geopolí- tica de Estados-Nacionais. Trata-se da busca por alternativas ao uso da força física, à exclusi- vidade do poderio bélico, à intervenção militar e, no limite, à guerra. Em sua origem, o termo foi proposto pelo cientista político estadunidense Joseph Nye Jr. e permaneceu desde então adstrito ao âmbito da teoria das Relações Internacionais.

O referido autor e o seu conceito axial são os fios condutores do presente trabalho.

Eles perpassam, de maneira transversal, os pressupostos e as interrogações do conjunto de ar- tigos aqui reunidos. Longe do mero jargão jornalístico, o soft power é teorizado a fundo neste livro, de múltiplas formas e sob ângulos muitas das vezes críticos. Seu uso possibilita pensar outra latitude do conhecimento humano: o patrimônio cultural, em suas dimensões físico-sim- bólicas, materiais e imateriais.

Se é patente que as Relações Internacionais não manifestam grande interesse pelo que diz respeito à cultura e às artes em geral, o inverso também é verdadeiro. Isto porque o terreno patrimonial se constituiu no Brasil, e de resto na maior parte do globo, sob a égide ma- tricial da nação, no bojo da afirmação das identidades nacionais. É o que demonstra de modo convincente o antropólogo José Reginaldo Gonçalves, professor da UFRJ, desde a publicação

(10)

de seu A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil (1996). Segundo o autor, as ideologias nacionais conformaram um campo discursivo, institucional e prático das políticas de preservação de bens materiais e simbólicos da cultura brasileira, desde pelo menos o início do século XX.

A matriz da nacionalidade informou não somente a luta pela conservação da memó- ria do passado, materializada na defesa da arquitetura colonial e na salvaguarda de obras de arte nacionais. Para parcela significativa dos intelectuais e dos homens de Estado brasileiros, cultura e política não constituíam polos antitéticos. A área de patrimônio, por conseguinte, viu- se filiada ao projeto de construção de projetos protecionistas que fizessem frente a perigos do

“imperialismo cultural”, no presente livro associado ao norueguês Johan Galtung.

Na América Latina, como é sabido também, tal ameaça posicionava-se no hemisfé- rio norte do continente americano. Ela se tornou mais visível quando a inspiração originária da Doutrina Monroe, de 1823, uniu a tradição do big stick à política da boa vizinhança, em meados do século passado. Nesse momento, conforme citado em passagens do presente livro, o cinema, as revistas ilustradas, os quadrinhos e os demais produtos da indústria cultural co- meçaram a alcançar, de maneira massiva, o restante do continente, influenciando estilos de vida, projetando imaginários e conformando hábitos de consumo cultural.

A procura por proteção, tanto interna, contra o risco do esquecimento do passado his- tórico, quanto externa, contra a invasão deturpadora da autenticidade nacional, levou os inte- lectuais a um investimento progressivo no campo da legislação e do direito. A seara legislativa viu-se contemplada, mediante leis de tombamento decretadas por governos nacionalistas de diversas colorações ideológicas.

Para mencionar mais uma vez o antropólogo José Reginaldo Gonçalves, vale lem- brar as políticas patrimoniais do Estado Novo (1937-1945), com Rodrigo Melo Franco de Andrade, criador do SPHAN, à frente. Cabe ainda aludir às ações e às instituições culturais criadas durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1964), em que pontificou o nome do designer Aloísio Magalhães, para ficar com apenas um dos personagens atuantes à época no MEC, o Ministério da Educação e da Cultura, precursor do futuro MinC.

Aferrados aos antolhos do nacionalismo, ora progressista e necessário, ora xenofó- bico e deletério, é possível entender por que a área de Bens Culturais tampouco manifestou maior interesse pelo cânone político-econômico das Relações Internacionais nos últimos trinta anos. Se o desinteresse não foi total, haja vista um setor potencialmente fecundo, como o da diplomacia cultural, vinculado às ações governamentais do Ministério das Relações Exteriores (MRE), certo é que a colaboração ainda se mostra bastante incipiente.

Nesse sentido, o presente volume propõe frutíferas pontes de interlocução entre as duas áreas. Aqui se descortinam possibilidades insuspeitadas de diálogo do patrimônio cul- tural com as Relações Internacionais. Como se trata de uma volumosa obra, é convidativa e muito oportuna a apresentação de Rodrigo Christofoletti. O organizador sistematiza, com fô- lego e erudição, a proposta geral do livro, define conceitos com rigor e propõe uma agenda de pesquisa que não se esgota na obra. Sua Introdução apresenta uma forma alternativa de olhar a polivalência da cultura na mundialização, palavra do repertório francês, tal como prefere empregar o sociólogo Renato Ortiz.

(11)

Para uma compreensão holística, a leitura das mais de quatrocentos e cinquenta pá- ginas do presente livro é muito bem contextualizada na alentada Apresentação. Seu entendi- mento, à primeira vista parcial e fragmentário, ganha organicidade no introito do organizador.

Não obstante, é bem verdade também que cada uma das quatro partes constitutivas do trabalho representa uma unidade em si mesma e pode ser lida em separado, como se fosse um livro próprio, com um saber estruturado de forma sistêmica, ainda que com eventuais visões diver- gentes sobre o tema em tela. São elas: 1. Temas abrangentes; 2. Atores, organismos e manifes- tações em foco; 3. Museus e acervos; 4. Cidades e turismo.

Lidos em conjunto, alguns assuntos chamaram-me mais atenção. À luz da história, é instigante o capítulo de Marcos Olender, que trata das Exposições Universais, espécie de vitrine do mundo técnico-científico e apanágio de autoexibição dos impérios e das nações in- dustriais, dentre aquelas mais desenvolvidas da região noroeste da Europa e da costa leste da América do Norte, na segunda metade do século XIX. Conforme é de conhecimento histórico, essa tradição expositiva remonta ao ano de 1851 e à capital londrina, quando, no Crystal Pala- ce, deu-se a primeira grande exposição.

Embora voltada ao maquinário e aos feitos monumentais da engenharia moderna, na esteira da Revolução Industrial, as Grandes Exposições inauguram a ideia dos circuitos e dos rodízios de cidades que se internacionalizam sob um novo viés cosmopolita. Tais exposições seriam a gênese de festivais, bienais, feiras e outros protótipos expositivos que chegariam à cultura, às artes e aos esportes, haja vista o atual megaevento esportivo dos Jogos Olímpicos, reencenado a cada quadriênio. Com eles, colocam-se em cena os espaços urbanos de um mun- do integrado pelos meios de comunicação e de transporte, a exemplo de Paris, Filadélfia, Los Angeles, Veneza, Viena, Berlim, Milão, Kassel, entre tantas outras cidades e capitais culturais.

Se a temática aparece no presente livro como um exemplo da história, capaz de suge- rir as conexões entre o patrimônio no sistema das artes modernas e os princípios motrizes das Relações Internacionais, é válido também pensar sua pertinência contemporânea. Para tanto, vale lembrar a internacionalização dos equipamentos culturais, objeto de reflexão do crítico norte-americano Hal Foster, em O complexo arte-arquitetura (Cosac Naify, 2015), e do crítico britânico Edward Lucie-Smith, em Os movimentos artísticos a partir de 1945.

Nessa última obra, Lucie-Smith, ao tratar “da ascensão espetacular dos museus”, observa que:

Um dos fatores de unificação é o progresso constante da arte contemporânea em direção ao próprio centro de nossa cultura. O público de arte do início do século XXI é bem distinto e muito mais amplo que o existente há três décadas. O crescimento da arte contempo- rânea e sua centralidade crescente em nossa cultura são dois dos fatores que incentivaram o grande surto de criação de museus. Alguns destes, sobretudo a Neue Staatsgalerie de Michael Wilford e James Stirling, em Stuttgart, o museu Guggenheim de Frank Gehry em Bilbao e a adaptação, feita por Herzog e De Meuron, da usina elétrica de Bankside, de Londres, que a transformou na Tate Modern, foram prontamente reconhecidos como obras-primas da arquite- tura – sem dúvida, as construções que melhor sintetizam e expressam a sensibilidade de nossa época.

Outro tema que nos chamou atenção na leitura do livro remonta ao imediato pós-

(12)

Segunda Guerra Mundial. Nesse período, a rearticulação entre as potências vitoriosas concebe a criação de agências internacionais voltadas para a educação, para a ciência e para a cultura, em termos por assim dizer ecumênicos, integradores e supranacionais.

A UNESCO vem a ser o exemplo mais cabal disso. Uma série de órgãos dessa agên- cia, filiada à ONU, como a ICOMOS – organização não governamental, situada em Paris, dedicada à conservação de monumentos e de sítios históricos –, é aqui examinada, e por mais de um autor, conforme se lê nos trabalhos de Fernando da Silva, Bernardo Hazan e Jéssica Fernandes. A temática é desafiadora porquanto permite entender como se constitui e de que maneira se institucionaliza uma consciência global em torno dos patrimônios mundiais, alicer- çados por sua vez no direito internacional.

Um terceiro tema que salta à vista no decorrer da obra se relaciona a entidades como a citada ICOMOS e se refere às ameaças de destruição física de sítios históricos e de patri- mônios materiais, dotados de valor cultural, artístico e arquitetônico. Se durante muito tempo a preocupação contra o esquecimento da memória coletiva ocupou o centro das atenções de antiquaristas e de preservacionistas, hoje em dia pode-se dizer ao menos que, dadas as possi- bilidades virtuais, digitais e tecnológicas de reprodução das informações, a problemática da preservação torna-se mais física do que simbólica.

A conjuntura internacional atual, marcada por novas formas contra-hegemônicas de atuação, como as imprevisíveis investidas terroristas, tem assistido a práticas de destruição, de dilapidação ou de extravio de bens culturais. Seu alvo são países dotados de inestimáveis acervos e edifícios, palácios e monumentos, dentre outras obras com sentido patrimonial para a humanidade. O desafio de fazer face ao terrorismo e ao mercado negro das artes, em meio à complexa situação da nova ordem internacional, atinge civilizações e territórios milenares, como o Iraque, a Síria e a Turquia, mas também países ocidentais tradicionais – EUA, França e Alemanha –, ocupando o cerne das reflexões de Victor Mendes e de Rodrigo Christofoletti.

Outros temas de enorme interesse se avolumam no decorrer da leitura. Ainda que específicos ou pontuais, os capítulos trazem questões de extraordinária atualidade, capazes de rever tópicos consagrados na literatura ou de analisá-los sob um prisma diferenciado.

Dentre eles, seria o caso de mencionar uma pequena lista: a arqueologia; a documen- tação arquivística; o pensamento museológico; a sustentabilidade ambiental; a espetaculariza- ção e a massificação do turismo; o cotejo entre experiências culturais de cidade de diferentes países; os acordos bilaterais na área da cultura – cinema, teatro, shows e espetáculos – median- te editais e programas de cooperação; o papel das artes no Sul Global ou na tradicional relação centro-periferia – a exemplo de eventos como o Ano do Brasil na França e o Ano da França no Brasil –; os estereótipos culturais acionados na projeção da identidade nacional no exterior; e, last but not least, os fluxos migratórios em escala internacional, quer sejam os do fim do século XIX, quer sejam os de princípios do século XXI.

Pelo exposto acima, conclui-se que este volume figura como uma substantiva con- tribuição aos gestores culturais e aos internacionalistas e possibilitará o estreitamento de laços entre espaços acadêmicos até então vistos como antípodas e estanques. Ele, enfim, permane- cerá como fonte valiosa àqueles que queiram compreender os limites e as potencialidades do Brasil contemporâneo no mundo globalizado.

(13)

INTRODUÇÃO

PATRIMÔNIO COMO ESTEIO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: EM

QUESTÃO, O SOFT POWER

Rodrigo Christofoletti

Baudolino – Dizia de mim para mim, quando eu estiver com uma idade avançada – vale dizer, agora – hei de escrever as Gesta Baudolini, tendo por base estas notas. Assim, no curso de minhas viagens, eu trazia comigo a história da minha vida. Mas na fuga do reino de Preste João... [...] perdi aqueles papéis. Foi como se tivesse perdido minha própria vida. Nicetas Choniates – Dirás o que puderes lembrar. Trabalho com fragmentos de episódios, restos de acontecimentos, e tiro disso tudo uma história, tecida num desenho providencial. Quando me salvaste, tu me deste o pouco f turo que me resta e te recompensarei, devolvendo a ti o passado que perdeste.

Baudolino – Mas minha história talvez não faça nenhum sentido... Nicetas Choniates – Não existem histórias sem sentido. Sou um daqueles homens que o sabem encontrar até mesmo onde os outros não o veem. Depois dis- so, a história se transforma no livro dos vivos, como uma trombeta pode- rosa, que ressuscita do sepulcro aqueles que há séculos não passavam de pó... Para isso, todavia, precisamos de tempo, sendo realmente necessário considerar os acontecimentos, combiná-los, descobrir-lhe os nexos, mesmo aqueles menos visíveis [...] (ECO, 2001, p. 17-18)

P

ara que sua história fosse escrita, Baudolino, personagem do filósofo italiano Umberco Eco, guardou suas memórias. Mas, uma vez perdidos seus docu- mentos, ou seja, a base material cuidadosamente produzida e conservada que garantiria a produção das Gesta Baudolini, sua própria vida se foi. No entanto, o “historiador”

Nicetas lhe garantiu que, com os fragmentos do que pudesse lembrar, com a seleção criativa de sua própria mente, ainda seria possível escrevê-la, demonstrando, então, que não há limites mínimos para a massa documental necessária à produção da narrativa histórica. Isso significa que uma história se conta mediante a colagem de vários fragmentos, visões e olhares cujo fruto se mostra por meio da construção de uma narrativa ordenada e criteriosamente organizada.

Inspirados por esta passagem de Umberto Eco, propugnada pelo fictício historiador Nicetas, propõe-se neste livro uma seleção de textos que tratam de documentar o estado da

(14)

arte sobre a relação atual entre as Relações Internacionais e o patrimônio cultural no Brasil e no mundo. Tal como na Gesta Baudolini, neste volume também construiremos uma narrativa do que percebemos ser o mais amplo cenário sobre a temática já arregimentado no Brasil. Para que esta afirmação não pareça pretensão estéril, sugerimos uma consulta aos catálogos de edi- toras brasileiras nas últimas três décadas1.

Embora o patrimônio jamais tenha sido tão discutido, o campo das Relações Interna- cionais ainda se vê distante das preocupações com essa temática. Do mesmo modo, a despeito de percebermos a ampliação das discussões sobre o patrimônio cultural em diversas áreas, a ponto de alguns analistas sugerirem que vivemos em uma “inflação de patrimônios”, em al- guns espaços acadêmicos, como o das Relações Internacionais, esse discurso de alargamento das políticas de preservação, da chamada heritage diplomacy (diplomacia pelo patrimônio) e da gestão da manutenção e utilização dos bens culturais como soft power permanece pouco enraizado, o que reflete na sensível desproporcionalidade entre os estudos do chamado hard power, em detrimento de temas cujo viés é de “poder brando”. Diante desse cenário, publi- cações que objetivem multifacetar as abordagens sobre essa temática ajudarão a encurtar as fronteiras existentes entre Bens Culturais e Relações Internacionais.

No fim do século XX, temas clássicos oriundos da predominância da corrente realis- ta – como as discussões sobre polaridade do sistema internacional, equilíbrio de poder, segu- rança, entre outros – cederam espaço a novas linhagens teóricas, que multiplicaram suas pro- duções intelectuais sobre os chamados novos temas das Relações Internacionais (VIGEVANI, 1994, p. 45). Esta nova abordagem elegeu temas mais reativos à realidade contemporânea, como regimes, direitos humanos, meio ambiente, diversidade e desenvolvimento sustentável, além de discussões cada vez mais interdependentes em Economia e Relações Internacionais.

Paralelamente, as questões culturais vieram à tona ligadas a essas novas preocupações de se- gurança internacional (BARÃO, 2014, p. 14).

A ampliação do espectro de abrangência de temas correlatos ao universo cultural, sobretudo dos patrimônios culturais, ramificou o abarcamento de temas que romperam os limi- tes impostos pela mera conservação do patrimônio como espólio familiar, passando a abordar temáticas mais abrangentes, como o debate em torno do tráfico e repatriação de obras de arte e bens culturais; a nefasta onda de destruição de patrimônios patrocinada por grupos étnicos e religiosos radicais ao redor do mundo; a dimensão cada vez mais protagonista da imaterialida- de no universo dos bens culturais; a utilização desse cabedal por parte dos Estados Nacionais;

a presença de outros atores na produção, manutenção e gestão dos patrimônios, dentre os quais se destacam cidades, instituições públicas e privadas, ONGs dentre outras; assim como a in- tensificação dos estudos comparativos entre Estados Parte da UNESCO e os critérios utiliza- dos para a seleção, recepção, adesão e salvaguarda das políticas internacionais em patrimônios e bens culturais: abordagens estas, fruto do diálogo recente entre as Relações Internacionais,

1 Exceção honrosa nessa seara tão pouco discutida é o livro recente de Franthiesco Balerinni, intitulado “Poder Suave” que perscruta o soft power na chave do entretenimento e da cultura. Nesta obra o jornalista aborda alguns dos mais conhecidos exemplos do soft power contemporâneo a exemplo do balé russo, as indústrias cinematográ- ficas norte americana e indiana, a moda francesa e analisa o impacto de manifestações menos conhecidas como a cultura japonesa dos mangás, anime e games, as telenovelas brasileiras e mexicanas, alguns gêneros musicais como a Bossa Nova e o Tango e até mesmo as artes africana e chinesa. (BALLERINI, 2017)

(15)

História, Geografia, Arquitetura, Turismo, Museologia, Meio Ambiente, Direito Internacional, Diplomacia dentre outras áreas.

No âmbito multilateral, esforços de institucionalização de novos princípios e práti- cas nas Relações Internacionais relacionados a essas questões têm sido feitos em maior escala desde o fim da década de 1990 e início do século XXI, emanadas, sobretudo, da UNESCO.

Alguns documentos balizaram tal esforço de institucionalização, tais como as resoluções que adotaram a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972), a Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural (2001), a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003) e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Di- versidade das Expressões Culturais (2005).

Aprendemos ao longo dos séculos que a circulação de ideias no espaço da cultura tem poder de influenciar o processo decisório do agente (MARTINS, 2002, p. 34). Joseph S.

Nye Jr. alerta para a diferença entre produtos culturais e o poder de atração em si. Os produtos culturais são recursos que podem, ou não, se converter em soft power. Tudo depende do con- texto e, para transformar produtos culturais – sejam eles populares ou sofisticados – em poder de atração, é necessário que esses produtos culturais traduzam valores universais, ou sejam amplamente compartilhados pela comunidade internacional (GALDIOLI, 2008, p. 23). Um exemplo da transformação de produtos culturais em soft power é a importância da influência da cultura e da preservação dos patrimônios mundiais. Esta percepção motivou a organização deste livro, trabalho que pendulou entre a constatação da pouca visibilidade desse tema nas discussões internacionalistas acadêmicas e a necessidade do alargamento do espectro da te- mática. Este livro objetiva cumprir essa função: trata-se de um recorte que espera dilatar os conhecimentos sobre política de preservação internacional dos diversos atores multilaterais envolvidos no universo dos bens culturais como agente de soft power, tendo o Brasil como ponto de partida.

O subtítulo que alcunha este livro é mais que uma tentativa de poetizar a temática.

O patrimônio como espelho do soft power nasce como símbolo que revela ethos, atores, orga- nismos e manifestações: fronteiras da preservação e do diálogo. Essa metáfora de amplitude cheia de significados representa a seara nova em que as Relações Internacionais têm recente- mente percorrido: a via do patrimônio como soft power. Em consonância com essa metáfora, é consenso que a preservação da categoria “patrimônio” venceu a etapa da dúvida. Há uma agenda positiva no caso da preservação do patrimônio, e é nessa agenda que este livro se in- sere. Hoje, entende-se que preservar é um part priss. Mas há, por outro lado, efeitos colaterais desta afirmação consensual que precisam ser apontados. Um deles é que se, por um lado, jamais se discutiu tanto sobre patrimônio, por outro, a multiplicidade de abordagens sobre o tema acabou por banalizá-lo a ponto de, como mencionado anteriormente, tê-lo transformado em um “lugar comum”.

A reflexão dos espelhos alarga os horizontes. O espelho revela. Esta compreensão possibilitou que o livro tomasse para si a responsabilidade de certo pioneirismo, uma vez que provavelmente seja, até o momento, na literatura brasileira, a única publicação com tais características, preocupações e abrangência: um recorte circunstanciado das relações entre bens culturais e Relações Internacionais como soft power, e, por isso, ganhou o subtítulo que

(16)

o naturaliza. Espelho: metáfora cheia de significados. Representações de um pluriverso que as Relações Internacionais passaram recentemente a conhecer.

A despeito das reivindicações do poder do patrimônio cultural na geopolítica atual, elemento facilitador do desenvolvimento sustentável e da identidade dos povos, a relação entre patrimônio e Relações Internacionais tem recebido pouco escrutínio acadêmico. Isso significa que apenas recentemente trabalhos acadêmicos de envergadura elegeram o patrimônio cultural no âmbito das Relações Internacionais como tema promissor. Influenciado por essa tendência, o patrimônio cultural como chave de novas abordagens socioculturais e diplomáticas mereceu, dos estudiosos, atualização e aprofundamento. Fruto dessa verticalização é corolário de um momento sui generis: estamos testemunhando, talvez, a pior crise do patrimônio cultural em escala global, desde a Segunda Guerra Mundial, com os crimes perpetrados pelos radicais do Estado Islâmico reputados como crimes de guerra. No caso do ISIS, sigla inglesa para desig- nar o Islamic State of Iraq and Syria, o apelo é ainda mais pungente porque vem sistemática e deliberadamente desde 2014 alvejando parte significativa da cultura material de antepassados diante de câmeras de televisão, destruindo estátuas e monumentos que não se encaixam em sua interpretação radical do Islã. Nem mesmo o antigo Taleban ou a temida Al-Qaeda chegaram a radicalidade tão atroz.

Mas o radicalismo não é o único problema enfrentado pelo patrimônio em escala mundial. Outros exemplos causam espanto e comoção: a deterioração material de patrimônios ao redor do globo; a pouca sensibilidade de alguns Estados com relação à salvaguarda de seus bens culturais; e, principalmente, o contrabando de artefatos, que se tornou agora (mais que no passado) um grande negócio, configurando-se a terceira maior atividade ilícita em movimentação financeira no mundo, estando atrás apenas do tráfico de drogas e armas, mo- vimentando mais de 6 bilhões de dólares por ano, de acordo com fontes da UNESCO; todos esses exemplos intensificam o desafio e a prática do processo de repatriação desses artefatos, embora tais ações tenham ganhado viabilidade na última década, tanto no Brasil quanto em âmbito internacional.

O objetivo central deste livro é detalhar como o conceito de “poder brando” engloba e problematiza a multiplicidade de tópicos da agenda internacional contemporânea, focalizando um de seus elementos menos discutidos: o universo dos patrimônios culturais internacionais e a relação existente entre os atores e a ações preservacionistas no mundo globalizado. Este livro enseja um diálogo crítico entre campos interdisciplinares que margeiam as fronteiras do patrimônio e busca contribuir com ampla gama de perspectivas acadêmicas e estudos de caso (nacionais e internacionais). Enquanto o patrimônio cultural incorpora valores diferentes e pode ser instrumentalizado para servir distintos objetivos econômicos, sociais e políticos den- tro de contextos de desenvolvimento, o passado se torna moeda de troca cultural no momento em que se coloca como imprescindível à vivência humana: há aqui um nexo causal interessan- te a ser analisado. A herança de povos e seu passado: balizas para a compreensão do presente.

Na política internacional, o poder é considerado um meio e um fim pelo qual se de- senvolve uma relação de dominação de uma parte sobre a outra, o que garante a uma das partes o poder de determinar o comportamento dos demais, na busca de seus interesses. No âmbito das teorias das Relações Internacionais, “a resposta intelectual da Teoria Realista aos desafios

(17)

das propostas teóricas e das questões internacionais emergentes nas décadas de 1980 e 1990, sobretudo da teoria construtivista, foi a elaboração do conceito de poder brando, pelo teórico Joseph S. Nye Jr.” (BARÃO, 2014, p. 89), que recuperou argumentos do realismo clássico relacionados à capacidade de convencimento, persuasão, atração e os organizou sob uma nova moldura teórica.

A expressão “poder brando”, cunhada no princípio da década de 1990, no livro Bou- nd to lead: the changing nature of American power, de autoria de Nye Jr. (1990), passou a ser utilizada por acadêmicos e mídia especializada (como na Foreign Affairs), principalmente nas últimas décadas. No conceito de Nye Jr., “poder brando é a habilidade de influenciar os outros a fazer o que você deseja pela atração em vez da coerção. O poder coercitivo seria a ostentação militar e sanções econômicas, classificados como poder bruto, enquanto a identidade cultural, ideológica e política comporiam o poder brando” (NYE JR., 2004, p. 19).

O sucesso de um ator internacional em assuntos mundiais não dependeria apenas da capacidade para obrigar seu cumprimento através da influência econômica ou física do hard power, mas também da capacidade de atrair valores admiráveis, a que Nye Jr. chama de “soft power” ou “poder brando”, considerado legítimo pela pessoa ou empresa em causa, em que a “persuasão” de certos “elementos intangíveis” – tais como instituições, ideias, valores e, claro, a própria cultura – se coaduna com os consagrados “elementos tangíveis, como força e dinheiro”, quase sempre associados com o hard power. Esse poder de atração surge da cultura, dos ideais e das políticas adotadas por um país (NYE JR., 2004, p. 86).

Essa tese acabou por ser substancialmente assimilada pelo mundo acadêmico oci- dental e passou a determinar que a articulação do chamado soft power garantisse aos Estados Unidos poderio de influência internacional para além dos mecanismos convencionais (militar, econômico ou político). A definição serve de leitmotiv para ampliarmos nossa compreensão. O soft power, ao contrário das reservas militares ou em moeda estrangeira, não é uma mercadoria que um país pode armazenar à vontade na busca de objetivos específicos. Por sua própria natu- reza, o “poder brando” é um conceito relativo e intangível, inerentemente difícil de quantificar.

A natureza relacional do soft power suscita um plano comparativo substancialmente comple- xo, em que comparações transnacionais se tornam complicadas e difíceis. O que é amado em um país, em outro pode representar repulsa.

Por vezes combatido por articulistas e estudiosos da área que veem o soft power apenas como uma corrente poderosa de manutenção do status quo norte-americano, o conceito necessita ser compreendido em sua inteireza. Como nosso foco recai na habilidade de convi- vência pacífica por meio da preservação do patrimônio e das questões vinculadas ao universo cultural, não vislumbramos o poder brando com roupagem naiff – não se trata de um empo- deramento ingênuo do conceito. Compreende-se que, a despeito de se apresentar como uma ferramenta pouco utilizada no campo das Relações Internacionais (RI), o soft power já fora tratado em outros termos por teóricos críticos, como os marxistas, por exemplo (tema de um dos textos deste volume). Por isso, as críticas à utilização do termo (grande parte delas bem fundamentada) não passam ao largo de nosso crivo. Não há ingenuidade na proposta deste livro, tem-se a exata noção do quão controverso é este conceito, e por isso concordamos com a expressão cunhada por Christopher Layne, em seu provocativo livro: Império americano:

(18)

um debate, para quem: “em política internacional, hegemonias benevolentes são como unicór- nios” (LAYNE; THAYER, 2007, p. 68, tradução nossa).

A despeito das críticas lançadas ao termo, como as de Niall Ferguson, em seu livro Colossus: the rise and fall of the American empire (2005), que apresenta a visão do autor sobre a influência que os Estados Unidos exercem no mundo pelo exercício do hard power, é fato substancial que não podemos negligenciar a pavimentação dessa terceira via que possibilita a abertura de canais de mediação diferentes da imposição por meio da força militar e econômica.

Por outro lado, Gail Lord e Ngaire Blankenberg, na organização da obra Cities, museums and soft power, publicada em 2015 pela American Alliance of Museums, abordam diferentes ma- nifestações da utilização do soft power para o desenvolvimento de várias regiões com base na utilização dos museus como vetor dessa influência, exemplos de percepção crítica e consciente do termo.

O amplo uso do conceito de soft power por vezes é deveras mal-empregado como sinônimo para qualquer coisa diferente de força militar. As críticas endereçadas ao formulador da teoria, Joseph S. Nye Jr., muitas vezes transbordavam os limites da intolerância concei- tual. Um exemplo desse comportamento foi dado por Ilan Goldenberg, diretor de política da National Security Network, quando escreveu artigo provocativo no periódico americano The American Prospect intitulado: “É hora de parar de falar sobre soft power”, no qual afirma que, embora o conceito seja um dos mais populares e influentes dos círculos progressistas de política externa, e se notabilizar por ser “a habilidade de um país para convencer os outros de que sua causa é a melhor, sem ter que recorrer a ameaças econômicas ou militares, a sua capacidade de descrever com precisão o mundo em que vivemos precisa de lentes de reparo”

(GOLDENBERG, 2008, p. 1, tradução nossa).

O poder do exemplo, o poder da atração pela cultura ou, em outras palavras, a habi- lidade de um país atrair os demais em razão de sua cultura e valores políticos em sua política externa, ou seja, o soft power, é algo que emerge em parte por causa do governo e em parte apesar dos governos. Para o ativista político indiano Shashi Tharoor, para se ter o soft power, é preciso estar conectado, e a interação, gestão e difusão dos patrimônios podem ser encaradas como exercícios de ação do soft power.

Christina Luke e Morag Kersel (2012) sustentam a tese de que a ligação entre o pa- trimônio cultural e as Relações Internacionais não é exatamente “bem conhecida”. Conforme as autoras, há uma longa lista de empreendimentos humanos que vêm à mente em primeiro lugar quando se pensa em preocupações diplomáticas modernas: economia, assuntos militares, crimes, saúde, meio ambiente, terrorismo e assim por diante. Mesmo dentro da lista das zonas estabelecidas para o patrimônio cultural internacional, dificilmente a temática genérica do patrimônio se agiganta. A importância de seu conhecimento é obliterada por outras questões de maior interesse para o estudante de Relações Internacionais, como as crises humanitárias contemporâneas (refúgio, guerras civis, experiências de campo), as novas tendências da polí- tica externa brasileira, os temas contemporâneos da política global, as derivações do Direito Internacional, das negociações ou dos agenciamentos de conflitos, dentre outros temas con- siderados mais candentes. Como prova disso, enquanto há uma literatura animada em torno do fato de os Estados Unidos usarem seus ícones ultraexportados como ponte cultural de suas

(19)

Relações Internacionais, o patrimônio cultural ainda busca uma menção mais contundente na literatura da diplomacia. Assim, este livro enfrenta uma tarefa central: mostrar que a conexão entre patrimônio cultural, Relações Internacionais e soft power é relevante para a prática e compreensão da visão internacionalista, e busca documentar exemplos relevantes para esse intento.

Alguns estudiosos contemporâneos destacaram a importância do “poder brando” nas Relações Internacionais: Basu e Modest (2015), Harrison (2002), Huntington (2001), Joseph (2015), Lane (2013), Luke e Kersel (2012), Mark (2009), McClory (2010), Meskell (2012), Nye Jr. (1990) e Winter (2014), dentre outros transitam com desenvoltura pela seara das Rela- ções Internacionais e os patrimônios culturais como soft power, diplomacia cultural e demais temas correlatos.

Autores que se preocuparam com o viés cultural enquanto variável do soft power aparecem como protagonistas nas entrelinhas desta compilação: Samuel P. Huntington, no livro O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial (2001), afirma que, no mundo pós-Guerra Fria, as mais importantes distinções entre os povos não são ideológicas, políticas ou econômicas, mas culturais. Huntington, em parceria com Lawrence Harrison, or- ganizou o livro A cultura importa (2002) e defendeu com mais argumentos a importância da cultura no amadurecimento e desenvolvimento de uma sociedade. Para esses autores, a definição de cultura ocorre em termos puramente subjetivos, como os valores, as atitudes, as crenças, as orientações e os pressupostos subjacentes que predominam entre os membros de uma sociedade.

Para Jonathan McClory, em The new persuaders: an international ranking of soft power, editado pelo Institute for government do Reino Unido, o topo da pirâmide do soft power é claramente dominado por potências mundiais estabelecidas. Esses países são apoia- dos por conexões globais históricas, redes de longa data de influência e tradicionalmente forte produção cultural. Mas, como afirma McClory (2010, p. 43), “como a velha guarda entra co- letivamente em um período de austeridade sustentada, os ativos de soft power estarão entre as rubricas orçamentais mais tentadoras para cortar – como evidenciado pela recente revisão das despesas do Reino Unido”. O autor questiona: “por quanto tempo mais a hegemonia do soft power das potências ocidentais tradicionais perdurará? O surgimento de outros países emer- gentes do mundo está tomando medidas para aumentar suas reservas de soft power e construir a capacidade de aproveitá-los” (p. 45).

Outro autor que questiona o tempo de validade dessa política de países mais ricos é Phillipe Lane, que em livro recente sobre diplomacia científica e cultural discorre sobre diver- sos elementos que influenciam um país, além da força da sua economia, seu poder estratégico/

militar e seu lugar nas instituições mundiais de governação. O professor britânico assevera que se deve também considerar outros fatores de poder, como as ideias, seu conhecimento e sua cultura (LANE, 2013, p. 190). Os textos apresentados neste livro dialogam com a premissa de que, cultura e patrimônio, mais do que herança e tradição, servem de ponte para o presente e o futuro de todas as nações do globo. Assim, para ser bem-sucedido no mundo globalizado con- temporâneo, os atores, assim como os países, devem desenvolver recursos de poder brando, como o viés cultural. Para Joseph S. Nye Jr., o ator cujo foco está apenas na força militar ou

(20)

econômica subutiliza de forma unidimensional sua análise. Essa abordagem é evidenciada na dissertação de mestrado de Ronaldo Guimarães Gueraldi, intitulada: A aplicação do conceito de poder brando (soft power) na política externa brasileira (2010), texto que constrói rol bas- tante útil para nosso propósito.

É, portanto, vinculado a esses autores que este livro sustenta suas posições teórico- metodológicas e ideológicas, embora estejamos atentos à tendência, cada vez mais comum, à quase apoplexia intelectual de propostas análogas a esta, que carregam em si pouca repre- sentatividade de exemplos e experiências de espaços geopolíticos menos visíveis e até mesmo silenciados ao redor do globo. Por isso, é importante registrar que compilações como esta são exercícios de relevância diante da escassez de trabalhos sobre a temática.

Giovanni Boccardi, em World heritage and sustainable development, artigo publica- do no Boletim do World Heritage Centre/UNESCO, em outubro de 2012, afirma que o patri- mônio pode ser o elo para a manutenção de um direito inalienável humano: o direito à herança.

A capacidade de acesso, desfrute e cuidado do patrimônio é essencial para que se crie uma cultura daquilo que o vencedor do prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, chamou de “capacidade dos indivíduos de viver e de ser o que escolherem”. A recepção e conservação da diversidade do patrimônio cultural e natural, um acesso justo a ele e a partilha equitativa dos benefícios decorrentes da sua utilização aumentam a sensação de lugar e pertença, respeito mútuo pelos outros e um senso de propósito e capacidade de manter um bem comum, elemen- tos que contribuem para a coesão social de uma comunidade, bem como a liberdade individual e coletiva de escolha e ação.

Certamente, a proteção de bens culturais do mundo inteiro pode ser considerada uma contribuição intrínseca ao bem-estar humano. Mas, além de seu valor inerente para as gera- ções presentes e futuras, o patrimônio pode significar também uma contribuição instrumental importante para o desenvolvimento sustentável em todas as suas várias dimensões. “Como um armazém de conhecimento, tais patrimônios podem contribuir diretamente para aliviar a po- breza e as desigualdades, fornecendo bens e serviços básicos, como segurança e saúde, através de abrigo, o acesso a ar limpo, água, alimentos e outros recursos-chave” (BOCCARDI, 2012, p. 3, tradução nossa).

Com a apropriação do patrimônio cultural para fins comerciais e políticos dentro das economias de todas as partes do globo, a conservação do patrimônio agora desempenha um papel importante na diplomacia cultural, elevando seu status de mera estratégia diplomática de relações de boa vizinhança a uma elaborada tática de soft power em diferentes países ao redor do globo. As análises da governança dos patrimônios em princípios deste século têm focado principalmente os organismos intergovernamentais, como a UNESCO, em detrimento da leitura crítica do papel dos Estados-Nação e da própria paradiplomacia, que continuam a desempenhar papéis fundamentais na governança internacional de conservação do patrimônio (WINTER, 2014, tradução nossa).

Ao longo do século XX, exemplos contundentes do poder brando norte-america- no (criticados explicitamente pelos países subjugados), como o Plano Marshall, na Europa, a política da boa vizinhança, na América Latina, os intercâmbios culturais com alunos do mundo todo por iniciativa do senador Fulbright, a partir da década de 1950, e a inspiração de

(21)

sonhos e desejos de milhares de pessoas incitada pelas imagens propagadas pelo cinema e pela televisão, contrastaram com a penetração de institutos culturais de diversos países presentes em todos os espaços do globo, como o Instituto Confúcio, da China, o Instituto Goethe, da Alemanha, o Instituto Camões, de Portugal, o Instituto Cervantes, da Espanha, o Instituto Dante Alighiere, da Itália, a Aliança Francesa, o British Council, do Reino Unido, ou mesmo a expansão e visibilidade da BBC (British Broadcasting Corporation) e a setorizada penetração da indústria cinematográfica da Índia, conhecida como Bollywood. Do lado asiático, fatores potenciais do poder brando asiático são a arte, moda e culinária da cultura de seus ancestrais.

A China, por exemplo, triplicou seu poder econômico nos últimos vinte anos, avançou em va- lores universais como economia de mercado e direitos humanos, melhorou a qualidade de sua reputação e de seu poder brando. Esse intercâmbio cultural fortaleceu o poder brando japonês que, com robustez econômica, financiou e estimulou o desenvolvimento de países da região, como os Tigres Asiáticos (Cingapura, Coreia do Sul, Malásia e Taiwan) (GUERALDI, 2010, p. 91).

No âmbito da lista dos patrimônios da humanidade gerida pela UNESCO, o rodízio cada vez mais frequente de representantes de Estados Parte oriundos de diversas localidades do planeta (não apenas das regiões consagradas como desenvolvidas economicamente) e a expansão/capilarização do mapa dos patrimônios outorgados com a chancela de “patrimônio mundial” ao redor do mundo são, da mesma forma, exemplos significativos da expansão do soft power como instrumento de poder, embora, para alguns, uma lista do Patrimônio Mundial mais equilibrada e representativa pareça ser uma miragem enquanto o essencial dos processos de classificação depender fundamentalmente do papel dos Estados nacionais e enquanto o pa- trimônio mundial estiver excessivamente colado a uma imagem de distinção simbólica – um recurso importante de lugares que procuram tornar-se mais competitivos e midiáticos.

Mais recentemente, no entanto, observadores da política internacional sugeriram mudanças importantes nas interpretações do que vem ocorrendo nos fluxos de cultura regional e global. Talvez o mais notável, e de particular relevância aqui, seja o aumento da Ásia Orien- tal e países em desenvolvimento da América Latina como exportadores culturais, o que ajuda a colocar em questão a sempre criticada ocidentalização dos meridianos mais ao norte do globo.

Dentro dessa perspectiva, um constante fluxo de artigos e livros especializados con- siderou a ambivalência dos sucessos e fracassos de agências internacionais, como a UNESCO, ICOMOS e IUCN (organismos de preservação de patrimônios culturais, museus, sítios e áreas naturais), nas últimas cinco décadas. Atenção menor e menos crítica foi dada ao duradouro papel do Estado-Nação na governança internacional do passado cultural. Esta omissão é signi- ficativa, como a maioria dos projetos incorporados em ambientes de financiamento nacionais, quer sejam universidades, organismos não governamentais ou programas de ajuda externa baseados no estado, que continuarão a desempenhar papel fundamental no futuro da gerência do patrimônio, tal como sinalizam os trabalhos de Logan (2012) e Meskell (2012, 2013).

Para além da preocupação legítima com os produtores e gerenciadores do patrimônio, as demandas do universo da preservação parecem, pelos motivos acima elencados, ter chegado apenas recentemente à academia, diga-se a verdade: em alguns espaços acadêmicos, mais que em outros, isso ajuda a projetar a ideia de que questões concernentes ao patrimônio cultural

(22)

ainda são tópicos de relevância mediana na ordem do dia. Uma análise dos anais das cinco últimas edições dos encontros nacionais da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), ou dos encontros periódicos da CONERI e FENERI, revela a baixíssima, quase nula, participação de trabalhos que abordam temáticas vinculadas ao patrimônio cultural, histórico, natural ou de qualquer outra natureza que não seja o conceito de patrimônio financeiro, uma visão monetária da missiva; ou mesmo abordagens que deem conta de mapear ações do poder brando em quaisquer áreas de atuação das Relações Internacionais. Isso também acontece, em certa medida, quando se verifica a tímida visibilidade dos trabalhos realizados atualmente pelo MinC ou as divisões do Itamaraty responsáveis pela cogestão dos temas correlatos à preservação do patrimônio no país. São trabalhos absolutamente relevantes, mas encastelados.

A publicização e maior visibilidade de tais pesquisas e ações daria nova perspectiva à questão do patrimônio. Há que se registrar que o IPHAN mantém-se ativo e determinante na proteção efetiva do patrimônio brasileiro, mesmo que tenha sofrido algumas críticas, às vezes infunda- das, às vezes pertinentes, de exercer mansa atuação.

Periódicos nacionais especializados em Relações Internacionais corroboram a tese de que as temáticas vinculadas ao patrimônio e à cultura como soft power são pouquíssimo estudas. Tivemos contato com os sumários de alguns desses periódicos e o resultado revelou presença de apenas três trabalhos relacionados à temática central deste livro. Os periódicos consultados foram: Revista Carta Internacional; Monções; Conjuntura Austral; Política Ex- terna; Revista Estudos Internacionais; Contexto Internacional; Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI) e Mundorama. Os cadernos de ensaios do Instituto Rio Branco e a revis- ta JUCA – anuário dos alunos do Curso de Formação/Mestrado Profissional em Diplomacia do Instituto Rio Branco – também foram consultados e não acusaram nenhum trabalho sobre a temática.

Outro fórum em que as Relações Internacionais e o patrimônio aparecem de forma tímida é a renomada revista Foreign Affairs, periódico dos mais respeitados na área de Rela- ções Internacionais, Política e Diplomacia. Uma análise rápida no sistema on-line de buscas da revista evidencia que, ao longo de mais de oitenta anos de publicação (todos disponíveis aos assinantes), o número de artigos cujo tema central aborda as palavras procuradas: “herita- ge” ou “museum”, totalizam, respectivamente, 546 e 161 artigos. Em mesma medida, a busca por “soft power” foi discutido em proporção um pouco maior, sobretudo nas útimas décadas, toatlizando 614 artigos.

Ao ampliarmos a busca para os vocábulos compostos “Culture Diplomacy” e “He- ritage Diplomacy”, registrou-se, respectivamente 804 e 144 artigos. No universo genérico da busca pelo vocábulo “Culture”, há pouco mais de quatro mil títulos, de um total de centenas de milhares de artigos publicados no periódico nas últimas oito décadas. Poderão os mais insistentes contra-argumentar que esses não são exatamente os fóruns específicos em que a temática deveria ser tratada, o que por si só explicaria a relativamente baixa incidência de artigos que discutam a temática, mas o fato é que, sobretudo nas últimas cinco décadas, e mais especificamente nas últimas três, a temática da politização do usufruto do patrimônio e sua gestão pelos atores internacionais passou paulatinamente a figurar na pauta das relações internacionais.

(23)

Mas então o que explica a discrepância entre o alargamento da pauta de interesses dos Estados-Nação e a visibilidade que o tema tem nos espaços acadêmicos e de produção de ideias, como congressos nacionais e internacionais da área, documentos internacionais, listas de signatários e mesmo periódicos especializados de grande acesso?

Pesquisar as bases de teses e dissertações das universidades brasileiras que pos- suam mestrado ou doutorado em Relações Internacionais, Estudos Estratégicos, Integração ou áreas correlatas e os programas de pós-graduação avaliados na Plataforma Sucupira – da CAPES – revela que, de um universo de 53 programas, em apenas três foram registradas teses ou dissertações correlatas à temática estudada neste livro. Três teses vinculadas ao Programa Santiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), o segundo maior do país, com um volume de 116 teses e dissertações até 2015; uma defendida na Universidade de Brasília (UnB) e um trabalho vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em um universo de mais de trinta dissertações defendidas no programa até o momento (AGUIAR, 2012). O Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da maior universidade brasileira, a Universidade de São Paulo (USP), não registrou nenhum trabalho (em um universo de quase setenta dissertações e teses). A título de ilustração, no rol de Programas de Pós-Graduação em Relações Internacionais, descrito a seguir, nenhum trabalho foi encontrado: Pontifícia Univer- sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Fundação Getulio Vargas (FGV/CPDOC), na área específica de RI; Universidade Federal Fluminense (UFF); Universidade Federal do ABC (UFABC); Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD).

Esses dados são contundentes e sinalizam o distanciamento existente entre os currí- culos de graduação, os programas de pós-graduação em RI, suas respectivas linhas de pesquisa e a predileção dos estudantes/realidade da temática no país, atualmente. Cabe registrar que os programas de pós-graduação em áreas correlatas, como História, Ciências Sociais, Arqui- tetura, Direito e Ciências Políticas, abordam a temática com muito mais abrangência, o que sinaliza a necessidade de maior diálogo entre os programas de RI e o acesso ao manancial produtivo dos demais programas.

No caso dos fóruns especializados da área de Relações Internacionais em nosso país, cujo protagonista é a Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), pesquisas ou trabalhos acadêmicos que contemplam essa temática são raros e, via de regra, traduzem uma abordagem bissexta. Não deveria ser assim, mas esse é o quadro. A interface interdisciplinar que o tema congrega, (apenas este aspecto) já deveria garantir uma penetração mais efetiva nas predileções de pesquisadores e internacionalistas. Mas por que a pequena procura por este assunto? Por que o internacionalista (sobretudo, os jovens formados recentemente) desco- nhece essa temática? A resposta evidencia um panorama inconveniente: a temática dos bens culturais, assim como a gestão sobre seu usufruto, quase não é contemplada pelo currículo da maioria dos cursos que formam internacionalistas.

Essa é apenas uma das pontas frouxas desse processo conturbado de autoafirmação dessa área/temática, mas há outras. Por isso, algumas afirmações precisam ser elencadas: a) as Relações Internacionais precisam se abrir para uma compreensão mais aprofundada e crítica

(24)

do soft power; é preciso criar mecanismos de atuação e atualização dos problemas e demandas gerados no seio das temáticas preservacionistas, o que significa aumentar a visibilidade do poder brando nas negociações internacionais e sua visibilidade no currículo universitário; b) é fundamental desmistificar a ideia de que apenas a política e a economia stricto sensu movem as relações diplomáticas e as demandas internacionais; c) é notório que o elemento cultural já não é mais associado à parte mais fácil do conhecimento, metaforizado em “perfumaria inte- lectual”, por isso, cinco fatores ajudam a consolidar as assertivas elencadas acima: três deles compartilhados do texto de Winter (2014) e dois, frutos da percepção do quão distante estão dessa temática os cursos de Relações Internacionais atualmente no Brasil.

O primeiro fator diz respeito à incorporação crescente do patrimônio cultural em outras áreas do discurso internacional. Recentemente, organismos internacionais passaram a enxergar o patrimônio de forma mais ampla, tomando-os como parte dos discursos e agendas que compõem a governança global contemporânea. Quer se trate de relacioná-lo à ideia de sustentabilidade, à luta contra o extremismo, ou políticas em torno do acesso à cidadania e à tradição, o patrimônio cultural passou a ter visibilidade muito maior e participação relevante, havendo um avanço na presença de organismos de preservação nas mesas de negociação das políticas internacionais como jamais visto antes.

O segundo fator se refere à pluralização dos discursos do patrimônio. Há expressões cada vez mais contestadoras sobre o legado eurocentrista na condução das políticas de preser- vação consideradas homogeneizadoras da preservação dos patrimônios mundiais. Em toda a Ásia, América Latina, África e Oriente Médio, críticas ao eurocentrismo e ao norte-america- nismo das ações deram origem a metodologias e abordagens de curadoria de preservação dis- tintas. O específico e o genérico buscam seu espaço (INVERNO, 2014 apud WINTER, 2014, p. 334; KWANDA, 2009; SILVA; CHAPAGAIN, 2013).

O terceiro alude ao crescente poder econômico e político que países detentores de agendas preservacionistas desfrutam no cenário internacional. Diferentemente do panorama de cinco décadas atrás, em que apenas os países detentores do poder econômico ditavam as regras da preservação e do que poderia ser compreendido como valor universal excepcional, (basta acompanhar a trajetória de muitos países signatários da UNESCO nos últimos dois quarteis de século), o atual cenário é diferente. Recentemente, muita atenção foi dada à ascensão do BRI- CS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) devido à sua real influência política decor- rente de alinhamentos regionais não ocidentais, e à chegada de países recém-industrializados aos fóruns de decisão mundial. Essa mudança substancial no vetor do protagonismo ajudou a criar uma plataforma mais abrangente na correlação de forças da cena internacional. Tudo isso corrobora a proposição de que o soft power por meio da cultura, do intercâmbio de tradições e da diplomacia cultural tem se tornado um dínamo de mudança nas Relações Internacionais.

Fundamentalmente, isso significa que novas potências estão influenciando e propondo agen- das diversas que respondam às suas reais necessidades internas e locais.

O patrimônio cultural é um dos elementos cativos dessa nova agenda internacional, e uma observação atenta ao novo mapa geopolítico mundial, e mesmo à cartografia dos patri- mônios considerados mundiais pela UNESCO, ajuda a consolidar essa percepção, o que não impede uma leitura crítica de tal cartografia. A título de exemplo recente, a ação do premier

(25)

russo Vladimir Putin ao patrocinar concertos da Orquestra Sinfônica de São Petersburgo nas ruínas da cidade de Palmira, para celebrar – como soft power – a retomada militar da cidade pela Síria, em meados de março de 2016.

O quarto fator tem abrangência local, mas não menos importante: diz respeito à mu- dança que vem se registrando no modo como a academia (sobretudo, os cursos de Relações Internacionais) aborda a questão da cultura e do patrimônio, as chamadas heritage questions.

Uma necessária crítica deve ser feita à fossilização dos currículos de formação dos cursos su- periores na área de Relações Internacionais (estende-se a isso a falta de diretrizes curriculares básicas) em nosso país. O currículo de formação desses cursos continua em grande medida a reproduzir conteúdos substancialmente calcados na agenda do chamado hard power. Assim, Administração, Marketing, Negócios, Comércio Exterior, Economia, Direito, e, principalmen- te, Política são o alicerce da formação dos alunos, que, em muitos casos, recebem formação tipificada, setorizada, não raro eurocentrada ou norte-americanizada (geopoliticamente dire- cionada) e quase sempre mais preocupada com questões concernentes à agenda de negócios e comércio exterior que propriamente das Relações Internacionais.

Essa breve análise, um tanto ácida, confessa-se, argumenta que formas alternativas de teorizar, ensinar e pesquisar Relações Internacionais precisam ser construídas sobre os alicerces da dessacralização da produção acadêmica e intelectual do Norte e do sepultamen- to definitivo da noção de que o “não ocidental” somente pode entrar no mundo moderno na medida em que emula as normas estabelecidas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos (FERABOLLI, 2015, p. 4). Tal percepção corrobora, em decorrência, a necessidade de que a formação do internacionalista (dada a sua generalização intrínseca) alargue suas fronteiras para além dos domínios restritos do hard power. Não se trata de negligenciá-lo, ao contrário:

é o alicerce da política, economia, direito, negociações, organizações, teorias, etc. que pro- porcionará ao aluno em formação a compreensão de que o elemento cultural aparece como argamassa a consolidar todas as áreas do conhecimento internacionalista.

Finalmente, o quinto fator é potencializado pela necessidade de dilatar o campo de conhecimento sobre o patrimônio dentro das Relações Internacionais. Até a data presente, majoritária parcela da literatura sobre relações do patrimônio como soft power, ou mesmo da diplomacia do patrimônio e da cultura material e imaterial em âmbito nacional e internacional (de um cabedal de centenas de brochuras e artigos publicados, sobretudo em inglês, apenas na última década – o que não deixa de ser uma forma de imposição cultural de uma língua dominante), tem, basicamente, se preocupado com as disputas de propriedade a partir de ma- nifestações de museus e coleções particulares; embora a participação dos Estados-Nação na formação da governança e preservação patrimonial e curatorial internacional, suas práticas em domínios como a arqueologia, a paleontologia ou as artes plásticas, conheceu, muito recente- mente, um transbordamento de fronteiras.

Para entender melhor o significado dos laços entre a conservação do patrimônio e as Relações Internacionais é fundamental compreender que, hoje, a maioria dos governos democráticos ao redor do mundo abarca o valor estratégico da cultura, ciência e educação como campos prioritários ao seu desenvolvimento. À medida que o novo século se desnuda, a radiografia dessas relações de poder revela novos atores e espaços. Tudo isso ainda demora

(26)

a aparecer em discussões de sala de aula e, por isso, reputamos este como o quinto e essencial fator para que a questão do patrimônio como soft power seja mais bem trabalhada nos cursos de Relações Internacionais. De acordo com (SNOW; TAYLOR, 2009 apud WINTER, 2014, p. 335), as formas como a diplomacia cultural e seus temas correlatos têm sido analisadas pela academia sugerem a predileção de estudos sobre a cultura enquanto moeda mobilizadora, mas sempre a partir da pauta sociopolítica. O elemento cultural é sempre corolário, coadjuvante, nunca protagonista.

Além da utensilhagem teórica que o conceito suscita e do rol de especialistas que se preocupam em divulgá-lo e espraiar seus domínios, este livro oferece textos de especialis- tas das áreas de preservação, gestão e usufruto qualificado do patrimônio que dialogam com artigos de abordagem multidisciplinar (daí a presença de autores oriundos de áreas diversas, como Jornalismo, Turismo, Geografia, Antropologia, Arquitetura, História, Paleontologia, Museologia, Tecnologia da Informação, Direito, Ciência Política, Diplomacia e, claro, Re- lações Internacionais), bem como escritos de estudantes de pós-graduação e graduação, estes últimos orientandos da linha de pesquisa Relações Internacionais, cidades e Bens Culturais do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Santos, que vêm paulatinamente construindo seara de trabalhos promissores.

A compilação dos textos selecionados apresenta temas abrangentes, com ênfase para os trabalhos comparativos, e as ideias desenvolvidas pelos autores exploram a cultura em geral, e o patrimônio em particular, como variável relevante para alcançar o desenvolvimen- to econômico e o protagonismo político, e também compreendem os valores culturais como variáveis capazes de estimular o progresso humano, a convivência e o respeito à diversidade.

Reconhecendo esse desafio, o sumário combina vasta gama de estudos e experiên- cias sobre o patrimônio cultural material e imaterial enquanto soft power. É uma contribuição heterogênea, de gramatura e aprofundamento diversificados, dado o espectro multidisciplinar dos autores convidados. Alunos iniciantes e concluintes, professores, profissionais de diver- sas áreas correlatas à preservação do patrimônio, especialistas de vários campos ligados às Relações Internacionais discutem temas correspondentes, partindo da seguinte premissa: o patrimônio cultural passou a ser um colaborador cada vez mais importante dos diálogos mul- tilaterais e, como tal, faz parte do alargamento das ações no âmbito das Relações Internacio- nais. Nesse sentido, sítios arqueológicos, paleontológicos, museus, espaços culturais, paisa- gens, organismos internacionais de preservação, estados nacionais, atores da paradiplomacia, a imaterialidade do patrimônio (em ampla expansão), a dicotomia entre inflação e destruição de patrimônios, dentre outros elementos formam uma cartografia de influência que tem se transformado constantemente. Por todos esses argumentos, a publicação de uma obra coletiva cujo norte se dá pelo entendimento multifacetado do patrimônio deve representar contribuição significativa para o alargamento desses conceitos ainda insuficientemente compreendidos.

Outra preocupação foi apresentar sumariamente alguns conceitos relativamente re- centes no âmbito das Relações Internacionais. Diante de um cenário interconectado pela vei- culação de informação, o conceito de Diplomacia Cultural é um dos domínios a ser debatido.

Em função desse caráter de “novidade temática”, ainda há poucos estudos sistemáticos no campo da diplomacia cultural, e atualmente não há consenso geral a respeito de sua definição.

Referências

Documentos relacionados

THIAGO SOUZA DE ARAÚJO DEFERIDO - PERMANÊNCIA II VANESSA ALMEIDA BRITO DEFERIDO - PERMANÊNCIA II VANESSA BEZERRA SOUZA NUNES DEFERIDO - PERMANÊNCIA II VICTOR MENDONÇA DE SOUSA

(NÃO será aceito pagamento por meio de agendamento, cheque, depósito ou transferência entre contas). 2.2.3- O boleto gerado para o Concurso Público será do Banco Banrisul, tendo

4 Antes de ressaltarmos o ascender das luzes investigativas sobre património cultural no campo de estudos das relações internacionais no Brasil, importa referir que a publicação da

As elevadas taxas de incidência em gestantes e de sífilis congênita, encontradas neste estudo, evi- denciam a sífilis como um grave problema de Saúde Pública entre os povos

A partir do número de casos notificados de 2004 a 2009, foram elaborados mapas sobre a evolução da distribuição geográfica da LV nos bairros de Araguaína, também foi

Caso a luminária não disponha de um refletor adequado para a lâmpada ou o refletor não seja de boa qualidade de reflexão, grande parte do fluxo luminoso da lâmpada não

É, como alguns ousam dizer, a resposta à oração do Santo Padre João XXIII, que no alvorecer do Concílio Vaticano II, pediu a Deus que soprasse novamente o seu Espírito sobre toda

Verificou-se associação entre comprometimento da capacidade funcional, tanto para atividades básicas da vida diária quanto para as instrumentais, e as variáveis sexo e uso