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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia e Ciências Instituto de Geografia. Hélia Frazão de Souza

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Academic year: 2022

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia e Ciências

Instituto de Geografia

Hélia Frazão de Souza

Teatro e cidade: a produção teatral no eixo Rio/São Paulo, 1940-1960

Rio de Janeiro 2009

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Hélia Frazão de Souza

Teatro e cidade: a produção teatral no eixo Rio/São Paulo, 1940-1960

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Área de Concentração: Gestão e Estruturação do Espaço Geográfico.

Orientadora: Profª. Drª. Mônica Sampaio Machado

Rio de Janeiro 2009

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / CTC/C

S729 Souza, Hélia Frazão de.

Teatro e cidade: a produção teatral no eixo Rio/São Paulo, 1940-1960 / Hélia Frazão de Souza – 2009.

97f.

Orientador: Mônica Sampaio Machado.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Geografia.

1. Teatro – Rio de Janeiro (Estado)– Teses. 2.

Teatro – São Paulo (Estado) – Teses. 3. Política cultural – Brasil - Teses. 4. Modernismo (Arte) – Teses. 5.

Espaço urbano – Teses. 1. Machado, Mônica Sampaio.

II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Geografia. III. Título.

CDU 792 (815.3+815.6)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.

___________________________________________ _________________

Assinatura Data

(4)

Hélia Frazão de Souza

Teatro e cidade: a produção teatral no eixo Rio/São Paulo, 1940-1960

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Área de Concentração: Gestão e Estruturação do Espaço Geográfico.

Aprovada em 31 de março de 2009 Banca Examinadora:

_____________________________________________________________

Profª. Dra. Mônica Sampaio Machado (Orientadora) Instituto de Geografia da UERJ

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Miguel Ângelo Campos Ribeiro Instituto de Geografia da UERJ

______________________________________________________________

Profª. Dra. Cristina Lontra Nacif Centro Tecnológico da UFF

Rio de Janeiro 2009

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe, Martha, e ao meu tio Douglas Leonardo pelo apoio recebido.

Agradeço à amiga Cláudia Castanheira, pela revisão final do trabalho.

Agradeço ao amigo Alexandre Lourenço, pelo companheirismo e atenção.

Agradeço à orientadora Dra. Mônica Machado, que possibilitou a continuidade da presente pesquisa com um novo olhar interdisciplinar.

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RESUMO

SOUZA, Hélia Frazão de. Teatro e cidade: a produção teatral no eixo Rio/São Paulo, 1940-1960. 2009. 97 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de

Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

O presente trabalho procura estabelecer uma relação entre as manifestações culturais, do ponto de vista do teatro, e a geografia das cidades. Tem-se como hipótese que cada cidade possibilita expressões culturais distintas e que estas, por sua vez, impulsionam dialeticamente sua dinâmica e vida urbana. Considerando as cidades como lugares de expressão da modernidade e do modernismo, discute-se a expressão teatral no eixo Rio-São Paulo, entre 1940-1960. As capitais situadas nesse eixo desempenharam importante papel de pólos de desenvolvimento e modernidade, irradiadores de tendências modernistas para o restante do país. A princípio, o Rio de Janeiro exportava teatro para São Paulo, mas a situação modificou-se com o crescimento econômico da região Sudeste e da concentração industrial em São Paulo, que transformou a capital paulista no coração da vida econômica do país, possibilitando investimentos privados na área da cultura, incluindo a área teatral, até então pouco expressiva naquela cidade.

Concomitantemente, a cidade do Rio de Janeiro, como Distrito Federal, perdia força econômica e cultural. Foi o desempenho dos grupos amadores cariocas e paulistas em modificar o panorama do teatro brasileiro que propiciou a renovação da linguagem cênica nacional. Entre 1940-1960, o teatro realizado nas duas cidades não chega a arrebatar a sociedade como um todo, tendo as melhores respostas com as platéias paulistas, embora o ponto de ebulição do teatro moderno tenha ocorrido no Rio de Janeiro, em 1943, com os amadores “Os Comediantes”. Na verdade, a institucionalização do teatro moderno só aconteceria com a profissionalização da atividade teatral, empreendida pelo mecenas Franco Zampari na estrutura empresarial utilizada na criação do Teatro Brasileiro de Comédia (1948), traduzindo assim o ideal modernista que os grupos amadores pretendiam expressar desde o final dos anos 30. De fato, durante os anos 1940-1960, o Rio de Janeiro, por ser a sede do Governo Federal, recebe maior apoio financeiro para a atividade teatral e se mantém como referência, apesar do sucesso alcançado pelo teatro paulista. Com a mudança da Capital Federal para Brasília (1960), a cidade sofre um esvaziamento econômico e, conseqüentemente, ocorre o enfraquecimento do teatro carioca, agravado pela instalação da censura, que colocou um obstáculo nos avanços até ali alcançados. Todavia, o Rio, ainda hoje, mantém forte tradição cultural.

Palavras-chave: Teatro brasileiro. Cidade. Modernismo. Política cultural.

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ABSTRACT

This work was developed with the aim of determine the relation between de cultural manifestations, seen through the theater and the geography of the cities. It has as hypothesis that each city makes possible cultural and distinguished expressions and these, in turn, impel dialectically its dynamic and urban life.

Forasmuch the cities as places of expression of the modernity and of the modernism, it is discussed the theatrical expression in the route Rio-São Paulo, between 1940- 1960. The capitals located in this route played an important part of focus of interest of development and modernity, which emanate modernist inclinations for the others cities of the country. At first, Rio de Janeiro exported theater to São Paulo, but the situation has changed itself by the economic increase of the southeast region and the industrial concentration in São Paulo, that has turned the capital of São Paulo into the center of the economical life of the country, by making possible private investments in the culture area, including the theatrical area, up to now little expressive in the city. Concomitantly, the Rio de Janeiro city, as Distrito Federal lost the economic and cultural strength. It was the amateur groups performance from Rio and São Paulo by aiming to change the panorama of the national theater which provided the renewal of the national scenic language. Between 1940-1960, the theater performed in both cities can’t surprise the society as a whole, having the better responses with the public from São Paulo, although the boiling-point of the modern theater has happened in Rio de Janeiro, in 1943, with the amateur group “Os Comediantes”. Truthfully, turn the modern theater institutional only would happen if the theatrical activity undertaken by the supporter Franco Zampari in the organizational structure used inserted in the construct of the “Teatro Brasileiro de Comédia (1948), achieving like that the perfect modernist that the amateur groups have intended to express since the last in the 30’s. In fact, through the years 1940- 1960, Rio de Janeiro as the headquarters of the federal government receive greatest financial support for the theatrical activity and keep up itself as a cultural reference despite the reached success by the theater in São Paulo. Due to the relocation from de Federal Capital to Brasília in 1960, the city suffer an economic emptying, and consequently, occur the weaking of the theater in Rio de Janeiro, grown worse by the establishment of the censure, which restrain the advances up to there reached.

However, Rio de Janeiro, still nowadays, keeps up a strong cultural tradition.

Keywords: Brazilian theater. City. Modernism. Cultural policy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 7

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM, SIGNIFICADO E HISTÓRIA DO TEATRO OCIDENTAL... 16

17 1.1 O Nascimento e o Apogeu do Teatro Grego... 1.2 O Teatro e a Polis... 22

2 O TEATRO BRASILEIRO... 25

2.1 As Primeiras Manifestações Cênicas... 25

2.2 O Século XIX e a Transição para o Teatro Nacional... 31

2.3 O Teatro Moderno: algumas considerações... 44

3 AS ATIVIDADES TEATRAIS NO EIXO RIO/SÃO PAULO, 1940-1960... 52

3.1 Rio de Janeiro e São Paulo em meados do Século XX... 52

3.2 O Moderno Teatro Oficial Carioca... 62

3.3 O Teatro Paulista e o TBC... 76

3.4 Os Investimentos Públicos nas Atividades Teatrais no Eixo Rio/São Paulo... 87

CONCLUSÃO... 92

REFERÊNCIAS... 95

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho buscou estabelecer uma relação entre as manifestações culturais, mais especificamente o teatro, e a geografia das cidades, entendendo por geografia um conjunto associado de formas espaciais, de naturezas diferenciadas, construídas ao longo do tempo e marcadas pelos diversos usos sociais. Teve-se como hipótese que cada cidade possibilita expressões culturais distintas e que estas, por sua vez, impulsionam dialeticamente sua dinâmica e vida urbana. Assim, refletir sobre o teatro a partir das cidades, constitui um exercício no qual a análise e o pensamento espacial guiam as considerações desenvolvidas.

A partir da idéia central, buscou-se pensar a cidade, principalmente a grande cidade, como local onde a modernização e seus desdobramentos, a modernidade e o modernismo, se apresentam com maior expressão e são irradiados para outros lugares. As grandes cidades são aqui vistas, nesse sentido, como pólos de modernidade, de expressão do novo e da mudança. Este parece ser o papel histórico da cidade do Rio de Janeiro1 e, mais recentemente, da cidade de São Paulo2, que, no contexto brasileiro, são pólos de modernidade nacional. O teatro foi aqui escolhido como a principal expressão cultural para avaliar esse papel irradiador de um novo movimento cultural, em um período no qual o país buscava se afirmar como conjunto integrado e moderno, 1940-1960.

O motivo da escolha desse tema e de seu recorte temporal se deu em função da necessidade de se retomar a discussão acerca da renovação da linguagem teatral brasileira ocorrida em meados do século XX, momento em que o país

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1 O Rio de Janeiro, até o princípio do século XVIII, era uma cidade sem expressão econômica e cultural no contexto brasileiro. Entretanto, esta situação modificou-se devido às atividades de extração de ouro em Minas Gerais. A cidade do Rio de Janeiro acaba se transformando por causa de seu porto, importante centro de intercâmbio comercial entre a região de mineração e Portugal. Conseqüentemente a cidade desenvolveu-se e tornou-se a nova capital do país em 1763. Já no início do século XIX, a cidade tornou-se capital do Reino Unido, com a chegada da Família Real, transformando-se radicalmente em um grande centro econômico e cultural nacional, até sua transferência para Brasília, o novo Distrito Federal (PROENÇA, 2003, p. 200).

2 No início do século XX, a cidade de São Paulo alcança considerável crescimento econômico, por causa do café, e conhece um período de intenso progresso técnico, com a criação de novas fábricas. Outro fator que contribuiu para seu crescimento foi a chegada de uma massa de imigrantes que alterou a estrutura social local, determinando seu desenvolvimento econômico e cultural na primeira metade do século (Ibidem, p. 228).

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passava por mudanças socioeconômicas significativas, de repercussões diretas na política cultural do período.

Para avançar nessa relação, algumas considerações sobre as concepções de modernização, modernidade e modernismo foram apresentadas. Os três substantivos expressam o adjetivo “moderno”, indicando a idéia de recente, de mudança, de novo, de contemporâneo, idéias que buscam substituir o obsoleto, o arcaico ou o retrógrado. A modernização indica o ato ou o efeito de modernizar-se, de tornar-se moderno e acompanhar a evolução e as tendências do mundo atual.

Indica ainda o ato de efetuar mudanças que substituem sistemas, métodos e equipamentos antigos. Já a modernidade aponta a qualidade ou o estado do que é moderno, enquanto o modernismo, o gosto ou tendência pelo que é moderno. Há uma grande tendência para considerar ambos, modernidade e modernismo, como desdobramentos posteriores, subseqüentes ao ato de modernizar-se, à modernização (ARRUDA, 2001, p. 18-19).

De um modo geral, considera-se a modernização como um processo amplo de mudanças econômicas, sociais e políticas, pelo qual determinada sociedade supera estruturas tradicionais (de base rural), e cria novas formas de produção, mecanismos racionais de dominação e novos padrões de comportamento.

Industrialização, urbanização, desenvolvimento dos sistemas de transporte e comunicação de massa são fenômenos característicos desse processo de modernização.

Assim, as concepções de modernização, modernidade e modernismo estão intimamente associadas ao processo de industrialização e urbanização, ou seja, às mudanças advindas pela substituição de uma sociedade rural por uma sociedade urbana. Nesse contexto, o papel das cidades é fundamental, principalmente daquelas que concentram maiores investimentos, população e recursos. Nessas cidades o estilo de vida moderno constitui o novo cenário urbano industrial

O estilo artístico moderno, fruto das vanguardas modernistas no Brasil, está, assim, diretamente ligado ao processo industrial da primeira metade do século XX.

Conforme Cavalcanti3, “as formas dominantes nas artes plásticas deste primeiro

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3CAVALCANTI, Carlos. História das artes. Da renascença fora da Itália até nossos dias. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978, p. 257.

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meio século — arquitetura, escultura, pintura — são filhas legítimas e diletas da industrialização”. Para o autor, tanto os processos técnicos quanto os valores refletem e traduzem as transformações socioculturais na sociedade contemporânea, conseqüência do processo de industrialização e sua influência na produção, no consumo e na comunicação de massa.

A arte moderna é parte dessas transformações da industrialização e modernização. Surgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos, propagando-se rapidamente pelos países industrializados do norte europeu, embora tenha demorado a manifestar-se na Itália, país relativamente atrasado industrialmente. No Brasil, a arte moderna surgiu no Rio de Janeiro, então Capital da República, e foi proclamada em São Paulo, o estado brasileiro mais industrializado, no evento denominado “Semana de Arte Moderna”, em 1922. Foi a partir do eixo Rio/São Paulo que o modernismo passou a irradiar-se para todo o Brasil.

Não poderiam as novas formas de arte, geradas pelo progresso maquinário com a mecanização do trabalho, ter aparecido entre piauienses e cearenses. Não porque esses nossos patrícios sejam destituídos de talento criador para as formas artísticas modernas, mas porque ainda hoje as regiões que habitam se caracterizam pela baixa industrialização (CAVALCANTI, 1978, p. 258).

Não se deve esquecer que durante o ano de 1960, marco final desta pesquisa, a sociedade brasileira se alterou muito, qualitativa e quantitativamente, em função da industrialização e da urbanização, naquele momento concentradas no eixo Rio/São Paulo. Da predominância do rural, passava o país, nos anos 60, ao domínio do urbano, conforme assinou Milton Santos.4 O recorte temporal estabelecido para esta investigação coincide justamente com essa preparação para a nova sociedade brasileira, uma sociedade que passava por um grande e rápido processo de modernização, oriundo da industrialização, com novos comportamentos e novas expressões sociais e artísticas. Como essa modernidade e esse modernismo ocorreram no país? Considerando as cidades como lugares de maior expressão da modernidade e do modernismo e considerando a realidade socioespacial brasileira do período, com o desenvolvimento urbano-industrial concentrado no Sudeste, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro são, assim, lugares privilegiados para o estudo das expressões culturais e artísticas da

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4SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1993, p. 30.

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modernidade. Esta pesquisa busca, então, apresentar uma reflexão sobre a expressão teatral no eixo Rio/São Paulo, entre 1940 e 1960.

A centralidade do eixo Rio/São Paulo no cenário econômico nacional do período foi estabelecida com base numa concepção desenvolvimentista do planejamento urbano-regional brasileiro da época, de pólos de desenvolvimento, de François Perroux. São Paulo e Rio de Janeiro passaram a se configurar como lugares centrais, pólos para o desenvolvimento nacional. A idéia de implementação de pólos se relaciona, assim, à hierarquia das cidades e à busca do desenvolvimento por meio do equilíbrio do sistema urbano.

Com o intuito de discutir acerca da centralidade de São Paulo e Rio de Janeiro como pólos de modernidade e modernismo brasileiro, e do teatro nesse contexto, serão apresentadas a seguir algumas observações sobre pólos de desenvolvimento no Brasil.

Pólos de desenvolvimento no Brasil: algumas considerações

Do ponto de vista teórico e conceitual, os princípios do modelo de intervenção desenvolvimentista estavam subjacentes às políticas de crescimento econômico formuladas pelo menos até meados dos anos 1970, sustentando o projeto de industrialização brasileiro. As teorias dos pólos de crescimento e seus efeitos respaldavam as políticas de desenvolvimento regional implementadas por instituições federais criadas para atuar em prol de áreas menos avançadas, tendo exercido um efeito significativo sobre a expansão produtiva de regiões periféricas.

Nesse sentido, os projetos que tinham como meta o estabelecimento de pólos de desenvolvimento nas diferentes áreas ao longo do território nacional avançaram politicamente, porque se acreditava que em um país subdesenvolvido a existência de um pólo de desenvolvimento seria um instrumento desencadeador de um processo de aceleração do crescimento econômico.

Segundo o argumento de Faissol (1978)5, o pólo desenvolvimentista deveria se estabelecer em uma área selecionada pelas instâncias político-administrativas.

Os incentivos governamentais a estes empreendimentos trariam como resultado

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5 FAISSOL, Speridião. Tendências atuais na geografia urbano/regional – Teorização e quantificação. Secretaria de Planejamento da Presidência da República, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1978.

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demandas para matérias-primas e novas indústrias, que promoveriam um movimento auto-sustentável. Estes incentivos foram introduzidos a partir de um plano nacional, por meio de um sistema próprio e condições especiais para a localização ideal desses grandes empreendimentos. Este sistema demandava uma subdivisão entre Centro-Sul e Norte-Nordeste, para facilitar o exame de questões regionais e nacionais.

O desenvolvimento econômico era pensado por meio de três caminhos: a partir das metrópoles do núcleo central para as metrópoles regionais; a partir dos centros de maior hierarquia para centros de menor hierarquia, num processo de difusão hierárquica; a partir dos centros urbanos para as suas áreas de influência, visto que o tamanho do núcleo urbano era fundamental para o esclarecimento do seu papel no sistema urbano e sua posição na hierarquia das cidades. Desse modo, o tamanho funcional de uma cidade demonstraria seu poder econômico agregado e a conotação de pólo. Por outro lado, a idéia de pólo implica a atuação dinâmica da cidade; por isso, uma cidade de tamanho funcional elevado, mas com baixo poder de difusão, terá um papel dinâmico muito fraco em relação a sua área de influência, como é o caso das metrópoles de Curitiba e Fortaleza naquele momento (FAISSOL, 1978).

A existência de determinadas indústrias motrizes, capazes de gerar relações intersetoriais na indústria, é condição fundamental para a conquista de efeitos multiplicadores sobre o conjunto, estimulando o crescimento econômico. Nota-se que, em nível nacional, determinados centros possuem maior capacidade de exercer uma função polarizadora, pois se destacam mais em relação à função nacional do que em relação à função regional. É nesse caso que se encaixam as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

O pólo de São Paulo revelou-se o primeiro pólo industrial do país, pois formou o conjunto mais articulado da região Centro-Sul, demonstrando sua elevada polarização em relação a outras cidades importantes dessa região. O Rio de Janeiro tornou-se, assim, o segundo pólo nacional (FAISSOL, 1978).

As teorias de pólos de desenvolvimento seguiram paralelas às teorias de desenvolvimento econômico, cujo processo de crescimento resulta do sistema de cidades que organiza e articula a economia nacional e regional, a partir de uma área concentrada no Sudeste, que tiveram como eixo São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, a concentração de investimentos públicos e privados visando ao desenvolvimento

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econômico industrial, principalmente a partir dos anos 40, consolidou a região concentrada do Sudeste e o eixo Rio/São Paulo. Aqui se concentraram o processo industrial, os serviços e toda a sorte de atividades culturais típicas da modernidade.

Daqui foram sendo construídas e difundidas para todo o país não apenas ciência, tecnologia e informação, mas também modelos de comportamentos culturais e de expressões artísticas.

A fim de compreender melhor as características da cultura na modernidade brasileira, entre 1940 e 1960, selecionou-se a expressão teatral nesses dois pólos nacionais como objeto privilegiado de investigação. Tomaram-se as concepções de modernização, modernidade e modernismo e suas relações com a industrialização, com o objetivo de relacionar o teatro com a grande cidade e responder algumas questões: qual a característica do teatro brasileiro moderno, durante as décadas de 1940 e 1960? Como o teatro se desenvolveu num país que em pouco tempo viu seu espaço nacional se transformar pelo impacto da industrialização e urbanização?

Qual o papel das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo na difusão do teatro moderno para o país? Quais as características e diferenças do teatro moderno paulista e carioca? Quais foram as principais instituições, atores, companhias teatrais e espetáculos realizados? Qual a origem dos investimentos no teatro em São Paulo e Rio de Janeiro? A tentativa de responder a essas questões motivou o desenvolvimento da presente pesquisa.

A estrutura da dissertação

Para uma compreensão mais ampla da relação entre teatro e cidade, realizou-se, no primeiro capítulo, um levantamento histórico do teatro ocidental, cuja origem remonta à Grécia Antiga, situando a relação existente entre o teatro e a polis, entre a arte e as questões políticas na sociedade grega. O teatro grego surge a partir dos ritos dionisíacos, desenvolvendo-se até atingir o apogeu, com a realização dos concursos públicos na cidade de Atenas, onde aconteciam as premiações das melhores tragédias, estimulando o surgimento dos grandes tragediógrafos e posteriormente os comediógrafos. Na Grécia Antiga, o teatro apresentava-se como importante veículo de comunicação, e a tragédia como instrumento de divulgação política do poder dominante.

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A construção da relação palco/platéia por meio da representação teatral é uma experiência única, que surgiu com o aparecimento da figura do ator e dos elementos que contribuíram para o fenômeno teatral (texto, cenário, figurino, acessórios), tornando-se o grande legado deixado pelo teatro grego, realizado até os dias de hoje.

Assim, estuda-se o teatro como manifestação artística indicativa da produção cultural da Humanidade, cuja característica principal é conjugar outras expressões da arte, como literatura, artes plásticas, música, dança e, recentemente, as linguagens audiovisuais, e sua participação na vida das sociedades, numa estreita relação com o desenvolvimento urbano e suas manifestações culturais. Desse modo, o teatro é enfocado como atividade artística associada às expressões citadinas e à vida política das cidades. Com a modernidade, ele passa a expressar valores urbanos desvinculados dos espaços públicos e suas atividades coletivas, sendo incorporado pelo capitalismo como mercadoria, contendo suas novas formas de ideologia, propaganda e entretenimento.

O segundo capítulo reportou-se ao surgimento do teatro brasileiro, ainda ao tempo do Brasil colonial, buscando delinear os aspectos mais expressivos dessas primeiras expressões teatrais que, como na Grécia, surgiram a partir das manifestações religiosas. O teatro colonial tornou-se um instrumento poderoso de catequese e de dominação do colonizador, utilizado pelos jesuítas, que seguiam os dogmas da Igreja Católica. Durante o processo colonizador, as atividades teatrais brasileiras desenvolveram-se nas áreas litorâneas que possuíam importantes portos, ou nas regiões que possuíam ouro e pedras preciosas.

Evidentemente, a realidade brasileira distanciava-se muito da verificada na Europa, já que o continente europeu convivia com a revolução industrial, enquanto no território brasileiro a estrutura econômica era escravocrata, considerando-se que a ausência de uma burguesia local era um obstáculo para a atividade teatral permanente, inclusive dificultando o surgimento de novos dramaturgos.

Com a transformação do Brasil em Reino Unido de Portugal (1808) e o conseqüente desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro, o teatro brasileiro é impulsionado, começando timidamente a delinear uma feição brasileira e abandonando alguns aspectos copiados dos padrões europeus. O período republicano e o contínuo crescimento urbano do país promovem enorme desenvolvimento do teatro nacional. Nas primeiras décadas do século XX, o Rio de

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Janeiro já se apresentava como o principal centro cultural do Brasil, e o teatro como grande entretenimento. Por outro lado, nesse mesmo período São Paulo começava a transformar-se na capital do café e um poderoso pólo industrial. No período que vai dos anos 20 aos anos 50, a sociedade brasileira passou por profundas mudanças, e alterações significativas ocorreram com relação aos papéis e influências dessas cidades na escala nacional.

Nessa primeira metade do século XX o teatro brasileiro, principalmente o realizado no Rio de Janeiro, era marcado pelo teatro comercial, com a presença do ator-empresário, que privilegiava as peças cômicas. Este modelo extremamente popular e rentável correspondia aos anseios do público e permaneceu atuante até meados dos anos 40.

No decênio de 40, foi iniciada a fase da modernidade dos palcos brasileiros no eixo Rio/São Paulo. No entanto, o modernismo no teatro seria apenas legitimado em 1943, no Rio de Janeiro, com o grupo amador “Os Comediantes”, na encenação de Vestido de Noiva, com a direção de Ziembinski, que introduziu a representação moderna no teatro brasileiro.

O TBC teria sido o primeiro núcleo profissional contínuo de proposição do modernismo no teatro brasileiro, registrando um poder político-teatral para a cidade de São Paulo. A princípio, o Rio de Janeiro exportava teatro para São Paulo, mas, com a fundação do TBC (1948) na capital paulista, a situação alterou-se, principalmente quando novos nomes chegados do Rio de Janeiro, atraídos por melhores condições de trabalho, enriqueceram seu elenco. Dessa forma, entre os anos 40 e 50, surge um intercâmbio de profissionais de teatro entre os dois pólos de expressão teatral mais importantes do país: São Paulo e Rio de Janeiro.

O segundo capítulo enfoca, ainda, a política cultural do Estado presente nos diversos projetos culturais que objetivaram o desenvolvimento da atividade teatral no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, a Capital Federal. A primeira tentativa de criação de uma companhia de teatro oficial brasileira, subvencionada pelo governo e com elenco permanente, surgiu em 1861, mas a concretização efetiva somente se realizou em 1940, com a criação da primeira companhia de teatro oficial brasileira, por meio do Serviço Nacional de Teatro (SNT, 1937), órgão integrante do Ministério da Educação e Cultura e diretamente subordinado ao Ministério de Estado.

No terceiro capítulo abordaram-se as manifestações teatrais mais contemporâneas, de meados do século XX, sob a influência do processo de

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modernização, que exerceu grande influência na vida das grandes cidades, destacando-se a consolidação do teatro nas duas grandes capitais brasileiras.

Ainda nesse capítulo, examinou-se o momento histórico e cultural vivido pelo eixo Rio/São Paulo, quando novos modelos culturais (valores americanos encontrados na publicidade, cinema e literatura) vão pouco a pouco substituindo os vigentes padrões europeus, influenciando a expressão teatral do período. Enfocou-se especificamente o período em o país esgota o modelo agroexportador e aprofunda o processo de industrialização, momento em que o Rio de Janeiro e São Paulo passam por grandes transformações e dividem o controle político e econômico nacional. Nesse contexto, o teatro brasileiro é, na verdade, o teatro realizado nas capitais do Rio de Janeiro e São Paulo, pois o teatro fora desse eixo acontece apenas em focos pouco expressivos.

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1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ORIGEM, SIGNIFICADO E HISTÓRIA DO TEATRO OCIDENTAL

A palavra teatro advém do grego théatron, lugar onde se assiste a um espetáculo, e do latim theátrum, lugar para jogos públicos, reunião de espectadores ou ouvintes, ajuntamentos, assembléia, auditório6. Entretanto, conforme Peixoto7, a palavra teatro, tal qual é concebida hoje, só aparece definida no século XVII.

Na verdade, o teatro nasce no instante em que o homem primitivo coloca e tira sua máscara diante do espectador. É naquele momento que ele toma consciência de que ocorre uma "simulação" e que a representação cênica de um deus é aceita como tal, ou seja, a própria divindade presente é um homem disfarçado. Naquele instante nasce, assim, a noção de ficção e a consciência da arte (PEIXOTO, 1995).

O teatro é transformado e adquire papel diferenciado ao longo do processo histórico, apresentando uma série de elementos que o distingue de outras manifestações artísticas, uma vez que conjuga várias expressões artísticas, como a literatura, as artes plásticas, a música, a dança, etc., assim como comporta o desenvolvimento técnico de cada sociedade. Nesse sentido, o teatro é um objeto de expressão da mentalidade de diferentes épocas.

Peixoto (1995) assinala também que a atividade teatral exerce uma função social. Esta tem sido bastante modificada ao longo do processo histórico.

Constantemente redefinida, na teoria e na prática, a função social do teatro tem provocado igualmente alterações na maneira de concebê-lo e realizá-lo, transformando o processo narrativo e os processos de interpretação e encenação.

Assim, segundo o autor, o teatro pode ser considerado instrumento de transformação da sociedade, embora isoladamente seja impotente para provocar modificações ou resultados sociopolíticos marcantes, pois não interfere diretamente no processo de transformação social, mas age diretamente sobre os homens, que são os verdadeiros agentes da construção da vida social.

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6 HOUAISS, Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 2682.

7 PEIXOTO, Fernando. O que é teatro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.

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O teatro, então, sempre esteve presente na vida das sociedades. Entregou-se à religião e à política, transformando-se, hoje, em campo experimental menos ou mais comprometido com o esforço coletivo do homem para dominar a natureza e a sociedade, na busca de novos recursos expressivos sujeitos ao mercado.

Transformou-se o espetáculo em pura e simples mercadoria, sujeita às leis do comércio. Oscilando entre crises de oferta e de procura, inserida na disputa da livre-concorrência proposta pelo sistema capitalista de produção. Uma mercadoria às vezes até bastante rentável, manipulada por empresários interessados unicamente na lógica do lucro. Embalada para presente, vendida em 'supermercados culturais’, onde se organiza o tráfico multinacional da mentira e da mistificação, não deixará de ser mercadoria — inocente ou perigosa, necessária ou supérflua —, dentro da lógica da produção capitalista. Mesmo enquanto cultura terá este dúplice componente, e como tal deverá ser compreendida e usada. Engajado, o teatro sempre esteve ou na defesa de valores progressistas e mesmo revolucionário ou, até por omissão, empenhado na defesa de idéias conservadoras (PEIXOTO, 1995, p. 22).

O teatro na sociedade contemporânea é, assim, fruto das transformações socioculturais ocorridas durante toda a trajetória da civilização. Ao longo desse processo histórico, ao deparar-se com a modernidade e a lógica capitalista, bem como com a introdução de novas técnicas, o teatro foi capaz de sobreviver ao transformar-se em mercadoria. O teatro participa, então, da dinâmica da sociedade moderna, que por sua vez tem nas cidades, principalmente nas grandes, seu centro difusor. Para compreender o papel do teatro na sociedade moderna ocidental, consideramos importante recuperar suas origens, que remontam às cidades da Grécia Antiga.

1.1 O Nascimento e o Apogeu do Teatro Grego

Na Grécia Antiga, de onde se origina o teatro ocidental, qualquer praça pública servia de local para representações cênicas, principalmente se o terreno oferecia alguma inclinação. O teatro já se constituía como parte do projeto sociopolítico e econômico, permeando o processo de formação das cidades e metrópoles e a consolidação de ideais políticos e filosóficos. Envolveu, igualmente, um complexo projeto interdisciplinar (artes, literatura, arquitetura, urbanização, saneamento), como parte essencial da história da produção cultural da Humanidade.

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Deve-se considerar que esse teatro, desde a Grécia Antiga8, situa-se nas grandes cidades e sempre foi utilizado como principal veículo de propaganda e divulgação da cidade, importante meio de penetração ideológica, tanto do lado do poder político estatal quanto dos indivíduos, em geral, que são os autores, atores e toda a equipe técnica, em consonância com o público que os prestigia.

Nuñez9 destaca que o teatro grego foi a mais genial das invenções estéticas do espírito humano, certamente a mais arrojada e impactante proposta no complexo conjunto da cultura letrada do Ocidente, e que, de fato, pode-se considerar que a descendência dramatúrgica origina-se da “invasão do teatro pelos gregos”.

Conforme a autora, o teatro sempre esteve presente no contexto das representações religiosas desde as mais antigas civilizações, tanto ocidentais quanto orientais.

Na Índia, desde o século XVI a.C., atribui-se a paternidade do teatro litúrgico a Brama. O budismo institui na China antiga um verdadeiro teatro religioso. O Egito realizava um teatro que tinha como tema central a ressurreição de Osíris e a morte de Hórus. Nos tempos pré-helênicos, os cretenses já celebravam seus mitos em teatros, de que as escavações posteriores de Knossos dão provas, remontando ao século XIX a.C. (NUÑEZ, 1994).

Já o teatro grego apresenta-se como uma experiência estética original, de caráter artístico, constituindo-se em uma invenção oriunda de uma circunstância específica da história grega ligada às condições psicológicas e às vivências exclusivas da polis grega, decorrente da mentalidade do povo grego. Para Nuñez (1994), o teatro grego é contemporâneo da cidade e do seu sistema legal.

A cidade coloca-se no palco e representa a si mesma, donde se explicam as reações do público, sua violência e mesmo sua recusa em ouvir uma tragédia que toque muito de perto os espectadores. Principalmente a tragédia, que penetrou no calendário cívico da cidade com cinqüenta anos de antecedência em relação à comedia, põe em questão as contradições internas do recém-instaurado regime democrático, as imprecisões de um mundo regido por deuses que disputam em poder com a vontade racional, revelando que o verdadeiro tema da tragédia é o

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8 Grécia Antiga é o termo denominado para descrever, em seu período clássico antigo, o mundo grego e áreas

próximas como França, Sul da Itália, Anatólia, Costa do Mar Egeu e Chipre, não existindo uma data fixa ou sequer um consenso que consiga definir um período que marque o início ou o fim da Grécia Antiga. Alguns escritores incluem o período minóico e o período micênico (entre 1.600 a.C. a 1100 a.C.) dentro da Grécia Antiga. Tradicionalmente, a Grécia Antiga abrange desde os primeiros Jogos Olímpicos, em 776 A.C., sendo que alguns historiadores estendem o começo para 1.000 a.C., até a morte de Alexandre, O Grande, em 323 a.C.

(DURAND, [s/d])

9 NUÑEZ, Carlinda Fragale Patê. O teatro grego. In: ______ et al (org.). O teatro através da história. v.1. Centro

Cultural Banco do Brasil. Rio de Janeiro: Entourage produções artísticas, 1994, p 17-19.

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pensamento social e, mais especificamente, o pensamento jurídico, em seu processo mesmo de elaboração.

A tragédia coloca os problemas da lei e a questão do que seja a justiça. Legislando- se e testando o aparato legal da polis, a tragédia presta seu serviço a ela, fazendo- se laboratório de ensaio e espelho onde a Cidade se vê e pode se questionar, dentro da maior legitimidade (NUÑEZ, 1994, p. 22-23).

Até o início do século V a.C., historicamente há um teatro litúrgico inclusive na própria Grécia. Este teatro era praticado na Hélade como principal elemento da religião dos mistérios, da crença esotérica na imortalidade da alma e na existência de uma vida pós-tumular. Ligava-se ao culto de Perséfone, a filha de Deméter, que foi raptada pelo deus infernal, Hades, deixando sua mãe em desespero total. Para que reinasse o equilíbrio entre o céu e terra, a mãe e o raptor negociaram que a jovem ficaria seis meses nas profundezas do inferno, ao lado de seu marido, Hades, e os outros seis meses em companhia de sua mãe. O primeiro período corresponde ao outono/inverno e o segundo, respectivamente, à primavera/verão – representando o eterno retorno e a nova partida (NUÑEZ, 1994).

Esse enredo mítico era celebrado anualmente como o “drama do retorno”, dividido em três partes: o rapto de Perséfone, a paixão de Deméter e o retorno de Perséfone. Realizado em locais de culto por iniciados e postulantes, e em consonância com o que determinavam os rituais mistéricos e seus sacerdotes, tratava-se de dramaturgia eminentemente religiosa (NUÑEZ, 1994).

É então que surge, no século V a.C., o teatro como uma expressão artística e com uma estética própria.

O teatro surge como novidade artística, na Grécia do século V a.C., trazendo normas estéticas, temas e convenções próprias. Este teatro nasce como subproduto do mais agônico conflito vivido pela nação grega como um todo, tirada da relativa paz doméstica em que viviam as cidades gregas, para enfrentar a ameaça da dominação persa (NUÑEZ, 1994, p.19).

A guerra greco-persa, em 490 a.C., significou para o povo grego uma grande ameaça à soberania nacional, à organização cultural estabelecida desde os tempos homéricos. O confronto com os exércitos persas implicava ameaça à configuração religiosa grega, e conseqüentemente o desmoronamento do panteão dos olímpicos e o poderio imemorial dos octonianos, perigo de orientalização dos costumes e de perda do seu instrumento privilegiado de organização mental, a língua grega.

Com a vitória dos gregos em 476 a.C., é estabelecida a soberania militar sobre os persas, fortalecido e incrementado o regime democrático, assim como a

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prática judiciária e forense, com a ampliação, detalhamento e especificação das leis de Sólon (elaboração dos códigos jurídicos e de uma amplíssima jurisprudência). O século V é também o palco de pessoas notáveis como Sócrates, Péricles, Parmênides, Anaxágoras, Fídias, Ésquilo, Sófocles, Eurípides, Aristófanes, Platão e, acima de tudo, do teatro. O teatro é um indicativo do contexto histórico do século V, da mesma forma que o contexto social daquele momento pode ser evidenciado através das peças que foram produzidas.

Conforme Nuñez (1994), o apogeu do teatro grego tem seu marco no século V a.C e está intimamente vinculado ao pós-guerra e a vitória grega que dá impulso às novas manifestações e reflexões culturais. Com a vitória dos gregos aflora uma consciência trágica, produto do encontro dos combates gregos com os deuses, com seu próprio destino e com o destino coletivo da nação. Assim, a tragédia surge no século V a.C, substituindo as festas sagradas ao deus Dioniso que aconteciam na Ática, que Feist10 e Berthold11 descrevem como os ritos dionisíacos que se desenvolveram até se transformarem na tragédia e posteriormente na comédia, que chegou até nos.

É interessante observar, entretanto, que foi o culto a Dioniso, dois séculos antes, que estabeleceu o germe do teatro ocidental. Conforme afirma Feist (2005), a veneração ao deus Dioniso12, deus do vinho e da fertilidade, originou o teatro.

Segundo a autora, por volta do século VII a.C., um hino chamado “ditirambo” passou a ser utilizado nas longas cerimônias em sua homenagem. Inicialmente, seus devotos improvisavam histórias e, posteriormente, os coreutas passaram a se dividir em dois coros que dialogavam entre si, até o aparecimento do corifeu, coreta que se destacava e assumia o comando do diálogo13.

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10 FEIST, Hildegard. Pequena viagem pelo mundo do teatro. São Paulo: Moderna, 2005.

11 BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.

12 Dioniso era o deus do vinho, da vegetação e do crescimento, da procriação e da vida exuberante. Seu séquito era formado por Sileno, sátiros e bacantes.

13 Berthold (2005) acredita que Arion seja o precursor do drama grego. Ele viveu entre o final do século VII e início do VI a.C. na corte do tirano Periandro, em Corinto, cidade reconhecida por Píndaro como o berço dos ditirambos. Para os cultos à vegetação da população rural, Arion organiza bodes dançarinos dos coros de sátiros para o acompanhamento de seus ditirambos, já quase como um drama grego. Assim, ele introduz uma forma de arte que conjuga a poesia com o canto e a dança, e que, duas gerações mais tarde, transforma-se na tragédia em Atenas.

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Desde a Grécia homérica, tal ritual estava presente nos sagrados festivais báquicos14, menádicos15, em homenagem a Dioniso. Dedicados a ele, havia os festivais rurais em dezembro, em virtude da prensagem do vinho, e em fevereiro e março aconteciam as festas de Atenas, nas orgias dos vinháticos atenienses através das vozes alternadas dos ditirambos e das canções báquicas atenienses. A partir do século VI a.C., na grande Dionisa Citadina, a cidade de Atenas consagrava Dioniso com apresentações dramáticas que duravam vários dias (BERTHOLD, 2005).

Contudo, conforme explica Feist (2005), é somente no século V, durante uma celebração, que um corifeu chamado Téspis declara: “Eu sou Dioniso”. Ao representar o próprio deus, ele acaba por inventar o teatro. Assim, Téspis viaja por toda a Grécia em sua carroça cheia de trajes e máscaras.16 Nessa época as peças eram trágicas e giravam em torno do deus Dioniso. Novos autores trágicos surgem, e se tem o conflito vivido por heróis e heroínas no plano humano. Conflito, sofrimento e morte são a própria essência da tragédia e ocorrem porque a personagem central desafia a ordem imposta pelos deuses.17

1.2 O Teatro e a Polis

O exposto acima permite perceber a imbricação existente entre o teatro e a _______________________________________________

14 Relativo a Baco ou Dioniso, deus do vinho (HOUISS, p. 398).

15 Relativo a mênade, ninfa campestre que participava das festas de Baco, bacante (Ibidem, p. 1891).

16 Em março de 534 a.C., Psístrato (um sagaz tirano de Atenas que promoveu o comércio e as artes e fundador das Panatenéias e das Grandes Dionisíacas, esforçando-se para dar esplendor a essas festividades públicas) trouxe para Atenas o ator Téspis de Içaria, para participar da Grande Dionisíaca. Téspis teve uma idéia que faria história: ele se colocou à parte do coro como solista, criando assim o papel do hypokrites ("respondedor" e mais tarde, ator), inovação que posteriormente se desenvolveria na tragédia, etimologicamente, tragos ("bode") e ode ("canto"). Foi ainda Téspis quem introduziu o uso de máscara, em vez das faces pintadas, até então em uso, possibilitando não somente a melhor caracterização das figuras como a rápida mudança dos caracteres.

Recebeu censuras e condenações, principalmente de Sólon, por pretender personificar deuses e reis. Mais tarde, no ano 534 a.C., ao ser instituído por Psístrato o concurso para a representação de tragédias em Atenas, foi de Téspis a primeira vitória, entretanto, não restou nenhuma de suas criações (BERTHOLD, 2005).

17 Ésquilo o primeiro grande tragediólogo grego, é considerado o pai da tragédia por ter desenvolvido a invenção de Téspis como texto e espetáculo. Todos os intérpretes, ator e coreutas usavam coturno (sapatos de sola alta, tipo plataforma) e máscara de tecido, cortiça ou madeira. Essas máscaras tinham expressões fixas como alegria, tristeza, raiva, espanto e outras. Conforme o estado de espírito do personagem, ator e coreutas trocavam de máscara na frente do público. Os teatros gregos eram enormes, com capacidade para milhares de espectadores, e as aberturas nas bocas das máscaras funcionavam como amplificadores das vozes dos intérpretes (FEIST, 2005).

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cidade na Grécia Antiga, e sob esse aspecto são importantes as concepções de Hauser18, que apontam para o encontro da arte com as questões políticas. O autor destaca a tragédia como importante instrumento de propaganda política e a idéia de que a aparente incompatibilidade entre o liberalismo e individualismo da democracia grega e a severidade do estilo clássico constitui a grande questão sociológica que a arte clássica grega apresenta.

Para Hauser (1982) a tragédia é a criação artística que mais caracteriza a democracia ateniense, pois é ela que revela claramente os conflitos internos da estrutura social do momento. A tragédia era colocada para massas de maneira democrática, mas seu conteúdo era aristocrático ao apresentar as sagas heróicas a partir do ponto de vista trágico-heróico. As crenças que orientavam o teatro oficial eram menos populares do que o seu público, que não influenciava em nada na seleção das peças e nas premiações. As peças eram escolhidas pelos cidadãos ricos responsáveis pelos gastos das apresentações (as contribuições especiais). As premiações eram feitas pelos juízes, que eram os representantes executivos do conselho da ordem pública.

Essa nova forma de diversão expressa pela tragédia exigia um local apropriado, e logo todas as cidades gregas tinham cada qual o seu próprio teatro, escavado nas rochas de uma colina próxima. Os espectadores sentavam-se em bancos de madeira de frente para um grande círculo (a atual platéia). Nesse meio- círculo, que era o palco, ficavam os atores e o coro. Atrás deles havia uma tenda onde se maquiavam com grandes máscaras de argila. Segundo Van Loon19, em grego a palavra tenda significa skene, ou seja, o cenário que há sobre o palco.

Parece importante compreender também que com o teatro a cidade tinha nas mãos um valioso instrumento de propaganda, de si própria e da ideologia política dominante. Através dos festivais de teatro os autores trágicos eram dirigidos, eram representantes e fornecedores diretos do Estado. Assim, o Estado participava como grande financiador das peças apresentadas que estivessem exclusivamente a favor de sua política e das classes dominantes: “o contraste entre o Estado-clã e o Estado popular” (HAUSER, 1982, p.126). Este fato revela o quanto às tragédias eram _______________________________________________

18 HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982.

19VAN LOON, Hendrik Willem. A história da Humanidade: a história clássica de todas as eras para todas as eras. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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tendenciosas ao tratarem da política do momento visando às questões relacionadas aos problemas direta ou indiretamente ligadas ao Estado.

Já Gazolla20 percebe a tragédia grega como instrumento de reflexão do povo grego, diferentemente de Hauser, que a vê como veículo de manipulação. A autora percebe a tragédia, fenômeno teatral resultante de uma Grécia democrática, como auxílio à conscientização do cidadão. A Grécia antiga, aquela das tragédias, não é medieval, não é cartesiana, é profundamente mítica e claramente ético-política”.

Quando se aborda a relação teatro e cidade, a tendência é ressaltar a antiguidade clássica, a polis grega e o teatro trágico do período clássico grego conhecido a partir do século V a.C.. Entretanto, segundo Gazolla (2004), há um período anterior, denominado Arcaico, que prestigiou a Humanidade com a poesia épica, lírica e os primeiros textos trágicos e filosóficos. Esta época está distanciada por séculos do Império Ateniense, tão conhecido por suas tragédias. De fato, os valores ligados às primeiras fratrias e póleis dos séculos VII e VI a.C. ficam muito mais distantes do indivíduo contemporâneo do que a polis clássica do século V com suas leis e conquistas. Nessa polis clássica tão aclamada se encontra a tragédia, tratada como evento cívico; sendo assim, é uma instituição criada pela própria cidade, e como tal tem regras a serem seguidas e metas a serem alcançadas. É fato que, no final do século VI, por volta de 530 a.C., surgem as primeiras tragédias, mas o germe se encontra no século VII a.C., com o fim das fratrias e a consolidação das cidades e das novas formações políticas.

Os sentimentos cívico e mítico-religioso, inerentes às primeiras cidades gregas, propiciaram o desenvolvimento da tragédia, traçando sua fundamental característica de drama histórico e universal, algo de “a-histórico”. A tragédia é então uma instituição cívica, que nasce da cidade e da raça grega, que resguarda conflitos vividos pelos cidadãos gregos do século VI e V a.C., ao revelar experiências obtidas por essa sociedade. A tragédia é de fato tribunal coletivo, ritual pedagógico e encenação de uma saga heróica, que toca o indivíduo e revela seus mais profundos impulsos, sentimentos e decisões (GAZOLLA, 2004).

Assim, pode-se inferir que tanto o teatro quanto a manifestação teatral estiveram associadas às expressões citadinas e à vida política das cidades. Seu _______________________________________________

20 GAZOLLA, Rachel. Tragédia grega: a cidade faz teatro. In: BORNHEIM, Gerd et al. CARVALHO, Sérgio de (org.). O teatro e a cidade: lições de história do teatro. São Paulo: SMC, 2004, p. 34.

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surgimento e apogeu vão estar vinculados à vida em sociedade e suas expressões coletivas, políticas, culturais e econômicas. Embora se tornando mais complexo e sendo incorporado pelo capitalismo como uma mercadoria, o teatro parece ter guardado, ao longo da história, nítida relação com o desenvolvimento urbano e suas manifestações culturais. De espaço de manifestações políticas da antiga polis, o teatro passa no mundo moderno a expressar valores urbanos que não estão mais vinculados aos espaços públicos e suas atividades. O teatro parece continuar manifestando formas de ser das sociedades urbanas, que incluem ideologias, propagandas e entretenimentos. Na atualidade, cada cidade parece irradiar, através das suas expressões culturais, suas especificidades políticas e econômicas.

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2 O TEATRO BRASILEIRO

2.1 As Primeiras Manifestações Cênicas

Segundo Corrêa21 (1994), pode-se considerar como a primeira manifestação cênica brasileira a realização da primeira missa no Brasil, quando se conjuga o texto em latim clássico e uma platéia constituída da “oficialidade e marujada”, exibindo os mais “domingueiros trajes”, cercada pelos habitantes dos arredores, os silvícolas.

No dia 26 de abril de 1500, alguns dos nativos que habitavam a costa, na enseada chamada Porto Seguro, assistiam à primeira missa rezada naquele solo, pisado, poucos dias antes, pelos ´descobridores` portugueses. No mesmo momento, estavam sendo apresentados ao teatro. Aquele ritual litúrgico nada mais era do que um espetáculo, cujo ator principal, o capelão da frota, frei Henrique, tinha como coadjuvante o sacristão e os demais sacerdotes, todos devidamente paramentados.

O cenário, uma natureza ainda preservada, magnífica. O palco, um pequeno altar, onde sobressaía, formada por dois grossos troncos de árvore, uma enorme cruz. Era a entronização do símbolo que fora escolhido para nomear a ilha-terra recém-´descoberta` acompanhando-se dos adjetivos que a designavam em sua veracidade ou santidade (CORRÊA, 1994, p. 21).

O escrivão da frota descreveria: “Depois de acabada a missa, sentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina e começaram a dançar e saltar um pedaço" (CORRÊA, p.22). Do ponto de vista da autora, a partir dessa manifestação religiosa revelar-se-iam características que o teatro brasileiro desenvolveria, fixando-se as bases de um teatro mestiço brasileiro. Contudo para definir sua verdadeira identidade, o teatro necessitaria de muito mais tempo. O fato é que, desde seus primórdios a manifestação cênica no Brasil, o teatro, traduzir-se-ia como um importante aliado no processo de conversão religiosa e destacaria a

“participação do elemento indígena”, apesar de ser uma criação do colonizador recém-chegado.

Magaldi22 também vem afirmar que as primeiras manifestações teatrais no Brasil partiram do centro colonizador, com o objetivo de civilizar os nativos e os portugueses que aqui viviam. O padre jesuíta José de Anchieta foi quem escreveu e _______________________________________________

21 CORRÊA, Rosita Silveirinha Paneiro. O teatro colonial brasileiro. In: NUÑEZ C. F. et al (org.) O teatro através da História, v. 2. Centro Cultural Banco do Brasil - Rio de Janeiro: Entourage produções artísticas, 1994.

22 MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. São Paulo: Global editora, 2004.

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representou os primeiros autos no Brasil. Anchieta acreditava na encenação como instrumento para a consolidação da catequese, e da sua tentativa de atrair os índios para a crença cristã, ele acabaria propiciando uma manifestação cênica com um caráter brasileiro, que não seguia os padrões europeus: “selo de brasilidade em sua estrutura tosca e primitiva” (p.13).

Magaldi (2004) acredita que as peculiaridades do processo colonizador brasileiro fizeram surgir no país um teatro a partir das festividades religiosas. Ele diz que, no caso da Grécia, embora a origem fosse de outro caráter, a partir do culto dionisíaco, posteriormente tal manifestação levou ao apogeu da tragédia e da comédia. Para o autor, não se pode afirmar que no Brasil os autos jesuíticos tiveram tamanha descendência; entretanto, ao lado de seu valor histórico, acredita-se que eles nos presentearam com uma possibilidade promissora igual à do teatro em todo o mundo.

Nesse processo colonizador, conforme já assinalado, o jesuíta Jose de Anchieta foi um verdadeiro soldado, que, fazendo do ensino sua arma principal e da língua tupi seu instrumento mais poderoso, entrou em contato com os indígenas, absorvendo seus usos, costumes e idioma, o que lhe possibilitou escrever uma gramática em tupi e redigir o Diálogo da fé ou Doutrina cristã, com várias instruções para preparar os índios ao batismo e a uma vida em obediência aos dogmas cristãos.

Anchieta tinha dezenove anos quando chegou ao Brasil junto com a comitiva do segundo governador-geral, Duarte da Costa, em 1553, e, segundo Corrêa (1994), foi o contato com os rituais dramáticos indígenas e suas demonstrações rítmicas de música e dança que revelou aos jesuítas a força que o teatro teria na conversão dos indígenas. Deve-se destacar que o teatro exclusivamente como divertimento já havia sido introduzido no Brasil pelos primeiros colonos, através dos “autos” trazidos de Portugal, que eram apresentados nas igrejas, como o Auto de Santiago (Bahia - 1564), provavelmente a primeira peça representada no Brasil. Entretanto, foi Anchieta quem introduziu um teatro jesuítico e catequético, onde as tendências negativas apresentadas seriam perdoadas, exceto a não-aceitação da palavra de Deus, que levaria ao padecimento no Inferno, onde se sofreria de fome, sede, dor e queimaduras, males concretamente reconhecíveis pelos índios. Os jesuítas usaram o teatro como elo entre a proposta racional pedagógica e as fantasias humanas, criadas de acordo com o mundo em que se vive.

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Segundo Corrêa (1994), Anchieta repetia um esquema de representação que constava de uma introdução ou um ato inicial de cunho lírico, tinha a parte central dialogada, que poderia ter até dois atos seguidos, e dois atos com a despedida acompanhada de músicas, cantos e danças (indígenas, portuguesas e espanholas).

O cotidiano indígena era apresentado com sua flora e sua fauna, junto com referências aos dogmas sagrados. As representações aconteciam em diferentes lugares, dependendo dos acontecimentos. Eram usados os pátios dos colégios, as praças públicas, as aldeias e, muitas vezes, em função das condições climáticas, os padres permitiam encenações dentro das igrejas. Os recursos eram mínimos e simples. Para imitar o vento, havia um índio que enchia as bochechas e soprava fortemente, com a cabeça para fora dos bastidores, enquanto outros, que imitavam diabos, rolavam no tablado. Também construíam alçapões para os demônios (interpretados pelos índios) aparecerem ou sumirem.

No que se refere à platéia, além do indígena, o alvo principal, havia o branco de todas as origens. Assim, a aparente harmonia só seria possível num espaço de ficção, que mascararia a nítida existência de um choque cultural. Desse modo, José Anchieta foi um jesuíta que consolidou a representação catequética doutrinária no Brasil, "inserido no seu tempo, com tudo que isso pode significar. Mas, ainda que um teatrólogo incipiente, qualquer objetivo detectado em seu teatro não poderá esconder seu valor e seu mérito" (CORRÊA, 1994, p. 31).

Prado23 destaca que foi o padre jesuíta José de Anchieta (1534-1597) o primeiro a escrever peças teatrais com certa regularidade nas últimas três décadas do século XVI. As peças eram em versos de ritmo popular e não havia a intenção de transformá-las em “arte teatral”, pois eram utilizadas durante os sermões dramatizados. Tratava-se de peças desprovidas tanto de unidade artística quanto da língua, pois na mesma cena Anchieta chegava a usar os três idiomas que conhecia:

o espanhol, pois nascera nas ilhas Canárias, o português, que estudara na Faculdade de Coimbra, e o tupi, que era a língua geral dos índios da costa brasileira e da qual foi o primeiro gramático. Segundo Prado (2003), de toda a produção de

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23 PRADO, Décio Almeida. História concisa do teatro brasileiro 1570-1908. São Paulo: Edusp, 2003.

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Anchieta, apenas oito dos seus textos dramáticos são conhecidos, por terem sido enviados a Roma para instruir o processo de beatificação de seu autor.24

Prado (2003) lembra ainda que os motivos para as encenações dramáticas eram simples, das recepções festivas de uma relíquia religiosa à celebração do santo padroeiro da aldeia. A representação apresentava cantos e danças de que os indígenas, principalmente os meninos, participavam alegremente; todavia, a construção do espetáculo constituía-se de elementos que remetiam à maneira do teatro medieval, com a presença desde homens até anjos e demônios. Os demônios eram humanizados em chefes indígenas adversários dos jesuítas nas lutas locais contra os huguenotes franceses, havendo ainda as figuras alegóricas do Temor e Amor de Deus, sendo todo esse contexto transferido para o plano material.

Para Prado (2003), não houve crescimento dramático no século XVII, e ele aponta dois pontos importantes: os espetáculos coloniais eram de baixa qualidade e seu público também; além disso, os elencos eram freqüentemente formados por mulatos, definindo uma especialização profissional que tinha relação com o descrédito da profissão de ator, atraente apenas para as classes mais pobres.

Assim, o século XVII parece ter sido caracterizado pelo empobrecimento da vida cultural que se iniciara no século anterior, devido à ocorrência de lutas internas e externas. Essas lutas a princípio, contra os franceses no Maranhão; a seguir, contra os holandeses na Bahia e em Pernambuco; posteriormente, entre colonos e jesuítas em São Paulo. Finalmente ocorreu a revolta de Manuel Beckman, que, em 1686, expulsou os jesuítas do Maranhão. Esses acontecimentos desestimularam o teatro, apesar de os jesuítas continuarem a fazer composições dramáticas nos moldes costumeiros, embora desenvolvendo a atividade teatral timidamente, para não gerar atritos com Roma, que repreendia os excessos e combatia degenerações.

Desse modo, as cerimônias religiosas afastaram-se progressivamente das atividades lúdicas; entretanto surgiriam diferentes jogos e diversões populares, como os festejos do bumba-meu-boi (CORRÊA, 1994).

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24 Embora o teatro brasileiro como atividade contínua tenha se iniciado somente com a Independência, desde os primeiros séculos aconteciam manifestações cênicas isoladas e esporádicas, mas insuficientes para afirmar a existência de um verdadeiro teatro. Afrânio Coutinho (1986) ressalta que a tradição teatral jesuítica no Brasil jamais passou de uma importação européia mal assimilada, assim como, em três séculos de colônia, quase nada restou a não ser os nomes de meia dúzia de escritores secundários e algumas referências sem maiores detalhes das representações ocasionais de alguns mestres europeus como Metastásio, Calderón ou Molière (COUTINHO, 1986).

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O teatro no século XVII confunde-se com as festividades públicas, concorrendo com os bailes e as cavalhadas, eventos mais refinados. Entretanto, no século XVIII, a partir de 1770, sabe-se da tentativa de fixação de companhias, como a “Casa da Ópera” do Rio de Janeiro, sob a direção do padre Ventura (1767 -1769), a qual se conhece através das descrições feitas pelos viajantes europeus da época, segundo os quais o público era heterogêneo, os atores negros ou mulatos, com pouca habilidade artística, e as representações bastante rústicas. Contudo, o teatro, nessa época, não poderia ser uma atividade muito prestigiada, visto que a população brasileira era constituída de senhores e escravos, em que os atores surgiam das camadas menos privilegiadas da sociedade, sendo conhecidos por apelidos populares como “Lapinha” ou “Capacho” (COUTINHO, 1986).

Entretanto, Coutinho (1986) chama a atenção para a dramaturgia de dois autores brasileiros, fato que ele considera como mero acidente geográfico.

Possuímos, é verdade, a obra de dois autores, nascidos no Brasil, que conseguiram atravessar os séculos chegando até nós: a de Botelho de Oliveira e a de Antonio José, o Judeu. Mas, por infelicidade nossa, a primeira pertence ao teatro espanhol, inclusive pela língua em que foi escrita, e a segunda ao português, onde o escritor se formou e onde adquiriu as suas qualidades (COUTINHO, 1986, p.11).

O crescimento do teatro brasileiro vai ocorrer ao longo do século XVIII, quando a atividade teatral decola timidamente em algumas regiões litorâneas que possuíam importantes portos e nas capitanias do interior produtoras de ouro e pedras preciosas. Assim, o teatro inicialmente acontece em Salvador, a sede do Vice-Reinado na Bahia; a seguir, desloca-se para o Rio de Janeiro, devido ao seu crescimento político e econômico, e no interior existe apenas nas cidades das capitanias de Minas Gerais e Mato Grosso (PRADO, 2003).

Durante o Brasil Colonial, a Igreja católica exerceu papel relevante sobre o incipiente teatro brasileiro, onde as festividades e a religiosidade se mesclavam, propiciando uma demarcação imprecisa das fronteiras entre o sagrado e o profano.

Assim, o teatro colonial brasileiro durante esses três séculos de domínio português oscilou entre três sustentáculos: o ouro, o governo e a Igreja Católica (PRADO, 2003).

Uma religiosidade difusa e mal compreendida infiltrava-se de resto em todas as atividades sociais da Colônia, esbatendo, como em Portugal, as fronteiras entre o sagrado e o profano. Um viajante francês, que passou pela Bahia em 1717-1718, deixou consignado o seu espanto perante o que presenciou numa festividade

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religiosa, durante a qual ‘maus atores’ representaram uma ‘comédia medíocre’

espanhola. Dentro e fora da igreja dançavam, ‘misturados’, padres, freiras, monges cavalheiros e escravos’, sem contar o Vice-Rei e ‘mulheres de vida fácil’, o que arrancou do visitante um comentário ácido: “só faltavam bacantes nessa festa”

(PRADO, 2003, p.21-22).

Já Heliodora25, ao escrever o capítulo “O teatro no Brasil: de Anchieta a Vestido de Noiva”, reconhece que a dramaturgia brasileira apenas refletiu o percurso do desenvolvimento da cultura brasileira. Ela destaca que quando Anchieta escreveu seus primeiros autos, a Espanha já tinha Lope da Vega e a Inglaterra seu Shakespeare.

Na verdade, todos os textos encenados em nossos palcos correspondiam, com precisão, aos fatos ocorridos aqui desde os tempos do teatro jesuíta de catequese, totalmente dedicado à imposição do universo colonizador e que, para isso, valia-se de idênticas formas que a Igreja havia empregado na Idade Média (p.76).

A autora lembra que, das diversas artes que floresciam na cultura brasileira, como arquitetura, pintura, música e poesia, o teatro ficava em desvantagem por ser uma expressão artística que necessitava da presença direta do público para acontecer.

Por suas próprias características, o teatro exige concentrações urbanas, nada estimuladas pelo sistema das capitanias hereditárias, que fixaram o melancólico modelo agrícola de muita terra e pouca gente (Ibidem).

Há descrições de diversos espetáculos realizados no século XVIII, durante o vice-reinado, quando o território brasileiro já havia sido bastante explorado e grande parte de suas fronteiras estava delimitada. Entretanto, essas produções não possuíam uma identidade brasileira, pois não passavam de tentativas de imitar o que se fazia na Europa.

É somente com a Independência do país e o surgimento da corrente romântica é que o teatro brasileiro iria adquirir uma consciência nacionalista e compreender sua verdadeira missão. A partir do século XIX, da chegada da família real e a abertura dos portos ao estabelecimento da República, o contínuo crescimento urbano que se desencadeou conduziu conseqüentemente ao crescimento do teatro nacional e definitivamente do teatro carioca.

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25 HELIODORA, Bárbara. O teatro no Brasil: de Anchieta a vestido de noiva. In: KAZ, Leonel et al. Brasil: palco e paixão – um século de teatro. Rio de Janeiro: Aprazível edições, 2004/2005, p. 74-88.

Referências

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