VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO
CONPEDI/BRAGA - PORTUGAL
HERMENÊUTICA JURÍDICA
GRASIELE AUGUSTA FERREIRA NASCIMENTO
JOSÉ ALCEBIADES DE OLIVEIRA JUNIOR
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H553
Hermenêutica Jurídica [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UMinho
Coordenadores: Grasiele Augusta Ferreira Nascimento; Joana Maria Madeira de Aguiar e Silva; José Alcebiades De Oliveira
Junior–Florianópolis: CONPEDI, 2017. Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-493-8
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Tema: Interconstitucionalidade: Democracia e Cidadania de Direitos na Sociedade Mundial - Atualização e Perspectivas
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Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Internacionais. 2. Interpretação. 3. Normas jurídicas.
VII Encontro Internacional do CONPEDI (7. : 2017 : Braga, Portugual).
VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI/BRAGA -
PORTUGAL
HERMENÊUTICA JURÍDICA
Apresentação
O Grupo de Trabalho “Hermenêutica Jurídica” contou com a apresentação de três trabalhos
no VII Encontro Internacional do CONPEDI, propiciando debates e discussões sobre a
temática proposta.
O Encontro, realizado nos dias 7 e 8 de setembro de 2017 na cidade de Braga, Portugal, foi
promovido pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI),
em parceria com a Universidade do Minho (UMinho), através do Centro de Estudos em
Direito da União Europeia (CEDU).
Esperamos que a presente obra propicie ao leitor importantes reflexões sobre os temas
abordados.
Boa leitura!
Profa. Dra. Grasiele Augusta Ferreira Nascimento - Centro Universitário Salesiano de São
Paulo (UNISAL)/Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Prof. Dr. José Alcebiades De Oliveira Junio - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Profa. Dra. Joana Maria Madeira de Aguiar e Silva- Escola de Direito da Universidade do
Minho
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Revista CONPEDI Law Review, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
1 Doutoranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória-ES (FDV). Mestre em
Sociologia Política pela Universidade de Vila Velha-ES (UVV-ES). Advogada e procuradora municipal.
1
CONSTITUCIONALISMO POPULAR E FENOMENOLOGIA HERMENÊUTICA JURÍDICA – FENOMENOLOGIA COMO MÉTODO PARA SE ALCANÇAR O
FUNDAMENTO DAS DECISÕES JUDICIAIS
POPULAR CONSTITUTIONALISM AND PHENOMENOLOGY LEGAL HERMENEUTICS - PHENOMENOLOGY AS A METHOD TO REACH THE
LEGAL DECISIONS FUNDAMENT
Rosa Elena Krause Berger 1
Resumo
O estudo propõe uma reflexão sobre a teoria do Constitucionalismo Popular de Larry
Kramer, Mark Tushned e Jeremy Waldron, buscando abordar seus argumentos quanto aos
questionamentos a quem é dada a palavra final quanto à interpretação da Constituição.
Também analisará sobre os efeitos da interpretação que é dada pelas Cortes e a não
participação do cidadão nesta tomada de decisão. Após abordará sobre a forma de
interpretação hermenêutica que pode fundamentar as decisões dos Tribunais nos princípios
democráticos e na efetivação dos direitos fundamentais sem retirar a autonomia de decisão do
Judiciário fazendo uso da fenomenologia.
Palavras-chave: Constitucionalismo, Popular, Fenomenologia, Hermenêutica, Direito
Abstract/Resumen/Résumé
This work proposes a reflection about the Popular Constitutionalism theory by Larry Kramer,
Mark Tushnet and Jeremy Waldron bringing up the questionings about who is given the final
word according to the Constitution interpretation. Is also going to assay the effects of the
interpretation of the Court and the lack of participation of the citizen and Law interpretation.
It is going to present about the hermeneutics interpretation that may justify the decisions of
the Courts on the democratic principles, and on the effectiveness of the fundamental rights
without taking of the decision autonomy of the Judiciary using the Phenomenology.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Constitutionalism, Popular, Phenomenology, Hermeneutics, Law
INTRODUÇÃO
Na passagem do século XX para o XXI aparecem os debates sobre o Constitucionalismo
Popular, principalmente nos Estados Unidos, e se fundamenta em torno da ideia de que o melhor
arranjo constitucional demanda interpretação política ou popular da Constituição e não jurídica
ou legal.
A apresentação dos debates busca conciliar a interpretação constitucional com o sistema
democrático de tomada de decisões e desafiam paradigmas tradicionais da teoria constitucional
estadunidense.
Mesmo havendo uma ideia dominante que o melhor intérprete são as pessoas com
conhecimento, especialistas, juristas, nasce naquele país a teoria do Constitucionalismo Popular
apresentadas por Larry Kramer, Mark Tushned e Jeremy Waldron.
Os autores possuem fundamentos diversos, desde historiográficos, até filosóficos, contudo, a
conclusão basicamente será a mesma: de modo mais ou menos radical, a revisão judicial será
tida como um elemento negativo no sistema de interpretação constitucional e algo a ser
combatido.
Para tanto, apresenta-se na primeira parte do trabalho, os estudos dos autores individualmente.
Inicialmente mostrar-se-á os argumentos históricos trazidos por Kramer mostrando que a
história dos Estados Unidos foi construída com base na participação popular. O autor não
formula qualquer teoria, mas critica o atual predomínio da supremacia da revisão judicial. Após,
veio o argumento de Tushned, o qual aflorará ainda mais o debate a favor do
Constitucionalismo Político e irá apresentar a extinção do judicial review. Tushned trabalhará
entre os dois modelos: democracia e judicial review. Por último, os estudos de Waldron que
sustenta as razões que fundamentam o modelo da revisão judicial e o modelo democrático de
tomada de decisões.
Em uma segunda parte do trabalho apresentar-se-á o método denominado fenomenologia de
Edmund Husserl, e analisar-se-á quanto à forma de interpretação que os Tribunais estão dando
questões complexas hoje presentes em uma sociedade plural e, se uso de uma nova metodologia
de interpretação pode fundamentar as decisões dos Tribunais sem que haja perca da autonomia
das decisões exaradas pelos Tribunais.
A pergunta que o presente estudo busca responder: de fato, devemos abolir o judicial review,
onde os juízes são tidos como os guardiões da Constituição? Isto seria possível? Seria, de fato,
o melhor caminho?
Para o desenvolvimento do presente trabalho foram utilizadas pesquisas doutrinárias e análise
do julgamento do Supremo Tribunal Federal HC 82424 que permitiram alcançar uma
compreensão melhor sobre o tema e a evidenciar o uso de novas formas de interpretação a
destacar o uso da fenomenologia.
1.
CONSTITUCIONALISMO POPULAR DE KRAMER
Os estudos de Kramer consistem em demonstrar que o constitucionalismo popular americano
predominou na experiência das colônias e prevaleceu na fundação do constitucionalismo.
A obra de The People Tremselves (2004)1, demonstra a sensibilidade antipopular no
pensamento contemporâneo, e por outro haveria uma experiência perdida na história onde o
povo foi titular da última palavra. Devido a isto, o constitucionalismo popular não implica
propriamente uma teoria, mas um fenômeno histórico, desconhecido da contemporaneidade.
Kramer debate o sentido tradicionalmente atribuído à fundação constitucional e ao federalismo
de Madison e de Hamilton (período estendido até a quarta década do século XIX), onde o
próprio povo teria interpretado o texto constitucional através de suas mobilizações, eleições e
inclusive, na participação nos júris, enquanto à interpretação judicial teria sido reservado a um
papel coadjuvante.
Por isso a história da gênese do judicial review está atrelada a uma disputa entre partidos, entre
federalistas e democratas-republicanos, após o advento da Revolução Francesa, do rompimento
de Madison com os federalistas e de sua aproximação a Thomas Jefferson (democrata e
defensor do radicalismo da Revolução).
Kramer conclui em sua obra que o poder popular poderá conviver com a interpretação
constitucional desenvolvida pelos demais poderes – desde que esses (poderes) não interfiram
em sua palavra final.
2.
CONSTITUCIONALISMO POPULAR DE TUSHNET
O argumento do autor é que a revisão judicial simplesmente não seria capaz de garantir os
direitos constitucionais eventualmente postos em perigo (Taking the Constitution Away from
the Courts– 1999).
O autor defende que apenas a mobilização política teria capacidade de resguardar o que
denomina Constituição fina (thin constitution), e este conceito desempenha uma função de
princípios e valores que devem nortear qualquer interpretação constitucional, e outro como
procedimento que se realiza através da democracia.
Por Constituição fina não se entende apenas os artigos, mas os valores mais arraigados da
cultura americana, como os princípios da igualdade, liberdade e liberdade de expressão,
contidos no preâmbulo e na Declaração de Independência.
Tushnet apresenta análises históricas que demonstram a fraqueza do judiciário em períodos de
assédio faccioso e, ainda, como os atores políticos podem protagonizar a interpretação
qualificada da constituição. Portanto, há parâmetros orientadores da interpretação política
firmados através de lutas e de conflitos ao longo da história americana que não podem ser
esquecidos, como a liderança e o legado deixado por Thomas Jefferson e de Abraham Lincoln.
Outro ponto que o autor traz nos seus estudos é que as cortes tenderiam a alinhar-se à colisão
política dominante, sendo raros os momentos em que sua interpretação escaparia ao pensamento
majoritário, e sua interpretação seria quase nula, não compensaria manter um modelo por
termos baseado em situações excepcionais. Portanto, o autor defende a abolição do judicial
Segundo o autor, a força das mudanças não residirá na interpretação jurídica especializada, mas
na organização do próprio povo, interligado através de compromissos e de alianças2.
Tushnet busca entrelaçar valores (princípios firmados) à ideia de autogoverno democrático
(autonomia de a cidadania editar suas próprias leis).
3.
CONSTITUCINALISMO POPULAR DE WALDRON
Waldron não apresenta em seu trabalho a qualidade da interpretação que possa ser dada a
Constituição, mas de um debate sobre os melhores fundamentos que venham a organizar a
estrutura do sistema de tomada de decisões3.
A base de seu argumento é construída no princípio majoritário aplicado ao processo decisório,
somente este, é capaz de tratar os participantes de forma equitativa.
Sustenta o autor que desde que respeitados os pressupostos como o compromisso sobre os
direitos, e o desacordo razoável sobre a justiça, será a assembleia representativa capaz de
absorver as divergências existentes no meio social, e o melhor espaço para a deliberação política
e estabelecimento da decisão final deve se dar nas assembleias representativas.
Waldron analisa a pressão política que pode ocorrer nesse espaço como positiva, sendo um
elemento favorável à garantia dos direitos, e não ao contrário. E da mesma forma, relativiza a
ideia de tirania das maiorias já que a percepção de tirania dependerá exclusivamente do ponto
de vista do participante e poderá ser praticada por qualquer órgão, tanto no legislativo como no
judiciário.
2TUSHNET. Mark. Democracy Versus Judicial Review – Its it Time to Amend The Constitution? Dissent,
v. 52, n. 2, 2005.
4.
O USO DA HERMENEUTICA
–
FENOMENOLOGIA DE EDMUND
HUSSERL COMO MÉTODO PARA A FUNDAMENTAÇÃO DAS
DECISÕES DOS TRIBUNAIS
Como se vê, inicialmente foi apresentado os debates dos principais autores que tratam sobre o
Constitucionalismo Popular.
Os elementos apresentados pelos autores são fundamentais e representam questionamentos a
aspectos tradicionais da cultura norte-americana, mas também nos traz a reflexões da atual
realidade brasileira que é o retrato da realidade norte-americana, qual seja, busca-se no
Judiciário Brasileiro a última palavra e a solução de todos os problemas sociais.
Com base nos fundamentos dos discursos do Constitucionalismo Popular verifica-se o risco
que pode ocorrer quando é retirada a autonomia dos Tribunais quanto à interpretação e
autonomia das decisões, e da mesma forma pode-se ver que há riscos quando a população fica
inerte quando se refere as tomadas de decisões que produzirá efeitos na sociedade.
O Poder Judiciário desempenha, sem sombras de dúvidas, um papel importante nos processos
de concretização constitucional, e da mesma forma o povo deve participar e ter certo controle
na tomada de decisões. Mas, como fazer isto? Como equilibrar o poder dos tribunais e do povo?
Não há uma forma de melhor interpretação e aplicação do direito, através dos tribunais, para a
concretização dos direitos dos cidadãos?
Para responder a estas perguntas analisar-se-á a forma que os tribunais vêm decidindo, e qual
o método de interpretação que pode fundamentar as decisões dos tribunais para uma devida
aplicação do direito que os cidadãos tanto anseiam nas suas demandas.
O uso da fenomenologia é uma forma de interpretar e aplicar o direito de forma contrária que é
realizada hoje, na maioria das decisões. Objetiva-se apresentar novos caminhamos para a
construção de um novo direito quebrando paradigmas que foram até então criados.
A filosofia da consciência se mantem presente e engessa as modificações na metodologia
jurídica e, parece, que quanto mais aumenta a complexibilidade da sociedade, mais se aplica
Não temos a intenção de apresentar um método satisfatório a todas as demandas e nem a
intenção de generalizarmos a noção de hermenêutica, ou até mesmo de propor uma nova teoria
original. Pretende-se aqui suscitar o debate e demonstrar que as decisões dos Tribunais sejam
interpretadas e validadas na forma dos anseios da sociedade, e que a participação popular na
construção da norma já se torna suficiente para que as tomadas de decisões sejam democráticas,
desde que, o método de interpretação empregado seja suficiente para dar fundamento às
decisões judiciais.
Para tanto, no próximo tópico apresenta-se o uso da fenomenologia como interpretação da
norma (ordenamento jurídico) construída dentro dos preceitos democráticos, ou seja, toma-se a
norma construída dentro do Congresso aprovada e sancionada como legítima a produzir efeitos
no mundo jurídico, a qual produzirá um fenômeno a ser analisado através de um processo o
qual vai fundamentar a decisão.
5.
FENOMENOLOGIA COMO FORMA DE INTERPRETAÇÃO
–
FILOSOFIA DE EDMUND HUSSERL E A FENOMENOLOGIA NO
DIREITO
Os debates acerca da fenomenologia nasceram através da obra de Hegel “Fenomenologia do
Espírito” (1807)4, e partir deste marco, o termo “fenomenologia” entra, definitivamente, na
tradição filosófica, porém, não foi com a fenomenologia hegeliana que o pensamento que traz
o nome de fenomenologia iria se perpetuar no século XX.
O verdadeiro iniciador desse movimento foi Edmund Husserl apresentando um novo conteúdo
ao movimento e, de certa forma, podemos afirmar que o movimento fenomenológico consuma
o desgaste da metafísica platônica, esvaindo-se tanto em Hegel, em Kant e, também, com o
positivismo.
Husserl (1859-1938) dedicou seus estudos como uma crítica à psicologia como ciência que
tentava aplicar os métodos das ciências naturais às questões humanas5.
O método fenomenológico desenvolveu-se em um período marcado pela valorização das
concepções modernas do conhecimento, em um tempo de decadência das explicações religiosas
aos fenômenos visíveis. Aparece como crítica ao idealismo (ideia ou consciência como última
instancia de criação da realidade) e ao positivismo que afirmava que a origem do conhecimento
estava vinculada aos sentidos.
Este método fenomenológico vai se voltar ao homem e sua experiência, oriundo tanto de
aspectos racionais quanto irracionais. Seu foco está em avaliar a experiência humana do mundo
no âmbito das coisas como aparecem (fenômeno). Ele abre mão de afirmar uma realidade ou
coisa em si (kantiana) para voltar-se ao homem e sua experiência6.
A fenomenologia descreve o que se dá na consciência. Uma das principais ideias da
fenomenologia é que “toda consciência é consciência de alguma coisa”, como afirmara Husserl.
Objeto e consciência não podem se separar, há uma relação direta entre objeto e consciência.
A consciência funde-se com o objeto e toda consciência é consciência de algo (é da natureza
do ser humano estar com a consciência voltada para alguma coisa em si mesma)7.
Na fenomenologia o objeto é sempre objeto para a consciência, e há uma intensão de captar a
vivencia dos objetos como se apresentam à consciência (o homem empresta às coisas um
significado, que parte da sua própria reflexão, vontade e consciência – o significado que se
atribui às coisas não representa a realidade, mas o sentido que ela tem para o homem). É através
dessa intencionalidade que a mente é direcionada para o objeto a ser desvelado. Portanto,
somente aquele sujeito é que poderá dizer sobre si, o que dado fenômeno representa. É na
fenomenologia que se rompe com o clássico conceito sujeito/objeto8.
A partir das significações capitalizadas na mente exige-se, do cientista, que haja uma suspensão
do juízo, o que se chama de “atitude natural” (suspende-se as atitudes de crenças, valores,
5HUSSERL, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. São Paulo: Ideias & Letras (trabalho original publicado em 1903).
teorias, preconceitos e julgamentos por parte do cientista), para que haja o desocultamento do
objeto, abstraindo, assim, todos os juízos condicionados histórico-social-culturalmente para se
chegar ao fenômeno mesmo (eidos). Ou seja, o objeto, fica suspenso (como congelado) para a
análise científica, chamado de “epoche”9.
Seria, então o primeiro passo do método fenomenológico, a redução eidética, que consiste em
reduzir os fatos às suas essências. Essa redução eidética é a atitude que assumimos em primeiro
lugar, antes de uma atitude naturalizante das ciências positivas que reduzem os fatos a meros
objetos de cálculos e mensurações, tendo como resultado, em última análise, a idealização do
mundo10.
A partir daí e simultaneamente ocorrerá o que é chamado de redução transcendental que
consiste na reflexão sobre as essências ou sentidos dos objetos como referencias dos seus
próprios fundamentos. A essência é algo percebido a partir dos próprios objetos11.
Esta essência será sempre a essência do objeto tal qual se mostra à consciência intencional, e
não uma categoria para o controle da experiência. O objetivo da redução transcendental é
refletir sobre as conexões de essências que revelam os sentidos dos objetos e não sobre as leis
que o regem segundo afirmam as ciências positivas.
A fenomenologia não se interessa imediatamente pelos objetos ou pelos fatos, mas pelos
sentidos que neles são percebidos. Podemos afirmar que a fenomenologia descreve essas
verdades a partir da concepção das essências dos fatos, pois, é nelas que os sentidos se revelam
tais quais são, enquanto nas ciências positivas buscam essas verdades nos fatos.
No direito, é perfeitamente aplicável a fenomenologia, tanto é que o direito sendo um objeto
cultural (criado a partir de preceptivas do espirito), e enquanto objeto, ele representa uma
intencionalidade valorativa pautada na ordem jurídica. É no direito que se proclama todas as
9 HUSSERL, E. Investigações lógicas, sexta investigação (elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento). Seleção e tradução de Zelijko Loparié e Andreia Maria Altino de Campos Loparié. Os pensadores. Vida e Obra de Husserl. São Paulo: Abril Cultural, 1980. P. 8-12
pretensões de justiça. Somente neste ponto já podemos ver uma concepção fenomenológica do
direito, que o vê como um objeto que se mostra na organização dos sistemas jurídicos12.
Portanto, o direito se mostra como fenômeno, e isto se dá na atividade de intencionalidade da
consciência que descreve o ser do direito como uma estrutura de essências ou sentidos que
caracterizam esse objeto.
A fenomenologia não vê o direito apenas como suporte normativo, ou seja, o direito não é
apenas fundamento. Os fundamentos do direito provem das suas essências, dos sentidos, do que
é percebido, que vão caracterizar os seus objetos que serão o resultado da atitude intuitiva da
consciência de sentidos do mundo. O objeto do direito é apenas a referência dos seus sentidos.
Se não dermos conta das essências dos direitos, da melhor interpretação e aplicação de um
método, muito pouco poderá aplicar nos chamados direitos fundamentais garantidos na
Constituição. Muito se falará e será comentado na doutrina, mas na pratica não haverá
efetividade, porque sua aplicação deverá ser vista na sua essência, nos seus sentidos e não como
os positivistas os interpretam. Por exemplo, o que é igualdade tratada na Constituição de 1988
se não tivermos a referência dos seus sentidos ou suas essências que constituem o seu ser, a
partir do qual podemos compreender e evidenciar o direito à igualdade. Se não vermos a sua
essência, apenas será um direito fundamental positivado no ordenamento jurídico, e será um
direito fundamental apenas porque o texto constitucional assim o edita. E assim acontecerá nas
mais diversas modalidades de objetos jurídicos, tanto no universo das garantias fundamentais
quanto no campo das regulações ordinárias.
Cada ordem jurídica, tida como objeto, enquanto um sistema de normas, somente poderá ser
conhecido verdadeiramente e originalmente a partir da percepção das suas essências que
revelam sua invariância. Cada objeto corresponde a essência ou sentido que garantirá o seu
conhecimento com validade necessária e universal. O que fundamenta o objeto é sua essência
e não o texto normativo em si mesmo.
Mesmo que a Constituição deixe de ser a base do ordenamento jurídico, a ideia, a essência, os
sentidos da Constituição, jamais desapareceriam enquanto sobrevivente à aspiração humana de
ordem e de justiça.
Partindo de uma releitura, suspendendo nosso juízo de valor sobre o seu caráter de validade, e
percepção do objeto tal qual (objeto) se manifesta em nossa consciência, como puro fenômeno,
(neste caso, o fenômeno jurídico) se apresentará desvestido de todas as categorias explicativas
sobre ele, voltar “a coisa mesma”– recomeçar tudo de novo – tal qual se manifesta o fenômeno
jurídico.
Desvelando-se o objeto (fenômeno jurídico) tal qual como se manifesta, a partir daí podemos
falar de verdade jurídica, porque essa verdade jurídica encontra-se no próprio objeto, naquilo
que é, e não nas teorias explicativas que idealizam seu ser nas várias (multiplicidades) de
interpretações13.
É este o objetivo do presente estudo. Aplicar a fenomenologia ao direito, buscando uma nova
explicação e interpretação ao fenômeno jurídico tal qual ele é (sua essência). Apresentar uma
nova forma de interpretar e explicar o direito e o processo.
6.
A NORMA JURIDICA COMO FENOMENO
Podemos afirmar que o fenômeno jurídico se manifesta pela norma porque os dispositivos
jurídicos são criados pelos representantes do povo, que aplicados à uma realidade (ligado a uma
conduta humana) gerará um fenômeno, que deverá ser compreendido e interpretado.
As normas ou qualquer texto passa a ser um fenômeno em si mesmos e necessitam da
compreensão do fenômeno textual que sempre nos remeterá a uma situação de vida real, ou
seja, quando lemos um livro, os seus personagens serão criados em nossa mente ao nosso modo
e, da mesma forma, acontece com os dispositivos legais. São vistos como um fenômeno em si
mesmos e compreendidos no seu todo. Melhor, quando se depara com um texto legal e o
interpreta, na verdade está se interpretando a própria conduta humana, e para isso é criado uma
imagem da conduta. Isso quer dizer, que ao ler um texto legal se está diante de um caso
concreto, tido como fato jurídico.
7. PROCESSO COMO FENÔMENO
A forma de compreensão ou a forma que poderá ser visualizado o fenômeno jurídico se dará
através do processo e tendo este, fenomenologicamente, uma dimensão instrumental.
O processo não pode ser visto apenas como uma dimensão instrumental do processo, haveria
uma redução a uma peça que pode mascarar uma realidade e reduzir a figura do juiz a um mero
instrumento ou operário que não adiciona nada a ordem substancial, e que apenas aplicará o
resultado do exercício do poder legislativo. Aplica-se a norma sem qualquer interpretação, sem
analisar a sua essência e os sentidos que serão produzidos o fato a ser analisado.
O processo não se reduz só a prova e aos fatos. O processo é atividade de criação do direito.
Não há como uma norma pronta e acabada ser aplicar ao caso concreto.
O processo é o local onde se construirá a norma de decisão (sentença), e ela será o processo
em si mesmo, visto e compreendido como fenômeno ao caso concreto. Esta compreensão do
caso concreto representa, na verdade, a compreensão do próprio processo. É no processo que o
juiz cria e que as partes têm a oportunidade desvelar essa norma.
Portanto, o juiz é o processo, e a norma de decisão é o processo, e se o processo é algo que deve
ser compreendido em si, o processo não pode ser apenas instrumento. Sendo a norma de decisão
a compreensão do fenômeno jurídico processual, é possível concluir que no processo se produz
direito, e que essa produção é a compreensão de um fenômeno, a que chamamos de direito.
O processo (autos) proporciona o desvelamento do ser direito, e esse novo direito que surge da
compreensão do processo representa uma norma de decisão que só será compreendida porque
um ente correspondente e também integrante dos autos é construído: a sentença. Assim, a
7.
CONCLUSÃO
Passado o jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo foi aberto um caminho, ainda a
ser construído, sobre as reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação.
Em meio a essa evolução do direito, e estando presente no momento político brasileiro surgem
autores que apresentam a teoria do Constitucionalismo Popular e colocam em evidencia o
judicial review pelas Cortes, ou seja, até que ponto as Cortes expressam aos anseios dos
cidadãos.
Os debates dos autores são importantes principalmente quanto ao questionamento da
participação popular nas decisões das Cortes. Mas pensar a Constituição fora das
Cortes/Tribunais não pode significar/sugerir que o papel do Judiciário nos processos de
concretização constitucional não sejam relevantes, mas as decisões devem ser acompanhadas
pelos anseios da sociedade e buscar acima de tudo a efetividade dos direitos constitucionais.
A princípio os tribunais são os autores mais importantes para o funcionamento do sistema
político constitucional. O que se exige é que esses autores tenham um novo olhar sobre o direito,
sua compreensão e sua aplicação não pode ser apenas para dar aplicação ao que foi
construído/editado no Legislativo. Há necessidade que as Cortes façam usos de novos métodos
de interpretação para aplicação do direito ao caso concreto.
A interpretação e aplicação do direito não pode ser feito com base em sujeito/objeto. O direito
se mostra como fenômeno e não pode ser visto apenas como suporte normativo para
fundamentar as decisões. O direito se torna a própria essência do objeto. Se não dermos conta
da essência dos direitos de nada valerá os chamados direitos fundamentais garantidos na
CRFB/88. Muito se falará dos direitos fundamentais, porém, não haverá efetividade por falta
da compreensão da essência dos mesmos.
O fenômeno jurídico manifesta-se pela norma e os dispositivos jurídicos são criados pelos
representantes do povo. Esta norma aplicada a uma realidade gerará um fenômeno que deverá
ser compreendido, interpretado e aplicado à realidade. Mas, de nada adiantará isso, se não
abrir-se a busca constante dos abrir-seus conhecimentos, e ao povo de exercer o abrir-seu principal papel de
cidadão, através do voto, colocando representantes que de fato estejam comprometidos com a
nação e, acima de tudo, o envolvimento do cidadão como participantes ativos de sua
comunidade.
Assim, o uso da fenomenologia torna-se essencial para essa nova postura hermenêutica. A
superação do método literal da interpretação do direito e a busca da essência do texto legal aos
fatos produzidos faz com que seja aplicada a justiça de acordo com os anseios dos cidadãos
aproximando ainda mais justiça e cidadãos com os direitos fundamentais.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Vozes, 1992.
HUSSERL, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica.
São Paulo: Ideias & Letras (trabalho original publicado em 1903).
HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Tradução Artur Morão. Rio de Janeiro: Edições 70, 2000.
p. 14; 27; 29/31; 32/72; 79-80; 87.
HUSSERL, E. Investigações lógicas, sexta investigação (elementos de uma elucidação
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Campos Loparié. Os pensadores. Vida e Obra de Husserl. São Paulo: Abril Cultural, 1980. P. 8-12.
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TUSHNET. Mark. Justice Bremann, equality and majority rule. University of Pennsylvania Law
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