• Nenhum resultado encontrado

O elemento volitivo do dolo está suficientemente espelhado na expressão segundo a qual a arguida atuou de forma deliberada.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "O elemento volitivo do dolo está suficientemente espelhado na expressão segundo a qual a arguida atuou de forma deliberada."

Copied!
22
0
0

Texto

(1)

Tribunal da Relação de Évora Processo nº 12/12.1GASSB.E1 Relator: JOÃO AMARO

Sessão: 06 Outubro 2015 Votação: UNANIMIDADE

DOLO VONTADE ELEMENTO SUBJECTIVO

Sumário

O elemento volitivo do dolo está suficientemente espelhado na expressão segundo a qual a arguida atuou de forma “deliberada”.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum (tribunal singular) nº 12/12.1GASSB, do

Tribunal Judicial de Sesimbra, veio o Ministério Público recorrer da sentença, proferida em 23 de fevereiro de 2015, que absolveu a arguida SCRC da

prática do crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 68º, nºs 1 e 2, al. d), 195º, nº 1, e 197º, nº 1, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.

Apresentou as seguintes (transcritas) conclusões, extraídas da motivação do recurso:

“1 – A acusação pública proferida nos presentes autos não é omissa quanto ao elemento volitivo do dolo do tipo legal do crime imputado à arguida, não sendo omissa a alegação de factos relativos ao elemento subjectivo do tipo legal do crime de usurpação imputado à arguida.

2 – Por conseguinte, a acusação pública proferida nos presentes autos não é nula, por aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo

(2)

Penal.

3 – Na acusação pública proferida nos presentes autos alegou-se o seguinte: “ A arguida bem sabia que não podia executar publicamente as obras fixadas no CD referido sem a autorização dos autores, produtores e intérpretes das obras aí fixadas ou dos seus legítimos representantes, designadamente da Sociedade Portuguesa de Autores. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

4 – Tais factos resultaram integralmente provados nos Pontos 6 e 7 dos Factos Provados da douta sentença recorrida.

5 – O douto tribunal “a quo” acabou por entender que a utilização da expressão “agiu de forma deliberada” não é suficiente para se considerar imputado o elemento volitivo do dolo na acusação.

6 – No entendimento do recorrente, tal expressão – “agiu de forma deliberada”

– constitui a efectiva alegação do elemento volitivo do dolo, imputando assim ao acusado a prática de um facto ilícito a título de dolo directo.

7 – Que outro sentido pode ter tal expressão que não seja o de imputar ao acusado a prática de um crime a título de dolo?

8 – No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2015, no ponto 10.2.3, último parágrafo de tal douto aresto, considerou-se bastante para integrar a alegação do elemento subjectivo do dolo a utilização da fórmula acima

referida e que se encontra plasmada na acusação pública deduzida nos presentes autos, passando-se a citar o trecho de tal Acórdão:

“Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo

diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser-jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstância do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).” – fim de citação.

9 – O julgador deve ter alguma maleabilidade aquando da prolação da decisão final, designadamente, permitindo integrar o elemento subjectivo no âmbito da alegação dos factos descritos na acusação, se tal elemento decorrer de forma implícita mas inequívoca da descrição dos factos – vide Acórdão da Relação do Porto de 24-10-2012, proferido no âmbito do processo

291/10.9PAFVR, em que foi relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt.

10 – Ora, a alegação do elemento volitivo do tipo do crime imputado à arguida na acusação pública deduzida nos presentes autos resulta, de forma

inequívoca, da descrição dos factos narrados na acusação.

(3)

11 – Por conseguinte, foi suficientemente imputado à arguida, na acusação pública deduzida nos presentes autos, o elemento volitivo do dolo, sem que de algum modo se possa considerar que tenham sido afectados, quer a

delimitação do objecto do processo, quer as garantias de defesa da arguida.

12 – Consequentemente, ao absolver a arguida da prática do crime de usurpação de que a mesma vinha acusada, entendendo que na acusação pública não havia sido alegado o elemento volitivo do dolo, a douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal, porquanto, no entendimento do recorrente, a factualidade descrita na acusação pública (e que resultou provada nos pontos 6 e 7 dos Factos Provados da douta sentença recorrida) faz expressa referência ao

elemento volitivo do dolo, ainda que de forma sucinta, através da expressão “a arguida agiu de forma (…) deliberada (…)”, pelo que não se verificou a

nulidade prevista na alínea b) do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal.

13 – Deve por isso a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a arguida SCRC pela prática do crime de usurpação que lhe foi imputado na acusação pública e que resultou provado em sede de audiência de julgamento”.

*

A arguida respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões (em transcrição):

“1. Na acusação, tratando-se de um crime doloso, tem necessariamente de constar, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido:

a) Agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção);

b) Deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso);

c) Conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável);

d) Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).

2. O dolo, como elemento subjectivo - enquanto vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objectivas - constitutivo do tipo legal, será, então, em definitivo, um dos elementos que o artigo 283º/3 C. P. Penal impõe que seja incluído na acusação.

3. O conceito de dolo tem uma estrutura composta por dois elementos:

- Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer.

(4)

- Elemento volitivo, que se traduz no querer.

4. Dentro da estrutura do dolo, o elemento intelectual precede sempre o elemento volitivo, porque só se pode querer aquilo que previamente se conheceu.

5. Faltando o elemento intelectual, está prejudicado o elemento volitivo, está precludido ou excluído o elemento volitivo, falta um elemento do dolo, o que levaria à conclusão pela exclusão da imputação dolosa – exclusão do dolo.

6. Como resulta do disposto no artigo 283º, nº 3, do Código de Processo Penal, a acusação tem que narrar, ainda que sinteticamente, os factos que

fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis (alíneas b) e c) do citado preceito).

7. Tal exigência legal deriva da circunstância de ser a acusação que fixa o objecto do processo, delimitando o âmbito da ulterior actividade investigatória a desenvolver pelo juiz, nomeadamente na fase de julgamento.

8. Deve, pois, conter a indicação precisa e completa dos factos que, neste caso, o Ministério Público entende estarem indiciados, integradores, tanto dos elementos objectivos do crime, como dos seus elementos subjectivos, e que justificam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de

segurança.

8. Caso a acusação não obedeça aos requisitos exigidos no artigo 283º, nº 3, é nula, sendo que, nos presentes autos, a acusação pública é omissa quanto ao elemento volitivo do dolo.

9. Assim sendo, a acusação pública proferida nos presentes autos, sendo

omissa quanto ao elemento volitivo do tipo legal de crime imputado à arguida, é nula, por aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal.

10. A acusação pública não pode bastar-se com a alegação isolada de uma actuação deliberada, tem de descrever efectivamente o que foi querido pelo agente, nisso se traduzindo querer praticar um facto criminoso.

11. Sem essa indicação, não se mostra perfectibilizada a imputação criminosa e, assim sendo, jamais poderia ser proferido despacho de acusação, como muito bem fundamenta a juiz “a quo”.

12. Bem andou o tribunal “a quo” ao entender que a utilização da expressão

“agiu de forma deliberada” não é suficiente para se considerar imputado o elemento volitivo do dolo na acusação.

13. Alega o recorrente, que a expressão “agiu de forma deliberada”, constitui

(5)

a efectiva alegação do elemento volitivo do dolo, imputando assim ao acusado a prática de um facto ilícito a título de dolo directo, terminando por se

interrogar, nas suas conclusões: “Que outro sentido pode ter tal expressão que não seja o de imputar ao acusado a prática de um crime a título de dolo?”.

14. Na acusação pública deduzida nada se diz quanto à vontade e consciência da arguida de praticar um facto ou factos ilícitos, omitindo-se assim os

elementos volitivo e intelectual do dolo, o qual não se presume.

15. A acusação deve conter a descrição dos factos integradores dos elementos objectivos do crime e dos elementos subjectivos que justificam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança.

16. Pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/06/2011, proferido no processo nº 150/10.5T3OVR.C1, disponível em ww.dgsi.pt, que: “ Num crime doloso, da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o

arguido agiu livre (...), deliberada (...) e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (...)”.

17. A acusação é, assim, omissa quanto ao elemento subjectivo do crime, e, ainda que a materialidade objectiva que dela consta resultasse provada em julgamento, estaria vedado ao julgador considerá-la.

18. Por conseguinte, bem andou, o Tribunal “a quo”, absolvendo a arguida.

19. Por todo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público”.

*

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer (fls. 146 a 156), pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, o processo foi à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Uma única questão, em breve síntese, é suscitada no presente recurso,

segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: saber se a acusação proferida

(6)

nos autos é nula (por aplicação do disposto no artigo 283º, nº 3, al. b), do C. P.

Penal), por a expressão “a arguida agiu de forma deliberada” não espelhar a existência do elemento volitivo do dolo.

2 - A decisão recorrida.

A sentença objeto do recurso é do seguinte teor (integral):

“I. RELATÓRIO

1. Para julgamento em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação contra:

SCRC (….),

Imputando-lhe factos susceptíveis de, em abstracto, integrarem a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de usurpação, previsto nos artigos 68.º, n.ºs 1 e 2 alínea d), 195.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1 do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, conforme decorre da acusação pública de fls. 57 a 60 dos autos, cujos factos aqui se dão por integralmente reproduzidos.

2. Não houve constituição como assistente nem foi deduzido pedido de indemnização civil.

3. A acusação foi recebida nos exactos termos em que foi deduzida, tendo sido designado dia para a realização da audiência de julgamento (cfr. fls. 76 e 83).

4. Regularmente notificada do despacho que designou dia para a audiência de discussão e julgamento, a arguida não contestou, nem arrolou testemunhas.

5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da acta respectiva.

II. SANEAMENTO

Mantêm-se os pressupostos da instância verificados no momento da prolação do despacho que recebeu a acusação pública, mostrando-se válido o processo (cfr. fls. 76).

III. FUNDAMENTAÇÃO

A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:

1. No dia 7 de Janeiro de 2012, pela 1 hora, no interior do estabelecimento de restauração e bebidas denominado “VC”, sito na Avenida dos Náufragos, nº 17, em Sesimbra, a arguida SCRC, exploradora do estabelecimento, procedia à reprodução pública, para cerca de vinte clientes que ali encontravam, da faixa nº 4 do CD 5 da compilação de obras designada “I Love Jazz”, através de uma aparelhagem de leitor de CD, da marca DENON, conectado a uma mesa de

(7)

mistura da mesma marca e a quatro colunas de som da marca HQ POWER.

2. O aludido fonograma, que foi apreendido no local, continha fixadas as obras musicais indicadas no auto de exame directo de fls. 31 e 32, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. As obras musicais descritas a fls. 31 e 32 encontravam-se protegidas nos termos do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

4. A arguida conhecia as características do referido CD, que lhe pertencia e tinha-o no estabelecimento para exibição pública através de aparelhagem sonora que aí possuía.

5. Naquela data, hora e local, a arguida não possuía qualquer licença ou autorização dos autores e produtores das referidas obras ou dos seus legítimos representantes, designadamente da Sociedade Portuguesa de

Autores, que lhe permitisse proceder à execução pública das obras fixadas no aludido CD.

6. A arguida bem sabia que não podia executar publicamente as obras fixadas no CD referido sem a autorização dos autores, produtores e intérpretes das obras aí fixadas ou dos seus legítimos representantes, designadamente da Sociedade Portuguesa de Autores.

7. A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou:

8. A arguida é licenciada em design de comunicação.

9. A arguida declara às Finanças, como rendimento auferido, € 600,00 mensais.

10. A arguida cessará a exploração do estabelecimento referido em 1) em Setembro de 2015 mas mantém o mesmo ramo de negócio em Lisboa.

11. A arguida reside com os pais e os dois filos de 4 e 2 anos de idade.

12. A arguida não tem despesas mensais fixas.

13. Do certificado do registo criminal da arguida não constam antecedentes criminais.

B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Não existem.

C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO E INDICAÇÃO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS

De acordo com o artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

Por sua vez, o Código de Processo Penal explicita, nos seus artigos 97º, nº 4, e 374º, nº 2, que a sentença deve especificar os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

(8)

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de

razoabilidade: deve o Tribunal lançar se à procura do "realmente acontecido"

conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade (s) do processo.

Conforme decorre do Código de Processo Penal, um dos princípios que rege a audiência de discussão e julgamento, é o princípio da imediação que, como se afere do artigo 355.°, se traduz no facto de a convicção do Tribunal, em

audiência, resultar da prova examinada ou que nela se produza.

Por seu turno, tal prova está sujeita ao princípio da livre apreciação, segundo o qual aquela é apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção da entidade julgadora (cfr. art. 127.º do CPP). Quer isto significar que a prova deve ser apreciada na sua globalidade, não através do livre

arbítrio, mas de acordo com as regras comuns da lógica, da experiência e dos conhecimentos científicos e vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.

Todavia, não podemos esquecer que, pese embora este princípio seja a regra geral, existem algumas excepções, nomeadamente: o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169º do CPP), a confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344º do CPP) e a prova pericial (art. 163º do CPP).

Em suma, a convicção do Tribunal forma-se, não só com base em dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

Relativamente às declarações do arguido haverá que ter em conta, porém, o princípio da presunção da inocência, o qual se traduz em que até prova em contrário, o arguido deverá ser considerado inocente – cfr. art. 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Importa, pois, desta forma, proceder a uma fundamentação de facto que permita alcançar o raciocínio seguido pelo Tribunal na sua decisão.

Nesta conformidade, o Tribunal formou a sua convicção, sobre a factualidade provada e não provada, no conjunto da prova realizada em audiência de

discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

C.1) Quanto ao crime de usurpação

(9)

A convicção sobre a factualidade provada radicou na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento.

A arguida admitiu a prática dos factos, tendo confirmado as circunstâncias de tempo, lugar e modo da sua ocorrência, de acordo com os factos consignados provados.

Mais esclareceu que sempre dispôs da licença em causa, estando paga a referente ao mês de Dezembro de 2011, e que considerou dispor de prazo legal para efectuar o pagamento da licença referente ao mês de Janeiro de 2012, o que veio a fazer no dia 09 do mesmo (cfr. fls. 8), pois não era costume fazer os pagamentos em data certa.

VJMR, militar da Guarda Nacional Republicana e autuante nos autos, no

depoimento prestado referiu que pela arguida não foi mencionada, aquando da fiscalização, a licença referente ao mês de Dezembro de 2011 e que a mesma arguida já havia sido autuada meses antes pela mesma infracção.

A exploração do estabelecimento comercial denominado “VC” pela arguida resulta igualmente da informação prestada pela Câmara Municipal de Sesimbra, a fls. 23.

A falta de licença da arguida à data dos factos (07.01.2012) para proceder à comunicação pública de obras do reportório de gestão da SPA resulta de informação da própria SPA, junta a fls. 27.

Quanto à representação em Portugal das sociedades a quem os autores das obras musicais insertas no fonograma apreendido a fls. 6 outorgaram os seus direitos, cabe a mesma à SPA, conforme se extrai do exame pericial de fls. 30 a 35.

No que concerne ao prazo de pagamento da aludida licença, resulta do documento de fls. 42 a 52 denominado “Tabelas Mínimas de Direitos de

Execução”, designadamente de fls. 47, que «os valores das avenças constantes nestas Tabelas Mínimas de Direitos de Execução Pública são válidos para todas as funções cujos direitos de autor sejam liquidados previamente. Assim, as avenças mensais devem ser pagas antes do início do mês a que dizem

respeito e as avenças anuais devem ser pagas no primeiro dia útil de cada ano civil».

De acordo com a tabela constante de fls. 51 dos autos (ainda que reportado ao ano de 2013) e o pagamento efectuado pela arguida a fls. 8 (ainda que

reportado ao ano de 2012), o valor mensal a pagar pela arguida era de € 20,00 (música ambiente sem recurso a DJ’s para os estabelecimentos que não sejam bares, café-concerto, disco-bares e pubs com lotação de 26 a 50 pessoas).

O propósito intencional da arguida, sendo um facto íntimo, subjectivo, sobre o qual não foi, como é normal, produzida prova, infere-se da materialidade objectiva dada por provada de acordo com as regras da lógica e da

(10)

experiência comum.

C.2) Quanto à situação sócio económica da arguida e condição pessoal A factualidade provada respeitante à situação pessoal e socioeconómica da arguida, alicerçou-se nas suas declarações, as quais foram tidas como reveladoras de factos verídicos, inexistindo nos autos elementos que as infirmem e não sendo as mesmas excluídas pelas regras da experiência.

C.3) Quanto aos antecedentes criminais

A ausência de antecedentes criminais da arguida resulta do teor do certificado de registo criminal junto a fls. 98 dos autos.

D) QUESTÕES A DECIDIR

Face ao objecto dos autos, delimitado pela acusação deduzida pelo Ministério Público, as questões a decidir tomam o seguinte perfil e cadência:

1ª) Averiguar da responsabilidade jurídico-penal da arguida pela prática de um crime de usurpação, previsto nos artigos 68.º, n.ºs 1 e 2 alínea d), 195.º n.º 1 e 197.º, n.º 1 do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos;

2ª) Caso se conclua pela responsabilidade penal da arguida, apurar a espécie e medida da pena a aplicar-lhe;

3ª) Decidir do destino dos objectos apreendidos nos autos.

D.1.) DA RESPONSABILIDADE JURÍDICO-PENAL DO ARGUIDO

DO CRIME DE USURPAÇÃO, PREVISTO E PUNIDO PELOS ARTIGOS 68º, NºS 1 E 2, ALÍNEA D), 195º, Nº 1, E 197º, Nº 1, DO CÓDIGO DOS DIREITOS DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS

Dispõe o artigo 195.º, n.º 1 do CDADC que «comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo da radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas prevista neste Código».

O tipo objectivo do crime de usurpação analisa-se através das seguintes vertentes:

a) o exclusivo da exploração económica da obra, reservada ao autor, que é o bem jurídico protegido;

b) a obra protegida, que é o objecto da acção;

c) o titular do bem jurídico é o sujeito passivo do crime;

d) sendo que a utilização da obra é a conduta típica;

e) utilização essa feita sem a devida autorização.

Quanto às formas de utilização estão as mesmas previstas no artigo 68.º do citado diploma legal.

O artigo 68.º do CDADC dispõe que «1 - A exploração e, em geral, a utilização da obra podem fazer-se, segundo a sua espécie e natureza, por qualquer dos modos actualmente conhecidos ou que de futuro o venham a ser.

2 - Assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por

(11)

si ou pelos seus representantes:

a) A publicação pela imprensa ou por qualquer outro meio de reprodução gráfica;

b) A representação, recitação, execução, exibição ou exposição em público;

c) A reprodução, adaptação, representação, execução, distribuição e exibição cinematográficas;

d) A fixação ou adaptação a qualquer aparelho destinado à reprodução

mecânica, eléctrica, electrónica ou química e a execução pública, transmissão ou retransmissão por esses meios;

e) A difusão pela fotografia, telefotografia, televisão, radiofonia ou por qualquer outro processo de reprodução de sinais, sons ou imagens e a comunicação pública por altifalantes ou instrumentos análogos, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, quando essa comunicação for feita por outro organismo que não o de origem;

f) Qualquer forma de distribuição do original ou de cópias da obra, tal como venda, aluguer ou comodato;

g) A tradução, adaptação, arranjo, instrumentação ou qualquer outra transformação da obra;

h) Qualquer utilização em obra diferente;

i) A reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte;

j) A colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, da obra por forma a torná-la acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido;

l) A construção de obra de arquitectura segundo o projecto, quer haja ou não repetições.

3 - Pertence em exclusivo ao titular do direito de autor a faculdade de escolher livremente os processos e as condições de utilização e exploração da obra.

4 - As diversas formas de utilização da obra são independentes umas das outras e a adopção de qualquer delas pelo autor ou pessoa habilitada não prejudica a adopção das restantes pelo autor ou terceiros.

5 - Os actos de disposição lícitos, mediante a primeira venda ou por outro meio de transferência de propriedade, esgotam o direito de distribuição do original ou de cópias, enquanto exemplares tangíveis, de uma obra na União

Europeia».

Trata-se de crime com natureza formal ou de mera actividade, que se

preenche pela representação, recitação, execução, exibição ou exposição em público de obra protegida por direitos de autor ou conexo sem autorização do seu detentor, cuja teleologia compreende a defesa dos direitos de autor dos titulares dos mesmos e, em última análise, do interesse público.

(12)

No tocante ao elemento subjectivo do iter criminis em estudo, este pode ser cometido por dolo ou negligência, em qualquer das suas formas previstas na lei.

Por sua vez, o artigo 184.º, n.º 1 do CDADC dispõe que: «Carecem de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a reprodução, directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, e a distribuição ao público de cópias dos mesmos, bem como a respectiva importação ou exportação».

O artigo 185.º do citado diploma legal prevê que:

«1 – É condição da protecção reconhecida aos produtores de fonogramas e videogramas que em todas as cópias autorizadas e no respectivo invólucro se contenha uma menção constituída pelo símbolo P (a letra P rodeada por um círculo), acompanhada da indicação do ano da primeira publicação.

2 – Se a cópia ou o respectivo invólucro não permitirem a identificação do produtor ou do seu representante, a menção a que se refere o número anterior deve incluir igualmente essa identificação».

Salvo disposição expressa em contrário, a lei atribui o direito de autor ao criador intelectual da obra, ou seja, à pessoa “de cujo engenho a obra nasceu e de cujo espírito ela é o reflexo” . Como ensina José de Oliveira Ascensão, “o facto constitutivo do direito de autor é sempre e só a criação da obra”.

«O autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem, nomeadamente as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei» (artigo 67.º, n.º 1 do CDADC).

O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de

natureza pessoal, denominados direitos morais, dos quais se destaca o direito de o autor reivindicar a paternidade da sua obra e de assegurar a sua

genuinidade e integridade, mesmo que tenha alienado os direitos de carácter patrimonial, opondo-se à sua destruição, a toda e qualquer mutilação,

deformação ou outra modificação da mesma e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra e reputação do autor, direito que é inalienável, irrenunciável e imprescritível e que se perpetua após a morte do mesmo (artigos 9.º n.ºs 1 e 2 e 56.º do CDADC).

Acresce que, o artigo 68.º, n.º 2, alíneas f), i) e j), do CDADC dispõe que assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, qualquer forma de distribuição do original ou cópias da obra, tal como venda, aluguer ou comodato; a reprodução total ou parcial, qualquer que seja o modo por que for feita; a reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte; e a colocação da obra à disposição do público (…).

(13)

A protecção legal conferida pela lei a uma obra, seja ela uma criação

intelectual do domínio literário, científico ou artístico, é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração, bastando que tenha sido exteriorizada por qualquer modo, isto é, que “haja sido exteriorizada sob qualquer forma apreensível pelos sentidos” , sendo irrelevantes o mérito e o objectivo da obra (artigos 1.º n.ºs 1 e 3 e 2.º n.º 1 proémio do CDADC).

“Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidos nos temos deste código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos

respectivos autores” (artigo 1.º do CDADC).

E, como resulta claramente da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º, as criações artísticas compreendem, nomeadamente, as obras cinematográficas e videográficas.

“O conceito de fonograma pressupõe o registo material de sons ao passo que o conceito de videograma reporta-se ao registo material de imagens,

acompanhadas ou não de sons, bem como a cópia de obras cinematográficas ou audiovisuais”.

Da leitura dos factos provados em audiência resulta inequivocamente que a conduta da arguida é subsumível à previsão normativa ínsita no crime p. e p.

no artigo 195.º, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos – a ora arguida exibia em público, no seu estabelecimento «VC», onde se

encontravam cerca de vinte pessoas, obra protegida por direitos de autor (fonograma), o que fazia sem autorização dos seus legais detentores.

No que concerne ao preenchimento do tipo subjectivo do tipo, a acusação pública é omissa quanto ao elemento volitivo do dolo do tipo legal imputado.

Como resulta do disposto no artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal a acusação tem que narrar, ainda que sinteticamente, os factos que

fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis (alíneas b) e c) do citado preceito). E tal exigência legal deriva da circunstância de ser a acusação que fixa o objecto do processo, delimitando o âmbito da ulterior actividade investigatória a desenvolver pelo juiz, nomeadamente na fase de julgamento. Deve, pois, conter a descrição fáctica equivalente a uma acusação pública, com a indicação precisa e completa dos factos que o requerente

entende estarem indiciados, integradores, tanto dos elementos objectivos do crime, como dos seus elementos subjectivos e que justificam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Caso a acusação não

(14)

obedeça a tais requisitos é nula como expressamente se contempla no mencionado artigo 283.º, n.º 3.

Registe-se que são precisamente os elementos subjectivos do crime, com referência ao momento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito) que permitem estabelecer o tipo subjectivo de ilícito imputável ao agente através do enquadramento da respectiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo directo,

necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira. Como refere Figueiredo Dias, em Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., pág. 379 “…

também estes elementos cumprem a função de individualizar uma espécie de delito, de tal forma que, quando eles faltam, o tipo de ilícito daquela espécie de delito não se encontra verificado”.

Assim, os elementos objectivos, que constituem a materialidade do crime, traduzem a conduta, a acção, enquanto modificação do mundo exterior apreensível pelos sentidos e os elementos subjectivos traduzem a atitude interior do agente na sua relação com o facto material.

Num crime doloso da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos

elementos objectivos do tipo).

No caso concreto, mostra-se factualizado o elemento intelectual do dolo, a imputabilidade e a liberdade de actuação. Mas a acusação é omissa quanto ao elemento volitivo do dolo.

Quanto ao elemento volitivo não se basta com a alegação isolada de uma actuação deliberada, mas antes com a descrição do que efectivamente foi querido pelo agente, nisso se traduzindo querer praticar um facto criminoso.

Sem essa indicação não se mostra perfectibilizada a imputação criminosa e, sendo assim, jamais poderia ser proferido despacho de recebimento da acusação.

Como mencionam Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal, 2.ª edição, tomo II, pág. 140, em anotação ao artigo 283.º “No que se reporta à elaboração da acusação interessa também chamar a atenção para a necessidade de se conferir o máximo cuidado à sua feitura, não apenas no aspecto de explanação geral, como sobretudo na vertente da descrição fáctica, que deve ser suficientemente pormenorizada e precisa, até porque, como se

(15)

sabe, está legalmente vedada uma alteração substancial dos factos transportados para a acusação (…).

O dolo como elemento subjectivo - enquanto vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objectivas –

constitutivo do tipo legal, será, então, em definitivo, um dos elementos que o artigo 283.º/3 C P Penal, impõe que seja incluído na acusação.

E se ultrapassada fosse a fase processual em que a acusação deduzida podia ter sido rejeitada ao abrigo do disposto no artigo 311º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, por ser manifestamente infundada por falta de alegação de factos do tipo subjectivo, na fase de julgamento restaria ponderar a possibilidade de accionar os mecanismos dos arts 358.º e 359.º do mesmo diploma.

Mas seria tal possível?

Crime, na noção contida na alínea a) do artigo 1.º do Código de Processo

Penal, é o “conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais”.

A propósito da alínea d) do n.º 3 do artigo 311.º do Código de Processo Penal, Germano Marques da Silva in Curso, III, 207/8, entende que, “esta alínea era desnecessária, porque os factos narrados hão-de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e só a podem

fundamentar se constituírem crime. Se os factos não constituírem crime verifica-se a inexistência do objecto do processo, tornando-o inexistente e consequentemente não pode prosseguir”.

Dada a estrutura basicamente acusatória integrada pelo princípio da

investigação judicial do nosso processo penal, o tribunal está vinculado ao thema decidendum definido pela acusação – princípio da vinculação temática – como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem que defender-se dos factos acusados, e não de outros, e que

apenas poderá ser condenado pelos factos acusados, e não por outros. Daí que a lei fulmine com nulidade, a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e

condições previstos nos arts. 358.º e 359.º do Código de Processo Penal (artigo 379.º, nº 1, alínea b) do mesmo Código). Mas, em certas

circunstâncias, e no que à fase do julgamento respeita, o Código de Processo Penal possibilita o conhecimento de novos factos e a condenação do arguido por eles.

Com efeito, se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver (novos factos conhecidos na audiência que não excedem o âmbito do objecto do processo, tal como foi definido na acusação) o tribunal pode deles

(16)

conhecer, desde que, oficiosamente ou a requerimento, comunique tal

alteração ao arguido e lhe conceda, se requerido, o prazo necessário para a preparação da respectiva defesa, salvo se os novos factos tiverem sido alegados pela defesa (artigo 358º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal).

Se a alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia for substancial – tal como é definida no art. 1º, f), do C. Processo Penal – já o tribunal só pode deles conhecer se, feita a sua comunicação, o Ministério Público, o arguido e o assistente concordarem com a continuação do

julgamento pelos novos factos, e a alteração não determinar a incompetência do tribunal (art. 359.º, n.º 3, do C. Processo Penal). Como refere Francisco Isasca (Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português 2ª Ed., 200 e ss.), dá-se uma reformulação do objecto do processo, operada pelo acordo dos sujeitos processuais com vista à rápida resolução do litígio, tudo sem a menor intervenção do julgador e portanto, sem trair o princípio do acusatório.

Ora, o artigo 1º, alínea f) do Código de Processo Penal define “alteração substancial dos factos” como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

É óbvio que a descrição dos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público não integra sequer um crime, pois a omissão do elemento subjectivo do tipo legal de crime que pretendiam imputar manifestamente não permite a imputação de uma conduta ilícita típica ao arguido.

Consequentemente, afastada estaria a possibilidade do julgador suprir a falta da alegação dos factos integradores do tipo subjectivo, com recurso às

aludidas normas que precisamente pressupõem que os factos da acusação constituam crime (neste sentido, Ac. do TRC de 01.06.2011, proc.

150/10.5T3OVCR.C1, Ac. do TRL, de 30.10.2007, proc. 10221/2006-5 e 12.11.2008, proc. 5736/2008-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 - Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27).

Mostrando-se precludida a fase de rejeição da acusação pública, encontrando- se os autos em fase de julgamento e não sendo viável, pelas razões expostas, o recurso ao mecanismo dos artigos 358.º e 359.º, do CPP, impunha-se absolver o arguido.

D.2) DO DESTINO DOS OBJECTOS APREENDIDOS NOS AUTOS

O artigo 201º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos dispõe que, «1. Serão sempre apreendidos os exemplares ou cópias das obras

usurpadas ou contrafeitas, quaisquer que sejam a natureza da obra e a forma de violação, bem como os respectivos invólucros materiais, máquinas ou

(17)

demais instrumentos ou documentos de que haja suspeita de terem sido utilizados ou destinarem-se à prática da infracção; 2. O destino de todos os objectos apreendidos será fixado na sentença final, independentemente de requerimento, e, quando se provar que se destinavam ou foram utilizados na infracção, consideram-se perdidos a favor do Estado, sendo as cópias ou exemplares obrigatoriamente destruídos, sem direito a qualquer

indemnização.

Preceitua ainda o disposto no artigo 109º/1/2 do Código Penal que os objectos que serviram, estivam destinados a servir ou são resultado da prática de um facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de novamente serem usados para cometimento de facto da mesma natureza, são declarados perdidos a favor do Estado.

Atento o supra exposto, declaro perdido a favor do Estado o CD apreendido.

Já os objectos apreendidos a fls. 5, porquanto não se subsume a sua utilização, salvo melhor opinião, às normas legais acima elencadas (não oferecendo sério risco de novamente serem usados para a prática de novo facto ilícito típico), serão os mesmos devolvidos ao seu proprietário, na observância do disposto no artigo 186º/3, do Código de Processo Penal.

§ DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS DO PROCESSO

Nos termos dos artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do Código de

Processo Penal, é devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1.ª instância, sendo igualmente responsável pelo pagamento dos encargos a que a sua actividade houver dado lugar. A contrario, em caso de absolvição, sendo não há lugar a tais pagamentos pelo arguido.

Uma vez que não há assistente constituído nos autos, não são devidas taxa de justiça e custas criminais (artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos a contrario sensu).

IV. DISPOSITIVO Pelo exposto, decido:

A) Julgar improcedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, consequentemente, absolver SCRC da prática, como autora material, de um crime de usurpação, previsto e punido pelos artigos 68.º, n.ºs 1 e 2 alínea d), 195.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1 do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.

B) Sem custas, nos termos do artigo 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, a contrario, ambos do Código de Processo Penal.

C) Declarar o perdimento a favor do Estado do CD apreendido e ordenar a sua destruição após trânsito em julgado da presente decisão, lavrando-se o

competente auto”.

(18)

3 - Apreciação do mérito do recurso.

A questão a que cabe dar resposta é apenas esta: a acusação proferida nestes autos satisfaz (ou não) os requisitos do artigo 283º, nº 3, do C. P. Penal

(concluindo-se que a acusação em causa não satisfaz os aludidos requisitos, sendo nula, é de manter a decisão revidenda; a conclusão oposta implica a condenação da arguida pela prática do crime de usurpação, p. e p. pelos

artigos 68º, nºs 1 e 2, al. d), 195º, nº 1, e 197º, nº 1, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos).

A questão da nulidade da acusação reconduz-se a determinar se a expressão “ a arguida agiu de forma deliberada” espelha ou não a existência do elemento volitivo do dolo.

Da acusação em análise (e da sentença recorrida - factos nºs 6 e 7) consta: “a arguida bem sabia que não podia executar publicamente as obras fixadas no CD referido sem a autorização dos autores, produtores e intérpretes das obras aí fixadas ou dos seus legítimos representantes, designadamente da Sociedade Portuguesa de Autores; a arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei” (sublinhado nosso).

Perante esta factualidade, a Mmª Juíza a quo, e em resumo, concluiu (e escreveu) o seguinte: “no caso concreto, mostra-se factualizado o elemento intelectual do dolo, a imputabilidade e a liberdade de atuação. Mas a acusação é omissa quanto ao elemento volitivo do dolo”; “o elemento volitivo não se basta com a alegação isolada de uma atuação deliberada, mas antes com a descrição do que efetivamente foi querido pelo agente, nisso se traduzindo querer praticar um facto criminoso” (sublinhado nosso).

Ao invés, e perante a mesma factualidade, o Exmº Magistrado do Ministério Público recorrente entende que a expressão “agiu de forma deliberada”

traduz, com inteira suficiência, a alegação do elemento volitivo do dolo.

Há que apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 14º do Código Penal (sob a epígrafe “dolo”):

“1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar.

2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua

conduta.

3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o

(19)

agente atuar conformando-se com aquela realização”.

Definido de modo simples, o dolo significa conhecer e querer os elementos objetivos pertinentes do tipo legal de crime praticado.

A vontade (o elemento volitivo do dolo) consiste na decisão de realizar a ação típica e na execução dessa decisão.

Contudo, e a nosso ver, o dolo não pode incluir-se só no tipo de injusto, tendo um dupla posição: como determinante da direção do comportamento, constitui a peça central do injusto típico da ação, mas, como resultado do processo de formação da vontade do autor, pertence à culpabilidade, é também um

componente desta (no injusto típico, o dolo é portador do sentido de uma ação contrária à norma jurídica, e, na culpabilidade, o dolo é portador do desvalor do modo de pensar atinente ao facto).

Ou seja, saber se a arguida praticou o facto dolosamente, ou se o praticou apenas com violação do dever de cuidado exigido para evitar a lesão do bem jurídico, é algo que não só tem importância diferencial para o conteúdo do injusto do facto, como também para a forma e gravidade do grau de

culpabilidade.

A esta luz, a expressão utilizada na acusação em causa (uma atuação “

deliberada” da arguida), no contexto em que o foi (“a arguida bem sabia que não podia executar publicamente as obras fixadas no CD (…)”; “a arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era

proibida e punida por lei”), só pode querer significar que a arguida, conhecedora de todos os elementos do tipo legal de crime em questão, e sabendo ser ilícita e desvaliosa a sua atitude, agiu com inteira vontade de praticar o crime.

Assim, e com o devido respeito, nenhuma razão assiste à Mmª Juíza a quo, sendo a materialidade fáctica (constante da acusação e da sentença sub judice) inteiramente suficiente para corporizar a atuação dolosa da arguida.

O elemento emocional ou volitivo do dolo implica um “querer”, e este “querer”

pode assumir três formas (como decorre, com nitidez, do acima transcrito artigo 14º do Código Penal): tanto pode ser aquilo que o agente se propôs realizar com a sua ação (dolo direto), como aquilo que o agente representou como consequência necessária do facto (dolo necessário), como pode ainda ser aquilo que o agente tenha representado como possível resultado da sua

conduta (dolo eventual).

A Mmª Juíza escreve, na sentença revidenda, e relativamente aos elementos subjetivos do crime, que se mostra factualizado o elemento intelectual do dolo (conhecimento do carácter ilícito da conduta), a imputabilidade e a liberdade de atuação, mas que falta o elemento volitivo do dolo, o qual foi omitido na acusação.

(20)

Mais acrescenta a Mmª Juíza que o elemento volitivo não se basta com a alegação isolada de uma atuação “deliberada”, exigindo, isso sim, a descrição do que efetivamente foi querido pelo agente.

Ora, o “querer” (a vontade) da arguida - o elemento volitivo do dolo -, embora pudesse ser descrito de modo mais rigoroso (por exemplo, a arguida “quis proceder à execução pública das obras musicais em questão”), também pode ser descrito usando a expressão utilizada na acusação (e dada como provada na sentença): a arguida agiu de forma “deliberada”.

A nosso ver, agir de forma “deliberada” significa agir com vontade de querer aquilo que o agente se propôs realizar com a sua ação.

Dito de outro modo: agir de forma “deliberada” é sinónimo de atuar com intenção de praticar o facto (a arguida previu e quis o evento realizado, o que equivale a dizer que atuou com dolo direto).

Como muito bem se escreve no Acórdão do S.T.J. nº 1/2015 (Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, publicado no D.R., 1ª Série, de 27-01-2015) - apesar de ter como objeto questão diversa da que se discute no presente

recurso -, o dolo “costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter atuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever- ser-jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstância do facto) e sabendo que a sua conduta é

proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude)”.

Em conclusão: o elemento subjetivo do crime em causa encontra-se totalmente preenchido face à materialidade vertida na sentença revidenda (que reproduz, nessa matéria, a acusação deduzida contra a arguida).

Assim sendo, e em face da demais factualidade dada como provada na dita sentença, é manifesta a procedência da acusação, tendo a arguida de ser condenada pela prática do crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 68º, nºs 1 e 2, al. d), 195º, nº 1, e 197º, nº 1, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.

O recurso interposto pelo Ministério Público merece, pois, inteiro provimento.

*

Depois de assente a culpabilidade da arguida (artigo 368º do C. P. Penal), impõe-se proceder à determinação da espécie e da medida da pena concreta a aplicar, de harmonia com o disposto nos artigos 369º e segs. do mesmo C. P.

Penal e 70º e segs. do Código Penal.

Tal decisão, porém, deverá ser proferida pelo tribunal a quo e não por este tribunal de recurso, essencialmente por duas ordens de razões.

(21)

1 - Em primeiro lugar, porque é essa a solução imposta pela consagração

constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, acolhido no artigo 32º, nº 1, da C.R.P. que, desde a IV Revisão Constitucional (Lei nº 1/97), consagra expressamente o direito ao recurso entre as garantias de defesa reconhecidas aos arguidos.

Caso fosse o tribunal ad quem a proceder à determinação da espécie e medida da pena, resultaria preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, uma vez que, desse modo, retirar-se-ia à arguida a possibilidade de ver apreciada em segunda instância a decisão proferida em matéria de determinação da sanção.

2 - Em segundo lugar, por ser essa a solução imposta pelo nosso modelo, quer processual quer substantivo, de determinação da sanção.

Por um lado, a relativa autonomização do momento da determinação da sanção (quase cesure), leva a que, só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal pondere e decida sobre a necessidade de prova suplementar com vista à determinação da sanção (cfr. artigos 369º, nº 2, e 370º, do C. P. Penal) e eventual reabertura da audiência (cfr. artigo 371º do C. P. Penal), na qual pode ser necessário, para além do mais, ouvir o próprio arguido, o que só pode ocorrer em primeira instância na sequência de decisão condenatória e não antes.

Por outro lado, os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, assumem também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre vontade, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do

condenado (por exemplo, na prestação de trabalho a favor da comunidade, na sujeição a tratamento médico, ou no plano individual de readaptação social).

Assim sendo, torna-se claro que, para além da necessidade de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das

normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena, implica que deva ser o tribunal de primeira Instância a proferir a respetiva decisão, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e de ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que entenda serem adequadas.

Em face de todo o predito, é de conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença revidenda, que deverá ser substituída por outra que condene a arguida pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 68º, nºs 1 e 2, al. d), 195º, nº 1, e 197º, nº 1, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.

III - DECISÃO

(22)

Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, decide-se:

a) Revogar a sentença recorrida, devendo ser substituída por outra que, nos termos acima expostos, condene a arguida pela prática do crime de

usurpação, p. e p. pelos artigos 68º, nºs 1 e 2, al. d), 195º, nº 1, e 197º, nº 1, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.

b) Determinar que o tribunal recorrido proceda à escolha da espécie e à determinação da medida concreta da pena a aplicar, após eventual produção de prova suplementar e reabertura da audiência, nos termos do disposto nos artigos 369º, 370º e 371º do C. P. Penal, se o entender necessário.

Sem custas.

*

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 06 de outubro de 2015

João Manuel Monteiro Amaro Maria Filomena de Paula Soares

Referências

Documentos relacionados

Declaro meu voto contrário ao Parecer referente à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresentado pelos Conselheiros Relatores da Comissão Bicameral da BNCC,

Apart from the two nuclear energy companies that were strongly hit by the earthquake effects (the Tokyo and Tohoku electric power companies), the remaining nine recorded a

Nesta amostra, o status mutacional do exão 2 do gene KRAS mostrou-se importante para a seleção da terapêutica a utilizar, e salvo raras exceções, na primeira utilização

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários

Desta forma, é de grande importância a realização de testes verificando a segurança de extratos vegetais de plantas como Manjerona (Origanum majorana) e Romã

MATRÍCULA nº 4.540 do 1º CRI de Piracicaba/SP: 01 (UMA) GLEBA DE TERRAS, situada no imóvel denominado “Algodoal”, contendo a área de 53.982,00m², desta cidade, que assim