• Nenhum resultado encontrado

PAGAMENTO E PREÇO NO CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL: UMA ANÁLISE DE CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL NO ÂMBITO DO STJ

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "PAGAMENTO E PREÇO NO CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL: UMA ANÁLISE DE CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL NO ÂMBITO DO STJ"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

PAGAMENTO E PREÇO NO CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL:

UMA ANÁLISE DE CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL NO ÂMBITO DO STJ

1Manoel Martins Parreira Neto

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo apresentar a problemática do preço e pagamento no contrato de arrendamento rural, considerando de perto a legislação, como a Lei nº 11.443/2007, de modo a apresentar, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), qual seria a construção de sua posição, partindo da análise de julgados entre 1992 e 2017. Da mesma forma, apresenta a perspectiva da doutrina agrarista, e explora as necessidades de atualização legislativo-jurisprudencial na matéria. Por fim, aborda um posicionamento particular.

Palavras-chave: Direito Agrário. Contrato de arrendamento rural. Preço. Pagamento. Superior Tribunal de Justiça.

ABSTRACT:

The purpose of this article is to present the problem of price and payment in the rural lease contract, closely considering the legislation, such as Law 11.443 / 2007, in order to present, within the scope of the Superior Court of Justice (STJ), which would be the construction of its position, starting from the analysis of judged from the year 1992 to 2017. Likewise, the perspective of the agrarian doctrine is presented, and the needs of legislative-jurisprudential updating in the matter are explored. Finally, a particular positioning is presented.

Keywords: Agrarian Law. Rural lease agreement. Price. Payment. Superior Justice Tribunal.

1 Advogado graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (Brasil), atuante na área de Direito do Agronegócio. Email: manoelparreira@hotmail.com

Data de submissão: 29/01/2019 Data de aprovação: 15/06/2019 Double Blind Review Process

DOI: https://doi.org/10.37497/revcampojur.v7i2.284

(2)

INTRODUÇÃO

Em 26 de outubro último (2018), ministros do STJ, advogados e professores se reuniram para debater “O Agronegócio na Interpretação do STJ”. Uma constante se verificou nas exposições: a busca por segurança jurídica para os negócios.

Dentre os temas debatidos, se encontra a fixação do preço do arrendamento em quantidade de produtos. No ponto, ocorreu embate entre as posições da professora Giselda Hironaka, da FD-USP, e do ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino.

Sustentando a adequação e justeza da vedação estabelecida no regramento agrário, Hironaka salientou que a vedação visa promover a defesa dos produtores contra a volatilidade das cotações das commodities. Em posição oposta, o ministro Sanseverino qualificou a vedação como um “erro histórico”, pautando-se no que seria a realidade do produtor rural: o ajuste em produtos2

O presente artigo visa abordar a construção jurisprudencial, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, referente aos institutos do pagamento e preço no contrato de arrendamento, bem como apresentar a avaliação da doutrina sobre a matéria, de modo a exarar um posicionamento particular.

1 Pagamento e preço no contrato de arrendamento rural

Em que pese a controvérsia que pesa sobre a natureza jurídica do pagamento em direito obrigacional, o instituto, como ponto de partida, pode ser tomado como sendo um ato jurídico em sentido amplo, pertencente à categoria dos atos lícitos, representando, em regra, negócio jurídico bilateral. Desse modo, o pagamento possuiria uma natureza contratual, segundo visão de Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 150).

A consequência prática da posição acima assumida é a de que o pagamento representa um ajuste entre as partes, que convencionam como desejam ver solvida a relação jurídico-obrigacional existente entre ambas.

Como é cediço, o preço representa o valor pecuniário da prestação, ou seja, o valor monetário que recai sobre o dar, fazer ou não-fazer a ser desempenhado pelo devedor. Como parte central de cada negócio jurídico celebrado, o preço representa, assim como o pagamento, matéria atinente ao mérito do negócio, em que ocorre acordo de vontades, o que revela sua natureza também contratual.

As partes, assim, convencionam quanto vale (preço) determinada prestação e o modo como esta será adimplida (pagamento), o que dá azo

Conceitos centrais para o contrato de arrendamento rural são os de “retribuição”

ou “aluguel”, a representar a contraprestação a que se obriga o arrendatário pelo uso da terra, independentemente do sucesso ou não de seu empreendimento. O arrendamento

2 Disponível em: < https://www.editorajc.com.br/stj-debate-o-agronegocio/>. Acesso em 08 dez.

2018.

(3)

doutrina agrarista na voz de Grassi Neto (2007, p. 87)

A retribuição no arrendamento pode ser analisada sob os aspectos do preço e pagamento, e, na matéria, o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), no art. 95, XI, a, e seu regulamento, Decreto nº 59.566/66, na forma do art. 13, III, estabelecem que deve ocorrer no contrato fixação, em quantia certa, do preço do arrendamento, o qual deve ser pago em dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos. Enfatizando a opção legislativa, o art. 18 do Decreto prescreve, in verbis:

Art. 18. O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado que se faça em dinheiro ou em quantidade de frutos cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação

Da fria letra da lei decorre que o preço do arrendamento deve ser fixado em

“quantia certa”, ao passo que seu pagamento pode se dar “em dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos”, respeitando sempre o preço mínimo oficial.

Segundo Pedro Hofmeister Ramos3, a palavra “preço” sofreu alteração semântica a partir da Lei nº 11.443/2007, que alterou o art. 95 do Estatuto da Terra e, por consequência, em decorrência dos critérios hierárquico e temporal, os arts. 18 e 19 do Decreto nº 59.566/1966, passando tal contraprestação ser agora chamada de

“remuneração”.

Como já colacionado, a contraprestação do arrendatário, nos exatos termos do Estatuto consistia em “retribuição” ou “aluguel”, o que, segundo Pedro Hofsmeister, se alterou para a condição de “remuneração”.

No entanto, verifica-se certa dicotomia entre preço e pagamento no ponto: o primeiro com aspecto valorativo-estático e o segundo com um viés dinâmico-estrutural.

Fala-se aqui que o valor, considerando seus reajustes legais previstos no contrato, tende a se protrair no tendo, assumindo um caráter estático, ao passo que o pagamento, caso o contrato preveja variações na forma de adimplir o preço do arrendamento, tende a possuir um caráter dinâmico, que pode se alterar em face das opções do devedor no transcurso do prazo contratual.

2 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na matéria 2.1 Uma posição histórica

Voltando agora o olhar para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, temos que o tema da fixação do preço do arrendamento em produtos vem sendo objeto de acórdãos importantes, ao menos, desde 1992 (termo inicial da presente pesquisa).

3 Disponível em: < http://direitoagrario.com/notas-sobre-controversia-envolvendo-o-preco-e-o- pagamento-no-arrendamento-rural/ >. Acesso em 09 dez. 2018.

(4)

O repositório de jurisprudência do STJ reporta no ano de 1992 acórdão da relatoria do Ministro Waldemar Zveiter4, julgado em 08.09.1992, em que foi examinada a legalidade da fixação do uso da terra em produtos. O acórdão compreende que a violação frontal ao art. 18 do Decreto nº 59.566/66 tem o condão de desqualificar o título executivo (contrato) como sendo líquido, certo e exigível, a merecer processo de execução imediata.

O caminho apontado neste julgado para a cobrança da prestação por parte do proprietário consistiu, segundo magistério de Barros Monteiro, em ação de rito sumaríssimo, na forma do art. 275, II, b, do CPC/73.

Ainda na década de 90, nos autos do REsp nº 128542-SP5, o relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, se apoiando na doutrina agrarista gaúcha, entendeu que a ação de cobrança do valor equivalente à quantidade de produto não poderia prosperar, conquanto ser contrária à lei a cláusula que fixava o preço em produtos, tida por origem da dívida no caso concreto.

Adentrando às fontes materiais da vedação do art. 18 do Decreto nº 59.566/66, o Ministro entendeu que esta visa evitar os inconvenientes resultantes da prática anterior, a qual o legislador pátrio quis impedir se repetissem, uma vez que era altamente injusta.

Até aqui, verifica-se que a posição da Corte na matéria era no sentido de negar a qualidade de título dotado de força executiva imediata ao contrato de arrendamento em que houve fixação do preço em produtos, o que, no último julgado representou até mesmo negativa de procedimento da ação de cobrança.

Em caso que versava sobre a validade de proposta de arrendamento feita por terceiro, a Corte, nos autos da MC° 3.320 – RS6 de relatoria do Ministro Menezes Direito entendeu que tal validade encontrava-se associada à proposta feita em dinheiro, tratando- se de proposta nula a feita segundo o que seria “o correspondente em dinheiro a sete (7) sacas de soja por ano”.

Outra decisão, da lavra do mesmo relator anterior, julgada em 16.05.20027, em abordou a validade de notificação premonitória com indicação do preço em produto.

4BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 21.655/MS. 3. Turma. Relator: Ministro Waldemar Zveiter, j.08.09.1992 DJ 03.11.1992. Superior Tribunal de Justiça, Brasília. Disponível em: <

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp>. Acesso em 09 dez. 2018.

5BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 128542/SP. 4. Turma. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j.14.10.1997. DJ 09.12.1997. Superior Tribunal de Justiça, Brasília. Disponível em: <

https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199700271110&dt_publicacao=09- 12-1997&cod_tipo_documento=3 >. Acesso em 09 dez. 2018.

6BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar nº 3320/RS. 3. Turma. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j. 22.05.2001. DJ13.08.2001. Superior Tribunal de Justiça, Brasília. Disponível em:<

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=IMGD&sequencial=197633&nu m_registro=200001297724&data=20010813&formato=PDF>. Acesso em 09 dez. 2018.

7BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 334.394/RS. 3. Turma. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.05.2002. DJ 05.08.2002. Superior Tribunal de Justiça, Brasília. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/288026/recurso-especial-resp-334394-rs-2001-0090086- 1/inteiro-teor-100216150 >. Acesso em 09 de dez. 2018.

(5)

notificação gera dificuldade ao arrendatário para oferecer contraproposta, tornando inviável a ação de despejo.

2.2 Uma “quase” abertura

Dez anos passados, em 2012, o repositório de jurisprudência da Corte noticia decisão no AgRg no REsp 1062314 / RS8, em que foi relator o Ministro Villas Bôas Cueva. Neste ensejo, poderia ter ocorrido uma virada jurisprudencial indireta importante no acórdão que vai assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. CLÁUSULA QUE FIXA O PREÇO EM PRODUTO. ALEGADA NULIDADE. REVISÃO DO ACÓRDÃO QUE ENCONTRA ÓBICE NAS SÚMULAS NºS 5 E 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. Rever as conclusões do acórdão - que entendeu lícita a cláusula do contrato de arrendamento rural que fixa o preço em produto - encontra óbice nas Súmulas nºs 5 e 7/STJ.

2. A agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, o qual se mantém por seus próprios fundamentos.

3. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no REsp 1062314 / RS, foi relator o Ministro VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 24/08/2012)

No caso, a sentença de primeiro grau - confirmada pelo TJ local - tomava como pressuposto o fato de o arrendamento rural ser título líquido, certo e exigível, nos termos do art. 585, IV, do CPC/73, e isso mesmo em face do reconhecimento da nulidade de cláusula que fixou o preço em produto. Nesse entendimento, a magistrada a quo alegou jurisprudência do extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul referente a julgado de 1998.

O caso sobre o qual se debruçou a magistrada testemunhava a celebração de avença em que o preço teria sido fixado pelo “quilo da vaca viva”, acordo de vontades esse que, como pressuposto, não deveria ser considerado nulo, haja vista que “a moeda do pecuarista é o boi, de sorte que não se há que fechar os olhos à realidade e à segurança dos costumes instituídos na região”. Desse modo, a prática e o costume superariam a proteção legal na forma do art. 18 do Decreto nº 59.566/66.

Salientou-se, semelhantemente, que o reconhecimento da validade da cláusula de fixação do preço do arrendamento em produto é a medida mais acertada, uma vez que,

8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1062314/RS. 3. Turma. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.08.2012. DJ 24.08.2012. Superior Tribunal de Justiça, Brasília Disponível em: <

https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22348701/agravo-regimental-no-recurso-especial- agrg-no-resp-1062314-rs-2008-0120133-6-stj/inteiro-teor-22348702?ref=juris-tabs>. Acesso em 09 dez. 2018.

(6)

quando da ocorrência de cobrança da retribuição, há de ser evitado o enriquecimento ilícito/injustificado da parte, “[...] a qual assina o contrato e apenas depois, quando do pagamento, e após ter explorado o objeto do contrato, vem alegar nulidade de cláusula”.

Estribando-se no doutrina de Wellington Pacheco Barros (1998, p. 115), que ressalta a característica especial que possui a legislação agrária no que tange a proteção do hipossuficiente, o Ministro Villa Bôas Cueva, reconhece que a presunção desta hipossuficiência, atualmente, nem sempre seria verdadeira, tendo em vista que a atividade rural no arrendamento, diversas vezes, é desempenhada por grandes empresas do agronegócio – como, de fato, era o caso dos autos.

2.3 Reitera-se a ortodoxia

Entretanto, compulsando a jurisprudência da Corte no ano de 2016, encontra-se voto do mesmo Ministro Villas Bôas Cueva, relator no RESp nº 1.266.975 – MG9, em que o Ministro sustenta que o STJ, “[...] atento à referida disposição legal (art. 18 do Regulamento), orienta-se no sentido de ser nula cláusula de contrato de arrendamento rural que assim dispõe (preço em produto)”.

No âmbito do CPC/15, no art. 926, encontra-se mandamento aos Tribunais pátrios no sentido de que devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. É a doutrina do precedente que aqui reverbera, influência dos sistemas de base common law, em que o direito, em construção constante, é construído a partir de decisões judiciais em casos concretos.

No voto presente no acórdão de 2016, o Ministro Villas Bôas Cueva colaciona ementas da Corte de julgados de 2004 e 2002, respectivamente, da relatoria do Ministros Aldir Passarinho Júnior e Ari Pargendler, que reiteram a posição histórica da Corte.

A única ressalva no corpo do voto é a de que existe acórdão proferido pela Quarta Turma da Corte “em sentido parcialmente diverso”, em que o órgão colegiado restabeleceu a sentença que havia julgado extinto o processo por impossibilidade jurídica do pedido, não remetendo a apuração dos valores para a liquidação por arbitramento.

Quanto a natureza do contrato de arrendamento como prova escrita para a ação monitória, o relator confessa que não se verifica a existência de julgado do Superior Tribunal de Justiça discutindo o mérito sobre a possibilidade de servir como prova escrita em ação monitória contrato de arrendamento rural em que se estipulou o pagamento em frutos ou quantidade de produtos, ou seu equivalente em dinheiro.

9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1062314/RS. 3. Turma.

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10.03.2016. DJ 28.03.2016. Superior Tribunal de Justiça, Brasília Disponível em: <

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=5785852 2&num_registro=201101255344&data=20160328&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em 09 dez. 2018.

(7)

orientou-se no sentido de ser nula cláusula de contrato de arrendamento rural que disponha sobre preço em produtos no contrato de arrendamento. Todavia, há o entendimento que essa nulidade não obsta que o credor proponha ação visando à cobrança de dívida por descumprimento do contrato, hipótese em que o valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação de sentença.

Liquidação aqui se fala, uma vez que, com a violação do art. 18 do Decreto nº 59.566/66, o contrato de arrendamento rural encontra-se eivado de vícios que lhe subtraem o atributo essencial para ser considerado válido. Assim sendo, restaria configurada a ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do título representado pelo contrato de arrendamento.

Em síntese, a posição do STJ quanto ao preço e pagamento no contrato de arrendamento pode ser entendida como constante ao longo do tempo, reportando-se ao fundo publicístico de que rege a matéria agrária, contando, entretanto, como salientado, com uma “quase” abertura em 2012, e reconhecendo que devem ser cobradas as dívidas do arrendamento, em que pese a nulidade da cláusula do preço, em 1992, “por ação de rito sumaríssimo”, ou, na forma de acórdão, de 2017, por ação monitória (rito especial).

3 A voz da doutrina

Abrindo este tópico, encontram-se na doutrina agrarista brasileira diversos autores que comungam do entendimento segundo o qual é perfeitamente possível a fixação do preço do arrendamento em produtos.

Para ilustrar, começamos com a visão de José Fernando Lutz Coelho (2011, p.

62), da Universidade Federal de Santa Maria, o qual apresenta uma visão que pode ser tomada como sendo “neo-agrarista”. Segundo este autor, os termos e ajustes contratuais emanados do Direito Agrário, devem ter sua rigidez “e até inadequação” compatibilizados com os novos paradigmas desenvolvidos pelo novo direito contratual, da nova ordem de princípios do Código Civil de 2002.

Tal consideração do Código Civil implicaria na imprescindível aplicação dos usos e costumes aos liames obrigacionais, de modo a reconhecer que, de fato, a realidade demonstra, ainda segundo aquele autor, que a maioria dos contratos de arrendamento rural são fixados em produtos, em decorrência da utilização da cultura regional, sobretudo no Estado do Rio Grande do Sul.

A judicialização nos casos em que se discute a validade da fixação do preço do arrendamento em produto, segundo já apresentado no âmbito da jurisprudência do STJ,

10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial nº 1000062/TO. 3. Turma. Relator:

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j.27.04.2017, DJ 04.05.2017. Superior Tribunal de Justiça, Brasília Disponível em: <

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=7031953 3&num_registro=201602718612&data=20170504&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em 09 dez. 2018.

(8)

quase sempre culmina na pretensão do arrendatário em permanecer na terra, muitas vezes inadimplente, até que a prestação jurisdicional seja prolatada.

Lutz Coelho, em franca indignação, assevera que:

Com a nulificação da cláusula relacionada ao preço do arrendamento rural, inviabilizará a ação despejatória do arrendador, que não percebe o preço pactuado, e necessita da fixação do valor da renda por meio de arbitramento judicial, oportunizando ao arrendatário inadimplente, que permaneça no imóvel, sem qualquer pagamento até a referida apuração, isso é equilíbrio contratual ou função social?

Sem sombra de dúvida, tal ordem de preocupação é latente na matéria e merece ser bem ponderada pelos tribunais pátrios na seara agrária.

Analisando as possibilidade de uma interpretação alternativa à mera literalidade do texto do Decreto nº 59.566/66, Cristiano Cassettari (2014, p. 95) reconhece que a jurisprudência brasileira se divide na matéria. O doutrinador traz como exemplo de posições favoráveis nos tribunais, como mitigação do art. 18 do Regulamento, acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), julgado em 2011, e do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso (TJMT), julgado também em 2011. Por outro lado, na divergência encontram-se julgados dos Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgado em 2012, e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), julgado em 2013.

Trazendo importante dado da realidade, Cassettari esclarece que um dos problemas de se declarar a nulidade da cláusula de preço em produto no arrendamento é o de que, por ser questão de ordem pública, quando ocorre proposição de ação para fins de retomada do imóvel pelo arrendador, o arrendatário acaba por alegar em sua defesa a causa invalidante da referida cláusula contratual, para que seja possível invocar supostos créditos de pagamento a maior do aluguel, no caso de o preço da mercadoria combinada a ser entregue se desvalorizou.

Na hipótese, caracterizado resta o “venire contra factum proprium”, por parte do arrendatário, o qual é vedado pela cláusula geral de boa-fé objetiva, nos termos do art.

422 do Código Civil.

Cassettari, ainda em seu interessante posicionamento, entende até mesmo que a restrição do art. 18 do Decreto nº 59.566/66 não teria sido recepcionado pelo Código Civil de 2002, o qual incorporou a função social do contrato como sendo princípio de direito contratual, nos termos do art. 421, elevado a preceito de ordem pública no art. 2.035, parágrafo único.

Passando à opinião doutrinária segundo a qual a fixação do preço em produtos não é válida, temos que, para Oswaldo e Sílvia Optiz (1997, p. 291), não valeria a cláusula que estipula que o aluguel é de 100 sacas de arroz, trigo, etc., e nem que será equivalente ao valor de 100 sacas, valendo apenas aquela que estipular que o aluguel fixado em dinheiro, no contrato, pode ser pago em frutos ou produtos.

(9)

flexibilização da norma do art. 18 do Regulamento, tende a reconhecer vigor do que representa os usos e costumes nas regiões rurais do país.

Conclusão

É de fato sensível a questão do produto agrícola no contrato de arrendamento e sua relação com o pagamento, e, no caso, nota-se a cautela que o legislador de 1964 se valeu na matéria a partir da vedação do art. 93, II, do Estatuto, onde se lê que é vedado exigir não só do arrendatário, mas também do parceiro, a exclusividade da venda da colheita.

A compreensão do arrendatário como hipossuficiente dependente de proteção econômico-social por parte do Estado está na raiz da cautela do legislador, que buscou garantir tanto a livre disposição da colheita por parte do arrendatário, bem como a sua proteção quanto às variações dos preços dos produtos.

Data vênia, considerando os art. 112, 421, 1.035, parágrafo único, todos do Código Civil, os usos e costumes, bem como a função social do contrato (tomada aqui como representação direta que o contrato possui do que é a realidade), como questão de ordem pública, pode-se compreender que a matéria do preço demanda certa flexibilização.

Trata-se de reconhecer que a prática revela, e o direito tem tutelado na maioria dos tribunais brasileiros, as relações jurídicas formadas mediante acerto em produtos frutos da exploração da terra pelo arrendatário.

O presente artigo buscou trazer, em linhas gerais, a colocação da problemática do preço e pagamento no contrato de arrendamento rural, o que foi seguido por uma exposição da construção, quase constante ao longo de mais de duas décadas (no que ao menos foi considerado neste artigo), jurisprudencial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, foi dado voz à doutrina agrarista brasileira de modo a promover a melhor compreensão da matéria desde a ótica acadêmica, culminando na apresentação de um posicionamento particular.

O Direito caminha a passos largos rumo à modernização, tanto na seara doutrinária, quanto na jurisprudencial, contando com as melhorias introduzidas pela legislação em boa hora: o preço do arrendamento em produtos logo passará, sobretudo no STJ, a ser garantido como forma de se superar o “erro histórico” de que falava o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em outubro deste ano.

Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 21.655/MS. 3. Turma. Relator:

Ministro Waldemar Zveiter, j.08.09.1992 DJ 03.11.1992. Superior Tribunal de Justiça, Brasília. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp>. Acesso em 09 dez. 2018.

(10)

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 128542/SP. 4. Turma.

Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j.14.10.1997. DJ 09.12.1997. Superior Tribunal de Justiça, Brasília.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar nº 3320/RS. 3. Turma. Relator:

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j. 22.05.2001. DJ13.08.2001. Superior Tribunal de Justiça, Brasília.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 334.394/RS. 3. Turma.

Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.05.2002. DJ 05.08.2002. Superior Tribunal de Justiça, Brasília.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1062314/RS. 3. Turma. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.08.2012. DJ 24.08.2012. Superior Tribunal de Justiça, Brasília

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1062314/RS. 3. Turma. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10.03.2016. DJ 28.03.2016. Superior Tribunal de Justiça, Brasília.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial nº 1000062/TO. 3.

Turma. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j.27.04.2017, DJ 04.05.2017.

Superior Tribunal de Justiça, Brasília.

BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. São Paulo: Livraria do Advogado, 3ª ed. 1998.

CASSETTARI, Christiano. A fixação do preço no contrato de arrendamento rural no Brasil: dinheiro ou frutos. In: TRENTINI, Flávia (coordenadora). Desafios do Direito Agrário contempo: Anais do XII Congresso Mundial de Direito Agrário da UMAU.

Ribeirão Preto: Altai Edições, 2014.

COELHO, Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2017.

NETO, Grassi R. Contratos agrários. 2 ed. Santo André: Esetec, 2007.

Referências

Documentos relacionados

I. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO ESTÁGIO ... Horário de Funcionamento ... Perfil dos Utentes ... Espaço Exterior ... Espaço Interior ... Fontes de Informação ...

Na vertente prática, foi feito o acompanhamento da implementação dos módulos já adjudicados à iPortalMais de Gestão de Correspondência Recebida e Gestão de Reuniões da

O desafio apresentado para o componente de Comunicação e Percepção Pública do projeto LAC-Biosafety foi estruturar uma comunicação estratégica que fortalecesse a percep- ção

We postu- lated that, although the insect parasite attack would affect the entire host tree, the impact by galling insects on the host-plant branch attacked by Psittacanthus sp..

As questões acima foram a motivação para o desenvolvimento deste artigo, orientar o desenvol- vedor sobre o impacto que as cores podem causar no layout do aplicativo,

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

Figura 1.2 – Diagrama de Blocos do trabalho de montagem do equipamento SFE O Capítulo 4 – Fracionamento via Separadores é relacionado ao artigo intitulado Fractionation of

Também se pôde avaliar, que as durezas obtidas na rota criogênica com maior duração de criogenia rota F foi a rota que maior dureza apresentou comparando-a com as demais rotas mesmo