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ASSOCIATIVISMO E GÊNERO NA RECICLAGEM: um estudo de caso na Associação de Catadores de Material Reciclável da Rancharia, Ouro Preto, MG

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Academic year: 2023

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ASSOCIATIVISMO E GÊNERO NA RECICLAGEM:

um estudo de caso na Associação de Catadores de Material Reciclável da Rancharia, Ouro Preto, MG

por

Mestranda: Laís dos Santos Pacheco

Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia de Miranda Guarda Coorientadora: Profa. Dra. Kerley dos Santos Alves

Ouro Preto, MG 2021

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental

Mestrado Profissional

(2)

LAÍS DOS SANTOS PACHECO

ASSOCIATIVISMO E GÊNERO NA RECICLAGEM:

um estudo de caso na Associação de Catadores de Material Reciclável da Rancharia, Ouro Preto, MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental, Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental.

Área de Concentração: Sustentabilidade

Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia de Miranda Guarda Coorientadora: Profa. Dra. Kerley dos Santos Alves

Ouro Preto, MG

2021

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Pacheco, Laís dos Santos.

PacAssociativismo e gênero na reciclagem [manuscrito]: um estudo de caso na Associação de Catadores de Material Reciclável da Rancharia, Ouro Preto, MG. / Laís dos Santos Pacheco. - 2021.

Pac144 f.: il.: color., mapa. + Quadro.

PacOrientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia de Miranda Guarda.

PacCoorientadora: Profa. Dra. Kerley dos Santos Alves.

PacDissertação (Mestrado Profissional). Universidade Federal de Ouro Preto. Escola de Minas. Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental.

PacÁrea de Concentração: Políticas Públicas Para o Meio Ambiente.

Pac1. Meio ambiente. 2. Cooperativas de reciclagem. 3. Economia solidária. 4. Identidade de gênero. I. Alves, Kerley dos Santos. II. Guarda, Vera Lúcia de Miranda. III. Universidade Federal de Ouro Preto. IV. Título.

Bibliotecário(a) Responsável: Sione Galvão Rodrigues - CRB6 / 2526

SISBIN - SISTEMA DE BIBLIOTECAS E INFORMAÇÃO

P116a

CDU 502.174.1

(4)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO REITORIA

ESCOLA DE MINAS

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM SUSTENT SOCIOECON AMBIE

FOLHA DE APROVAÇÃO

Laís dos Santos Pacheco

Associa vismo e Gênero na Reciclagem: um estudo de caso em Ouro Preto, MG

Dissertação apresentada ao Programa de em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial para obtenção do tulo de mestre em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental.

Aprovada em 27 de setembro de 2021.

Membros da banca

Profa. Dra. Vera Lúcia de Miranda Guarda - Universidade Federal de Ouro Preto Prof. Dr. Máximo Eleotério Mar ns - Universidade Federal de Ouro Preto Profa. Dra. Fernanda Costa de Matos - Universidade Federal de Minas Gerais

Profa. Dra. Kerley dos Santos Alves - Universidade Federal de Ouro Preto Maria das Graças de Melo Ferreira - Prefeitura Municipal de Ouro Preto

Vera Lúcia de Miranda Guarda, orientador do trabalho, aprovou a versão final e autorizou seu depósito no Repositório Ins tucional da UFOP em 10/12/2021

Documento assinado eletronicamente por Kerley dos Santos Alves, COORDENADOR(A) DE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SUSTENTABILIDADE SOCIOECONÔMICA AMBIENTAL, em 18/12/2021, às 11:28, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

A auten cidade deste documento pode ser conferida no site h p://sei.ufop.br/sei/controlador_externo.php?

acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0 , informando o código verificador 0260823 e o código CRC 929937B7.

Referência: Caso responda este documento, indicar expressamente o Processo nº 23109.013397/2021-20 SEI nº 0260823

R. Diogo de Vasconcelos, 122, - Bairro Pilar Ouro Preto/MG, CEP 35400-000 Telefone: - www.ufop.br

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AGRADECIMENTOS

À minha família, por todas as oportunidades proporcionadas e por ter constituído a base que me permitiu chegar aonde estou hoje.

À Gabriela, Júlia e Sui, amigas queridas que tanto me apoiaram nos momentos mais difíceis dessa jornada.

Às minhas orientadoras, Profª Dra. Vera Lúcia de Miranda Guarda e Profª Dra. Kerley dos Santos Alves, por todos os ensinamentos, paciência e incentivo, tendo contribuído para minha formação como pesquisadora.

Às catadoras da ACMAR, por terem tornado essa pesquisa possível, compartilhando suas histórias e se mostrando sempre tão abertas, além de realizarem um trabalho extremamente importante para todos nós.

À Filinha, Maria das Graças Melo, por toda ajuda prestada desde o início desse projeto e por ter sido tão solícita.

A todos os entrevistados que dispuseram de seu tempo e partilharam informações tão importantes.

Ao grupo do Rotaract, em especial ao Lucas de Assis, por ter acolhido a ideia do curso de capacitação e por ter sido tão prestativo.

À Hemerson Soares, pela diagramação, e Anderson, pelas dicas para a cartilha.

À Jade, pelas contribuições com detalhes finais do trabalho.

Aos colegas de turma e todo o corpo docente e técnico do Programa de Pós-graduação em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental (PPGSSA), que tornaram essa experiência tão enriquecedora.

Aos professores avaliadores, por todas as excelentes contribuições feitas.

Além daqueles não citados aqui e que, mesmo de forma indireta, permitiram a concretização desse projeto. Esse trabalho não existiria sem a ajuda de todos vocês. Sou imensamente grata!

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Sem igualdade de gênero não há desenvolvimento sustentável

Nadine Gasman

Tendo a sobrevivência como foco, era para ela que os catadores estavam olhando em suas trajetórias e é por ela que – nos descaminhos traçados pelos assombrosos mecanismos de desigualdade e injustiça – todos lutavam

Michele Oliveira

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RESUMO

A reciclagem, que vem ganhando cada vez mais espaço no debate ambiental, representa a principal fonte de renda para os catadores de materiais recicláveis. No Brasil, aproximadamente 75% desses trabalhadores são mulheres, e essa presença majoritariamente feminina está relacionada a diferentes fatores, inclusive a desigualdades de gênero. Sendo assim, este estudo buscou compreender como o trabalho em uma associação de reciclagem de Ouro Preto, em Minas Gerais, integra as questões de gênero e socioambientais nas suas atividades. Buscou, ainda, avaliar como ocorre a gestão de resíduos na região, as formas de organização existentes e como ocorre a participação feminina nesse processo. Para isso, além do estudo bibliográfico, foram realizadas entrevistas com gestores públicos municipais, representantes da sociedade civil e acadêmica, e com as integrantes da Associação de Catadores de Material Reciclável da Rancharia (ACMAR). Os resultados mostram que, em relação à situação do manejo de resíduos em Ouro Preto, as condições não são satisfatórias, apresentando entre os principais problemas a ausência de um local adequado para a disposição final dos resíduos, a carência de investimentos na coleta seletiva e a falta de um plano integrado para a sua gestão. Também foi observado que o município possui três associações de reciclagem, sendo uma delas a ACMAR, que é composta por cinco mulheres que apresentam um perfil marcado por um histórico de desigualdades. Mesmo com os benefícios advindos do seu agrupamento em uma associação, as catadoras ainda enfrentam desafios, como a ausência de direitos trabalhistas, salários inferiores ao mínimo e insalubridade. Além disso, os dados da pesquisa demonstraram que os elementos das desigualdades de gênero, raça e classe, limitações da divisão sexual do trabalho e dificuldade de conciliar a extensa jornada laboral no âmbito privado e público constituem fatores que, juntos, dificultam a entrada da mulher negra no setor formal de trabalho e explicam sua presença majoritária no mercado informal tradicional e em práticas que propõem uma nova dinâmica trabalhista, como nas associações de reciclagem. Conclui-se que políticas públicas que insiram as questões de gênero, raça e classe ainda são incipientes ou quase inexistentes para o setor de reciclagem, e que os futuros gestores precisam incluí-las, com urgência, em seus planejamentos.

Palavras-chave: Reciclagem. Economia Solidária. Associações. Gênero. Ouro Preto.

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ABSTRACT

Recycling, which has been gaining more and more space in the environmental debate, represents the main source of income for recyclable material collectors. In Brazil, approximately 75% of these workers are women, and this predominantly female presence is related to different factors, including gender inequalities. Therefore, this study sought to understand how the work in a recycling association in Ouro Preto, Minas Gerais, integrates gender and socio-environmental issues in its activities. It also sought to assess how waste management takes place in the region, the existing forms of organization and how women participate in this process. For this, in addition to the bibliographical study, interviews were conducted with municipal public managers, representatives of civil and academic society, and with members of the Rancharia Recyclable Material Collectors Association (ACMAR). The results show that, in relation to the situation of waste management in Ouro Preto, the conditions are not satisfactory, presenting, among the main problems, the absence of a suitable place for the final disposal of waste, the lack of investments in selective collection and the lack of an integrated plan for its management. It was also noted that has three recycling associations in the city, one of which is ACMAR, which is made up of five women who have a profile marked by a history of inequalities. Even with the benefits arising from their grouping in an association, the collectors still face challenges, such as the absence of labor rights, low income and some precarious conditions. In addition, the survey data showed that the elements of gender, race and class inequalities, limitations of the sexual division of labor and difficulty in reconciling the long working hours in the private and public spheres are factors that, together, make it difficult for black women to enter in the formal work sector and explain their majority presence in the traditional informal market and in practices that propose a new labor dynamic, such as recycling associations. It is concluded that public policies that include issues of gender, race and class are still incipient or almost non-existent for the recycling sector, and that future managers need to urgently include them in their planning.

Keywords: Recycling. Solidarity Economy. Associations. Gender. Ouro Preto.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. OBJETIVOS ... 14

2.1. Objetivo Geral ... 14

2.2 Objetivos Específicos ... 14

3. REVISÃO DA LITERATURA ... 15

3.1 Resíduos Sólidos... 15

3.1.1 Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos ... 16

3.1.2 Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) ... 19

3.1.3 Panorama Brasileiro ... 21

3.1.4 Reciclagem ... 22

3.2 Precarização do Trabalho e Formas de Organização ... 27

3.2.1 Economia Solidária ... 30

3.2.2 Cooperativas de Reciclagem ... 36

3.3 Perspectivas de Gênero ... 40

3.3.1 Recorte Racial ... 46

3.3.2 Gênero, Raça e Trabalho informal ... 47

3.3.3 Relações de Gênero nas Cooperativas de Reciclagem ... 50

4. METODOLOGIA... 54

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 59

5.1 A Gestão de Resíduos em Ouro Preto (MG) ... 59

5.1.1 Como Ocorre a Gestão de Resíduos em Ouro Preto ... 59

5.1.2 Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) ... 70

5.1.3 Turismo... 73

5.1.4 Ações Futuras ... 76

5.2 Associações e Catadores de Materiais Recicláveis em Ouro Preto (MG) ... 78

(10)

5.2.1 Associações de Reciclagem ... 78

5.2.2 Perfil Socioeconômico das Catadoras ... 79

5.2.3 Relações de Trabalho ... 83

5.3 Perspectivas de Gênero na Reciclagem em Ouro Preto (MG) ... 91

5.3.1 Inserção e Permanência Feminina no Ramo da Reciclagem ... 91

5.3.2 Divisão Sexual do Trabalho na Associação ... 96

5.4 Produtos Técnicos/Tecnológicos... 98

5.4.1 Curso de Capacitação ... 99

5.4.2 Cartilha 5S ... 100

6. CONCLUSÕES... 102

REFERÊNCIAS ... 105

APÊNDICES ... 119

ANEXOS ... 137

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11 1. INTRODUÇÃO

Atualmente, uma das principais problemáticas ambientais está relacionada à gestão de resíduos sólidos urbanos. Nesse contexto, a reciclagem vem ganhando cada vez mais espaço no debate ambiental como atividade de importância econômica, ambiental e social. Ela representa a principal fonte de renda para os trabalhadores que atuam na base da sua cadeia, os catadores de materiais recicláveis. Entretanto, apesar da ideia de unificação transmitida por esse termo, a catação é vivenciada de diferentes formas, sendo influenciada por fatores como gênero e cor, por exemplo (VALLIN; DIAS, 2017).

No Brasil, segundo o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCMR), aproximadamente 75% dos catadores são mulheres (VALLIN; DIAS, 2017), mas ainda são poucos os estudos no país que discutem as relações de gênero na gestão de resíduos sólidos (MARTINS, 2016; RAMOS, 2012). Essa lacuna também é observada na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS): embora a presença de mulheres no nicho da catação seja majoritária, a PNRS não prevê nenhuma especificidade acerca do assunto (ASSUNÇÃO, 2017).

Alguns autores destacam a importância de analisar o trabalho das mulheres no âmbito da reciclagem levando em consideração as questões da dupla jornada de trabalho presente na realidade das mesmas, pois esse é um fator que influencia a atuação delas como catadoras, podendo resultar em horas reduzidas de trabalho, gerando, como consequência, uma menor renda (ASSUNÇÃO, 2017; VALLIN; DIAS, 2017). Além disso, esses estudos apontam que a precarização do trabalho afeta de forma desigual as mulheres, principalmente as mulheres catadoras, que estão mais expostas às injustiças ambientais presentes na cadeia da reciclagem, o que ressalta a relevância de uma análise mais aprofundada do tema.

Contudo, um aspecto importante a ser levado em conta é o contexto em que essas mulheres estão inseridas. As cooperativas e associações representam uma forma de organização coletiva conhecida como Economia Solidária, sendo empreendimentos importantes pelo seu potencial emancipador. A Economia Solidária representa uma forma mais justa, igualitária e, ao mesmo tempo, rentável de organização (REIS, 2010). Além de privilegiarem a propriedade

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12 coletiva, estas práticas econômicas e sociais também priorizam a justiça social, o cuidado com o meio ambiente e a responsabilidade com as gerações futuras (FRANCESCHINI; RIBEIRO;

MACHADO, 2010), apresentando-se como uma alternativa para a humanização e formalização do trabalho dos catadores junto aos sistemas de coleta de resíduos (RAMOS, 2012).

Como apontado por Silva (2014), no campo da reciclagem, essas iniciativas são constituídas por grupos historicamente excluídos, socialmente vulneráveis e economicamente discriminados, com destaque nesse sentido para as catadoras, mulheres negras, em sua maioria.

Ainda assim, apesar da diversidade de práticas associativas protagonizadas por mulheres no país, a maior parte permanece em uma zona de silêncio e esquecimento (MARTINS, 2016).

Entretanto, essa análise é relevante para a compreensão da condição do trabalho que elas exercem e o impacto que ele pode provocar em suas vidas (RAMOS, 2012), além de elucidar a influência das questões de gênero no âmbito da sustentabilidade, pois a participação das mulheres nesse segmento é essencial, contribuindo para o desenvolvimento social, econômico e ambiental (ROCHA; FARIA, 2012).

No que se refere à sustentabilidade urbana, Nascimento e Cabral (2017) destacam que a abordagem de gênero na questão ambiental é essencial para evidenciar elementos fundamentais na construção de um desenvolvimento sustentável com equidade. Sendo que, no contexto da gestão de resíduos, as catadoras desempenham um papel imprescindível para o processo de reciclagem, atuando como agentes ambientais, alinhando-se ao princípio dos empreendimentos econômicos solidários que dizem respeito à contribuição para a sustentabilidade. Entretanto, para o exercício pleno das atividades das cooperativas, inúmeras ações podem contribuir para sua melhor atuação no mercado de resíduos recicláveis e para o seu processo de autonomia, e é nesse contexto que se insere a ideia de ações capazes de impulsionar a autogestão das cooperativas (FRANCESCHINI; RIBEIRO; MACHADO, 2010).

Reis (2010), ao realizar um estudo na Associação de Catadores de Materiais Recicláveis da Rancharia (ACMAR), em Ouro Preto, MG, uma associação composta, em sua maioria, por mulheres, destaca, entre outras ações, a importância de elaborar atividades que atuem no sentido de desenvolver as potencialidades internas e fomentar uma maior independência dos catadores, visando capacitar e incentivá-los para a formação de empreendimentos que lhes propiciem a geração de trabalho e renda dignos, tornando esta atividade mais lucrativa e melhorando as condições de vida dos mesmos.

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13 Nesse sentido, esta pesquisa tem o intuito de compreender, no contexto de Ouro Preto, Minas Gerais, como o trabalho das associações de reciclagem do município - mais especificamente, da ACMAR - integram as questões de gênero e socioambientais nas suas atividades. Espera-se evidenciar principalmente que tais questões, além de terem impacto na vida das catadoras, também afetam a cadeia da reciclagem e deveriam ser levadas em consideração durante a formulação de políticas públicas voltadas ao tema.

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14 2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Compreender como o trabalho nas associações de reciclagem de Ouro Preto, em Minas Gerais, integra as questões de gênero e socioambientais nas suas atividades.

2.2 Objetivos Específicos

▪ Verificar como ocorre a Gestão de Resíduos Sólidos em Ouro Preto;

▪ Investigar como a Economia Solidária e suas formas de organização, no âmbito da reciclagem, se estão presentes na cidade;

▪ Analisar como acontece a participação de mulheres no processo da gestão de resíduos e as Relações de Gênero existentes nesse contexto;

▪ Propor instrumentos que possam trazer melhorias às associações, preenchendo lacunas, favorecendo a autonomia e impulsionando seu trabalho.

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15 3. REVISÃO DA LITERATURA

3.1 Resíduos Sólidos

No contexto atual, uma das principais problemáticas ambientais está relacionada à questão dos resíduos. Altas taxas de crescimento demográfico, aumento da produção industrial e padrões de consumo cada vez mais elevados são alguns dos fatores que estão ligados à sua crescente geração e ao agravamento dessa problemática nos últimos anos (REIS; PONTES, 2019).

Desde sempre os seres humanos geraram resíduos como parte de seu cotidiano.

Entretanto, sua composição e volume passaram por diversas mudanças no decorrer do tempo.

Um grande marco foi a Revolução Industrial, que, além de acelerar a quantidade de resíduos produzidos, representou um ponto em que estes passaram a ganhar notoriedade como problema de saúde pública (GARCIA et al., 2015). Porém, suas consequências ambientais só foram de fato consideradas a partir da década de 1970, quando o assunto foi debatido em ocasiões importantes, como a Conferência de Estocolmo e a ECO 92 (DEUS; BATTISTELLE; SILVA, 2015).

No presente, sabe-se que o aumento da quantidade de resíduos e sua má gestão levam a danos ambientais, sociais e econômicos. Ou seja, além das consequências danosas ao meio ambiente, diminui a qualidade de vida da população e não faz proveito do seu potencial econômico, capaz de prover renda e oportunidades de trabalho (SOUZA; CHAVES; ALVIM, 2015). Sendo assim, a sociedade atual se encontra diante do desafio de encontrar soluções alternativas, principalmente aquelas baseadas nos pilares do desenvolvimento sustentável, para esta questão. Soluções essas que englobem desde as primeiras etapas de produção - com a extração de recursos naturais - as formas de consumo, até a disposição final dos resíduos (CELERI; CORTEZ, 2017; REIS; PONTES, 2019). Tal gerenciamento é complexo e precisa estar articulado a diferentes agentes, inclusive atores sociais. Dessa forma, diversas estratégias devem estar interligadas para uma melhor gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU).

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16 3.1.1 Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos

“Lixo” é uma expressão popular utilizada para representar todos os restos gerados a partir das atividades da sociedade, sendo visto como aquilo que não tem valor e é inútil, indesejável, descartável (MONTEIRO et al., 2001). Entretanto, hoje em dia são utilizados outros dois termos para retratar o que era conhecido como lixo: rejeitos e resíduos sólidos. Os resíduos sólidos são aqueles que ainda podem ser reutilizados, reciclados, ainda possuindo valor econômico. Enquanto rejeito é tudo aquilo que não pode mais ser reaproveitado (SEBRAE, 2015). A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, LEI Nº 12.305/2010, art.

3º, inciso XV e XVI) os definem como:

Resíduos Sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível;

Rejeitos: resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.

Além disso, os resíduos sólidos podem ser agrupados em diferentes categorias, a depender da sua composição (orgânicos e inorgânicos), periculosidade (perigosos ou não- perigosos) ou origem (domiciliares, comercial, de construção civil, industriais, de limpeza pública urbana, de serviço de saúde, agrícolas, de mineração e de serviços de transporte), o que demanda diferentes métodos de gestão (JACOBI; BESEN, 2011; SEBRAE, 2015).

No Brasil, a gestão dos resíduos sólidos é responsabilidade de cada município. E esse termo engloba todo o processo de escolha das ações a serem realizadas no cenário em questão, o que envolve a participação de diferentes atores sociais e que deve integrar, segundo Schalch et al. (2002, p. 72), principalmente parâmetros “político-estratégicos, institucionais, legais e financeiros capazes de orientar a organização do setor”. Em contrapartida, segundo os autores, o gerenciamento dos resíduos, fase a ser organizada após a definição do modelo de gestão a ser utilizado, trata dos elementos técnicos e práticos a serem aplicados, sendo dividido em diferentes etapas (Figura 1).

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17 Figura 1: Etapas da gestão de resíduos

Fonte: Elaborada pela autora (2020).

O conjunto de ações responsáveis pela destinação adequada dos resíduos se inicia com a geração e o acondicionamento. Essa fase é de responsabilidade da população, sendo efetuada nas residências, nos centros comerciais e industriais. Está relacionada à alocação dos resíduos em recipientes adequados e, posteriormente, nos pontos de coleta em horário estabelecido. Um acondicionamento apropriado ajuda a evitar acidentes e a proliferação de vetores de doenças, e, além disso, auxilia as próximas etapas, que podem ter sua eficácia comprometida, caso contrário (SOUZA; GUADAGNIN, 2009).

As etapas seguintes (coleta e transporte) são as responsáveis pela maior parte dos custos totais do gerenciamento (MONTEIRO et al., 2001). Representam o processo de coleta dos resíduos nos pontos estabelecidos e sua transferência - geralmente através de caminhões - para os centros de tratamento e, posteriormente, de destinação final. A regularidade é um ponto crucial dessas etapas, o que demanda um planejamento logístico adequado (ANDREOLI et al., 2014). Em alguns casos, faz-se necessário o transbordo, que se refere à transferência dos resíduos de caminhões com limite de carga de até 15 m³ para outros capazes de acomodar um maior volume (NUNES; SILVA, 2015).

A próxima fase, de tratamento, se refere a uma série de técnicas que podem ser utilizadas com o intuito de reaproveitar, diminuir a quantidade e o impacto dos resíduos no ambiente (SOUZA; GUADAGNIN, 2009). Tais métodos podem ser divididos em processos físicos, químicos e biológicos. Entre os processos biológicos, destaca-se a compostagem, que se baseia

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18 na decomposição de materiais orgânicos (restos de alimento, folhas, etc.) por organismos aeróbios para a fabricação de um composto orgânico que pode ser utilizado como fertilizante na agricultura (LACERDA et al., 2020). Em relação aos processos químicos, a incineração é um dos métodos mais conhecidos, sendo uma espécie de tratamento térmico que se baseia na combustão dos materiais a mais de 800°C (PALERMO; GOMES, 2017). E quanto aos processos físicos, citam-se os sistemas de beneficiamento - a separação, redução de tamanho e volume dos resíduos, como, por exemplo, a prensagem em fardos a serem utilizados na reciclagem, atividade que será mais abordada posteriormente.

Entretanto, apesar dos esforços dos processos de tratamento e sua contribuição para reduzir a quantidade de materiais finais, sempre resultam dessas atividades alguns rejeitos, que precisam receber destinação final adequada. Uma destinação final apropriada deve seguir determinadas normas, com o intuito de não gerar danos ao ambiente, à segurança ou à saúde da população (CASTRO, 2015).

Ainda hoje, inúmeros municípios continuam utilizando o lixão como principal meio de disposição final. Esta é uma forma imprópria de descarte por diversos motivos, mas principalmente por não incluir nenhum tipo de tratamento prévio do solo ou recobrimento periódico do material. Isso leva a consequências como a atração de vetores de doenças; a liberação de gases que, além de possuírem odor desagradável, contribuem com o avanço das mudanças climáticas; a poluição de águas subterrâneas com o chorume que se infiltra no solo;

além do problema social resultante da presença de pessoas no local (ANDREOLI et al., 2014;

SCHALCH et al., 2002). Outra forma de destinação final utilizada é o aterro controlado, que difere do lixão por se dispor a cobrir os rejeitos com terra, o que ajuda a evitar a presença de vetores. Entretanto, ainda é uma técnica ambientalmente inadequada e menos eficaz que o aterro sanitário (CUNHA; CAIXETA, 2002). O aterro sanitário é um dos métodos que detém o maior número de benefícios, sendo, segundo Andreoli et al. (2014, p. 544):

Uma alternativa de disposição final que consiste na compactação dos resíduos sólidos em camadas. O solo é impermeabilizado, o chorume coletado e posteriormente tratado, evitando a contaminação das águas subterrâneas. O gás metano gerado em virtude da decomposição anaeróbia da matéria orgânica no interior do aterro muitas vezes é queimado, podendo também ser realizado o aproveitamento energético para geração de energia elétrica.

Dessa forma, pode-se notar a diversidade de práticas que compõem a cadeia de gestão dos resíduos sólidos urbanos. Várias etapas ajudam a somar esforços para que a menor

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19 quantidade possível de rejeitos sobre ao final. Ainda assim, esses remanescentes, quando recebem uma destinação final adequada, podem ter um baixo impacto no ambiente.

A partir das experiências vivenciadas em diferentes regiões do mundo, notam-se alguns padrões que permeiam as práticas de gestão bem-sucedidas. Dentre elas, é possível citar uma coleta que alcance a maior parcela possível da população com regularidade e a utilização de múltiplas formas de tratamento para os resíduos antes de destiná-los aos aterros sanitários (ANDRADE; FERREIRA, 2011).

Além disso, Abramovay, Speranza e Petitgand (2013) ressaltam quatro pontos essenciais: primeiro, a responsabilidade estendida ao produtor, situação na qual o importador e o produtor arcam (parcial ou totalmente) com os gastos relacionados aos resíduos gerados a partir dos seus produtos, o que em muitos lugares resultou em uma mudança na concepção destes, de forma a dar preferência a peças reutilizáveis; segundo, a responsabilidade dos consumidores, que pode envolver diferentes estratégias, como, por exemplo, o pagamento da coleta pública a depender da quantidade de resíduos produzidos por cada cidadão, condição capaz de gerar mudanças nos padrões de consumo da população; terceiro, o acompanhamento da atuação do setor privado por algum tipo de agência pública; e, por fim, a existência de um quadro legal com diretrizes capazes de dar suporte, orientar e monitorar o desenvolvimento dessas atividades.

3.1.2 Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)

Em 2010, após 19 anos de tramitação, foi aprovado no Brasil o projeto da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, que engloba orientações para uma gestão integrada e sustentável dos resíduos sólidos. (SILVA;

ROSAS; NAZARÉ, 2018).

Conforme suas diretrizes, o país deve ter até 2020 as bases necessárias para tratar de forma eficiente a questão dos resíduos, do ponto de vista social, econômico e ambiental (ANDRADE; FERREIRA, 2011; SEBRAE, 2015). A PNRS estabeleceu um prazo para que os municípios elaborassem e colocassem em prática um plano de gerenciamento de resíduos

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20 sólidos até 2014. Este deveria conter metas de incentivo à reciclagem, redução da geração de resíduos, plano para extinguir os lixões, dentre outras diretrizes, sendo a entrega desse plano a condição necessária para o acesso aos recursos disponibilizados pela União para o setor (JACOBI; BESEN, 2011).

Também foi estabelecida uma nova ordem de prioridade para o gerenciamento dos resíduos (Figura 2): não-geração (evitar a geração de resíduos, diminuindo o consumo desnecessário); redução (quando o consumo for realmente necessário, tentar diminuir ao máximo a quantidade de resíduos finais, evitando, por exemplo, embalagens); reutilização (usar os materiais resultantes do consumo para outros fins que não o original, como, por ex., o uso de embalagens vazias como vasos de plantas); reciclagem (o uso do resíduo como matéria- prima para a fabricação de um novo objeto); tratamento (compostagem, incineração, etc.); e disposição final ambientalmente adequada (aterros sanitários). É importante notar que alguns desses princípios dependem da conscientização da população, o que pode ser estimulado através de programas de educação ambiental, ponto que também é incentivado pela PNRS (OLIVEIRA; GALVÃO, 2016; SEBRAE, 2015).

Figura 2: Ordem de prioridade para gestão de resíduos estipulada pela PNRS

Fonte: Elaborada pela autora, 2020.

Além disso, a PNRS estabelece a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos para a sociedade, poder público e privado (THODE et al., 2015). Ou seja, “tanto as pessoas físicas (os consumidores), quanto as empresas são responsáveis legalmente pelo gerenciamento dos resíduos sólidos produzidos por elas” (SEBRAE, 2015, p. 04). Também é introduzido o conceito da logística reversa, que se refere ao retorno dos produtos, após o consumo, ao setor privado, que será responsável por reaproveitar ou fazer a destinação final adequada do resíduo (SOUZA; MELO, 2020). A ampliação da responsabilidade ao setor

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21 privado tem como foco principal a mudança no momento de elaboração dos produtos, de forma a viabilizar ainda mais a reciclagem (ABRAMOVAY; SPERANZA; PETITGAND, 2013).

A PNRS preconiza que a reciclagem é um dos elementos fundamentais para garantir a efetividade de uma gestão adequada (OLIVEIRA; GALVÃO, 2016). Sendo assim, concebe formas de incluir os catadores nos planos de gerenciamento municipais e garantir um maior suporte para suas formas de organização. E, para isso, determina que devem ser estabelecidos acordos entre o setor empresarial e público para promover a logística reversa, além de citar a necessidade da criação de um “programa visando à melhoria das condições de trabalho e às oportunidades de inclusão social e econômica dos catadores” (JACOBI; BENSEN, 2011, p.

139). Além disso, a lei também reforça que, além de gestores dos materiais recicláveis, os catadores são agentes ambientais (ABRAMOVAY; SPERANZA; PETITGAND, 2013).

O conjunto de ações capaz de englobar diferentes áreas do conhecimento; que esteja articulado às práticas de planejamento, operacionais e normativas; que inclua os princípios de prioridade estipulados pela PNRS, envolvendo população, produtores, município e catadores;

que monitora todo o ciclo dos resíduos e garante sua destinação final adequada, aplicando estratégias condizentes às particularidades locais, pode ser classificado como Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos, e tem grandes chances de garantir um ambiente saudável (social, econômico e ambientalmente) à sua população (JACOBI; BESEN, 2011; MONTEIRO et al., 2001; OLIVEIRA; GALVÃO, 2016; SCHALCH et al., 2002).

3.1.3 Panorama Brasileiro

Segundo dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, produzido pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, a geração de resíduos estimada no ano de aprovação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) era de 60.868,080 ton./ano (ABRELPE, 2010) e em 2018 era de 79.069,585 ton./ano (ABRELPE, 2018/2019). Ou seja, houve um aumento de quase 19.000 toneladas.

Uma das expectativas era de que a implementação da PNRS resultasse em uma efetivação mais ampla da coleta seletiva, um serviço que contemplava apenas 17,87% dos municípios em 2008, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (IBGE,

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22 2008), sendo que apenas 13% dos resíduos coletados tinham a reciclagem como destino final em 2010 (IPEA, 2017). Em 2018, o Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos apontou que 38,10% dos municípios contavam com o serviço de coleta seletiva (SNIS, 2019), mostrando um aumento muito incipiente desde a aprovação da PNRS.

Além disso, em 2017, 59% dos resíduos coletados no país foram destinados a aterros sanitários, enquanto 41% foram alocados em lixões ou aterros controlados – destinação considerada imprópria (REIS; PONTES, 2019). Esses dados demonstram que o Brasil ainda tem muito a avançar no tocante à gestão de resíduos.

Apesar das iniciativas, o país ainda não conseguiu cumprir todas essas determinações, estando muito aquém do esperado. Entretanto, levando em consideração a importância da reciclagem, tópico bastante abordado na PNRS, este investimento poderia resultar em um amplo desenvolvimento para o Brasil. Para tal, é de extrema relevância entender mais a fundo seu contexto atual e os benefícios advindos dessa prática (DEUS; BATTISTELLE; SILVA, 2015).

3.1.4 Reciclagem

A PNRS define a reciclagem como um “processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos [...]” (BRASIL, LEI Nº 12.305/2010, art. 3º, inciso XIV), ou seja, reciclar significa usar materiais que aparentemente não teriam mais uso como matéria-prima para fabricar produtos novos.

Além de reduzir o consumo de recursos naturais que seriam necessários para fabricar um produto novo, inclusive água e energia, a reciclagem ajuda a diminuir o montante de materiais que seriam indevidamente destinados aos lixões, prevenindo a poluição das águas, do ar e do solo. Além disso, contribui com a geração de renda de muitos catadores, colaborando com a empregabilidade e a inclusão destes, que ainda são marginalizados pela sociedade. Sem contar que é uma atividade que evita custos: sejam aqueles ligados às consequências da poluição ou os custos relacionados à extração de novos recursos; e tem o potencial de gerar crescimento econômico, como através da produção de biogás para a produção de energia (SOUZA;

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23 CHAVES; ALVIM, 2015; REIS; PONTES, 2019; GARCIA et al., 2015). Dessa forma, nota- se que os benefícios advindos dessa prática alcançam desde o âmbito ambiental até o social e o econômico, o que merece ser analisado mais detalhadamente.

A Questão Econômica da Reciclagem

A reciclagem tem a capacidade de fazer com que o resíduo seja passível de valoração econômica. Apesar disso, o país ainda trata essa atividade como algo inviável economicamente, e talvez por isso os serviços de coleta seletiva ainda ocorram de maneira tão incipiente (SOUZA; CHAVES; ALVIM, 2015).

Souza, Chaves e Alvim (2015) abordam os diversos benefícios relacionados à reciclagem, mas também pontuam uma alta nos custos da coleta seletiva em relação à coleta tradicional. Em 2018, os custos com a coleta seletiva se mostraram 4,6 vezes mais altos em relação à coleta tradicional (CEMPRE, 2018). Entretanto, os benefícios resultantes da atividade superam esses custos iniciais: se os resíduos recicláveis dispostos em lixões ou aterros fossem, de fato, destinados à reciclagem, o país poderia lucrar cerca de R$8 bilhões anualmente (IPEA, 2010).

O trabalho executado pelas cooperativas de reciclagem é tão expressivo que Ribeiro et al. (2014), ao estudarem as cooperativas do Rio de Janeiro, estimaram que estas são capazes de arrecadar anualmente cerca de R$34 milhões. O Anuário da Reciclagem, desenvolvido entre os anos de 2017 e 2018, estimou que as associações acompanhadas pela Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) arrecadaram cerca de R$ 32 milhões em 2018, o que equivale a 67 mil toneladas de resíduos coletados (ANCAT, 2018). Desta forma, torna-se evidente o quanto o país perde economicamente por deixar de investir de forma adequada em coleta seletiva e reciclagem.

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24 A Questão Ambiental da Reciclagem

Por mais que os benefícios econômicos sejam evidentes, as cooperativas também prestam um papel ambiental notável. Ao reaproveitar materiais que seriam descartados, reduz- se a necessidade de extração de matéria-prima, contribuindo para a preservação do meio ambiente.

Ao realizar um estudo a partir do trabalho de 33 cooperativas da região metropolitana do Rio de Janeiro, com o intuito de estimar a influência da reciclagem na preservação de recursos naturais, Ribeiro et al. (2014) observaram que, só em 2008, o trabalho dessas cooperativas poupou 317 mil árvores, graças à reciclagem do papel; 1,6 mil toneladas de bauxita (reciclagem do alumínio); 2,5 mil toneladas de ferro; 59 mil barris de petróleo; e 342 toneladas de carvão mineral. Também foram poupados 77 mil MWh de energia elétrica e 1 milhão de metros cúbicos de água, o suficiente para suprir a necessidade de 24 mil pessoas no mesmo ano.

Além disso, a reciclagem ajuda a evitar o descarte de materiais que levariam muito tempo para se decompor e ainda diminui o risco de contaminação de lençóis freáticos e do solo, preservando, assim, diversos hábitats e os seres que neles vivem (RODRIGUES; FEITOSA;

SILVA, 2015).

Apesar desses impactos mais diretos, o descarte inadequado de resíduos também interfere no aumento dos níveis de Gases do Efeito Estufa (GEE), pois o processo de decomposição dos resíduos resulta principalmente na geração de metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2), favorecendo, assim, a ação das mudanças climáticas. Os resíduos contribuem com 2% do total de emissões de GEE no Brasil. Entretanto, percebe-se um aumento da sua participação nessas emissões: houve um crescimento de 77% entre 1990 e 2005 (GOUVEIA, 2012; RODRIGUES; FEITOSA; SILVA, 2015).

Esse cenário evidencia que os efeitos da gestão inadequada dos resíduos sólidos têm uma repercussão que perpassa diferentes esferas e pode atingir toda a sociedade. Tal fato só reforça a importância da reciclagem e a necessidade de maiores incentivos ao setor.

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25 A Questão Social da Reciclagem

No âmbito social, a reciclagem tem como protagonista a figura do catador de materiais recicláveis. Entender os aspectos que permeiam a vida dos principais agentes da reciclagem é de extrema importância, afinal, como sinaliza Oliveira (2010), a análise da dimensão social permite a criação de um quadro histórico mais detalhado que abrange os catadores, sendo possível observar os caminhos trilhados até a vulnerabilidade na qual se encontram hoje, principalmente na situação da pandemia de COVID-191.

O relatório de 2020 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável destaca que a pandemia tem agravado situações de desigualdade pré-existentes, não afetando a todos do mesmo modo: os mais vulneráveis (mais pobres, idosos, mulheres, crianças, negros, indígenas, dentre outros) sofrem as consequências da pandemia de forma mais severa (UN, 2020). Além disso, no contexto da gestão de resíduos, os trabalhadores do ramo da reciclagem encontram-se expostos em diferentes níveis, da coleta à triagem dos materiais, que podem estar contaminados e permanecer com o vírus na sua superfície por determinado período, representando um alto risco aos catadores (PUGLIESI; SANTIAGO; LEITE, 2020).

E o ramo da reciclagem é marcado justamente pela presença majoritária de mulheres negras, abrangendo um amplo espectro de idades (desde as mais jovens a mais idosas), com baixa escolaridade (a maioria possui ensino fundamental incompleto), e que muitas vezes enxergam a catação como a única oportunidade disponível frente ao desemprego (um dos fatores mais frequentemente alegados como motivadores para o ingresso no ramo da reciclagem). Além disso, os catadores fazem parte de uma categoria marcada pela precariedade laboral, não só pela insegurança relacionada à instabilidade do vínculo empregatício, como também por suas condições de trabalho, um dos motivos que contribuem para que esses trabalhadores tenham maiores índices de mortalidade e morbidade do que o resto da população

1 A doença respiratória causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi classificada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020, após atingir grande parte da população em diferentes partes do mundo

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26 (ANDRADE; FERREIRA, 2011; BOURAHLI et al., 2011; SILVEIRA; SOUSA; TEIXEIRA, 2019; SOUZA; PAULA; SOUZA-PINTO, 2012).

A organização dos catadores em associações ou cooperativas resulta em inúmeros benefícios, sendo possível destacar: a ruptura com o tipo solitário de trabalho, propiciando a formação de uma rede capaz de promover o apoio mútuo, reivindicar de forma mais efetiva seus direitos e ainda ajudar a promover maior lucro com os materiais coletados; a retirada desses trabalhadores de ambientes como lixões, apresentando-lhes a cooperativa como um ambiente de trabalho mais seguro; contribui para recuperar a autoestima, a cidadania e a identidade dos catadores; melhora a sua condição socioeconômica; e ainda ajuda a diminuir a dependência dos intermediários da cadeia de reciclagem (BOURAHLI et al., 2011; ESTEVES, 2015; SILVA, 2017).

Apesar de serem prestadores de um serviço tão valioso para a sociedade, esses trabalhadores ainda enfrentam diversas dificuldades, estando em uma situação de elevada vulnerabilidade social (RIBEIRO et al., 2014). Os catadores são os grandes responsáveis pela maior parte da atividade de reciclagem desenvolvida no país (GRISA; CAPANEMA, 2018).

Portanto, é necessário oferecer a esses trabalhadores maior valorização e melhores condições de trabalho, sejam elas salariais, de infraestrutura, segurança ou profissionalização.

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27 3.2 Precarização do Trabalho e Formas de Organização

As recentes mudanças na dinâmica das relações de trabalho, no contexto capitalista, impulsionaram o processo de flexibilização tão presente no cenário mundial dos últimos anos (NASCIMENTO, 2014). Isso resultou na ascensão dos trabalhos considerados precários, caracterizados “pela falta de regulamentação e a perda de direitos trabalhistas e sociais, através do incentivo à legalização dos trabalhos temporários e da informalização” (PIALARISSI, 2017, p. 3). Este panorama da informalidade é marcado principalmente pela situação de insegurança e instabilidade, desproteção, aumento da jornada de trabalho e diminuição salarial, sendo que os trabalhadores não possuem carteira assinada (ANTUNES, 2011; ANJOS et al., 2019;

PIALARISSI, 2017; STEHLING, 2019). Dessa forma, o conceito de trabalho informal pode abarcar uma ampla gama de sujeitos.

Araújo e Lombardi (2013) destacam a importância de analisar o tema sob a ótica do termo “processos de informalidade”, pois, entre as variadas práticas classificadas como informais, existe um tipo que se refere ao auto emprego de pessoas que buscam, de modo autônomo, uma forma de renda; e, por outro lado, também há o processo de informalidade ligado à ruptura do vínculo de trabalho padrão, ocorrendo a admissão de pessoas em empresas sem a necessidade de garantia dos direitos trabalhistas. Esse fenômeno se tornou possível legalmente graças a alterações na legislação que favoreceram o processo de flexibilização, facilitando a contratação temporária e a terceirização, por exemplo.

Carvalho (2011, p. 15) contribui para esse debate ao destacar que “a cultura do auto- emprego [...] envolve a desobrigação do Estado na oferta de empregos” e que essa flexibilização possibilita aos patrões uma maior abertura para “contratar, demitir, subtrair ou anular direitos”, enquanto para o trabalhador isso não resulta em mais oportunidades ou alternativas mais dinâmicas, e sim intensifica sua situação de insegurança e instabilidade.

A visão geral a respeito do trabalho informal nunca foi unânime, mas ao longo da história puderam-se observar pontos de vista que se sobressaíram, o que nos leva às chamadas velha, neoclássica e nova informalidade. A velha informalidade é assim denominada por ter sido uma perspectiva predominante entre 1960 e 1970. Considera a informalidade sob uma ótica negativa, sendo esta o resultado “de uma economia em transição, que gera desempregados [e]

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28 subempregados” (NORONHA, 2003, p. 119). Já a visão neoclássica enxerga o trabalho informal como positivo, pois seria uma forma de aumentar o lucro de empresas em regiões que possuem uma legislação trabalhista mais rígida e que resultariam em maiores gastos para tais, desconsiderando totalmente a situação dos trabalhadores. E, por fim, sob a perspectiva da nova informalidade, esse processo seria uma consequência natural de modificações na dinâmica do trabalho e do surgimento de novas formas de organização, alegando que a informalidade seria algo neutro (SANTOS; MACIEL; SATO, 2014).

A partir dos anos 1970, a crise do capitalismo e do modelo de produção apoiado no taylorismo/fordismo desencadeou uma série de mudanças na sociedade da época, principalmente no campo laboral (CARVALHO, 2011). Vários postos de trabalho foram dispensados e, além disso, a produção industrial passou a ocupar novas regiões, particularmente aquelas com força de trabalho mais barata. Isso leva a uma nova conjuntura das relações de trabalho, seja através de mudanças no vínculo salarial ou de novos modos de contrato, como

“empresas individuais, de prestação de serviço (basicamente fornecimento de mão-de-obra), cooperativas de trabalho, entre outras variações” (LIMA, 2006, p. 304). O estudo de Nascimento (2014, p. 50) indica como esse cenário contribuiu para a fragilização da classe trabalhadora:

Tais fatores [nova divisão de mercados, desemprego, divisão global do trabalho, fechamento de unidades produtivas, reorganização financeira e tecnológica] repercutem na intensificação das condições de exploração da mão de obra, em que a regra é menor contingente de força de trabalho e maiores índices de produtividade. Assim, ocorrem a perda de direitos trabalhistas, a fragmentação da classe trabalhadora, a precarização da força de trabalho e a destruição do sindicalismo de classe.

Foi com o predomínio do ponto de vista neoliberal no fim de 1980 que o cunho negativo da informalidade foi posto de lado, passando a imperar a visão de que esta representaria não só a tentativa das empresas de gerar maior lucro em países com rígidas legislações trabalhistas, mas também, no caso dos serviços autônomos, seria o reflexo da "veia empreendedora" desses trabalhadores. Porém, em determinado momento, com o avanço do desemprego, o trabalho informal começa a se tornar mais visível também em países centrais. É nesse momento que a informalidade passa ser observada como “produto dos processos de reestruturação econômica, do aumento da competitividade mundial, [...] da desregulamentação dos mercados e do desemprego estrutural" (LIMA, 2006, p. 306), um “sinônimo de flexibilidade dos novos tempos” (SANTOS; MACIEL; SATO, 2014, p. 330).

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29 No Brasil, esse cenário de mudanças mundiais, somado à crise econômica que começava a se acentuar, contribuiu para que a informalidade avançasse nos anos 1990. Ao procurar garantir sua subsistência, a população passou a buscar diferentes tipos de trabalho, inclusive o subemprego (CARVALHO, 2011). E ainda hoje o trabalho informal segue representando a principal forma ocupacional de muitos brasileiros. A Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que, em 2020, aproximadamente 38 milhões de pessoas trabalhavam no setor informal (NOGUEIRA;

AMARAL; JONES, 2020), correspondendo a 41,4% do mercado de trabalho no país (SANTOS et al., 2020). Esses dados indicam que, apesar do desenvolvimento econômico do Brasil nos anos anteriores ter contribuído para a redução das taxas de desemprego, tal avanço não correspondeu de forma equivalente a uma diminuição nos números do setor informal, muitos desses apresentando altos índices de precarização (ARAÚJO; LOMBARDI, 2013).

Com a pandemia do coronavírus, esse cenário tende a se agravar ainda mais. Grande parte dos trabalhadores do país foi afetada, ampliando o quadro de vulnerabilidade até mesmo de pessoas amparadas pela legislação trabalhista. Entretanto, esses efeitos são ainda mais preocupantes quando se considera a situação daqueles inseridos no setor informal. Sem direitos trabalhistas e sociais assegurados, a situação desses trabalhadores é ainda mais problemática, seja pela ausência de renda resultante da pausa dos seus serviços ou da ameaça à sua saúde e vida ao continuarem trabalhando (NOGUEIRA; AMARAL; JONES, 2020; SANTOS et al., 2020).

Mesmo com o fim das ações restritivas, é esperada uma recessão na economia de forma global. Entretanto, o FMI (Fundo Monetário Internacional) salienta que "medidas de lockdown, especialmente quando suficientemente restritivas e adotadas cedo, podem reduzir de maneira significativa o volume de casos de COVID-19. Com isso, os custos econômicos de curto prazo seriam compensados por um crescimento mais forte no médio prazo" (CORRÊA, 2020). Ou seja, a perspectiva de retomada econômica está ligada a ações capazes de controlar ativamente a pandemia, o que não vem ocorrendo por parte do governo brasileiro. E uma crise econômica prolongada pode resultar em um aumento das formas de trabalho precário (NOGUEIRA;

AMARAL; JONES, 2020). Dessa forma, torna-se cada vez mais necessária a discussão sobre medidas capazes de assegurar direitos e garantir a segurança dessa parte da população.

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30 Faz-se necessário destacar, porém, que o crescimento do setor informal não tem consequências iguais para todos, estando mais relacionado a um segmento específico da população, o que reforça a importância de analisar o perfil desses trabalhadores. Os cargos informais são marcados pela presença majoritária da mão de obra feminina (ANJOS et al., 2019), fato associado não só à “feminização crescente da força de trabalho utilizada como forma de barateamento de custos [pelas empresas]” (LIMA, 2006, p. 308), mas também se apresenta como consequência de aspectos decorrentes das desigualdades de gênero, como a divisão sexual do trabalho e a dupla jornada enfrentada pelas mulheres. Além disso, a maior parte (55,7%) do setor informal é composta por negros, em contraste com a maioria de trabalhadores brancos no setor formal. Também é observada a predominância de pessoas com baixa escolaridade e pouca ou avançada idade (ARAÚJO; LOMBARDI, 2013). Mas, de forma geral, é possível afirmar que o sistema capitalista, além de acentuar, faz uso de desigualdades já existentes, seja de gênero, de raça ou de classe, para se fortalecer (NASCIMENTO, 2014).

3.2.1 Economia Solidária

Nesse contexto de mudanças nas relações com o trabalho assalariado, outros meios de organização também entraram em cena, como é o caso da Economia Solidária. Este termo se refere a uma forma de produção que busca se basear essencialmente no ideal de igualdade (OLIVEIRA, 2008). Nesse sentido, a Economia Solidária pode ser definida como “uma atividade econômica produtiva ou de prestação de serviços desenvolvida por uma pluralidade de pessoas que coordenam suas capacidades em comum” (ANJOS et al., 2019, p. 110), objetivando não só o desenvolvimento econômico, mas também o social, valorizando, assim, o meio cooperativo e a colaboração mútua (CARVALHO, 2011; GAIGER; KUYVEN, 2019).

Nesse tipo de organização, a propriedade coletiva, a prerrogativa da liberdade individual e a autogestão são algumas das suas características fundamentais. Ou seja, “os operários são [...] os próprios proprietários do estabelecimento e nele empregam a sua mão-de-obra”

(PINHEIRO; RIBEIRO, 2015, p. 5), buscando reunir todos os trabalhadores em uma só classe.

Os membros possuem a mesma fração do capital, e também salienta-se que esta gestão deve

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31 ocorrer de forma democrática, sendo que cada integrante possui o direito a um voto durante deliberações nas reuniões (SINGER, 2002).

Em cooperativas menores, não há muita diferenciação entre os cargos de cada um.

Entretanto, essa divisão pode ser proveitosa em cooperativas maiores, sendo a existência de funções como, por exemplo, a do presidente, entre outras, importante para a eficiência do empreendimento. Nesse caso, a diferença em relação às empresas que não fazem parte do modelo de Economia Solidária estaria no fato de que, se as pessoas no comando desses cargos não seguirem os preceitos do coletivo, a cooperativa as substitui. “É o inverso da relação que prevalece em empreendimentos heterogestionários, em que os que desempenham funções responsáveis têm autoridade sobre os outros” (OLIVEIRA, 2008, p. 289).

Nesses empreendimentos há a chamada “retirada”, ao invés de um salário fixo, sendo que a remuneração varia dependendo do rendimento obtido pela cooperativa. São os membros, em conjunto, que determinam se essas retiradas serão as mesmas para todos ou se serão diferentes (em alguns casos, os sócios preferem que seja proporcional ao que foi produzido por cada um) (SINGER, 2002). Os principais fundamentos da Economia Solidária foram resumidamente elencados no Atlas da Economia Solidária no Brasil (SENAES, 2006), evidenciando as amplas dimensões contempladas pelo movimento e o valor que é atribuído ao âmbito da coletividade, como pode ser observado na Figura 3.

A Economia Solidária engloba diversos tipos de práticas econômicas, sejam elas de produção, consumo ou uso coletivo, comercialização, finanças solidárias, de troca (de produtos ou atividades) e prestação de serviços para terceiros. Elas existem principalmente na forma de cooperativas e associações, além de outros tipos de organização (GAIGER; KUYVEN, 2019;

SILVA; KAPPES, 2016). Sobre essas duas principais formas de agrupamento, Lima e Silva (2020) pontuam que, entre as diversas diferenças, uma das mais importantes está relacionada à finalidade de cada uma: as associações, que para ter essa denominação devem possuir no mínimo duas pessoas, estariam mais ligadas a ações de cunho social, tendo seus ganhos repassados à sociedade; ao passo que as cooperativas, que devem ter no mínimo 20 participantes, seriam atuantes em práticas de natureza produtiva, mais voltadas ao âmbito econômico e com seus rendimentos voltados aos próprios integrantes.

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32 Figura 3: Pilares da Economia Solidária

Fonte: Adaptado de SENAES (2006, p. 12)

A origem histórica desse tipo de organização remonta ao início do século XIX. O movimento surgiu como uma resposta dos operários à crescente precarização do trabalho na época e à redução dos salários, nascendo como expressão imaginativa de uma nova possibilidade de mundo. Essas primeiras cooperativas de trabalho tinham o objetivo de, através de organizações que fossem autônomas, criar uma dinâmica que ultrapassasse a ligação limitada entre trabalho e capital, envolvendo também outros propósitos (PINHEIRO; RIBEIRO, 2015).

A exploração da força de trabalho (principalmente através de prolongadas e exaustivas jornadas) era tamanha que o desgaste físico dos operários, sem contar a alta taxa de mortalidade, começou a afetar o próprio rendimento das fábricas. Só a partir daí essa questão começou a ganhar notoriedade e ser mais discutida pelos proprietários das indústrias. Nesse momento, alguns passam a sugerir a criação de normas capazes de garantir a proteção dos operários, inclusive Robert Owen, um dos primeiros teóricos no tema da Economia Solidária. Com a assistência que oferecia aos seus funcionários, ele demonstrou que a garantia de direitos, além de assegurar o bem-estar, a saúde e a vida do proletariado, também resultava em uma maior produtividade e, consequentemente, também promovia lucros (SINGER, 2002).

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33 Nessa mesma época, se inicia na Grã-Bretanha um período de grande crise econômica, gerando um aumento no desemprego e no número de pessoas vivendo na pobreza. Então, Owen propõe uma estratégia para tentar reverter essa situação: a criação de Aldeias Cooperativas, “em cada uma das quais viveriam cerca de 1.200 pessoas trabalhando na terra e em indústrias, produzindo assim a sua própria subsistência” (SINGER, 2002, p. 25). Entretanto, o governo recusou a proposta. Assim, ele segue para os Estados Unidos e cria em 1825, em Indiana, uma Aldeia Cooperativa. Logo outras comunidades cooperativas desse tipo começaram a surgir em diferentes regiões, o que aconteceu junto com a ascensão do movimento sindicalista. Nessa época, os empregados em greve passaram a usar essa organização não só para exigir melhores condições de trabalho, mas começaram a concentrar seus esforços na tentativa de implementar seus próprios empreendimentos autogestionários. Essa fase inicial da Economia Solidária, estritamente ligada à visão negativa do capitalismo por parte do proletariado, é também conhecida como “cooperativismo revolucionário” (CARVALHO, 2011; SINGER, 2002).

Houve um ressurgimento da Economia Solidária no final da década de 1970, quando, além do crescimento do desemprego em massa, aqueles que continuaram trabalhando tiveram que lidar com a flexibilização e a precarização do trabalho, havendo perda de garantias trabalhistas e diminuição de salários. A partir desse desmonte e consequente situação de instabilidade, a Economia Solidária ressurgiu como uma alternativa viável em diversos países.

Esse retorno caracteriza a chamada fase do “novo cooperativismo” (CARVALHO, 2011).

Foram principalmente os imigrantes europeus que trouxeram o movimento para o Brasil, no início do século XX, e esse tipo de organização se popularizou ainda mais no país com a crise enfrentada entre as décadas de 1980 e 1990, quando inúmeras indústrias começaram a falir, resultando em um processo de desemprego em massa (PINHEIRO; RIBEIRO, 2015).

Assim, nessa época, variados tipos de cooperativas (de reciclagem, de costura, alimentícias, entre outras) se espalharam por todo o território nacional, representando uma possibilidade de inserção principalmente para a população de baixa renda (LIMA, 2006). Em 2013 havia aproximadamente 1,4 milhão de pessoas participando de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) no país (GAIGER; KUYVEN, 2019). Entretanto, como o Mapeamento Nacional da Economia Solidária não abrangeu todos os municípios, estima-se que esse número seja maior ainda (CARVALHO, 2011).

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34 Um evento importante foi a formação, em 2003, da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), voltada exclusivamente à coordenação desse tipo de atividade (LIMA, 2006). Ainda assim, Singer (2002), principal referência teórica do tema no Brasil, ressalta que, há muito tempo, a divulgação da Economia Solidária entre a parcela da população de baixa renda e entre desempregados se dá sobretudo pelo trabalho de grupos que, além de propagar os fundamentos básicos e o que é preciso para iniciar um EES, oferecem treinamentos em autogestão e muitas vezes fazem questão de acompanhar esses novos empreendimentos após sua instauração. Entre essas principais entidades, citam-se os sindicatos, como, por exemplo, a Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil (UNISOL Brasil) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT); as instituições religiosas, como a Cáritas Brasileira; e universidades, como a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede ITCP) (CARVALHO, 2011).

De acordo com o Segundo Mapeamento Nacional de Empreendimentos Solidários no Brasil (2009-2013), algumas das principais causas que impulsionaram a procura dos participantes pela Economia Solidária, e que merecem destaque, foram: a necessidade de aumentar a renda familiar, o desemprego e a “participação de uma atividade em que todos são donos” (SILVA; KAPPES, 2016, p. 90). Ou seja, muitos trabalhadores enxergam nessas iniciativas uma saída, uma forma de tentar superar a exclusão social, o desemprego e até mesmo as incertezas da precariedade (CARVALHO, 2011; LIMA, 2006). Ao mesmo tempo, apesar de essa ser, realmente, uma das principais finalidades desse tipo de organização e um dos motivos para a sua popularização e desenvolvimento, a Economia Solidária vai além, "ela propõe uma outra economia, uma economia desalienante, que oferece ao trabalhador e ao conjunto das pessoas um ambiente de trabalho muito melhor, mais igualitário em vez de hierárquico"

(OLIVEIRA, 2008, p. 305), uma forma de trabalho mais libertadora e com menos exploração.

Isso acaba por atrair não só aqueles que não conseguem se inserir no mercado de trabalho, mas também professores, artistas, pesquisadores, acadêmicos, dentre outros.

Entretanto, apesar dos inúmeros benefícios advindos dessa prática, a ES não está livre das contradições e desigualdades presentes em outros tipos de empreendimentos, como as organizações heterogestionárias. Ao mesmo tempo em que promove a autonomia e o acesso a direitos sociais, ela possui também, muitas vezes, traços que se aproximam da precarização (ANJOS et al., 2019). A maioria dos participantes não possui direitos trabalhistas, havendo uma ausência, por exemplo, de férias remuneradas ou regulamentações acerca da segurança no

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35 trabalho. Isso ocorre principalmente devido aos entraves nas leis trabalhistas, que muitas vezes não incluem esse tipo de organização. Uma das grandes dificuldades é determinar os direitos fundamentais que têm de ser assegurados nesse caso, pois “se não conceder nenhum direito, o autônomo [...] ficará fora do domínio do direito do trabalho. Se conceder os mesmos direitos trabalhistas, a distinção entre trabalho autônomo e trabalho subordinado desaparece” (SILVA, 2002, apud SILVA; KAPPES, 2016, p. 932).

Além disso, esse contexto traz à tona, mais uma vez, o padrão da divisão laboral que existe no país envolvendo cor e gênero. Entre aqueles que procuram cooperativas motivados pelo desemprego, a maioria é mulher (57,4%). Mais especificamente, mulheres negras (ANJOS et al., 2019). E enquanto a porcentagem de brancos entre integrantes de empreendimentos solidários diminuiu, como indicou o Censo em 2010, a de negros aumentou (GAIGER;

KUYVEN, 2019).

Quanto aos benefícios advindos do ingresso nesse tipo de organização, os participantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) destacam melhorias principalmente em três áreas: no senso de comunidade e pertencimento a um grupo; em relação à perspectiva econômica; e também quanto a questões políticas e sociais (GAIGER; KUYVEN, 2019). Para além do âmbito do empreendimento, as cooperativas e associações abrangem um espectro que perpassa desde o empoderamento pessoal do associado até a tentativa de transformar a própria concepção do que é o trabalho, aspirando um ambiente que vá além da “mera participação dos trabalhadores no ambiente da empresa, pois propõe o envolvimento deles nas questões referentes à administração da sociedade como um todo” (PINHEIRO; RIBEIRO, 2015, p. 8), tendo o intuito de promover princípios como o apoio mútuo em função da prosperidade comum (ANJOS et al., 2019).

Mas, para isso, a Economia Solidária ainda precisa superar uma série de desafios. No âmbito econômico, existe a questão da remuneração adequada dos participantes, o que, por sua vez, depende também de fatores como a viabilização financeira dos empreendimentos (GAIGER; KUYVEN, 2019; SILVA; KAPPES, 2016), o acesso a financiamentos (OLIVEIRA, 2008) e a possibilidade de atingir um grau de produção capaz de realmente competir com o mercado capitalista (LIMA, 2006). Além disso, tem-se desafios relacionados a questões

2 SILVA, A. Flexibilização das relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2002

Referências

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