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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS - PPGL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS - PPGL

MAYSA RAMOS VIEIRA

O PASSARINHO DIFERENTE:

UMA ANÁLISE SEMIÓTICA NA LITERATURA SURDA

Orientadora: Profa. Dra. Janaína Aguiar Peixoto

João Pessoa - PB 2021

(2)

2 MAYSA RAMOS VIEIRA

O PASSARINHO DIFERENTE:

UMA ANÁLISE SEMIÓTICA NA LITERATURA SURDA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras (PPGL), do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras, na área de concentração Literatura, Cultura e Tradução, da linha de pesquisa Estudos Semióticos.

Orientadora: Profa. Dra. Janaína Aguiar Peixoto

João Pessoa - PB 2021

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3

Catalogação na publicação Seção de Catalogação e Classificação

Elaborado por WALQUELINE DA SILVA ARAUJO - CRB-15/514 V658p Vieira, Maysa Ramos.

O passarinho diferente : uma análise semiótica na literatura surda / Maysa Ramos Vieira. - João Pessoa, 2021.

115 f. : il.

Orientação: Janaína Aguiar Peixoto.

Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHLA.

1. Semiótica. 2. Cultura surda. 3. Fábula. 4.

Literatura surda. 5. Tradução - Fábula. I. Peixoto, Janaína Aguiar. II. Título.

UFPB/BC CDU 81'22(043)

(4)

4 MAYSA RAMOS VIEIRA

O PASSARINHO DIFERENTE:

UMA ANÁLISE SEMIÓTICA NA LITERATURA SURDA

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Janaína Aguiar Peixoto – UFPB (Orientadora)

Profa. Dra. Maria do Socorro Silva Aragão - UFPB (Membro titular interno)

Prof. Dr. Pedro Luiz dos Santos Filho - UFRN (Membro titular externo)

(5)

5 DEDICATÓRIA

A minha família que sempre acreditou em mim, especialmente o meu marido que torna meus dias mais leves e felizes. Amo vocês.

(6)

6 AGRADECIMENTOS

Primeiramente e acima de tudo e todos, a Deus que é merecedor de toda honra, glória e louvor. A Ele meus eternos agradecimentos e que minha vida arranque dEle sorrisos.

Ao meus pais que sempre se sacrificaram para dar aos filhos as oportunidades que não tiveram. Obrigada por sempre torcer por mim e acreditar mesmo quando eu não acreditava. Amo vocês.

Ao meu maravilhoso esposo, que torna tudo mais leve em minha vida.

Sem você eu não seria quem sou hoje e não teria conseguido finalizar essa etapa. Obrigada por se doar por completo a mim e a nossa família. Você é um exemplo. Te amarei até a eternidade.

Aos meus filhos, Théo e Noah, que fazem tudo ter sentido. É por vocês que eu luto para ser uma pessoa melhor e são vocês que tornam a pessoa mais feliz desse mundo. Amo vocês!

Ao meu amigo-irmão Nielson que me ajudou na tradução da fábula, mas também esteve (e sempre está) presente nos momentos que mais precisei, me fazendo rir e acreditar que tudo ia dar certo. Amo você!

A minha orientadora, por todo trabalho desempenhado, tanto esforço colocado neste trabalho, mesmo em meio a tantas dificuldades. Obrigada por ser amiga acima de tudo. Você é um exemplo para mim. Amo você.

Por fim, agradeço a banca que gentilmente aceitou participar desse momento tão importante e que em muito contribui para este trabalho. Muito obrigada!

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

(7)

7

Imagem 1 – O espaço de sinalização ...16

Imagem 2 – Experiência Visual ...21

Imagem 3 - Albert Fischer ...23

Imagem 4 - Amit Vardhan ...23

Imagem 5 – Babá eletrônica acessível ...24

Imagem 6 - Campainha Luminosa ...24

Imagem 7 - Máscara acessível ...24

Imagem 8 – Um jeito diferente de orar ...26

Imagem 9 – A fábula da Arca de Noé ...47

Imagem 10 - Nelson Pimenta sinalizando em Libras ...48

Imagem 11 - Ben Bahan sinalizando em ASL ...48

Imagem 12 – Marcação de personagem ...58

Imagem 13 – Diante do diferente ...59

Imagem 14 – O despertar de novos talentos ...82

LISTA DE ABREVIATURAS

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8 ADJ - Adjuvante

ASL - Língua de Sinais Americana

BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações CCHLA - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CM - Configuração de Mão

DOR - Destinador

EXN - Expressões Não Manuais

FENEIS - Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos

L - Locação

Libras - Língua Brasileira de Sinais LIS - Língua de Sinais Italiana LSB - Língua de Sinais Brasileira M - Movimento

MEC - Ministério da Educação

NTD - New York no National Theatre of the Deaf PA - Ponto de Articulação

PPGL - Pós-Graduação em Letras

PROLIBRAS – Exame de Proficiência em Libras S – Sujeito semiótico

SciELO - Scientific Electronic Library Online SW - Sign Writing

OP - Oponente

OR - Orientação da mão OV - Objeto de Valor

TILS - Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais UFPB - Universidade Federal da Paraíba

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina Ø – Inexistência semiótica

RESUMO

(9)

9 Com as conquistas a partir do status linguístico que a Lei 10.436/2002 trouxe para a comunidade surda brasileira, muitos estudos surgiram voltados para a Libras. Desde então, podemos perceber que as produções culturais desta comunidade linguística ganharam uma maior visibilidade, dentre estas, a produção literária, através de textos sinalizados, e na escrita de sinais. Porém, ainda é muito recente se pensarmos que a primeira coletânea com registro fílmico da Literatura Surda Brasileira foi publicada no ano de 2021, completando 22 anos. Com base neste marco, surgiu o interesse em analisar uma das obras presentes nessa coletânea pioneira, a fábula intitulada O passarinho diferente, relacionando a teoria da Semiótica Greimasiana com os estudos sobre a Cultura Surda. Em nossa leitura analítica, percebe-se que o caráter semiótico presente na narrativa alegórica proposta corrobora com a estrutura visual que a língua de sinais apresenta. Esta pesquisa foi guiada através do olhar dos autores Rastier (2010), Barros (2002) e Fiorin (1989), Strobel (2008), Segala (2010), Peixoto (2016), dentre outros. Teve como objetivos realizar um resgate histórico da literatura surda e do gênero fábula, traduzir pela primeira vez para a língua portuguesa a obra selecionada, analisar a obra com base nos três níveis da Semiótica Greimasiana (Fundamental, Narrativo e Discursivo) e relacionar as características encontradas na fábula com os artefatos culturais elencados por Strobel (2008). Assim, foi possível abordar questões intrínsecas à subjetividade dos sujeitos surdos reconhecidas ao ter acesso à obra, e levantar reflexões relevantes, tanto para a representatividade dos surdos na arte, quanto para os ouvintes inseridos nesta comunidade. Além disso, através da tradução para Língua Portuguesa e da análise do sentido realizadas neste trabalho, a sociedade, de modo geral ouvintes não fluentes na Libras, terá o privilégio de mergulhar nesta obra que guia o leitor para uma viagem ao mundo dos surdos.

Palavras Chave: Semiótica. Cultura Surda. Fábula. Literatura Surda. Tradução.

(10)

10 ABSTRACT

With the acomplishments starting with the linguistic status that the 10.436/2002 law brought to the Brazilian deaf community, many studies turned to LIBRAS arose. Since then, we can perceive that the cultural productions of this linguistic community gained greater visibility, amongst them, the literary productions through signed texts and those in sign writing, even though they are still recent, if we come to think that the first filmic recording compilation of Brazilian Deaf Literature completes 22 years in 2021. Based on this landmark, came the interest in analysing one of the works present in this pioneering collection, the fable named “O passarinho diferente”, linking Greimas´s Semiotics theory with the studies on the deaf culture. For the semiotic character present in the proposed allegoric narrative corroborates with the visual structure displayed in the Sign Language. This research was guided through the eyes of the authors Rastier (2010), Barros (2002), Fiorin (1989), Strobel (2008), Segala (2010), Peixoto (2016), amongst others. It had as its objectives to carry out a historical recovery of the deaf literature and its genre fable, to translate, for the first time, into the Portuguese language, the selected work, to analyse the work based on the three levels of Greimas´s Semiotics (Elementary, Narrative and Discursive), and to relate the characteristics found on the fable to the cultural artifacts listed by Strobel (2008). Thus, it made it possible to address issues intrinsic to the subjectivity of the deaf subjects which are recognised upon coming into touch with the selected work, and to raise relevant reflections not only to the representativity of the deaf in the arts, but also to the hearing inserted in this community. Moreover, through the translation into the Portuguese language and the analysis of meaning carried out in the present work, society in general made up of the hearing not fluent in Libras, will have the privilege of diving into this work which guides the reader into a journey through the deaf world.

Key words: Semiotics. Deaf Culture. Fable. Deaf Literature. Translation.

(11)

11 SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...12

2. A Língua, a Literatura e a Cultura Surda ...14

2.1 A Língua de Sinais e a comunidade surda ...14

2.2 A Cultura Surda ...18

2.3 A Literatura ...26

2.3.1 A Literatura Surda...28

3. A Semiótica ...30

3.1 A Semiótica Greimasiana ...31

3.2 A Semiótica das Culturas ...35

4. O Corpus ...39

4.1 Apresentação ...39

4.2 Trajetória metodológica ...39

4.2.1 Levantamento histórico da Literatura Surda ...41

4.2.2 Levantamento biográfico do autor da obra em ASL...43

4.2.3 Levantamento biográfico do tradutor da obra para Libras ...45

4.2.4 Conhecendo a obra...46

4.2.5 O processo de tradução da obra ...48

5. Análise da obra O Passarinho diferente ...50

5.1 A relação de fatos históricos e culturais com a obra ...51

5.2 A análise do percurso gerativo da significação ...54

5.2.1 O nascimento e o diagnóstico ...55

5.2.1.1 Nível Narrativo...55

5.2.1.2 Nível Discursivo...57

5.2.1.3 Nível Fundamental ...60

5.2.2 Procurando a cura...62

5.2.2.1 Nível Narrativo...62

5.2.2.2 Nível Discursivo...65

5.2.2.3 Nível Fundamental ...66

5.2.3 A escola ...68

5.2.3.1 Nível Narrativo...68

(12)

12

5.2.3.2 Nível Discursivo...70

5.2.3.3 Nível Fundamental ...71

5.2.4 O retorno ...73

5.2.4.1 Nível Narrativo...74

5.2.4.2 Nível Discursivo...76

5.2.4.3 Nível Fundamental ...77

5.2.5 A descoberta ...78

5.2.5.1 Nível Narrativo...79

5.2.5.2 Nível Discursivo...81

5.2.5.3 Nível Fundamental ...83

5.2.6 A última tentativa ...85

5.2.6.1 Nível Narrativo...85

5.2.6.2 Nível Discursivo...87

5.2.6.3 Nível Fundamental ...88

5.2.7 A fuga ...90

5.2.7.1 Nível Narrativo...90

5.2.7.2 Nível Discursivo...91

5.2.7.3 Nível Fundamental ...92

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...95

7. Referências bibliográficas ...98

(13)

13 1. INTRODUÇÃO

Desde o início da humanidade o surdo existe, porém não podemos afirmar quando a Língua de Sinais surgiu. Pode-se falar que, a partir do reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras), através da Lei 10.436, no ano de 2002, e com as conquistas efetuadas por meio do status linguístico que a lei trouxe, muitos estudos surgiram voltados a essa língua em nosso país. A partir desse momento, podemos perceber que as produções culturais desta comunidade linguística ganharam uma maior visibilidade, dentre estas, a produção literária através de textos sinalizados e na escrita de sinais.

Atualmente, vivenciamos um momento histórico e tecnológico que favorece e torna viável a realização desta pesquisa, pois a tradição visual de produções literárias ganhou um novo formato com os avanços tecnológicos, que possibilitaram o registro e divulgação de suas obras sinalizadas. No Brasil, a maioria das produções dos sujeitos surdos estão registradas em vídeos, sejam comercializados em DVDs, distribuídos gratuitamente pelo governo ou disponíveis na Internet. Isso nos garante o material necessário para a análise da fábula sinalizada, que é o objeto do nosso estudo.

Aqui destaco, como marco temporal, os exemplos das Universidades:

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a pioneira na criação do curso de Letras Libras em 2006, e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que criou o curso no ano de 2010, e na qual este trabalho é defendido. E desde então outas universidades vem abrindo as portas para a Licenciatura em Libras, o que contribui para a difusão da Literatura surda também.

As pesquisas voltadas à Literatura Surda - mesmo essa existindo há muito tempo - ainda são recentes. O interesse de estudar essa área parte justamente da necessidade de mais pesquisas focadas nas produções literárias surdas, visto que como tradutora e professora de Libras, entendo que essa arte da palavra/sinal abre portas na sociedade e enriquece o ensino de língua.

A Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida há 19 anos, mas a primeira coletânea com registro fílmico da Literatura Surda Brasileira, publicada pela LSBvídeo, no ano de 2021 completa 22 anos. Com isso, surgiu o interesse de analisar, com base na teoria da semiótica greimasiana, uma das obras presentes

(14)

14 nesta coletânea, a obra intitulada O passarinho diferente, a única do gênero fábula.

Outro fator crucial para este projeto é o ineditismo presente, uma vez que, mesmo sendo a primeira coletânea registrada da Literatura Surda Brasileira, não foi encontrado, em nossa pesquisa (detalhamos o passo a passo no capítulo dedicado a metodologia), nenhum estudo voltado para esta obra, do mesmo modo, não foi encontrado a tradução para a Língua Portuguesa, sendo essa um dos objetivos deste trabalho.

A fábula escolhida foi criada pelo Surdo Americano Ben Bahan, em 1992, com publicação no Inglês e na Língua de Sinais Americana (ASL. Em suma, a história trata de um pássaro que tem uma pena diferente dos seus familiares e, em vez de aceitar as diferenças, eles usam abordagem clínica para consertar o pássaro.1

O tradutor/ator Nelson Pimenta, com autorização de Ben Bahan, traduziu a fábula O Passarinho Diferente, publicada, no ano de 1999, pela editora LSBvídeo. Nessa tradução, aspectos da cultura brasileira foram incorporados, como elementos religiosos (candomblé), traços regionais (o jornal O Dia – publicação diária carioca) e aspectos comuns ao povo surdo, tais como: visão reabilitadora/clínica, cirurgia, preconceito familiar, educação normalizadora, dentre outras, pois a obra é rica em detalhes vivenciados por sujeitos surdos.

Todos esses traços culturais são narrados alegoricamente no gênero fábula, sendo a personagem principal um pássaro de porte pequeno, nascido em uma família de imponentes águias. Sendo que, no texto original (ASL), a sinalização focava na penugem distinta, enquanto que na obra em Libras, o formato do bico era evidenciado como elemento diferenciador.

Nesse sentido, abordar questões intrínsecas a subjetividade dos sujeitos surdos, reconhecidas ao ter acesso a obra, levanta reflexões relevantes, tanto para a representatividade dos surdos na arte, quanto para os ouvintes inseridos nesta comunidade linguística. Através da tradução para Língua Portuguesa e a análise do sentido proposta neste trabalho, a sociedade de modo geral ouvintes,

1 Informações retiradas no site: http://worldcat.org/identities/lccn-n88611569/. O texto original é:

2 editions published in 1992 in English and Sign languages and held by 57 WorldCat member libraries worldwide. Ben Bahan's fable, Bird of a different feather, explores the differences of a bird within a family of eagles and how rather than accepting the differences, they use a pathological approach to raising the bird.

(15)

15 terá o privilégio de mergulhar nesta obra que guia o leitor para uma viagem ao mundo dos surdos.

Dessa forma, este trabalho tem como objetivos realizar um resgate histórico da literatura surda e do gênero fábula, traduzir pela primeira vez para a língua portuguesa a obra selecionada, analisar a obra com base nos três níveis da Semiótica Greimasiana (Fundamental, Narrativo e Discursivo) e relacionar as características encontradas na fábula com os artefatos culturais elencados por Strobel (2008).

Para tanto, o presente trabalho iniciará com a fundamentação teórica que trará embasamento para unirmos o mundo da semiótica com a cultura surda e suas peculiaridades. Em seguida, delinearemos o percurso metodológico desta pesquisa, para podermos, então, analisar com base na semiótica greimasiana, a obra O passarinho diferente, de Nelson Pimenta2.

2. A LÍNGUA, A LITERATURA E A CULTURA SURDA

Neste capítulo, abordaremos temas considerados relevantes para o entendimento e realização deste trabalho. Iniciaremos com a apresentação de conceitos básicos da comunidade surda, principalmente no que tange a língua de sinais, e abriremos caminho para estudar a literatura e a cultura surda.

2.1 A LÍNGUA DE SINAIS E A COMUNIDADE SURDA

Como já foi dito na introdução a respeito do reconhecimento por Lei da Língua Brasileira de Sinais, nesse momento focaremos em responder que Língua é essa. Diferente do que muitos pensam, a Libras não deriva ou depende da língua portuguesa, pelo contrário, apresenta gramática específica, como previsto na lei acima citada:

Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira

2 A obra original não é de Nelson Pimenta, mas de Ben Bahan, porém utilizaremos a tradução feita por Pimenta para realizar a análise o percurso de significação.

(16)

16

de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Diante do recente status linguístico que a Libras carrega, faz-se necessário desmistificar alguns conceitos básicos, entendendo primeiramente que a língua de sinais é uma língua natural, como consta no manual de linguística:

Cabe registrar a existência da chamada língua dos sinais, utilizada pelos surdos, em que não há signos vocais, mas visuais. O sistema de comunicação dos surdos é considerado uma língua pela grande maioria dos autores, já que, embora não se constitua de sinais sonoros, apresenta as características básicas das línguas naturais.

(MARTELOTTA, 2008, p. 29).

Neste sentido, vale salientar que o canal de emissão e recepção da Libras difere da língua portuguesa, considerando que as línguas de sinais são de modalidade visuoespacial e as línguas orais são oro-auditivas.

Antes mesmo da língua de sinais ser reconhecida como língua, alguns estudos linguísticos surgiram. Stokoe (1960) foi considerado o predecessor dessas pesquisas, que mais a diante contaria com a participação de surdos também, visando comprovar que a Língua de Sinais Americana (ASL), era de fato uma língua (SANTOS, 2017).

Pensando na estrutura dessa língua e sua gramática, Peixoto (2016) apontou:

Stokoe analisou as partes mínimas que constituem o sinal, o léxico desta língua e comprovou que cada sinal tinha três (3) unidades mínimas sem significado, se utilizado separadamente: configuração de Mão, Locação (ponto de articulação) e Movimento. Além destes parâmetros, considerados principais, outros dois foram descobertos es estudos posteriores, em 1979, realizados por Klima e Bellugi:

orientação de mão e expressões não manuais. (PEIXOTO, 2016, p. 68)

Os cinco parâmetros anteriormente descritos são estudados dentro da fonologia das línguas de sinais. Sendo, por definição, a Configuração de mão (CM) a forma que a mão assume para realização do sinal, incluindo o alfabeto manual. Não existe um consenso do total de configurações possíveis, mas as tabelas mais utilizadas atualmente apontam 61 CM (anexo 1) e 79 CM (anexo 2).

(17)

17 O segundo parâmetro, Locação (L) ou Ponto de Articulação (PA) trata a respeito de onde o sinal vai ser realizado. Podendo ser em contato ou não com o corpo, como representado e exemplificado a seguir:

Imagem 1 – O espaço de sinalização

Fonte: slideshare.net/Marinelia/5-parmetros-da-libras

O parâmetro denominado de movimento (M) pode ter mais de uma classificação, podendo ser analisado quanto a presença ou não do mesmo, ou seguido a classificação apresentada por Strobel (1998, p. 11) “unidirecional, bilateral e multidirecional. Quanto ao seu tipo, um movimento pode ser: retilíneo, helicoidal, circular, semicircular, sinuoso e angular”.

O penúltimo parâmetro, Orientação da mão (Or), mostra para onde a palma aponta quando o sinal está sendo realizado. E assim, apresentam-se seis (06) possíveis direções: para baixo, para cima, para frente, para traz (para corpo, em algumas literaturas), contralateral e ipsilateral.

Já no último parâmetro, mas não em nível de importância, temos as Expressões não manuais (Enm), este diferente dos demais. Elas não estão associadas às mãos, por isso é um parâmetro diferenciador, percebido através do rosto e do corpo. Podemos dividir as expressões em dois grupos: afetivo e gramatical.

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18 As expressões faciais dão sentido as emoções e aos sentimentos (afetivo). Não teria nexo sinalizar o termo “triste” com um sorriso estampado no rosto, ainda que o sinal esteja “correto”, o conjunto estará desarmônico.

Para o grupo das expressões gramaticais, é assim que categorizamos os tipos de sentenças (afirmativa, negativa, interrogativa e exclamativa), bem como o grau dos adjetivos. Dessa forma, através da combinação desses cinco (05) parâmetros (não obrigatoriamente os cinco sempre) que o sinal é formado e passa a ter sentido.

Embora esses parâmetros sejam comuns às línguas de sinais, a língua não é a mesma em todos os lugares, ou seja, Libras não é universal. Logo, cada país irá possuir a sua língua de sinais, assim como acontece com as línguas orais.

Uma vez entendido o que é e a importância que tem a Libras, é preciso entender que ela pertence a um grupo de pessoas que costumamos chamar de comunidade surda. Sobre isso, Peixoto (2016) exemplifica da seguinte forma:

Quando o termo comunidade surda é utilizado, refere-se aos surdos que vivem numa dada área, sob o mesmo governo, compartilhando de uma mesma realidade, como por exemplo, a comunidade surda pessoense, a comunidade surda paraibana e a comunidade surda brasileira. Cada uma destas possui vivências compartilhadas pelos seus integrantes que são originadas e desenvolvidas nas associações de surdos, nas escolas, nas igrejas, dentre outros. (PEIXOTO, 2016, p.

43.)

Sendo assim, comunidade surda e povo surdo são termos distintos. Esse último, Strobel (2007) conceitua dizendo que são:

Sujeitos surdos que não habitam o mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução linguística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros laços. (STROBEL, 2007, p. 8)

Dessa forma, mais que entender o conceito de povo e comunidade surda, podemos perceber a importância que a Libras tem para o sujeito surdo, para a construção e significação do mundo ao seu redor, sendo a língua, também, um fator constituinte de sua identidade e em consequência para sua comunidade também.

(19)

19 2.2 CULTURA SURDA

De acordo com a teoria pós-moderna, Header sugere pluralização do termo “cultura”, falando das culturas de diferentes nações e períodos, bem como de diferentes culturas sociais e econômicas dentro da própria nação (EAGLETON, 2005). O Brasil é um país heterogêneo e com grandes possibilidades culturais e é nesse contexto pluricultural que podemos perceber a cultura surda, a cultura indígena, além da cultura nacional e tantas outras.

É por meio da cultura que uma comunidade se estabelece, unifica e identifica as pessoas e lhes dão a marca da identidade. Sendo assim, a existência de uma Cultura Surda ajuda a instituir uma identidade das pessoas surdas. De acordo com Perlin (1998, p. 53), a identidade pode ser definida como:

Identidade surda é a qual ser surdo é estar no mundo visual e desenvolver sua experiência na Língua de Sinais. Os surdos que assumem a identidade surda são representados por discursos que os vêem capazes como sujeitos culturais, uma formação de identidade que só ocorre entre os espaços culturais surdos.

Skliar (1998) explica que falar em Cultura Surda como um grupo de pessoas localizado no tempo e no espaço é fácil, mas refletir sobre o fato de que nessa comunidade surgem processos culturais específicos é uma visão rejeitada por muitos, sob o argumento da concepção da cultura universal, monolítica. Para Wrigley (1996), a surdez é um 'país' sem um 'lugar próprio'; é uma cidadania sem uma origem geográfica.

Todavia, pelo fato de surdos e ouvintes encontrarem-se inseridos, normalmente, no mesmo espaço físico e partilharem de uma cultura ditada pela maioria ouvinte, no caso do Brasil, na cultura brasileira surdos e ouvintes compartilham uma série de usos e costumes, ou seja, aspectos próprios da Cultura Surda, combinados a aspectos próprios da Cultura Ouvinte, fato que torna os surdos biculturais.

Porém, os surdos possuem uma história de vida diferenciada, uma visão de mundo diferente, pois tem base, em sua essência, a língua visuoespacial, o que gera experiências, em muitos aspectos, diferente dos que compõem a comunidade ouvinte, com sua língua de modalidade oral em que suas experiências são pautadas.

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20 É nessa comunidade que se discute o direito à vida, à cultura, à educação, ao trabalho, ao bem-estar de todos. É nela que são gestados os movimentos surdos (caracterizados pela resistência surda ao ouvintismo, segundo Skliar “é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”. (1998, p. 15), à ideologia ouvinte).

É através das comunidades surdas que os surdos atuam politicamente para terem seus direitos linguísticos e de cidadania reconhecidos, como destaca Felipe (2001). Nesse sentido, a Cultura Surda é “focalizada e entendida a partir da diferença, a partir do seu reconhecimento político” (SKLIAR, 1998, p. 5).

Se pensarmos que a Libras só é reconhecida como língua há 19 anos, o estudo da cultura surda se faz ainda mais recente, porém vem alcançando espaços outrora inimagináveis. E pesquisar sobre cultura surda é voltada ao ano de 2008 e partir das definições que de forma pioneira Strobel nos presenteou, com seu livro As imagens do outro sobre a cultura surda, e que nele ela traz a definição:

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo. (STROBEL, 2008, p.22)

Strobel (2008, p. 22), quando discorreu acerca do conceito de cultura surda, embasada teoricamente nos estudos culturais de Hall (1997), pontuou “o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de se torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais.” E, mais adiante, seguindo a teoria de Hall, a autora discorre acerca dos ‘artefatos culturais’, os quais é definido como “aquilo que na cultura constitui produções do sujeito que tem seu próprio modo de ser, ver, entender e transformar o mundo”

(2008, p. 37).

Para Santos (2017, p. 34), a comunicação, através da língua de sinais, permite ao surdo uma “concepção de mundo a partir de uma cultura visual na qual o próprio surdo é o ator protagonista”. Por essas afirmações, percebemos

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21 a relação que há entre a língua e a cultura, entre o indivíduo e sua visão de mundo.

Strobel (2008) propõe organizar os artefatos em oito (8) grandes grupos, que em breve definiremos cada um, são eles: experiência visual, artefato linguístico, familiar, artes visuais, vida social e esportiva, literatura, política e materiais. E, como anteriormente citado, “ajustando-os com suas percepções visuais” (STROBEL, 2008, p. 22), podemos dizer que todos os artefatos estão enraizados nas percepções visuais dos sujeitos surdos.

Para entender melhor, vamos exemplificar os artefatos culturais do povo surdo, utilizando como base o livro Artefatos culturais do povo surdo: discussões e reflexões, organizado por Peixoto e Vieira (2018).

O primeiro artefato é a experiência visual, e esta é a base da vivência de mundo das pessoas surdas. É através da visão que eles têm acesso a tudo que os rodeia. E, por consequência, muitos hábitos se formam a partir da visão, o que diferencia os costumes entre surdos e ouvinte, por exemplo:

Quando é necessário chamar alguém em um local fechado, neste caso, se for uma pessoa ouvinte, recorre-se facilmente ao falar mais alto e até ao grito, se for distante. Mas, e com os surdos, como chamar a sua atenção, pois sabemos que o recurso auditivo não adianta? Nesta situação cabem duas estratégias, uma delas é o “efeito dominó”, em que pedimos a pessoa mais próxima para chamar a outra, que informa a seguinte e assim por diante até que pessoa em foco tenha a sua atenção voltada a mim. Outra forma é apagar e acender as luzes do local, interrompendo todas as conversas para conseguir chamar a atenção de todos os surdos do local. (PEIXOTO, et al, 2018, p. 41)

No exemplo acima, fica claro a diferença de hábitos baseados na audição e na visão. E de igual modo, atitudes do dia a dia vão ser diferenciadas, como quando alguém quer contar um segredo e se aproxima do ouvido e sussurra, para um surdo o mistério só é plausível se puder esconder as suas mãos.

Em ambientes religiosos, por exemplo, o momento da oração acontece com os olhos abertos, pois só assim, os surdos terão acesso ao que está sendo dito. Como no exemplo a seguir:

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22

Imagem 2 – Experiência Visual

Fonte: Acervo pessoal, 2014.

A foto mostra o momento da benção pastoral no casamento da autora deste trabalho (ouvinte) e o seu marido (surdo). A cerimônia aconteceu em Libras e em português simultaneamente. No momento da oração, a noiva (ouvinte) fechou os olhos e o noivo (surdo) permaneceu de olhos abertos para ver a sinalização.

O segundo artefato é o linguístico, e assim como a experiência visual, este elemento é considerado basilar para a formação do sujeito surdo, uma vez que a língua está diretamente ligada à identidade do ser. A modalidade da língua de sinais, sendo visual e espacial, corrobora com a experiência de mundo diferenciada. Ambos artefatos estão intrinsicamente associados, como podemos perceber através do relato de um surdo:

Em respeito à nossa recepção da mensagem por meio da visão, em congressos acadêmicos, que têm mesa redonda com participantes surdos e ouvintes e plateia com público formado também por surdos e ouvintes, é necessário ter dois intérpretes sinalizando ao mesmo tempo: um TILS (tradutor e intérprete de língua de sinais) virado para os palestrantes da mesa redonda e o outro TILS virado na direção contrária para contemplar o campo visual dos surdos na plateia. Além disso, é necessário que haja um terceiro intérprete atuando com o microfone na interpretação da Língua de Sinais para a Língua Portuguesa. (PEIXOTO, et al, 2018, p. 43)

Neste relato, percebemos a singularidade e ao mesmo tempo complexidade que envolve a língua de sinais, por ser esta uma língua visual.

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23 O artefato seguinte, de acordo com a ordem apresentada por Strobel, (2008) é o familiar. Aqui percebemos situações conflitantes quanto ao ponto de vista da surdez, para famílias surdas e ouvintes. Pois, o nascimento de uma criança surda nem sempre é recebido como algo ruim. Na verdade, para família composta por pessoas surdas, é algo a ser comemorado, visto que é mais um para fazer parte da sua comunidade.

Um exemplo prático que envolve elementos da comunidade surda, em um contexto familiar, é que bebês, independentes de serem ouvintes ou surdos, em um lar com pais (ou apenas um deles) sendo surdos, recebe um sinal3. Algo que uma criança ouvinte, fora desse contexto, não teria.

A literatura surda é o quarto artefato, e aqui podemos perceber a importância que a literatura tem para o fortalecimento de um povo, de uma cultura e de sua língua.

Como apresentado anteriormente, Peixoto (2018) traz que a Literatura visual se divide em duas: a literatura surda e a literatura em Libras. Sendo a primeira, relacionada às obras criadas e/ou adaptadas por surdos. Enquanto a segunda são as traduções que tem a língua de sinais como alvo (sinalizada ou escrita) e as produções de ouvintes.

Além do corpus, objeto de análise desse estudo, contamos com várias outras obras que compõem esta literatura, mas aqui queremos destacar o poeta popular Maurício Barreto que, de acordo com Peixoto (2016), contabilizou vinte e três poesias em Libras, mas que, atualmente, sabemos que publicou muito mais.

Ainda dentro da área das produções do sujeito, temos o artefato cultural denominado de Artes visuais (e aqui saímos da ordem elencada por Strobel).

Cada dia mais tem surgido artista surdos, nas mais diversas áreas, tais como fotografia, pintura, artes plásticas, danças etc.

Uma fonte importante de busca pelas produções artísticas dos surdos do mundo todo é através do site culturasurda.net. Dessa página da internet, extraímos alguns exemplos de artes visuais produzidas por surdos apresentados a seguir.

3 O sinal é o que identifica a pessoa, é o equivalente a um nome. Quando alguém faz parte da comunidade surda, ela recebe o seu sinal. Geralmente é criado baseado em uma característica física e/ou psicológica, algo que seja único e marcante.

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Imagem 3 - Albert Fischer Imagem 4 - Amit Vardhan

Fonte: https://culturasurda.net/2014/12/22/albert-fischer/ Fonte: https://culturasurda.net/2014/12/14/amit- vardhan/

Importante perceber que a arte é uma forma de comunicar. E nas produções dos surdos é comum e até esperado que se imprimam formas que carregam sua história, suas lutas e conquistas. Nessas duas obras acima apresentadas, mesmo que sendo produzidas por pessoas de países diferentes (o primeiro é da Alemanha e o segundo é da Índia), podemos enxergar pontos em comum, como a prevalência das mãos (fazendo referência à língua de sinais), dos olhos e ouvidos.

E ainda abordando as produções culturais dos surdos, existe o artefato material que, para muitos, é o primeiro a vir à mente quando se fala sobre as produções culturais desses sujeitos. Este artefato aponta para a acessibilidade, ou seja, são as adaptações ou a criação de objetos que tornem a vida das pessoas surdas menos limitada.

Atualmente, podemos contar com vários materiais pensados especialmente para o público surdo, como babá eletrônica vibratória, em formato de relógio, que capta o som do choro do bebê e envia uma mensagem para o responsável.

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25

Imagem 5 – Babá eletrônica acessível

Fonte: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/baba-eletronica-para-surdos-e-desenvolvida-por- estudantes-da-ufpb.ghtml

Essas produções materiais parte da vivência visual de mundo e visam incluir os surdos, tais como a campainha luminosa que, ao invés de apenas ecoar o som, ela também acende (ou pisca) atraindo o olhar do surdo. Um exemplo atual de produção material são as máscaras faciais (em tempos de pandemia) de acrílico ou com uma transparência na região da boca, que permitem que os surdos (que fazem leitura labial) possam ter uma comunicação melhor, como exemplificados abaixo.

Imagem 6 - Campainha Luminosa Imagem 7 - Máscara acessível

Fonte: https://www.americanas.com.br Fonte: https://uferj.com.br/dicas/estudante-cria- mascara-acessivel-a-deficientes-auditivos/

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26 Além disso, os avanços tecnológicos que estão cada vez mais facilitando o acesso e a comunicação para pessoas surdas, através de chamadas de vídeos, mensagens de textos e aplicativos que transformam áudios em textos a até mesmo os aplicativos de Libras.

Vida social e esportiva é aqui o sétimo artefato apresentado. Nele vemos acontecer de fato o que é uma comunidade. É o espaço duramente conquistado, é o contato face a face, sem barreiras linguísticas, sem esforço para entender ou se fazer compreender. É a partilha de seus interesses, individuais, mas que concordam com o coletivo. Aqui observamos a importância das associações de surdos, dos momentos de lazer produzidos pela comunidade, como competições esportivas, desfiles de beleza, eventos culturais, entre outros.

Outro artefato de suma importância é o Político. Como relata Strobel (2013, p. 88) “artefato cultural influente das comunidades surdas é a política, que consiste em diversos movimentos e luta do povo surdo pelos seus direitos.” Ou seja, este artefato para a comunidade surda é a história transformada em luta. É através dos militantes surdos que assumem sua identidade que, aos poucos, vão sendo conquistados direitos e espaços para essa comunidade linguística minoritária. Exemplos dessas conquistas são: a Lei da Libras, que trouxe o status de língua da comunidade surda brasileira; a presença de intérpretes nos mais diversos ambientes, entre outras.

Strobel encerra aqui a sua listagem de artefatos culturais do povo surdo, mas Peixoto (2016) propõe o acréscimo de mais um artefato, o Religioso, pois, as crenças fazem parte do ser humano e da construção da sua identidade. Um exemplo que mostra a vivência diferenciada dentro do contexto religioso é que, ao invés de em círculo de oração, onde as pessoas costumam dar as mãos umas às outras, os surdos encostam os seus pés e assim conseguem ter suas mãos livres para sinalizar, como na imagem a seguir:

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Imagem 8 – Um jeito diferente de orar

Fonte: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/9184/2/arquivototal.pdf

Independente de quantos sejam os artefatos, quer estejam agrupados ou não, eles servem de norte para entendermos o quão rico é a cultura surda. Para este estudo, podemos perceber que a cultura surda é evidenciada nos discursos que se moldam como gêneros textuais e literários, dando origem à Literatura produzida por esta comunidade linguística e que tem tanto a ser estudada e valorizada em nossa sociedade.

2.3 LITERATURA

Embora o conceito de literatura ainda esteja associado ao termo em latim littera, que quer dizer “letra”, outras correntes de pensamentos vêm surgindo ao longo dos anos, trazendo uma amplitude de abordagens que a literatura pode agregar.

Nesse sentido de estudo do que é literário, Compagnon também se questionou quando disse:

Os estudos literários falam da literatura das mais diferentes maneiras.

Concordam, entretanto, num ponto: diante de todo estudo literário, qualquer que seja seu objetivo, a primeira a ser colocada, embora pouco teórica, é a definição que ele fornece de seu objeto: ou texto literário. O que torna esse estudo literário? Ou como ele define as qualidades literárias do texto literário? (COMPAGNON, 2011, p. 29)

O referido autor também relata que o termo “literatura” é razoavelmente recente, uma vez que é datado do século XIX. Ele ainda traz a reflexão do filósofo Nelson Goodman (1997), que indicou mudar a ideia de “o que é arte?” para

“quando é arte?”. Fazendo uma alusão à literatura, dizendo: “Não seria necessário fazer o mesmo com a literatura? Afinal de contas, existem muitas

(28)

28 línguas nas quais o termo literatura é intraduzível, ou não existe uma palavra que lhe seja equivalente” (COMPAGNON, 2011, p. 30).

Como aborda Eagleton, antes do século XIX, mais precisamente por volta do século XVII, alguns autores ingleses e também franceses, pensavam a literatura como sendo uma “escrita imaginativa”.

Eagleton (2006), em seu livro Teoria da Literatura: uma introdução, traz o pensamento de autores ingleses e franceses do século XVII que pensavam a literatura como sendo uma “escrita imaginativa” (p. 13), em que o texto carrega uma ideia de ficção e não da realidade. Porém, o próprio autor contraria esse pensamento, quando diz que o que antes era considerado fato, hoje é visto como ficção.

Eagleton (2006) e Derrida (2014) manifestam suas opiniões defendendo que a literatura não pode ser isolada, tendo em vista que “ela nasce do sujeito coletivo da raça humana” (EAGLETON, 2006 p. 140) e Derrida (2014) defende que, para uma obra se tornar legível, é preciso que ela seja compartilhada, que participe e pertença, fugindo dessa ideia de isolamento.

Outra forma de pensar literatura é trazida por Compagnon (2011), um ponto de vista pragmático, no qual a obra literária carrega uma utilidade, ou seja, para o autor, uma obra será considerada literária se a mesma, tiver uma função.

Para ele, a literatura deve construir valores e esse pensamento, além do conceito de literatura na era clássica, foi construído a partir de Aristóteles, quando o crítico francês cita: “Imitar grandes clássicos era motivo para se dizer que aquilo era literatura” (COMPAGNON, 1999, p. 38).

Tanto Compagnon (2001) e Derrida (2014), quanto Eagleton (2006), concordam com a ideia de que nenhuma teoria isolada é suficiente para conceituar com excelência o que é Literatura. Compagnon conclui dizendo que

“Literatura é literatura”; Derrida diz que nenhum critério interno pode garantir a

“literariedade” essencial de um texto, e; Eagleton diz que tudo que temos por literário agora não está garantido que assim continue. Então, cabe-nos dizer que literatura é algo além de um conceito.

(29)

29 2.3.1 A LITERATURA SURDA

Embora saibamos que literatura não se resume ao texto escrito, é comum relacionarmos as obras literárias com o produto final físico (livro ou papel). Mas, para uma língua de modalidade visuo espacial, como as línguas de sinais, não é dessa forma que se tem registrado a maior parte de suas obras literárias. E por muitos anos, décadas, ou quem sabe, séculos, diversas obras foram perdidas, justamente pela falta de um registro adequado a forma de expressão (sinalizada). Quando pensamos em Literatura Visual, dentro da comunidade Surda, precisamos saber que esta possui classificações, que de acordo com Peixoto (2016, p. 141) se divide em Literatura Surda e Literatura em Libras, em que define:

1) Literatura Surda: consiste nas produções literárias: criadas e adaptadas por surdos. As obras de autores surdos que são criadas em Língua Portuguesa, em Língua de Sinais na modalidade escrita, ou em Língua de Sinais na modalidade sinalizada. As obras adaptadas (seja produzida em Língua Portuguesa, em Língua de Sinais na modalidade escrita, ou em Língua de Sinais na modalidade sinalizada), com elementos identitários e culturais do Povo Surdo que fazem uma recriação e releitura de obras clássicas criados por ouvintes.

2) Literatura em LIBRAS: consiste em uma literatura criada por ouvintes traduzida para a LIBRAS, que diferente das obras adaptadas não sofrem alterações nos enredos, pois são fiéis ao texto original da obra. Estas são obras para surdos e não de surdos. Nesta categoria de produções há traduções feitas por surdos e por ouvintes. Nada impede de ouvintes compor um conto adaptado ou criar uma poesia, porém esta ainda será uma obra em LIBRAS produzida por ouvintes e não uma autêntica Literatura Surda. (Destaque feito pela autora)

Para compreender melhor essa categorização, a autora Peixoto (2018, p.

38) montou o diagrama exposto a seguir:

Fonte: Peixoto (2020, p.93).

(30)

30 Peixoto (2016) dialoga com a autora surda Strobel (2008, p. 46) que entende por Literatura Surda:

A literatura surda refere-se a várias experiências pessoais do povo surdo que, muitas vezes, expõem as dificuldades e ou vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes líderes e militantes surdos e sobre a valorização de suas identidades surdas.

Dessa forma, ao abordar sobre a Literatura Surda, Strobel evidencia o que Hall (1997, p. 20) trata acerca de cultura, quando diz: “A cultura que temos determina uma forma de ver, de interpelar, de ser, de explicar, e de compreender o mundo”.

Sendo assim, a obra, objeto deste estudo, intitulada O Passarinho Diferente, condiz com a categoria de Literatura Surda, criada por um Surdo que reflete à vivência cultural apresentada pelos autores citados.

Esta obra se enquadra, dentre os gêneros narrativo, como uma fábula. E tal combinação de categorias – literatura surda e fábula – é uma área ainda muito carente. O que ainda percebemos com maior frequência é a tradução de fábulas para a língua de sinais, o que seria considerado literatura em Libras.

De acordo com Peixoto (2015, p. 15), a característica essencial da fábula é a lição de moral ensinada por vezes implícita ao longo da narrativa e como na maioria explícita no final do texto, e cujos personagens serem geralmente animais com características humanas. E de acordo também com Sousa (2003.

p. 31) diz:

Partindo da observação da realidade cotidiana, a Fábula pretende geralmente transmitir algum ensinamento útil, através de alegorias, apólogos, símbolos, prosopopeias, e até mesmo certos mitos, sempre que é desaconselhável, ou impossível, colocar em cena as verdadeiras personagens dos episódios representados nas narrativas fabulísticas.

Ainda sobre o que caracteriza a fábula, podemos elencar elementos essenciais que compõem os textos narrativos, tais como: personagens, narrador (personagem, observador ou onisciente), com foco em 1ª ou 3ª pessoa, tempo e espaço (ARAÚJO, 2020).

(31)

31 Quando falamos no gênero fábula, é comum e até esperado que o nome

“Esopo” venha a nossa mente, e não é à toa, pois Esopo é conhecido desde o século VI a.C e tem suas criações contadas e recontadas até os dias atuais.

Através das adaptações das fábulas de Esopo e também com produções originais, outro nome de fundamental importância para área surgiu, La Fontaine, por volta do século XVII. No Brasil, um nome muito associado ao mundo do fabulário é Monteiro Lobato, com obras publicadas no século XX (FERNANDES, 2001).

Acerca da comunidade surda brasileira, quando se fala em fábula na língua de sinais, o primeiro sinal (nome) que vem à mente é o de Nelson Pimenta, pois a maior parte do acervo disponível em Libras veio através das suas mãos.

De acordo com a pesquisa realizada por Peixoto e Possebon (2018), entre 1999 (primeira obra registrada) até 2014, foram encontradas 20 fábulas na língua de sinais brasileira. Dessas, 18 pertencem a categoria denominada de Literatura em Libras (obras traduzidas), e apenas duas pertencem a categoria de Literatura Surda (obras adaptadas, que consistem em recriações e obras criadas por surdos). São elas: O passarinho diferente (Ben Bahan/Nelson Pimenta - 1999) e A fábula da arca de Noé (Cláudio Henrique Nunes Mourão – 2014).

Por ser a única fábula criada por autor surdo no repertório da literatura surda no Brasil, corrobora com a importância que a obra objeto deste estudo tem para a comunidade surda brasileira e para a área da Literatura Surda como um todo, pois além de ser a primeira fábula registrada na Língua Brasileira de Sinais, o seu conteúdo nunca fora estudado. Além desta fábula ser uma obra rica em significações que agregam valor à língua de sinais, a história do povo surdo, bem como a sua cultura e, por conseguinte, a Literatura deste povo.

3. A SEMIÓTICA

O estudo dos signos vem desde a Antiguidade, mas foi a partir do final do século XIX e início do século XX que surgiram três grandes linhas semióticas, que são: a semiótica francesa, americana (também conhecida como peirciana) e russa (que tem a Lótman como principal defensor).

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32 A linha de estudo da semiótica selecionada para esse estudo foi a francesa, que tem por base, nomes como Algirdas Julius Greimas, que foram também explanados por Barros (2002) e Fiorin (1989), com enfoque nos três níveis do percurso gerativo do sentido. E Dirigimos também a discussão para a semiótica das culturas do ponto de vista de autores contemporâneos, como Rastier e Batista (2015).

3.1 A SEMIÓTICA GREIMASIANA

Antes de partir para o conceito, faz-se necessário conhecer ainda que de forma resumida quem deu nome à linha da semiótica que adotamos neste trabalho. Greimas foi um linguista de origem lituana, nasceu no dia 9 de março de 1917 em Tula na Rússia e faleceu aos 74 anos, no dia 27 de fevereiro de 1992 em Paris. Na área da semiótica é um dos nomes de maior destaque e contribuição. Uma de suas descobertas mais relevantes foi o quadrado de Greimas que era utilizado na análise estrutural da relação entre os signos. Ele fez estudos relevantes em teoria da significação, semiótica plástica, e lançou as bases para a escola parisiense de semiótica.4

Iniciamos o estudo da semiótica observando como essa teoria é apresentada por Greimas e Courtés:

A teoria semiótica deve apresentar-se inicialmente como o que ela é, ou seja, como uma teoria da significação. Sua primeira preocupação será, pois, explicitar, sob forma de construção conceptual, as condições de apreensão e da produção do sentido. (GREIMAS, A.J.;

COURTÉS, J., 1979, p. 415)

E partindo deste conceito, outros dois faz-se necessário conhecer, são eles: o sentido “propriedade comum a todas as semióticas, o conceito de sentido é indefinível” (GREIMAS; COURTÉS, 1979, p. 416) e a significação que é apresentada como “o conceito-chave em redor do qual se organiza toda a teoria semiótica” (GREIMAS; COURTÉS, 1979, p. 418).

O conceito de semiótica, nas palavras de Santos e Batista (2017) é:

4 Informações retiradas dos sites: https://pt.wikipedia.org/wiki/Algirdas_Julius_Greimas e https://www.revistas.usp.br/esse/article/view/141596/136607

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33

A ciência que estuda a significação dos signos verbais, não verbais e sincréticos. O mundo está repleto de signos, os signos são representações das coisas em nossa mente. Quando pensamos, falamos, ouvimos ou vemos um signo, imediatamente a nossa mente evoca a representação daquele signo que ali está armazenado.

(SANTOS, 2017, p.15)

O estudo dos signos, que posteriormente seria intitulado semiótica, teve sua origem ainda na antiguidade, dentre os nomes de filósofos, estão Aristóteles e Platão (NÖTH, 1996, 1995). Com o passar do tempo, a semiótica expandiu e daí surgiram diferentes linhas teóricas. Uma delas é a semiótica francesa, baseada nos estudos de Greimas (1975), intitulada de semiótica greimasiana.

A semiótica se preocupa em estudar tanto os aspectos internos da construção do texto, quanto com os fatores externos que influenciam sua produção, como afirma Barros:

[...] o texto só existe na dualidade que o define – objeto de significação e objeto de comunicação – e, dessa forma, o estudo do texto com vistas à construção de seu ou de seus sentidos só pode ser entrevisto como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores contextuais ou sócio-históricos de fabricação do sentido. [...] Para explicar ―o que o texto diz‖ e ―como o diz‖, a semiótica trata, assim, de examinar os procedimentos da organização textual e, ao mesmo tempo, os mecanismos enunciativos de produção e recepção do texto.

(BARROS, 2008, p. 7-8).

Assim podemos entender que a semiótica se preocupa em apurar o que diz o texto, as condições para tanto e a quem comunica. É “a relação de dependência que se estabelece entre o conteúdo e a expressão” (BATISTA, 2001, p. 141).

Dar-se-á conhecer tal como é a relação entre o conteúdo e a expressão, entendendo o caminho que produz a significação que, para a semiótica, é compreendida como percurso gerativo de sentido. Esse aspecto se organiza em três níveis: o fundamental, o narrativo e o discursivo. Cada um dos níveis se subdivide em dois componentes: uma sintaxe e uma semântica.

O nível fundamental caracteriza-se pela primeira etapa do percurso de geração de sentido, o “ponto de partida na formação do discurso” (BATISTA, 2009). É nessa etapa que os conflitos são identificados, percebemos as oposições semânticas e os momentos de tensão presentes no texto. Umas das formas mais atuais de representar essas situações conflitantes, é através do

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34 octógono semiótico. No octógono, há relação de contrariedade e oposição entre os termos e, a partir daí, as relações de contradição e complementariedade (BARROS, 2005, p. 84-85).

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

A representação acima demonstra as diferentes relações lógicas, como a contrariedade representada pelo ouvinte e surdo, enquanto que o ouvinte e o não ouvinte, assim como o surdo e o não surdo, descreve uma relação de contradição, ao passo que, os termos surdo e não ouvinte, de igual modo, ouvinte e não surdo, encaixam-se numa relação de complementariedade.

O octógono semiótico representa o nível sintático da estrutura fundamental, enquanto o nível semântico faz-se mais abstrato. São categorias nomeadas de euforia (positiva) e disforia (negativa), que consistem em apresentar uma relação de conformidade e desconformidade, respectivamente.

Pelo viés social, a relação do ouvinte na qualidade de grupo majoritário é eufórica, em contrapartida o surdo enquanto classe minoritária é disfórico.

A segunda estrutura do percurso de significação, intermediária, é a narrativa. Que em seu nível sintático, é percebida, de acordo com Batista (2001, p.1) quando:

Maioria Minoria

Surdo Ouvinte

Não surdo Não ouvinte

Perfil Social

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35

Se organiza em torno do desempenho de um sujeito (S) que realiza um percurso em busca do seu objeto de valor (OV), sendo instigado por um destinador (Dor) que é idealizador da narrativa, ajudado por um Adjuvante (Adj) e prejudicado por um Oponente (Op).

Nessa etapa, o centro da relação é o sujeito e o objeto, este último sendo o alvo de desejo do sujeito. Este é o percurso narrativo do sujeito, em que podemos “considerar este sujeito e este objeto como semioticamente existentes um para o outro” (COURTÉS,1979, p. 82). Além disso, podendo o sujeito concluir seu percurso em conjunção ou em disjunção com seu objeto de valor (BATISTA, 2009, p. 3).

Em outras palavras, a sintaxe narrativa do texto é vista como “[...] um espetáculo, o fazer do homem que transforma o mundo, suas relações com os outros homens, seus valores, aspirações e paixões” (BARROS 2005, p. 82).

Enquanto que para a semântica narrativa é a “instância de atualização dos valores” (GREIMAS; COURTÉS 1989, p. 400). Os valores modais que permeiam a relação do sujeito e permite distinguir o ser (descritivo) e o fazer (actancial).

Santaella (2017, p. 199) aponta que “as ações dos actantes já não são meros produtos de um “fazer”, mas também o resultado de um “querer” ou

“desejar”, um “dever”, um “saber” ou um “poder”.” Batista (2009 p. 03) complementa esse pensamento quando diz: “há modalidade quando dois predicados se encontram numa relação na qual um reage sobre o outro”. Vê-se que essas relações podem ser conjuntivas ou disjuntivas.

Já o último nível, o discursivo, é visto como o “mais superficial do percurso gerativo da significação e coloca em discurso as estruturas narrativas” (Batista, 2009, p.4). Desse modo, assim como os níveis apresentados anteriormente, também se subdivide em sintático e semântico.

Batista (2011) trata o nível discursivo como sendo aquele em que o sujeito enunciador faz escolhas enunciativas levando em consideração o universo a que pertence aquele discurso e, também, o enunciatário, adequando isso ao nível sintático, são estabelecidas relações entre os “sujeitos discursivos (enunciador e enunciatário) entre si e com os atores, tempo espaço da enunciação e do enunciado” (Batista 2009, p. 4).

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36 As escolhas estabelecidas nos processos enunciativos podem causar efeitos de aproximação ou distanciamento do enunciador e o discurso. Esses efeitos são chamados de embreagem e debreagem, respectivamente. Ambos fazem uso das categorias de pessoa (eu e não eu), espaço (aqui e não aqui) e tempo (agora e não agora) (GREIMAS; COURTÉS, 1979, p. 95). Além disso, a semântica discursiva elenca os procedimentos semióticos que podem ser convertidos em tematização e figurativização (SANTOS, 2015, p. 22).

Figurativização é definido como sendo “frases, expressões e textos, ou enunciados que superficializam um conteúdo semântico, de qualquer língua natural” (FIORIN, 2001, p. 65), enquanto tematização ou tema é “um revestimento semântico, de natureza puramente conceptual, que não remete ao mundo natural” (FIORIN, 2001, p. 65). O primeiro grupo tem por função representar, enquanto o último quer interpretar. Como quando se trabalha um texto acerca das profissões, entende-se que o tema é profissão e as figuras que recorrem a esse tema são por exemplo, professor, tradutor, instrutor, entre outros.

Por fim, o percurso gerativo de sentido não é um dos três níveis apresentados isoladamente, mas os três em um único objetivo, como afirma Batista:

A discursivização somente acontece a propósito de uma narrativa anterior que determina a ideologia imanente e a narrativa é direcionada pela estrutura fundamental que a rege. Apenas para efeito de análise é possível separá-los. (BATISTA, 2009, p.8)

Desse modo, ao percorrer o caminho que gera significação, através dos três níveis agora descritos, faz-nos enxergar uma relação de interdependência, um em função do outro. Essa relação pode ser abraçada pela ciência das culturas que estudaremos a seguir.

3.2 A Semiótica das Culturas

O conceito de cultura não é uníssono e até mesmo a singularidade do termo é questionada por alguns estudiosos. A forma de ver e entender a cultura influencia a visão de mundo e de humanidade que o sujeito terá. Segundo Hall,

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37 (1997, p. 20): “A cultura que temos determina uma forma de ver, de interpelar, de ser, de explicar, de compreender o mundo”.

Diante da heterogeneidade que vivemos (brasileiros), não parece suficiente dizer que temos uma cultura apenas. Uma cultura se define, então, como um “ponto de vista sobre outras culturas e não por uma autoconcepção identitária coletiva” (BATISTA; RASTIER, 2015, p. 16).

Dessa forma, a semiótica das culturas compreende a cultura de acordo com a visão antropológica que o termo carrega, como sistema de ideias, hábitos, valores, costumes de um indivíduo em uma sociedade. Pode-se dizer que isso influencia suas produções textuais.

O mundo é semioticamente construído e, como tal, a ciência semiótica não pode ficar restrita a estudos específicos dentro de um universo de pesquisa, mas abarca as ciências da cultura, de um modo geral, cuja finalidade não é o homem em si, mas a diversidade que nele existe.

(BATISTA; RASTIER, 2015, p. 11)

Em consonância com a autora citada anteriormente, Lotman diz que “[...]

cultura é uma acumulação histórica de sistemas semióticos (linguagens)”

(LOTMAN apud OSIMO, 2006).

Para tanto, percebemos a importância que há nos Estudos Culturais e, por assim dizer, nas interpretações que se desdobram para a Semiótica. Como disse Rastier (2010, p. 10) “as ciências da cultura são as únicas a poderem dar conta do caráter semiótico do universo humano.”

Baseado nos sistemas de dominação que faz parte das relações humanas, Batista resume o que Pais (1991, p. 452-461) diz:

Todas as sociedades apresentam seu sistema próprio de dominação (imposto ou escolhido livremente) que se sustenta numa tensão dialética entre dominante e dominado. O contraditório de dominante é não-dominante e o de dominado é não-dominado. Dominante implica na ausência de dominado e vice-versa. O dominante sem ser dominado define a elite. O dominado sem ser dominante explica os trabalhadores. A marginalidade se encontra no eixo negativo, caracterizando-se por não apresentar dominado nem dominante.

(BATISTA, 2009, p. 5, grifo nosso).

Para podemos perceber melhor essa tenção dialética, foi esquematizado um octógono semiótico do sistema de dominação:

(38)

38

Fonte:http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/minicursos/MC_MariaF%C3%A1timaBatista.pdf

Como vimos no capítulo anterior, os surdos e ouvintes compartilham traços culturais, como seres que habitam o mesmo território, mas também apresentam oposições no que tange as suas línguas, forma de ver e interpretar o mundo, sendo a língua um dos traços distintivos de maior destaque. Isso pode acarretar em uma tenção dialética representada da seguinte maneira:

Fonte: Elabora pela autora, 2021.

Dominado Dominante

Não dominado Não dominante

Sistema de Dominação

Marginalidade Social

Surdo Ouvinte

Não Surdo Não Ouvinte

Sistema de Dominação

Cultura Ouvinte Cultura Surda

(39)

39 Neste esquema, nós vemos as relações entre surdos e ouvintes e o produto final sendo a cultura do grupo que está sendo representado. A relação de contrariedade entre surdo e ouvinte e as relações de complementariedade (surdo - não ouvinte e ouvinte – não surdo), uma vez que “surdo” implica “não ouvinte” e “ouvinte” implica “não surdo”.

Essas relações sociais, linguísticas e políticas são temas recorrentes nas produções literárias dos sujeitos surdos. É notório a presença de oposições que compõem o eixo semântico nessa obra e, associado a isso, temos também características específicas das línguas de sinais, como aponta Machado (2013, p. 59-60):

A língua de sinais é carregada de elementos pertinentes somente a ela, tem estética e estilo próprios e cada usuário apropria-se da língua de maneira diferente. Nesse sentido, a língua de sinais não é somente uma vocação, mas sim uma construção que acontece por meio das experiências.

Experiências essas que os surdos reconhecem e identificam semelhanças com a sua realidade em fábulas produzidas por seus pares. Quanto a isso, Candido (1976, p. 139-140) elucida:

Toda obra é pessoal, única e insubstituível, na medida em que brota de uma confidência, um esforço de pensamento, um assomo de intuição, tornando-se uma “expressão”. A literatura, porém, é coletiva, na medida em que requer certa comunhão de meios expressivos (a palavra, a imagem), e mobiliza afinidades profundas que congregam os homens de um lugar e de um momento, - para chegar a uma

“comunicação”.

Abordar sobre o sujeito, a sua língua, identidade e cultura, também consiste em objetos de interesse e estudo da Semiótica da Cultura, como afirma Bakhtin: “Quando estudamos o homem, procuramos e encontramos signos por toda parte e nos empenhamos em interpretar seu significado” (BAKHTIN, 2006, p.319).

Essas relações do entorno humano apresentam rupturas, que de acordo com Rastier (2010, p. 23) são de quatro tipos: ruptura pessoal (eu, tu, ele), local (aqui, ali, acolá), temporal (agora, em seguida, futuro) e modal (certo, provável e irreal). As correlações dessas rupturas são marcadas em zonas, que ele nomeou de zona identitária (coincidência), zona proximal (adjacência) e zona distal (distanciamento).

Referências

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