• Nenhum resultado encontrado

Algumas questões de poética

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Algumas questões de poética"

Copied!
36
0
0

Texto

(1)

Roman Jakobson

Algumas questões de poética

Organização e tradução por Sônia Queiroz

Belo Horizonte FALE/UFMG 2009

(2)

Diretor da Faculdade de Letras Prof. Jacyntho José Lins Brandão Vice-Diretor

Prof. Wander Emediato de Souza Comissão Editorial

Eliana Lourenço de Lima Reis Elisa Amorim Vieira

Lucia Castello Branco

Maria Cândida Trindade Costa de Seabra Sônia Queiroz

Capa e projeto gráfi co

Mangá – Ilustração e Design Gráfi co Revisão e normalização

Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Formatação

Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Revisão de provas

Mário Vinícius Ribeiro Gonçalves Marcos de Faria

Alexandra Silva Montes

Endereço para correspondência:

FALE/UFMG – Setor de Publicações Av. Antônio Carlos, 6627 – sala 2015A 31270-901. Belo Horizonte – MG telefax: (31) 3409-6007

e-mail: vivavozufmg@yahoo.com.br

Sumário

Roman Jakobson, o poeta da Linguística . 6 Sônia Queiroz

Musicologie et linguistique . 11 Musicologia e linguística . 12 De la relation entre

signes visuels et auditifs . 19 Sobre a relação entre

signos visuais e auditivos . 20 Le folklore, forme

spécifi que de création . 39 O folclore, forma

específi ca de criação . 40

(3)

Roman Jakobson, o poeta da Linguística

Sônia Queiroz

No campo da pesquisa e do ensino na área de Letras, as propostas de inter, trans e multidisciplinaridade infelizmente ainda não encontraram o espaço necessário à melhor compreensão do fenômeno semiótico. O distanciamento entre os estudos literários e linguísticos que temos observado ainda neste início do século XXI, resultante do grande investimento na especialização do saber nos séculos anteriores, não corresponde de modo algum aos usos da linguagem humana, em que se mesclam funções pragmáticas, lúdicas e estéticas.

De quando em quando alguém contesta esta segmentação, e não apenas os poetas, como também alguns cientistas. Este é o caso do linguista russo Roman Jakobson, que, ao lado de obras sobre linguagem infantil e afasia, ou de Linguística Geral, publicou, ao longo de sua carreira, desde os 22 anos de idade, uma série de textos teóricos e críticos sobre a literatura – escrita e oral1 −, a pintura, a música, o cinema − e a inter- relação entre diferentes linguagens artísticas e também entre os estudos sobre elas.2

Cerca de trinta ensaios em que Jakobson demonstra a viabilidade da interlocução entre os estudos linguísticos e literários foram reunidos por Todorov no volume intitulado Questions de poétique, publicado pela primeira vez em Paris, pelas Éditions du Seuil, em 1973.3 A segunda parte dessa coletânea é radical: organiza-se sistematicamente em torno do tema “poesia da gramática, gramática da poesia”, reunindo quatro estudos teóricos seguidos da análise de dez poemas, feita com o método desenvolvido por Jakobson entre 1961 e

1 Publicamos aqui uma tradução do texto que se tornou um clássico dos estudos da literatura oral popular, escrito em colaboração com Petr Bogatyrev: “Die Folklore als eine besondere Forrn des Schaffens”

(publicado inicialmente na coletânea Donum Natalicium Schrijnen, Nimègue-Utrecht, 1929, p. 900-913):

“O folclore como forma específi ca de criação”.

2 A esse propósito, publicamos aqui traduções dos ensaios “Musikwissenschaft und Linguistik” (publicado pela primeira vez no jornal Prager Presse, 7/12/1932) e “On Visual and Auditory Signs” (inicialmente publicado na revista Phonetica, n. 2, 1969): “Musicologia e Linguística” e “Sobre os signos visuais e auditivos”.

3 Quatro anos depois, em 1977, a mesma editora publicou uma edição reduzida dessa coletânea, intitulada Huit questions de poétique.

(4)

7

72. No “Postscriptum” ao livro, escrito em 1973, retomando e desenvolvendo posições teóricas defendidas em conferências proferidas no Collège de France no ano anterior, Jakobson afi rma categoricamente que

a ciência da linguagem […] não tem o direito de negligenciar a função poética que se encontra copresente na fala de todo ser humano desde a primeira infância e que desempenha um papel essencial na estruturação do discurso.

Por outro lado, lembra ele, “qualquer pesquisa em matéria de poética pressupõe uma iniciação à ciência da linguagem, pois a poesia é uma arte verbal e é, pois, o emprego particular da língua que ela implica em primeiro lugar”.4 Denuncia, assim, como preconceituosa a atitude de certos críticos literários que impõem restrições à Linguística quanto ao estudo das formas verbais relacionadas às suas funções ou limitam a análise linguística à função denotativa ou referencial da linguagem.

Outro preconceito, que ele atribui ao desconhecimento das novas tendências da Linguística, como a Análise do Discurso:

a ideia de que os estudos linguísticos se limitam ao nível da frase, o que tornaria o linguista incapaz de analisar a composição de poemas.

No texto “Linguística e Poética”, publicado pela primeira vez em inglês, em 1960 (na coletânea Style in language, organizada por Thomas Albert Sebeok), e traduzido no Brasil nove anos depois, na coletânea Lingüística e comunicação, Jakobson já defendia o caráter científi co da Poética, que, no seu entendimento, é um ramo da Linguística, a qual deve compreender todas as manifestações da linguagem verbal:

A Poética trata dos problemas da estrutura verbal, assim como a análise de pintura se ocupa da estrutura pictorial. Como a Lingüística é a ciência global da estrutura verbal, a Poética pode ser encarada como parte integrante da Lingüística. […]

Ouvimos dizer, às vezes, que a Poética, em contraposição à Lingüística, se ocupa de julgamentos de valor. Esta separação dos dois campos entre si se baseia numa interpretação corrente, mas errônea, do contraste entre a estrutura da poesia e outros tipos de estrutura verbal:

4 JAKOBSON. Questions de poétique, p. 485. Tradução minha.

afi rma-se que estas se opõem, mercê de sua natureza “casual”, não intencional, à natureza “não casual”, intencional, da linguagem poética.

De fato, qualquer conduta verbal tem uma fi nalidade, mas os objetivos variam e a conformidade dos meios utilizados com o efeito visado é um problema que preocupa permanentemente os investigadores das diversas espécies de comunicação verbal. Existe íntima correspondência, muito mais íntima do que supõem os críticos, entre o problema dos fenômenos lingüísticos a se expandirem no tempo e no espaço e a difusão espacial e temporal dos modelos literários. […]

A insistência em manter a Poética separada da Lingüística se justifi ca somente quando o campo da Lingüística pareça estar abusivamente restringido, como, por exemplo, quando a sentença é considerada, por certos lingüistas, como a mais alta construção analisável, ou quando o escopo da Lingüística se confi na à gramática ou unicamente a questões não-semânticas de forma externa ou ainda o inventário dos recursos denotativos sem referência às variações livres.5

Ao fi nal do texto, Jakobson critica duramente aqueles que resistem à inclusão dos textos literários no âmbito dos estudos linguísticos:

Se existem alguns críticos que ainda duvidam da competência da Lingüística para abarcar o campo da Poética, tenho para mim que a incompetência poética de alguns lingüistas intolerantes tenha sido tomada por uma incapacidade da própria ciência lingüística. […] um lingüista surdo à função poética da linguagem e um especialista de literatura indiferente aos problemas lingüísticos e ignorante dos métodos lingüísticos são, um e outro, fl agrantes anacronismos.6

A biografi a de Jakobson ajuda-nos a compreender sua postura teórica: “A poesia foi a minha primeira paixão”, declara em seus Diálogos autobiográfi cos com a mulher Krystyna Pomorska, publicados no Brasil em 1985. E acrescenta: “Desde o começo, o fato de escrever versos e o estudo da arte poética foram, para mim, inseparáveis”.7 Ele próprio escreveu e publicou, na juventude, poemas experimentais “transracionais”.8 Aos 19 anos participou ativamente da fundação do Círculo Linguístico de Moscou, cujas primeiras comunicações, segundo afi rma ele próprio nos Diálogos, “foram dedicadas justamente à

5 JAKOBSON. Lingüística e comunicação, p. 119, 120, 121-122.

6 JAKOBSON. Lingüística e comunicação, p. 162.

7 JAKOBSON; POMORSKA. Diálogos, p. 12.

8 Os poemas foram publicados sob o pseudônimo de Aljagrov, em 1915, em Moscou, no livro Zaúmnaia gniga. Cf. JAKOBSON. Language in Literature, p. 2, ou JAKOBSON; POMORSKA. Diálogos, p. 17.

(5)

9

linguagem poética”.9 Onze anos mais tarde participou também da fundação do Círculo Linguístico de Praga. Nos dois grupos − comenta ele na “Apresentação” dos seus Selected Writings − os pesquisadores aprendiam com os poetas. Em especial, diz ele, as experimentações de Klebnikov foram essenciais para suas refl exões sobre a “complexa anatomia da palavra”.10

Finalmente, o título de seu último livro – Verbal Art, Verbal Sign, Verbal Time − publicado em inglês em 1985 (dois anos após sua morte), reafi rma sua convicção nos fortes laços que unem a teoria linguística e a arte verbal, como ele sempre preferiu designar a literatura.

Por esse seu grande empenho nos estudos interdisciplinares da linguagem humana e na vinculação entre Poética e Linguística, Roman Jakobson foi chamado, pelo poeta, tradutor e ensaísta brasileiro Haroldo de Campos (que o conheceu pessoalmente),

"o poeta da Linguística", epíteto que enfatiza a singularidade e o avanço de sua postura no meio acadêmico-científi co.

Este caderno Viva Voz pretende dar acesso, por meio da tradução, a alguns dos textos ainda inéditos em português em que o Poeta da Linguística nos ensina, antes de tudo, o amor à palavra.

9 JAKOBSON; POMORSKA. Diálogos, p. 19-20.

10 JAKOBSON. Selected Writings, v. 2, p. VI citado por JAKOBSON. Language in Literature, p. 3.

Tradução minha.

Referências

JAKOBSON, Roman. Language in Literature. London: Harvard University Press, 1987.

JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Trad. de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. Prefácio de Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1969.

JAKOBSON, Roman. Questions de poétique. Paris: Seuil, 1973.

JAKOBSON, R.; POMORSKA, K. Diálogos. Trad. de Elisa A. Kossovitch. São Paulo: Cultrix, 1985.

(6)

11

Musicologie et linguistique1

La conférence que G. Becking, professeur de musicologie à l’université allemande de Prague, a prononcée récemment au Cercle linguistique de Prague fait partie des événements les plus marquants de la vie scientifi que praguoise de ces derniers temps. Au Congrès phonétique tenu en juillet de cette année, à Amsterdam, dans son exposé sur la musicalité des épopées populaires serbo-croates, Becking avait déjà souligné le parallélisme frappant qui existe entre les problèmes fondamentaux de la phonologie et ceux de la musicologie moderne,2 parallélisme relevé également par le président du congrès van Ginneken dans son discours d’ouverture;

mais c’est à la conférence de Becking au Cercle qu’on doit la révélation de la portée de cette connexité. Sous une forme claire, et avec de nombreux exemples parfaitement évidents, même pour un profane, ce chercheur a esquissé d’une manière convaincante les caractéristiques comparées de la musicologie et de la phonologie.

Un indigène africain joue un air sur sa fl ûte de bambou. Le musicien européen aura beaucoup de mal à imiter fi dèlement la mélodie exotique, mais quand il parvient enfi n à déterminer les hauteurs des sons, il est persuadé de reproduire fi dèlement le morceau de musique africain. Mais l’indigène n’est pas d’accord, car l’Européen n’a pas fait assez attention au timbre des sons. Alors, l’indigène rejoue le même air sur une autre fl ûte. L’Européen pense qu’il s’agit d’une autre mélodie, car les hauteurs des sons ont été complètement changées en raison de la construction du nouvel instrument, mais l’indigène jure que c’est le même air. La différence provient de ce que le plus important, pour l’indigène, c’est le timbre, alors que pour l’Européen, c’est la hauteur du son. L’important en musique, ce n’est pas le donné naturel, ce ne sont pas les sons tels qu’ils

1 Publicado em: JAKOBSON, R. Questions de poétique. Paris: Seuil, 1973. p. 102-104. Versão francesa de: Jean-Jacques Nattiez e Harold Weyden. Original alemão: Musikwissenschaft und Linguistik, Prager Presse, 7/12/1932.

2 Cf. BECKING, G. Der musikalische Bau des montenegrischen Volksepos. In: FIRST INTERNATIONAL CONGRESS OF PHONETIC SCIENCES, 1., 1932, Amsterdam. Proceedings... Amsterdam: Archives Néerlandaises de phonétique expérimentale, p. 144-153.

Musicologia e linguística1

A conferência de G. Becking, professor de Musicologia na universidade alemã de Praga, foi um dos eventos mais marcantes da vida científi ca de Praga nos últimos tempos. No Congresso de Fonética realizado em julho de 1932, em Amsterdã, em sua exposição sobre a musicalidade das epopeias populares servo-croatas, Becking já tinha sublinhado o impressionante paralelismo existente entre os problemas fundamentais da Fonologia e os da Musicologia moderna,2 paralelismo destacado também pelo presidente do congresso, van Ginneken, em seu discurso de abertura; mas é à conferência de Becking no Círculo Linguístico de Praga que se deve a revelação do alcance dessa conexão. De forma clara, e com numerosos exemplos perfeitamente evidentes, até mesmo para um leigo, o pesquisador esboçou de maneira convincente as características comparadas da Musicologia e da Fonologia.

Um indígena africano toca uma ária em sua fl auta de bambu. O músico europeu se dará mal tentando imitar fi elmente a melodia exótica, mas quando ele fi nalmente consegue determinar a altura dos sons, ele se julga capaz de reproduzir fi elmente o trecho da música africana. Mas o indígena não concorda, porque o europeu não deu bastante atenção ao timbre dos sons. Então, o indígena toca novamente a mesma ária com uma outra fl auta. O europeu pensa que se trata de uma outra melodia, pois as alturas dos sons foram mudadas completamente, por causa da fabricação do novo instrumento, mas o indígena jura que é a mesma ária. A diferença está no fato de que o mais importante, para o indígena, é o timbre, enquanto que para o europeu é a altura do som. O importante em música não é o dado natural, não são os sons do modo como são realizados, mas como são intencionados. O africano e o europeu ouvem o mesmo som, mas este som tem um

1 Tradução de Sônia Queiroz, a partir da tradução francesa: JAKOBSON, R. Musicologie et linguistique.

Trad. de Jean-Jacques Nattiez e Harold Weyden. In: JAKOBSON, R. Questions de poétique. Paris: Seuil, 1973. p. 102-104. Publicado inicialmente em alemão: Musikwissenschaft und Linguistik. Prager Presse, 7/12/1932.

2 Cf. BECKING, G. Der musikalische Bau des montenegrischen Volksepos. In: FIRST INTERNATIONAL CONGRESS OF PHONETIC SCIENCES, 1., 1932, Amsterdam. Proceedings... Amsterdam: Archives Néer- landaises de phonétique expérimentale, p. 144-153.

(7)

13

sont réalisés, mais tels qu’ils sont intentionnés. L’indigène et l’Européen entendent le même son, mais il a une valeur tout à fait différente pour chacun, car leur conception relève de deux systèmes musicaux entièrement différents; le son en musique fonctionne comme élément d’un système. Les réalisations peuvent être multiples, l’acousticien peut le déterminer exactement, mais l’essentiel en musique, c’est que le morceau puisse être reconnu comme identique. Il existe donc entre une valeur musicale et ses réalisations exactement la même relation que, dans le langage, entre un phonème et les sons articulés qui représentent ce phonème dans la parole.

La différence entre les neumes du Moyen Age et les notes modernes n’est pas seulement une différence d’écriture, mais refl ète l’importante différence de deux systèmes musicaux:

dans le chant grégorien, contrairement à la musique européenne moderne, il ne s’agit pas de la hauteur, mais du mouvement des sons. Le rapport étroit entre la structure phonologique d’une langue et l’écriture qui y correspond, tels qu’ils ont été soulignés en particulier par les exposés de N. S. Troubetzkoy et A. Artymovitch au “Cercle”, forme un parallèle très proche.

Becking essaie d’établir une typologie des systèmes musicaux. Il distingue entre les “systèmes unidimensionnels”, où le nombre des degrés de la gamme, seul, compte; les “systèmes bidimensionnels”, qui affi rment le principe de la parenté interne au sein du matériau sonore; les “systèmes tridimensionnels”, qui sont caractérisés par la fonction dans le système harmonique;

et enfi n, les “systèmes quadridimensionnels” où un seul son représente encore en plus la fonction de l’accord auquel il appartient, dans le système tonal harmonique. La régularité dans la structure du système rappelle la typologie des systèmes phonologiques. En exemple, le savant cite, pour le premier type, la musique des Guslares monténégrins; pour le deuxième type, une symphonie des Balinais; pour le troisième, une œuvre de musique religieuse anglaise du XIVe·siècle, et pour le quatriéme, une composition baroque vénitienne. A l’aide de quelques exemples très convaincants, Becking révèle l’erreur

valor completamente diferente para cada um deles, pois sua concepção provém de dois sistemas musicais inteiramente diferentes; o som na música funciona como elemento de um sistema. As realizações podem ser múltiplas, o especialista em acústica pode determiná-las exatamente, mas o essencial em música é que a parte possa ser reconhecida como idêntica.

Existe, portanto, entre um valor musical e suas realizações exatamente a mesma relação que, na linguagem, entre um fonema e os sons articulados que representam este fonema na fala.

A diferença entre os neumas da Idade Média e as notas modernas não é apenas uma diferença de escrita, mas refl ete a importante diferença entre dois sistemas musicais: no canto gregoriano, ao contrário da música europeia moderna, não se cogita da altura, mas do movimento dos sons. A relação estreita entre a estrutura fonológica de uma língua e a escrita correspondente, tal como foi destacada particularmente pelas exposições de N. S. Troubetzkoy e A. Artymovitch no “Círculo”, forma um paralelo muito próximo.

Becking tenta estabelecer uma tipologia dos sistemas musicais. Distingue entre os “sistemas unidimensionais”, em que apenas conta o número dos graus da gama; os “sistemas bidimensionais”, que afi rmam o princípio do parentesco interno no cerne do material sonoro; os “sistemas tridimensionais”, caracterizados pela função no sistema harmônico; e fi nalmente os “sistemas quadridimensionais”, em que um único som representa ainda mais a função do acorde ao qual pertence, no sistema tonal harmônico. A regularidade na estrutura do sistema lembra a tipologia dos sistemas fonológicos. Como exemplo, o estudioso cita, para o primeiro tipo, a música dos guslares montenegrins; para o segundo tipo, uma sinfonia dos balineses; para o terceiro, uma obra de música religiosa inglesa do século XIV, e para o quarto tipo, uma composição barroca veneziana. Com a ajuda de alguns exemplos bem convincentes, Becking aponta o erro desses pesquisadores que introduzem na análise de um sistema musical um ponto de

(8)

15

de ces chercheurs qui introduisent dans l’examen d’un système musical le point de vue d’un autre système, et conçoivent, par exemple, un système unidimensionnel comme une série chromatique “mal jouée”.

Les principes de développement d’un système musical sont aussi, comme le montre l’exposé, semblables aux changements phonologiques de la langue. Ou bien une différence non- pertinente devient pertinente, ou c’est le contraire qui arrive. En général, les pertes et les acquisitions de différences pertinentes sont mutuellement liées.

A la fi n de sa conférence, Becking a évoqué la différence fondamentale entre la musique et le langage. Bien entendu, il y a des cas particuliers dans l’histoire de la musique, où on voit certaines formes musicales devenir une expression non ambiguë (dans l’opéra italien par exemple, ou chez Wagner, etc.). Il est intéressant de remarquer que les éléments les plus organisés d’un système donné ont souvent une signifi cation mystique.

Mais, en général, le plus signifi catif en musique, contrairement au langage, c’est le système tonal pour lui-même, le système qui est inséparablement lié à la vision du monde.

Les interprétations de Becking sont de première importance, pas seulement pour le chercheur en musicologie, mais également pour le linguiste. Il y a matière nouvelle pour faire de productives comparaisons: et sont analogues, dans le langage et dans la musique, le rapport entre les valeurs sonores et leur réalisation, le rapport entre ces valeurs et l’écriture, les principes de mutations. La musicologie nous apprend que des peuples et des tribus voisins forment souvent d’intéressantes “alliances musicales”, par exemple les peuples d’Extrême-Orient ont, selon Becking, un système musical particulier qui se distingue par l’utilisation d’un nombre énorme de petits intervalles. Il est très intéressant que ce soient les mêmes peuples qui forment une “alliance phonologique”3 qui se caractérise par l’emploi dês modulations dans le système prosodique du mot. Il est nécessaire de comparer les

3 Cf. à ce sujet l’article de JAKOBSON, R. Sur la théorie des affi nités phonologiques entre les langues. In:

TROUBETZKOY, N. S. Principes de phonologie. Trad. J. Cantine. Paris: 1970, p. 351-365.

vista de outro sistema e concebem, por exemplo, um sistema unidimensional como uma série cromática “mal executada”.

Os princípios de desenvolvimento de um sistema musical são também, como mostra a exposição, semelhantes às mudanças fonológicas da língua. Ou uma diferença não- pertinente se torna pertinente, ou acontece o contrário. Em geral, as perdas e as aquisições de diferenças pertinentes são mutuamente ligadas.

Ao fi nal da conferência, Becking evocou a diferença fundamental entre a música e a linguagem verbal. É claro que há casos particulares na história da música, em que se veem certas formas musicais se tornarem uma expressão não ambígua (na ópera italiana, por exemplo, ou em Wagner, etc.).

É interessante ressaltar que os elementos mais organizados de um dado sistema têm frequentemente uma signifi cação mística.

Mas, em geral, o mais signifi cativo em música, ao contrário da linguagem verbal, é o sistema tonal em si mesmo, sistema que está inseparavelmente ligado à visão de mundo.

As interpretações de Becking são da maior importância, não somente para o pesquisador em Musicologia, mas também para o linguista. Há matéria nova para fazer comparações produtivas: e são análogos, na linguagem verbal e na música, a relação entre os valores sonoros e sua realização, a relação entre esses valores e a escrita, os princípios da mutação. A Musicologia nos ensina que povos e tribos vizinhas frequentemente formam interessantes “alianças musicais”, por exemplo, os povos do Extremo Oriente têm, segundo Becking, um sistema musical particular que se distingue pela utilização de um número enorme de pequenos intervalos. É muito interessante que sejam os mesmos povos que formam uma “aliança fonológica”3 que se caracteriza pelo emprego de modulações no sistema prosódico da palavra.É necessário comparar os limites e os traços distintivos de cada aliança musical e fonológica. As leis de estrutura da música e as da estrutura fônica da poesia são um material que se presta

3 Cf. a esse respeito o artigo de JAKOBSON, R.: Sobre a teoria das afi nidades fonológicas entre as línguas.

In: TROUBETZKOY, N. S. Principes de phonologie. Trad. J. Cantineau. Paris: 1970. p. 351-365.

(9)

17

limites et les traits distinctifs de chaque alliance musicale et phonologique. Les lois de structure de la musique et celles de la structure phonique de la poétique, sont un matériel qui se prête particulièrement bien à l’étude comparative. En termes linguistiques, la particularité de la musique par rapport à la poésie réside en ce que l’ensemble de ses conventions (langue4 selon la terminologie de Saussure) se limite au système phonologique et ne comprend pas de répartition étymologique des phonèmes, donc pas de vocabulaire.

La musicologie doit exploiter les progrès de la phonologie:

la méthode globale, la théorie structurale, etc. Ainsi, par exemple, le fait que, selon la phonologie, la différence de deux valeurs corrélatives apparaisse toujours dans l’opposition d’une valeur marquée et d’une valeur non marquée deviendrait une chose importante en musicologie aussi.

4 En français dans le texte.

particularmente bem ao estudo comparativo. Em termos linguísticos, a particularidade da música com relação à poesia reside no fato de que o conjunto de suas convenções (langue4, segundo a terminologia de Saussure) se limita ao sistema fonológico e não compreende divisão etimológica dos fonemas, logo, não inclui nada de vocabulário.

A Musicologia deve explorar os progressos da Fonologia:

o método global, a teoria estrutural, etc. Assim, por exemplo, o fato de que, segundo a Fonologia, a diferença entre dois valores correlativos aparece sempre na oposição de um valor marcado e de um valor não-marcado viria a ser algo importante em Musicologia também.

4 Em francês no texto alemão.

(10)

19

De la relation entre signes visuels et auditifs1

L’analyse exhaustive d’un système de signes requiert une constante référence aux problèmes généraux de la sémiotique;

dans le contexte de cette science nouvelle au développement rapide et spontané, la question de l’interrelation existant entre les divers systèmes de signes est un thème fondamental d’une brûlante actualité. Nous sommes confrontés à la tâche de construire un modèle général de la production et de la perception des signes et des modèles spécifi ques des différents types de signes.

Le rapport structurel et perceptif qui existe entre les signes visuels et auditifs est l’un des thèmes qui fi gurent à l’ordre du jour. Je suis revenu à ce problème après avoir lu les comptes rendus des journaux à propos des déclarations de Khrouchtchev sur l’art moderne, ses protestations violentes et dictatoriales contre la peinture non fi gurative, abstraite. Il était clair qu’il avait réellement une aversion violente à l’égard de ce type de peinture, et la question suivante nous vient inévitablement à l’esprit: pourquoi rencontrons-nous si souvent cette réaction outragée, cette peur superstitieuse et cette incapacité à saisir et à accepter la peinture non fi gurative? Une brochure offi cielle de Moscou a résumé cette attitude de répulsion: “Nous n’aimons pas l’art abstrait pour la simple raison qu’il nous entraîne loin de la réalité, du travail et de la beauté, de la joie et dela tristesse, de la palpitation même de la vie, qu’il nous conduit vers un monde illusoire et spectral et la futilité d’une prétendue expression personnelle.” Mais pourquoi le même refrain perd- il tout sens lorsqu’on l’applique à la musique? Tout au long de l’histoire du monde, il est très rare que l’on se soit plaint et qu’on ait demandé: “Quel aspect de la réalité représente telle ou telle sonate de Mozart ou de Chopin? Pourquoi nous éloigne-t-elle de la pulsation même de la vie et du travail, vers le monde futile de l’expression dite personnelle?” La question

1 Publicado em: JAKOBSON, R. Essais de linguistique générale. Paris: Les Éditions de Minuit, 1973. Este texto combina dois trabalhos: JAKOBSON, R. On Visual and Auditory Signs. Phonetica, n. 11, 1964; e JAKOBSON, R. About the Relation between Visual and Auditory Signs. In: SYMPOSIUM ON MODELS FOR THE PERCEPTION OF SPEECH AND VISUAL FORM, 1964, Boston. Atas... Boston: 1967 (ver SW, v. 2, p.

334-337, 338-344).

Sobre a relação entre signos visuais e auditivos1

É impossível analisar exaustivamente um sistema de signos particular sem fazer referência constante aos problemas gerais da Semiótica e, no contexto desta ciência nova e em franco desenvolvimento, a relação entre os diversos sistemas de signos é uma das questões fundamentais e urgentes. Encaramos a tarefa da construção de um modelo abrangente da produção e da percepção do signo e de modelos separados para diferentes tipos de signos.

A relação estrutural e perceptiva entre os signos visuais e auditivos é uma das questões que aparecem de forma proeminente na ordem do dia da Semiótica. Volto a este problema depois de ler reportagens de jornal sobre declarações recentes de Nikita Krushev sobre a arte moderna, seus protestos veementes e autoritários contra a pintura abstrata, não-fi gurativa. Ficou claro que ele realmente tem uma aversão violenta a esse tipo de pintura, e inevitavelmente nos ocorre a questão: Por que nos deparamos tão frequentemente com essa reação injuriada, esse temor supersticioso e essa inabilidade para compreender e aceitar a pintura não-fi gurativa? Uma publicação ofi cial de Moscou assim resumiu essa atitude de repugnância: “Não gostamos de arte abstrata pela simples razão de que ela nos tira da realidade, do trabalho e da beleza, do prazer e da tristeza, da verdadeira vibração da vida, e nos conduz a um mundo ilusório e espectral, à futilidade de uma pretensa expressão pessoal.” Mas por que a mesma crítica agressiva perde todo o sentido quando aplicada à arte musical?

Em toda a história da humanidade, muito raramente as pessoas se preocuparam e se perguntaram: “Que faceta da realidade esta ou aquela sonata de Mozart ou Chopin representa? Por que

1 Tradução de Sônia Queiroz, a partir da edição em inglês: JAKOBSON, R. On the Relation between Visual and Auditory Signs. In: JAKOBSON, R. Language in Literature. Ed. by Krystina Pomorska and Stephen Rudy. 5. ed. Cambridge, Mass.; London: The Belknap Press of Harvard University Press, 1994. Cap. 27, p. 466-473. Este texto combina dois trabalhos: “On Visual and Auditory Signs” (Phonetica, n. 11, 1964) e “About the Relation between Visual and Auditory Signs”, observações conclusivas do Symposium on Models for the Perception of Speech and Visual Form, realizado em Boston, outubro de 1964, publicadas nas atas do simpósio, em 1967 (ver SW, v. 2, p. 334-337, 338-344). A montagem dos dois textos feita por Jakobson para o segundo volume de seus Essais de linguistique générale (Paris: Les Éditions de Minuit, 1973) foi publicada pela primeira vez em inglês em 1987. Utilizei o texto em francês na revisão da tradução.

(11)

21

de la mimésis, de l’imitation objective, semble cependant être naturelle et même obligatoire pour la grande majorité des hommes dès que l’on entre dans le domaine de la culture ou de la peinture.

Le regretté M. Aronson, observateur de talent qui a étudié d’abord à Vienne avec N. Trubetzkoy, ensuite à Léningrad avec B. Ejxenbaum, a écrit en 1929 un rapport instructif sur les expériences qu’il menait avec plusieurs autres chercheurs à Radio-Leningrad dans le but d’améliorer et de développer les drames radiophoniques.2 Des essais furent faits pour introduire dans le montage des scénarios des reproductions exactes de divers bruits naturels. Cependant, comme l’expérience l’a révélé,

“seule une part insignifi ante des bruits qui nous entourent est perçue par notre conscience et reliée à une image concrète”. La station de radio enregistra avec soin des bruits de gares et de trains, de ports, de mer, de vent, de pluie et de diverses autres sources sonores, mais les gens furent incapables d’identifi er les différents bruits et d’en indiquer la source. Les auditeurs ne savaient pas clairement s’ils entendaient du tonnerre, des trains ou des vagues. Ils savaient seulement que c’était du bruit et rien de plus. La conclusion qu’Aronson tira dans son étude à partir de ces données très intéressantes fut cependant inexacte. Il supposa que la vue joue un rôle plus important que l’ouïe. Il suffi t de se rappeler que la radio s’occupe uniquement de faire entendre de la parole et de la musique. Ainsi, l’essence du problème tient, non au degré d’importance, mais à une différence fonctionnelle entre la vue et l’ouïe.

Nous avons signalé une question troublante, à savoir, comment il se fait que la peinture ou la sculpture non objectives, non fi guratives, abstraites, continuent à susciter des attaques violentes, du mépris, de la raillerie, des invectives,de l’ahurissement et vont même parfois jusqu’à provoquer des mesures d’interdiction, de censure, alors que les appels en faveur de l’imitation de la réalité extérieure sont de rares exceptions tout au long de l’histoire de la musique?

Cette question trouve un parallèle dans une autre énigme

2 ARONSON, M. I. Radiofi lme. Slavische Rundschau, v. 1, 1929. 539 p.

ela nos tira da verdadeira vibração da vida e do trabalho, para a futilidade da assim chamada expressão pessoal?” A questão da mimese, da imitação, da representação objetiva parece, no entanto, ser natural e mesmo compulsória para a grande maioria dos seres humanos, tão logo entramos no campo da pintura ou da escultura.

O falecido M. I. Aronson, um observador talentoso que estudou primeiro em Viena com N. S. Trubetzkoi e depois em Leningrado com B. M. Ejkenbaun, escreveu em 1929 um relatório instrutivo sobre os experimentos realizados por ele e vários outros pesquisadores na Rádio Leningrado, com o objetivo de aperfeiçoar e desenvolver as novelas de rádio.2 Foram feitas tentativas de introduzir na montagem dos roteiros reproduções verossímeis de vários ruídos naturais. Entretanto, como revelou o experimento, “apenas uma parte insignifi cante dos ruídos que nos circundam é percebida pela nossa consciência e relacionada com um fenômeno concreto.” A rádio gravou cuidadosamente ruídos de estações ferroviárias e trens, ruas, portos, mar, vento, chuva, e vários outros produtores de ruído, mas as pessoas foram incapazes de discriminar os diferentes ruídos e associá- los a suas fontes. Não era claro para os ouvintes se estavam ouvindo um trovão ou trens ou britadeiras. Eles sabiam apenas que era um ruído e nada mais. A conclusão que o estudo de Aronson extraiu desses dados muito interessantes foi, no entanto, inexata. Ele supôs que a visão desempenha um papel muito mais importante do que a audição. Basta lembrar que o rádio lida apenas com a audição da fala e da música. Assim, a essência do problema não se encontra no grau de importância, mas numa diferença funcional entre visão e audição.

Mencionei uma questão intrigante: Por que a pintura ou a escultura abstrata, subjetiva, não-fi gurativa ainda é recebida com ataques violentos, com desprezo, sarcasmo, insulto, espanto, e por vezes até mesmo proibição, enquanto que os apelos a imitações da realidade exterior constituem raras exceções na longa história da música?

Esta questão é análoga a um outro quebra-cabeça notório:

2 ARONSON, M. I. Radiofi lme. Slavische Rundschau, v. 1, 1929. 539 p.

(12)

23

notoire: pourquoi le langage parlé est-il le seul moyen de communication qui soit universel, autonome et fondamental?

Tous les hommes parlent, à l’exception de ceux qui sont affectés de troubles pathologiques. L’incapacité de parler (aphasia universalis) est un état pathologique. Par contre, l’analphabétisme est une condition sociale répandue et même généralisée dans certains groupes3. Comment se fait-il que les systèmes de signes visuels soient, ou bien confi nés à un rôle accessoire, auxiliaire, comme celui des gestes et des mimiques du visage, ou bien que – pour les lettres et les glyphes par exemple – ces ensembles sémiotiques constituent, dans la terminologie de J. Lotz, des formations parasitaires, des superstructures facultatives ajoutées au langage parlé et impliquant son acquisition antérieure?4 Dans la formulation succincte de E. Sapir, “le langage phonétique a le pas sur tous les autres symbolismes de communication, qui, par comparaison, sont tous soit substitutifs, comme l’écriture, soit tout à fait additionnels, comme le geste qui accompagne la parole”.5 Ces faits demandent à être élucidés.

Si l’on se sert de la division des signes en index, icônes et symboles de C.S. Peirce, on peut dire que, pour celui qui l’interprète, un index est associé à son objet par une contiguïté effective, existentielle, et une icône par une ressemblance effective, alors qu’il n’existe pas de lien existentiel contraignant entre les symboles et les objets auxquels ils se réfèrent.

Un symbole fonctionne “en vertu d’une loi”. Des règles conventionnelles soustendent les relations existant entre les divers symboles d’un seul et même système. Le lien qui existe entre le signons sensible d’un symbole et son signatum intelligible (traduisible) repose sur une contiguïté apprise, acceptée, usuelle. La structure des symboles et des index implique donc une relation de contiguïté (artifi cielle dans le

3 Environ 43-45% de la population mondiale est totalement illettre et 65-70% l’est “fonctionnellement” comme le montre l’enquête statistique de l’Unesco, L’Analphabétisme dans le monde au milieu du XXe siecle (1957). Selon les résultats de la recherche la plus récente publiée dans Harvard Educational Review (1970), plus de la moitié de la population des États-Unis de plus de vingt-cinq ans ne possède pas le niveau d’alphabétisation nécessaire pour maîtriser des documents aussi courants que le code de la route, les journaux et les demandes d’emploi.

4 LOTZ, J. Natural and Scientifi c Language. Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences, n. 80, p. 87-88, 1951.

5 SAPIR, E. Language. In: MANDELBAUM, D. G. (Ed). Selected Writings of Edward Sapir in Language, Culture and Personality. Berkeley: 1949. p. 7.

Por que a fala audível é o único veículo de comunicação universal, autônomo e fundamental? Todos os seres humanos, exceto aqueles com patologias, falam. A mudez (aphasia universalis) é um estado patológico. Por outro lado, o analfabetismo é uma condição social comum, e em alguns grupos étnicos até mesmo generalizado.3 Por que é que os padrões dos signos visuais ou são reduzidos a um papel meramente concomitante, subsidiário, como os gestos e as expressões faciais, ou – como com as letras e os glifos – estas séries semióticas constituem, na terminologia de John Lotz, formações parasitárias, superestruturas opcionais impostas sobre a linguagem falada, e que implicam sua aquisição prévia?4 Na formulação sucinta de Edward Sapir, “a linguagem fonética tem precedência sobre todos os outros tipos de simbolismo comunicativo, cada um dos quais é, por comparação, ou substitutivo, como a escrita, ou excessivamente suplementar, como o gestual que acompanha a fala.”5 Esses fatos demandam elucidação.

Utilizando a divisão dos signos proposta por C. S.

Peirce, em índices, ícones e símbolos, pode-se dizer que, para o intérprete, um índice está associado a um objeto por uma contiguidade factual, existencial, e um ícone, por uma similaridade factual, enquanto que não há conexão existencial compulsória entre os símbolos e os objetos a que se referem.

Um símbolo atua “em virtude de uma lei”. Regras convencionais estão subjacentes às relações entre os diversos símbolos de um mesmo sistema. A conexão entre os signans sensórios de um símbolo e seu signatum inteligível (traduzível) é baseada numa contiguidade aprendida, acordada, habitual. Assim, a estrutura dos símbolos e dos índices implica uma relação de contiguidade (artifi cial no primeiro caso, física no segundo), enquanto a essência dos ícones consiste na similaridade. Por

3 Cerca de 43a 45% da população mundial é completamente iletrada, e 65 a 70% funcionalmente iletra- da, de acordo com o levantamento estatístico da UNESCO L’Analphabétisme dans le monde au milieu du XXº siecle (1957). Segundo os resultados de pesquisa mais recente, publicada na Harvard Educational Review (1970), mais da metade da população dos Estados Unidos com mais de 25 anos de idade não possui o nível de letramento necessário para ter acesso a escritos comuns do dia-a-dia, como placas de rua, jornais e solicitações de emprego.

4 LOTZ, John. Natural and Scientifi c Language. Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences, n. 80, p. 87-88, 1951.

5 SAPIR, Edward. Language. In: MANDELBAUM, David G. (Ed.). Selected Writings of Edward Sapir in Language, Culture and Personality. Berkeley: 1949. p. 7.

(13)

25

premier cas, physique dans le second), alors que l’essence des icônes réside dans la similitude. D’autre part, l’index est le seul signe qui, à l’opposé de l’icône et du symbole, implique la coprésence réelle de son objet. A proprement parler, la différence essentielle entre les trois types de signes réside plutôt dans la hiérarchie de leurs propriétés elles-mêmes. Ainsi, toute peinture, selon Peirce, “est largement conventionnelle dans son mode de représentation”, et pour autant que “des règles conventionnelles soutiennent la ressemblance”, un tel signe peut être considéré comme une icône symbolique.6 D’autre part, le rôle pertinent que les symboles iconiques, les symboles et index jouent dans le langage attend toujours un examen approfondi.

Dans notre expérience quotidienne, les index visuels sont bien plus reconnaissables et bien plus largement utilisés que les index auditifs. De même, les icônes auditives, c’est-à-dire les imitations de sons naturels, sont mal reconnues et guère utilisées. D’autre part, le caractère universel de la musique, le rôle fondamental de la parole dans la culture humaine et, fi nalement, une simple référence à la prédominance du mot et de la musique à la radio suffi sent à prouver que la conclusion d’Aronson quant à la suprématie de la vue sur l’ouïe dans notre vie culturelle ne vaut que pour les index et les icônes, et non pour les symboles.

Nous avons tendance à réifi er les signes visuels, à les relier à des objets, à attribuer de la mimésis à de tels signes et à les considérer comme des éléments d’un “art imitatif”. A toutes les époques, des peintres ont projeté des éclaboussures ou des taches d’encreou de couleur, et ont essayé de les visualiser comme des visages, des paysages ou des natures mortes.

Combien de fois des brindilles cassées, des rainures dans des pierres ou d’autres sinuosités naturelles, des courbes et des taches, ne sont pas pris pour des représentations d’objets ou d’êtres! Cette tendance universelle, inhérente, explique pourquoi un spectateur naïf qui regarde une peinture abstraite

6 PEIRCE, Charles Sanders. Speculative Grammar. In: PEIRCE, Charles Sanders. Collected papers.

Cambridge, Mass.: 1932. v. 2, p. 129-130.

outro lado, o índice, em contraposição ao ícone e ao símbolo, é o único signo que necessariamente envolve a copresença real de seu objeto. Em sentido restrito, a diferença essencial entre os três tipos de signo está mais na hierarquia de suas propriedades do que nas propriedades em si. Assim, qualquer pintura, de acordo com Peirce, “é amplamente convencional em seu modo de representação”, e contanto que “a semelhança esteja apoiada em regras convencionais”, tal signo pode ser visto como um ícone simbólico.6 Por outro lado, o papel pertinente desempenhado na linguagem pelos símbolos icônicos e indiciais ainda aguarda um exame rigoroso.

Em nossa experiência cotidiana a discriminação dos índices visuais é muito superior, e seu uso muito mais amplo, do que o discernimento e a utilização de índices auditivos. Do mesmo modo, os ícones auditivos, as imitações de sons naturais, são precariamente reconhecidos e raramente utilizados. Por outro lado, a universalidade da música, o papel fundamental da fala na cultura humana, e, fi nalmente, a mera referência à predominância da palavra e da música no rádio bastam para provar que a conclusão de Aronson quanto à supremacia da visão sobre a audição em nossa vida cultural só é válida para os índices e ícones, e não para os símbolos.

Observamos uma tendência forte e proeminente a reifi car os signos visuais, a relacioná-los com objetos, a atribuir caráter mimético a tais signos, e a vê-los como elementos de uma “arte imitativa”. Pintores de todas as épocas espirraram manchas ou borrões de tinta ou cor e experimentaram visualizá-los como rostos, paisagens, ou naturezas-mortas. Quantas vezes galhos quebrados, sulcos em pedras ou outras dobras, curvas e sinais naturais foram tomados como representações de coisas e seres. Essa tendência universal, inata, explica por que um espectador inexperiente, diante de uma pintura abstrata, assume subconscientemente que se trata de uma espécie de tela enigmática e assim perde a calma quando se sente incapaz

6 PEIRCE, Charles Sanders. Speculative Grammar. In: PEIRCE, Charles Sanders. Collected Papers.

Cambridge, Mass.: 1932. v. 2, p. 129-130.

(14)

27

suppose instinctivement qu’il s’agit d’une sorte de peinture- rébus et s’irrite ensuite lorsqu’il ne peut trouver de réponse à cette énigme imaginaire. Incapable de découvrir ce que l’œuvre est “supposée représenter”, le spectateur déçu conclut que “ce n’est que du barbouillage!”

Les perceptions visuelles et auditives se produisent visiblement dans l’espace et dans le temps, mais la dimension spatiale prime dans le cas des signes visuels, et la dimension temporelle dans celui des signes auditifs. Un signe visuel complexe comprend une série de composants simultanés, alors qu’un signe auditif complexe est formé en principe d’une série de constituants successifs. Les accords, la polyphonie, et, l’orchestration, sont des manifestations de la simultanéité dans la musique; alors que le rôle dominant est assumé par la séquence.

On a parfois mal interprété la primauté de la succession dans le langage comme linéarité du langage. Cependant, les phonèmes, faisceaux de traits distinctifs simultanés, révèlent le second axe de toute séquence verbale. Du reste, c’est le dogme de la linéarité qui incite ceux qui y adhèrent à associer une telle séquence à une chaîne de Markov et à négliger la structure hiérarchique de toute construction syntaxique.

Il existe une différence frappante entre une représentation essentiellement spatiale, visible d’un seul coup, et le fl ux musical ou verbal qui se déroule dans le temps et qui excite notre ouïe d’une manière consécutive. Même un fi lm exige à tout moment une perception simultanée de sa composition spatiale. Pour être produite, suivie et retenue, la séquence verbale ou musicale doit remplir deux exigences fondamentales:

présenter une structure systématiquement hiérarchique, et être analysable en composants ultimes, discrets et strictements modelés et défi nis pour leur rôle. C’est précisément le cas des traits distinctifs dans le langage et c’est de même vrai en ce qui concerne les notes dans n’importe quelle type de gamme musicale. Thomas d’Aquin a clairement formulé la même idée.

Lorsqu’il défi nit les traits caractéristiques que présentent les composants phoniques du langage, il déclare que ce sont

de descobrir o que esse trabalho “supostamente representa”

e conclui que “são apenas borrões!”

Tanto a percepção visual quanto a auditiva obviamente ocorrem no espaço e no tempo, mas a dimensão espacial dá prioridade aos signos visuais e a dimensão temporal, aos signos auditivos. Um signo visual complexo envolve uma série de constituintes simultâneos, enquanto que um signo auditivo complexo compõe-se, via de regra, de uma série de constituintes sucessivos. Acordes, polifonia e orquestração são manifestações da simultaneidade na música, enquanto que o papel preponderante é desempenhado pela sequência.

A primazia da sucessividade na linguagem verbal tem sido muitas vezes mal-interpretada como linearidade. Entretanto os fonemas, feixes de traços distintivos simultâneos, revelam o segundo eixo de toda sequência verbal. Além disso, é o dogma da linearidade que induz seus defensores a associar tal sequência à cadeia de Markov e a omitir o arranjo hierárquico de toda construção sintática.

Há uma diferença impressionante entre uma pintura, originalmente espacial, simultaneamente visível, e um fl uxo musical ou verbal, que se instaura no tempo e excita nossa audição sucessivamente. Até mesmo um fi lme apela continuamente para a percepção simultânea de sua composição espacial. A sequência verbal ou musical, para ser produzida, acompanhada ou memorizada, deve cumprir dois requisitos fundamentais: apresentar uma estrutura hierárquica consistente e ser analisável em componentes mínimos, discretos e rigorosamente padronizados e defi nidos por sua função. Este é exatamente o caso dos traços distintivos na linguagem verbal, e é também exato no que se refere às notas enquanto integrantes de todo tipo de escala musical. A mesma ideia foi claramente formulada por São Tomás de Aquino. Ao defi nir os traços característicos apresentados pelos componentes fônicos da linguagem, ele afi rmou que são signifi cantia artifi cialiter. Atuam como unidades signifi cantes num arranjo artifi cial. Um sistema

(15)

29

des signifi cantia artifi cialiter. Ils fonctionnent comme unités signifi catives dans un arrangement artifi ciel. Un tel système de structures hiérarchiques contraignantes n’existe pas en peinture. Il n’y a pas de superposition ou de stratifi cation obligatoire comme on en trouve dans le langage et dans la musique. Discutant des problèmes de la perception visuelle lors d’une rencontre scientifi que, Walter Rosenblith, qui était bien au fait des recherches linguistiques sur les traits distinctifs, fi t pertinemment l’observation suivante: “Quel dommage que nous ne trouvions pas dans notre expérience visuelle d’éléments équivalents aux traits distinctifs. Combien il serait plus facile de disséquer et de décrire les perceptions visuelles.” Il ne s’agit pas d’une différence fortuite mais d’une propriété cardinale, spécifi que, inhérente aux systèmes de signes temporels, séquentiels, auditifs.

Le cinéma représente un champ d’études très riche pour les études sémiotiques: des chercheurs de tous pays ont accompli quelques premiers pas dans cette direction. En liaison avec notre discussion des signes spatiaux et temporels, permettez- moi de vous faire partager mon expérience personnelle des fi lms abstraits. Bien qu’ayant appartenu aux adhérents ardents et actifs de la peinture abstraite dès ses premiers pas en Russie (V. Kandinsky, M. Larionov, K. Malevic, S. Bajdin, S.

Romanovic, A. Rodcenko), je me sens totalement épuisé après avoir regardé ce genre de fi lms pendant cinq ou dix minutes, et j’ai relevé de nombreux témoignages semblables chez d’autres personnes. D.M. MacKay utilisait une bonne expression – “le bruit visuel” – qui rend parfaitement compte d’une telle réponse à ces stimuli. Le fossé qui existe entre l’intention de l’artiste et la réaction d’un décodeur naïf en face d’une séquence visuelle non fi gurative est un fait psychologique digne d’être noté.

On peut diffi cilement discuter des problèmes de la simultanéité et de la successivité sans se référer aux considérations instructives exprimées à ce sujet dans les travaux modernes sur l’aphasie. A.R. Luria surtout, le spécialiste moscovite de la pathologie du langage, a insisté sur la différence substantielle

de estruturas hierárquicas compulsórias como este não existe na pintura. Não há superposição ou estratifi cação obrigatória, como encontramos na linguagem verbal e na música. Ao discutir problemas de percepção visual numa reunião científi ca, Walter Rosenblith, bastante atualizado sobre a pesquisa linguística dos traços distintivos, observou com propriedade: “É pena que em nossa experiência visual não encontremos correlatos dos traços distintivos. Seria tão mais fácil dissecar e descrever as percepções visuais.” Não se trata de uma diferença fortuita, mas de uma propriedade essencial e específi ca, inerente ao sistema de signos auditivo, sequencial, temporal.

O cinema oferece um campo realmente fértil para os estudos semióticos, e alguns passos iniciais nessa direção já foram dados por pesquisadores de vários países. A propósito dessa discussão sobre signos espaciais e temporais, quero partilhar com vocês minha própria experiência com fi lmes abstratos. Embora eu sempre tenha sido um fervoroso e ativo adepto da pintura abstrata, desde o tempo de seus primeiros passos na Rússia (Kandinski, Larionov, Malevic, Bajdin, Romanovic, Rodcenko), sinto-me completamente exausto após cinco ou dez minutos assistindo a esse tipo de fi lme, e tenho ouvido vários depoimentos semelhantes. George MacKay usa uma boa expressão – “ruído visual” – que traduz perfeitamente minha resposta a esses estímulos. O abismo entre a intenção do artista e a reação de um decodifi cador não-sofi sticado a uma sequência visual não-fi gurativa é um fato psicológico digno de nota.

Se continuamos a discutir problemas de simultaneidade e sucessividade, devemos fazer referência aos pontos de vista instrutivos a esse respeito apresentados pela moderna literatura sobre afasia. Especialmente o especialista moscovita em patologia da linguagem A. R. Luria insistiu na diferença substancial entre dois tipos básicos de distúrbios que chamei “a desordem de similaridade” e “a desordem da contiguidade”. Luria demonstrou de maneira convincente

(16)

31

existant entre deux types fondamentaux de troubles que l’on a appelés à titre d’essai “le désordre de la simultanéité” et “le désordre de la successivité”. Luria a indiqué de façon convaincante les caractéristiques distinctes qui, dans la topographie du cortex, correspondent à chacun de ces deux types d’altération; il a cherché à lier le premier type de troubles à des lésions dorsolatérales et le second à des lésions médiobasales. De concert avec les désordres de la successivité, les troubles de la simultanéité jouent également un rôle considérable dans la pathologie du langage. Lorsque nous disons “simultanéité”, nous entendons non seulement les défi ciences dans la manipulation d’ “accords” de composants simultanés tels que les faisceaux de traits distinctifs (les phonèmes), mais également toutes les altérations affectant l’axe de sélection du langage, les altérations dans le choix des formes grammaticales ou lexicales qui peuvent occuper une seule et même place dans là séquence et qui constituent ainsi dans notre système linguistique un ensemble commutatif (ou permutatif). De toute évidence, tout le champ de la grammaire transformationnelle appartient au même domaine.

Dans son livre sur Le Cerveau de l’homme et les processus mentaux,7 Luria montre que c’était une erreur de lier uniquement aux centres dits visuels qui se trouvent à l’arrière du cortex tous les troubles affectant la perception d’objets tels que des tableaux. Il révèle que la partie frontale, prémotrice, est également responsable de certaines distorsions, et il a analysé l’essence de ces altérations. Dans notre perception d’un tableau, nous procédons par pas successifs; progressant à partir de certains détails choisis, vers la totalité de l’œuvre et, pour le spectateur, l’intégration suit comme une phase ultérieure, comme un but. Luria a observé que certaines altérations prémotrices affectent précisément le passage d’un stade au stade suivant dans une telle perception préliminaire, et il se réfère au travail de pionnier de Secenov (1878).8 À propos de la parole et d’activités similaires, ce grand neurologue et psychologue du siècle dernier a esquissé deux

7 LURIA, Alexander. Mozg celoveka i psixiceskie processy. [Human brain and mental processes]. Moscou:

1963.

8 SECENOV, I. M. Èlementy mysli. Moscou: 1959.

as características distintas na topografi a do córtex que correspondem a esses dois tipos de defi ciência. Ao lado das desordens de contiguidade, os distúrbios de similaridade também desempenham um papel considerável na patologia da linguagem. Quando dizemos “similaridade”, não queremos nos referir apenas a defi ciências na operação com “acordes”

de componentes concorrentes, tais como os grupos de traços distintivos (fonemas), mas também todas as defi ciências que afetam o eixo de seleção da linguagem, defi ciências na escolha de formas gramaticais ou lexicais que podem ocupar a mesma posição na sequência e assim constituem uma série comutativa (ou permutativa) em nosso padrão verbal.

Todo o campo da gramática transformacional evidentemente pertence a esse domínio.

Em seu livro sobre O cérebro humano e os processos mentais,7 Luria mostra que foi um erro relacionar todos os distúrbios de percepção visual de objetos tais como pinturas apenas aos assim chamados centros visuais da parte posterior do córtex. Ele descobriu que sua parte frontal, pré-motora, é também responsável por certas distorções, e analisou a essência dessas defi ciências. Em nossa percepção de uma pintura, inicialmente empregamos esforços do tipo passo a passo, progredindo a partir de certos detalhes selecionados, da parte para o todo, e para quem contempla uma pintura a integração se apresenta como uma fase distante, como um alvo. Luria observou que algumas defi ciências pré-motoras afetam precisamente esse processo de passagem de um estágio ao seguinte numa tal percepção preliminar, e ele faz referência aos estudos pioneiros de I. M. Secenov na década de 1870.8 Quanto à fala e outras atividades similares, esse grande neurologista e psicólogo do século XIX destacou dois tipos de síntese distintos e essenciais, um sequencial, o outro simultâneo. Essas duas variedades participam não apenas do comportamento verbal, mas também da experiência visual.

Enquanto a síntese simultânea se apresenta como determinante

7 LURIA, Alexander. Mozg celoveka i psixiceskie processy. [Human brain and mental processes]. Moscou:

1963.

8 SECENOV, I. M. Èlementy mysli. Moscou: 1959.

(17)

33

types de synthèses distincts, cardinaux: l’une séquentielle et l’autre simultanée. Les deux espèces jouent un rôle non seulement dans le comportement verbal mais également dans l’expérience visuelle. Alors que la synthèse simultanée s’avère être ce qui détermine la perception visuelle, ce stade fi nal est précédé, comme l’a souligné Luria, d’une suite de démarches exploratoires successives. En ce qui concerne la parole, la synthèse simultanée est la transposition d’un fait séquentiel en une structure synchrone, alors que, dans la perception des tableaux, une telle synthèse représente l’approximation phénoménale la plus proche de la peinture contemplée.

Les lésions dorsolatérales affectent la synthèse simultanée dans le comportement verbal comme dans l’expérience visuelle.9 Par contre, les lésions des sections médiobasales du cortex altèrent la synthèse par étapes, en particulier la

“dynamique de la perception visuelle” et la construction de séquences de paroles organisées. Un patient de Luria souffrant d’une lésion dans la région médiobasale du cerveau et qui “était confronté à un dessin complexe pouvait saisir immédiatement un composant isolé, mais ce n’était qu’ensuite que les autres composants commençaient à émerger, peu à peu”.

Le problème des deux types de synthèses a une importance capitale pour la linguistique. L’interrelation de la successivité et de la simultanéité dans le discours et la langue a fait l’objet d’ardentes discussions de la part des linguistes de notre siècle, mais certains aspects essentiels du même problème avaient déjà été approchés avec intelligence dans la vieille science indienne du langage. Au cinquième siècle, Bhartrhari, le grand maître de la théorie linguistique indienne, distinguait trois stades dans l’événement de parole. Le premier, la conceptualisation par le locuteur, n’implique aucune durée; le message peut être simultanément présent comme un tout dans l’esprit du locuteur. Suit la performance elle-même; selon le traité de ce savant, celle-ci a deux aspects: la production et l’audition.

Ces deux activités sont naturellement séquentielles. Ce stade

9 LURIA, Alexander. Disorders of Simultaneous Perception in a Case of Bilateral Occipito-Parietal Brain Injury. Brain, n. 82, p. 437-438, 1950.

da percepção visual, esse estágio fi nal, conforme enfatizado por Luria, é precedido por uma cadeia de processos de busca sucessivos. Com relação à fala, a síntese simultânea é uma transposição de um evento sequencial para uma estrutura sincrônica, enquanto que na percepção de pinturas esta síntese é a aproximação fenomênica mais direta do quadro que está sendo contemplado.

A síntese simultânea, tanto no comportamento verbal quanto na experiência visual, é afetada por lesões dorsolaterais (veja-se também o artigo de Luria de 1959 sobre distúrbios da percepção simultânea).9 Por outro lado, a síntese sucessiva, particularmente a “dinâmica da percepção visual” e a construção de sequências de fala integradas, é prejudicada por lesões das seções mediobasais do córtex.

Quando um paciente de Luria vítima de uma lesão na área mediobasal do cérebro “foi colocado diante de uma pintura complexa, um componente isolado pôde ser compreendido imediatamente e só posteriormente os outros componentes começaram a emergir, pouco a pouco”.

O problema dos dois tipos de síntese desempenha um papel muito importante na Linguística. A inter-relação entre contiguidade e similaridade na fala e na linguagem tem sido ardorosamente discutida por linguistas do século XX, mas certos aspectos superiores do mesmo problema já foram abordados de modo sagaz pela ciência da linguagem da Índia Antiga. No século V, Bhartrihari, o grande mestre da teoria linguística indiana, distinguiu três estágios no ato de fala.

O primeiro é a conceituação, pelo falante, que não implica sequência temporal; a mensagem como um todo pode estar simultaneamente presente na mente do falante. O que se segue é o próprio desempenho, que, de acordo com o estudo deste acadêmico, tem duas faces – produção e audição. Essas duas atividades são naturalmente sequenciais. Esse estágio dá lugar ao terceiro, chamado estágio da compreensão, em que a sequência parece ser trocada por uma concorrente. A sequência

9 LURIA, Alexander. Disorders of Simultaneous Perception in a Case of Bilateral Occipito-Parietal Brain Injury. Brain, n. 82, p. 437-438, 1950.

Referências

Documentos relacionados

O estudo afirma que o método de auto-relato de diferencial semântico, proposto por Osgood (Osgood, 1962, Osgood et al., 1957) é o método mais utilizado na enge- nharia Kansei,

Le quartier de Mouraria est une extension de ce centre et son nom est lié à la reconquête chrétienne de la ville (en 1147) qui a crée un quartier (ghetto) pour les maures

Neste estágio, pude constatar que a Medicina Geral e Familiar é a base dos cuidados de saúde, pela sua abrangência e pelo facto de intervir ao longo de toda a vida do

As respostas são avaliadas numa perspectiva relativa, em que os dados são vistos em comparação com a outra figura parental (Costa, 2009). Os presentes questionários

antecipadas possibilidades através do reconhecimento do valor dos objectos de Esperança dos pais; o profissional promove a Esperança dos pais quando dá informação consistente com a

[r]

1.1 - A Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, juntamente com a Comissão Organizadora da 43ª Feira do Livro da FURG, torna público o presente Edital de INSCRIÇÃO

Acabado lacado mate.. Acabado