Jussara Tânia Silva Moreira
REPRESENTAÇÃO DOS MORADORES DA CIDADE DE ITAPETINGA SOBRE A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA UESB: A
CONSTRUÇÃO DE UM OLHAR
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Jussara Tânia Silva Moreira
REPRESENTAÇÃO DOS MORADORES DA CIDADE DE ITAPETINGA SOBRE A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA–UESB: A
CONSTRUÇÃO DE UM OLHAR
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Ciências Sociais, Área de Concentração em Sociologia, sob a orientação da Profª. Dra. Marisa do Espírito Santo Borin.
Banca Examinadora
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Por acreditar que nenhuma jornada acontece individualmente, pois o universo é formado por uma encruzilhada de um único labirinto, é que, ao optar por elaborar um estudo acerca da representação dos moradores da cidade de Itapetinga sobre a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, acreditei piamente na participação e cooperação de sua população, no processo de construção dessa caminhada acadêmica. Por essa razão:
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer, mui respeitosamente, a todos os entrevistados, pela paciência, compreensão e acolhimento ao pedido de utilização das suas histórias de vida neste trabalho.
Ainda da Cidade de Itapetinga, abro espaço para agradecer ao Excelentíssimo Senhor Prefeito Michel J. Hagge Filho (mandato 2004/2008), ao Ilmo Presidente do Rotary Clube de Itapetinga Senhor Maurício Gomes da Silva (exercício 2007/2008), a Ilma Secretária de Educação Senhora Ivanilde Teixeira Aguiar Silva (exercício 2007/2008) e, ao Ilmo Pastor da Igreja Batista Nacional “Nova Aliança” Senhor Amilton Nunes de Carvalho, pela recepção e compreensão dos objetivos desta pesquisa, fornecendo as informações solicitadas, nos questionários aplicados.
ideias, nunca desfazendo aquilo que eu acreditava, mas sempre incentivando e mantendo, acima de tudo, uma orientação atenta, receptiva e criteriosa.
Nesse mesmo sentido, agradeço também aos Professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP: Dra. Ana Amélia da Silva, Dr. Claudio Gonçalves Couto, Dra. Maria Celeste Mira e Dr. Rinaldo Sérgio Vieira Arruda, que muito contribuíram, em suas aulas, para o meu amadurecimento acadêmico.
Com muita satisfação, agradeço ao Prof. Dr. Luiz Eduardo Waldemarin Wanderley (PUC-SP) e à Profª Dra. Yvone Dias Avelino (PUC-(PUC-SP), pelos valiosos conselhos, por ocasião da minha Qualificação em novembro de 2008, que auxiliaram, sobremaneira, para a atual revisão deste trabalho.
Agradeço à Profª. Dra. Maria de Fátima de Andrade Ferreira (UESB) pela atenção e dicas em relação à análise dos dados empíricos da pesquisa.
Ao Professor Luciano Lima Souza, minha gratidão pela disponibilidade de fazer uma leitura crítica e revisar este texto.
Agradeço à inesquecível turma de Mestrado do MINTER em Ciências Sociais, nas pessoas de Romildo, Dina, Raquel, Lea e Virgínia, pela amizade fiel, e, pelas horas que compartilhamos nossas ideias e angústias, pois esse foi um período de muitas risadas, que nos ajudaram a vencer, principalmente no tempo em que passamos em São Paulo.
Não posso deixar de fora dessa relação, Professores, Funcionários e alunos da UESB, destacando os Professores José Valdir Santana e Moisés Viana que, com paciência e cordialidade, cooperaram muito, com conselhos e aconchegos, o que me ajudou no período de pesquisa.
minha luta nessa jornada e ao meu Esposo Elck Borges, pela compreensão, sendo um grande companheiro nessa difícil, mas doce jornada.
Agradeço ao Programa de Capacitação de docentes da UESB, que proporcionou a minha participação no MINTER (Mestrado Interinstitucional) em Ciências Sociais, por meio de um convênio entre a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), com a cooperação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Agradeço a todos aqueles que de alguma maneira estiveram ao meu lado nessa batalha.
Finalmente, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, pela oportunidade de desenvolver este trabalho, que muito serviu e contribuiu para a minha formação acadêmica.
Toda representação social é constituída como um processo em que pode localizar uma origem, mas uma origem que é sempre inacabada, a tal ponto que outros fatos e discursos virão nutri-la ou corrompê-la. É ao mesmo tempo importante especificar como esses
processos se desenvolvem socialmente e como são organizados cognitivamente em termos de arranjos de significações e de uma
ação sobre suas referências.
Este trabalho tem como objetivo identificar as representações que foram construídas pelos moradores da cidade de Itapetinga a partir da inclusão da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, em seu território. O recorte temporal que circunscreve a pesquisa está direcionado aos vinte e cinco (25) anos de existência da universidade na cidade, mais especificamente, entre o período de 1980 a 2008. Para tal fim, foi necessário entrar por um caminho peculiar: a constituição social e histórica da cidade. Zona pastoril em que ocorreu a inserção da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB - que, após uma década de existência excedeu a fronteira urbana imposta pelas fazendas pecuaristas, criando o “Campus Juvino Oliveira”. Momento marcado de lutas e reivindicações, cujos embates, originaram mobilizações simbólicas. Esse cenário serviu para a elaboração da hipótese de que: as representações construídas em um espaço social são circunstanciadas pelas determinações das “práticas “educacionais”. Por ter como eixo central a “representação”, a pesquisa respalda-se, prioritariamente na teoria de Pierre Bourdieu, mas dada a complexidade dessa abordagem, houve, em alguns momentos, a necessidade da apreciação de outras análises teóricas. A partir da ideia de que a representação se constitui em uma matriz de percepção/ação, objetividade/subjetividade que no “campo social” exerce influência mútua entre sujeitos e objetos, este estudo está intimamente relacionado com a cultura e a memória, o que garante a construção da “identidade social”. Adotou-se como procedimentos metodológicos: a história de vida, o questionário semi estruturado e análises documentais. Dessa maneira, os resultados da investigação foram analisados através da pesquisa qualitativa à luz da revisão da literatura, tendo como suporte para interpretação as fontes orais e escritas.
Palavras-Chave:
This work has as objective to identify the representations that were constructed by the inhabitants of the city of Itapetinga from the inclusion of the State University of Southwest Bahia - UESB - , in its territory .The clipping the time that circumscribes the research is directed to the twenty-five (25) years of existence of the university in the city, more specifically, the period of 1980 the 2008. For such end, it was necessary to enter for a peculiar way: the social and historical constitution of the city. Pasture area in where the insertion of the State University of southwestern Bahia, after one decade of existence exceeds the limit imposed by the cattle farms in the urban area inaugurating “campus Juvino Oliveira”. Moment, which required claims and struggles whose clashes have brought, symbolic mobilizations. This motivation, which served for the hypothesis that: the social representations constructed in a social space are specified / determined by the "relations" and "practical" education. Why have as a central axis "representation", the research support is primarily in the theory of Pierre Bourdieu, but given the complexity of this approach, there was, at times, the need for consideration of other theoretical analysis. Since the representation is a matrix of perception / action, objectivity / subjectivity and as "social field" exercise mutual influence between subjects and objects, this study is closely related to culture and memory, which ensures construction of "social identity". Was used as methodological procedures, the story of life, the semi structured questionnaire and documentary analysis. Thus, research results were analyzed by qualitative research in the light of literature review, with support for interpreting the spoken and written sources.
Key-words
Representation; Memory; University; Itapetinga
INTRODUÇÃO ... 15
CAPÍTULO I. O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DE ITAPETINGA ... 23
Labirintos de Uma Cidade ... 25
Instituições: Apogeu e Crise ... 32
CAPÍTULO II. UNIVERSIDADE: FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NA REGIÃO SUDOESTE DA BAHIA ... 46
A Constituição da Universidade Multicampi... 46
UESB: Desafios e Realizações ... 50
CAPÍTULO III. BASES CONCEITUAIS: UM DEBATE SOBRE O SIGNIFICADO DE REPRESENTAÇÃO ... 67
O “Habitus” na Construção das Representações ... 67
Cultura, Memória e Representação ... 71
CAPÍTULO IV. SOBRE A UESB: AS VOZES DOS MORADORES DE ITAPETINGA ... 85
O Olhar Inicial ... 86
Iluminando a Zona Pastoril ... 91
Conclusão: Breve Discussão ... 114
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 122
FONTES ... 128
BIBLIOGRAFIA ... 136
ANEXOS ... 140
1- Carta de Solicitação/Seleção de Entrevistados... 141
2- Etapas do Processo das Entrevistas de Histórias De Vida ... 142
3- Modelo de Documento de Autorização para as Entrevistas de Histórias de Vida ... 143
4- Questionários e Documentos de Autorizações Digitalizados ... 144
5- Carta de Solicitação para Consultas Documentais ... 160
6- Entrevista: Relato de História de Vida ... 161
7- Painel 1 - Fotos de Itapetinga ... 162
8- Painel 2 – Fotos da UESB – Campus de Itapetinga/BA ... 167
Gráfico1- Evolução no Quadro de Qualificação – Efetivos da UESB...58
Gráfico 2- Evolução no Quadro de Vagas...59
Gráfico 3- Evolução do Quadro de alunos Matriculados na Graduação...60
Gráfico 4- Evolução do Quadro de Vagas de alunos Inscritos no Vestibular... 60
Gráfico 5- Evolução no Quantitativo de Bolsas...61
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 - Distribuição dos Docentes com Curso Stricto Sensu – (Base 2005)...58Quadro 2 - Grupos de Pesquisa - UESB (Base 2005)...62
Quadro 3 - Distribuição de Vagas Por Curso Campus Itapetinga (Base: 2008)...64
Quadro 4 - Infra-Estrutura Laboratorial – UESB (Itapetinga)...65
Quadro 5 - Impacto Direto e Indireto Na Economia Local...109
Quadro 6 - Múltiplos Aspectos de Impacto na Economia Local...109
Quadro 7 - Egressos da UESB / Itapetinga de 1987 A 2008...111
Quadro 8 - Disposição dos Entrevistados: Escolarização...118
Quadro 9 - Disposição Geral dos Entrevistados: Condição Funcional...118
Quadro 10 - Disposição Geral dos Entrevistados: Idade Aproximada e Gênero...119
ACI Associação Cultural Itapetinguense ARI Associação Rural Itapetinguense (Sindicato Rural)
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
CFE Conselho Federal de Educação
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico DOE Diário Oficial do Estado da Bahia
DOU Diário Oficial da União
DTRA Departamento de Tecnologia Rural e Animal
EMARC-IT Escola Média em Agropecuária da CEPLAC – Itapetinga ENOC Centro de Ensaios Nutricionais com Ovinos e Caprinos FAMESF Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco FAPESB Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia FAPEX Fundação de “Apoio à Pesquisa e Extensão
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FUNESA Fundação Universidade Estadual de Alagoas
GT Grupo de Trabalho
IBB Indústria Brasileira de Bicicletas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ISP Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público MAFRIP Matadouro Frigorífico do Médio Rio Pardo S/A
PFL Partido da Frente Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMI Prefeitura Municipal de Itapetinga
PR Partido Republicano,
PROLER Programa Nacional de Leitura. PRP Partido Republicano Progressista. PSD Partido Social Democrata
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
SEPLANTEC Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia da Bahia SUDENE Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina
UDN União Democrática Nacional UECE Universidade Estadual do Ceará
UECO Unidade Experimental de Caprinos e Ovinos UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana UEL Universidade Estadual de Londrina
UEM Universidade Estadual de Maringá UEMA Universidade Estadual do Maranhão UEMG Universidade Estadual de Minas Gerais UEPA Universidade do Estado do Pará UEPB Universidade Estadual da Paraíba UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESPI Universidade Estadual do Piauí
UFBA Universidade Federal da Bahia UNEB Universidade Estadual da Bahia
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNICENTRO Universidade Estadual do Centro-Oeste UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNITINS Fundação Universidade do Tocantins UPE Fundação Universidade de Pernambuco URCA Universidade Regional do Cariri
URRN Universidade Estadual do Rio Grande do Norte USP Universidade de São Paulo
INTRODUÇÃO
A pesquisa é a fusão, em um só crisol, de observações, teorias e hipóteses. Para ver se cristalizar algumas parcelas de verdades (MARTIN)1.
Este trabalho marca nossa caminhada no mundo acadêmico pelos desafios e
aprendizagens que nos proporcionaram. Foi desafiante termos uma ideia e
transformá-la em uma investigação científica, a partir de uma realidade social e, enriquecedor e
necessário, para a realização de tal pleito, modificarmos pensamentos, ideias e
conceitos para uma construção intelectual mais alicerçada do ponto de vista
teórico/científico. Isso, no entanto, seria impossível, se não houvesse a oportunidade
trazida pelo Curso de Ciências Sociais da PUC-SP, através de um Programa
Interinstitucional.
Esse curso, muito mais, que a concretização de sonhos e de anseios pessoais,
representou, principalmente, para a Região Sudoeste da Bahia, onde a UESB está
situada, a ampliação dos horizontes educacionais. Haja vista, que a formação de
pesquisadores e o acesso ao saber científico propiciam competências necessárias, para
a promoção de projetos de pesquisa e extensão, originando assim, contribuições para a
melhoria da qualidade de vida das populações mais periféricas do Brasil.
Dessa forma, esta pesquisa que concebemos a partir de múltiplas experiências,
tempos, espaços, reflexões e histórias, no nosso exercício em sala de aula, pôde
finalmente tomar “forma”. O que era pretensão, pois tínhamos o desejo de analisar a
trajetória urbana de Itapetinga, identificando o antes e o depois da inclusão da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), gradativamente, acabou por se
concretizar, em um caminho, que estruturamos a partir da seguinte problemática: quais
são as representações construídas e incorporadas pelos moradores de Itapetinga acerca
da UESB, em seus vinte e cinco (25) anos de existência? Ou seja, que impactos a
UESB causou na cidade, sob o imaginário de seus moradores?
1 - Trecho da poesia de: MARTIN, Gerard - B. Au fil des événements. Jornal da Universidade de Laval, 6 de
Com essa questão geramos uma hipótese de que: as representações construídas
em um espaço social são circunstanciadas pelas determinações das “práticas
educacionais”. Assim sendo, equivale pontuarmos que, a representação construída
pelos moradores de Itapetinga em relação à Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia:
- Tem estreita ligação, com os cursos de licenciatura, considerados veículos de
desenvolvimento para melhoria do ensino, o que instituiu, ampliou e qualificou as práticas
escolares na cidade.
-Que as intervenções educativas, além de formarem uma elite intelectual, ainda
conduzem, através de projetos de pesquisa e extensão, um movimento simbólico
reorganizador das práticas culturais que repercutem em desenvolvimento social para a
cidade.
- É atrelada ao fato dela ser um mecanismo de veiculação financeira, pois além de
ser um agente empreendedor, ainda produz uma mão de obra especializada, atendendo
assim, às exigências do mercado produtivo, que na realidade da cidade possibilita uma
maior rotatividade para as práticas econômicas.
A partir desses pressupostos, estabelecemos como objetivo geral do trabalho:
identificar as representações que foram construídas pelos moradores da cidade de
Itapetinga, ocasionadas pela inclusão da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –
UESB- em seu território.
Os objetivos específicos, assim delineamos:
1. Construir um quadro teórico sobre o conceito de representação, como
fundamento para o levantamento e análises dos dados a serem pesquisados;
2. Contextualizar o processo de urbanização de Itapetinga e a inserção da UESB na
cidade;
3. Apresentar a atuação da UESB através dos seus 25 anos de existência.
4. Analisar, a partir de construções teóricas, as representações enquanto produções
O significado de “representação” encontramos em Bourdieu (2004, 2007b, 2007d)
pilares essenciais, com distinção para: a “incredibilidade” (crítica) em uma “ciência pura”
que separa a “objetividade da subjetividade”, a consideração pela “dimensão histórica” das
relações e produções, que ocorrem em um “espaço social” e como ponto central de sua
teoria, o conceito de “habitus”, que justifica todo o jogo que existem nas práticas sociais. Haja vista que: “esse conceito está na base da reprodução da ordem social. Por isso, como
princípio de conservação, ele também, pode se tornar um mecanismo de invenção e,
conseqüentemente, de mudança”. (BONNEWITZ. 2005, p. 75).
No entanto, pela complexidade da abordagem, também foi necessário, procurarmos
por outros teóricos, pois somente de maneira interdisciplinar, teremos possibilidades de
ampliar conhecimentos acerca das práticas existentes do mundo social. Logo, esses
diversos olhares, corroboraram para entender que as representações que existem entre os
indivíduos com o mundo dos objetos, evidenciam-se através dos “costumes”, “mitos”,
“símbolos”, “valores”, “crenças” e “visões de mundo”. E, suas configurações, que são
determinantes para os comportamentos humanos, são construídas empírica e racionalmente
e, efetivadas concretamente pelo senso comum.
Por conseguinte, para compreendermos como se formam as representações, é
necessário percebermos que, concomitantemente, interagem, em uma eterna “relação
dialética”, os fenômenos de “memória” e “cultura”. Assim, é que se criam, renovam e
mantém as “estratégias de mobilizações simbólicas”, dentro do universo social.
Dessa maneira, foram os moradores de Itapetinga, através de suas vozes que nos
forneceram o alicerce para esse conhecimento. Conforme Bourdieu (2004), para chegar a
um “domínio científico”, não precisamos desprezar, pelo contrário, devemos considerar
uma “série de construções do senso comum”, pois essas são as formas pré-selecionadas
para apreender “a realidade da vida cotidiana”.
Foi a partir dessas interpretações que podemos perceber como era importante
(re)conhecermos toda a “trajetória de urbanização de Itapetinga” e, o que estava implícito
e explícito como trama social, para a construção das suas condições econômicas,
“culturais, políticas, religiosas e educacionais”, fundamentos esses, que nos fizeram atingir
Bahia e como, a introdução desta “luz do saber”, em uma zona pastoril, começou a ser
interpretada pelos moradores da cidade.
Por outro lado, tornou-se necessário, também, conhecermos a percepção daqueles
que acompanharam o processo da implantação dessa Instituição Universitária. O que
suscitou alguns questionamentos: o que estava sendo representado no “jogo” do poder
econômico, para a construção do campus universitário? Como a universidade, começou a ser representada pelos agentes sociais dentro do cotidiano? A Universidade foi
representada pelos “quatro cantos da cidade”, como uma instituição pública e de prestígio
social, que (re)produziu a melhoria de vida na população Itapetinguense?
As respostas para esses questionamentos foram encontradas na própria história da
trajetória urbana de Itapetinga, mas que dentro da investigação se converteram em
desafios. O maior deles foi: como trazer para o “presente”, o que tinha sido originado há
vinte e cinco anos (25) e, ao mesmo tempo, considerar, não só essas evocações “passadas”,
mas também, aquelas que são construídas dentro do cotidiano do “tempo presente”?
Esse contraste acabou por sinalizar, que tal dúvida somente teria um caminho a ser
percorrido: fazer uma “investigação qualitativa”. Pois, essa forma de pesquisa, permite
explorar a complexidade de certos fenômenos sociais e históricos de tal maneira, que
sucumbe a dualidade entre a objetividade científica e a subjetividade humana. Desse
modo, o investigador deve ser um “Sujeito-observador”, pois, como parte integrante do
processo de conhecimento ele: “interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado”.
(CHIZZOTTI. 1991, p. 79).
Nesse sentido, para compormos os “sujeitos da pesquisa”, adotamos três
procedimentos, mas com a seguinte ressalva: “a confrontação dos dois tipos de fontes
permite direcionar a reflexão para o problema do tempo, tão essencial na construção da
cidade, e para as relações entre os políticos e os homens "da arte" na orientação das formas
urbanas” (VALDMAN, 2002, p.247).
O primeiro procedimento metodológico utilizado foi o de trabalhar com a história
oral de vida. Pois essa forma de investigação nos fornece uma visão, entre o “tempo
portanto: “o pesquisador obtém dados relativos às experiências vividas”. (NASCIMENTO.
2002, p. 92). E, ainda:
Podemos acrescentar que a história em particular a história do tempo presente pode contribuir para criar a lacuna que cada geração nova, cada ser humano deve descobrir e preservar mediante um trabalho assíduo. Não é por acaso que o pequeno ensaio de Hannah Arendt começa com uma citação de René Chair: "Nosso legado não foi precedido de nenhum testamento", citação que descreve perfeitamente a situação da história do tempo presente e suas relações ambivalentes com o passado e diante do futuro (PASSERINI, 2002, p. 214).
São essas relações ocorridas no “tempo”, necessárias como um mecanismo de
colaboração, para interpretar proximidades e distâncias estabelecidas, entre os grupos
sociais. Processo, que para Bourdieu (2002) evita ter meramente uma visão “simplista”,
levando a retratar processos sociais complexos de forma “mal analisada”, deixando de fora,
aquilo que está implícito na realidade de um cotidiano.
O que equivale a dizer que não podemos compreender uma trajetória (...) sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado – pelo menos em certo número de estados pertinentes – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis (BOURDIE, 2002, p. 190).
Ao trabalharmos com relatos orais, tivemos um cuidado criterioso, pois apesar da
riqueza que a utilização da história de vida nos oferece, ela é muito perigosa, pois está
revestida de subjetividades e, o seu valor “reside não na imediata verídica referência aos
fatos, mas sim nas suas interpretações” (ARRUDA, 1999, p. 123).
Essas ponderações serviram para considerar que, não poderíamos fazer uma
investigação, que ficasse restrita apenas a um universo de atores de um mesmo círculo
social. Assim, para a seleção dos entrevistados para as histórias de vida, optamos como
técnica, escolher algumas empresas e órgãos públicos2 na cidade, cujo contato foi feito,
através de cartas consultas3.
2
- As Empresas e órgãos procurados pela pesquisadora em janeiro de 2008 foram formados por: sindicatos, escolas, igrejas, jornais, indústrias, bancos, bibliotecas, pontos comerciais, Prefeitura e Secretarias do Município de Itapetinga e, Departamentos, Colegiados, Secretarias de Curso e Prefeitura de Campus da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
3
Dessa maneira obtivemos a indicação4 de pessoas oriundas de diversos segmentos
da cidade. Após os primeiros contatos, tarefa que não foi fácil, pois ainda enfrentamos a
resistência de muitos “atores sociais” em conceder as entrevistas. A resistência foi
quebrada somente com o compromisso assumido de preservação da identidade dos
entrevistados, o que nos levou a optar na transcrição das entrevistas pela utilização das
letras do alfabeto de (A) a (M.) para identificar o Grupo de Trabalho (GT), formado por
treze (13)5 pessoas, que através das histórias de suas vidas contribuíram para o andamento
desta pesquisa.
Algumas regras foram estabelecidas6 para realização das entrevistas. Consideramos
também que, só seria possível ter uma representação da população de Itapetinga, se a
amostra para a pesquisa fosse o mais semelhante possível, ao perfil populacional da cidade.
Sendo assim, para formar esse grupo, além da clássica pergunta no encontro inicial (se
queriam participar da pesquisa), ainda nos preocupamos em saber sobre a “formação
escolar”, “idade” e “situação sócio-econômica”.
O segundo procedimento metodológico utilizado, para garantirmos representações
de cunho coletivo, foi a utilização de questionários7 semi-estruturados aplicados de forma
direta. Para tal fim, procuramos pessoalmente na cidade por autoridades constituídas de
organizações políticas e civis para estabelecemos então, outro GT8. Com a aproximação
das representações individuais e coletivas, conseguimos finalizar as “fontes orais”, para a
coleta de dados. Essa etapa da pesquisa (entrevistas e questionários) transcorreu entre os
meses de março a dezembro de 2008.
Finalmente, optamos por utilizar como terceiro procedimento metodológico, para
coleta de dados: textos escritos, ou seja, recursos documentais, como dissertações de
4
- A partir da consulta feita através das cartas, houve a indicação das empresas e dos órgãos, (através de ofícios, contatos pessoais ou telefonemas) para a pesquisadora, daqueles prováveis nomes que poderiam ser procurados. Essas pessoas eram trabalhadores, aposentados, estudantes e egressos. Portanto, o processo da entrega das cartas e respostas dessas, sucedeu entre os meses de janeiro/fevereiro de 2008.
5
- Por opção durante o transcorrer da escrita da pesquisa, as entrevistas efetuadas pela pesquisadora através da história de vida questionários estarão em destaque no texto. Todas as informações dos entrevistados para a história de vida constam nas Fontes Primárias (orais).
6
- Constam em anexo (2) regras definidas, perguntas e material utilizado. Em anexo (3) consta o modelo do documento de autorização para a utilização das entrevistas de História de vida.
7
- Constam em anexo (4-), os modelos dos questionários aplicados e transcritos. E em anexo (4.1) constam as devidas autorizações dos entrevistados para a utilização de suas respostas e nomes.
8
Mestrado; livros com relatos autobiográficos, narrativas e homenagens; artigos científicos,
literários e jornalísticos; Publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE); pesquisas da Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia da Bahia
(SEPLANTEC) e da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI),
Exemplares do Diário Oficial da Bahia e do Diário Oficial da União; documentos,
publicações e informações dos órgãos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia –
UESB -; e, Documentos da Prefeitura Municipal de Itapetinga- PMI.
Muitos desses registros são restritos a determinados setores de empresa e órgãos
públicos. Por conseguinte, para a manipulação desse material, entregamos (pessoalmente)
ao setor responsável, uma carta solicitando a consulta desses documentos9. De posse dos
dados coletados através das fontes primárias (orais e escritas), sistematizamos e
interpretamos as informações obtidas, tomando por base, como recurso, fontes
secundárias10e teorias utilizadas.
Dessa forma, o trabalho foi dividido em cinco etapas. Inicialmente, com a
apresentação, demonstramos a origem e discussão do tema, delimitação do problema,
objetivo geral da pesquisa, a abordagem científica, a metodologia empregada e descrição
da pesquisa de campo e, todas as demais informações que foram consideradas importantes
para compreendermos a ordem pela qual perpassou todo o processo de investigação.
No Capitulo I: “O Processo de Urbanização de Itapetinga”, pela necessidade de
interação entre o eixo norteador da pesquisa as “representações” e o cotidiano a ser
investigado, traçamos um panorama de contextualização histórica da urbanização
Itapetinguense, considerando, como ocorreu o seu desenvolvimento social, político,
econômico, religioso e educacional.
No Capítulo II: “Universidade: Formação e Desenvolvimento na Região Sudoeste
Da Bahia”, narramos sobre a fundação e existência da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia, apreciando os desafios e as realizações da UESB no território Itapetinguense.
No capítulo III: “Bases Conceituais: Um Debate Sobre o Significado de
Representação Social” apresentamos um panorama sobre o “fenômeno da Representação
9
- O modelo desta carta consulta de documentos consta em anexo (5) nesse trabalho.
10
Social”, instituído pelo “tempo” das teorias científicas, por acreditarmos que existe uma
interação indissociável do conhecimento teórico/prático, pois essas são formas
inseparáveis, dentro da vida cotidiana.
No capítulo IV: “Sobre a UESB: as Vozes dos moradores de Itapetinga”, através
das vozes Itapetinguenses, demonstramos o entrecruzamento de significados objetivamente
instituídos, determinante para apreendermos quais as formas de “representações”
construídas pelos moradores de Itapetinga, circunstanciadas pelas relações com a
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e, como essas formas são incorporados pelas
práticas sociais.
Por fim, com base no referencial teórico e, no que analisamos nos capítulos
CAPÍTULO I
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DE ITAPETINGA
Itapetinga teve a sua formação urbana a partir da prática econômica, baseada na
tradição ruralista, que foi determinada pela cultura da pecuária. Decisivamente, esse
modelo foi responsável pelas atividades de produção e de subsistência de sua população.
No entanto, a partir da consolidação do modelo produtivo industrial, Itapetinga, em menos
de dez anos, perdeu toda a tranquilidade em que vivia.
Mesmo sendo uma “jovem” urbe, com uma população urbana inexpressiva,
Itapetinga possui toda uma representação e coexistência vinculada aos resquícios da
herança ruralista, onde a confiança ainda está vinculada à força na “lei da palavra dada”.
Convive, atualmente, com as mazelas existentes nas grandes metrópoles, mergulhada em
crises de valores morais e sociais, ou seja, encontra-se inserida em meio à violência,
drogas, desemprego e o medo.
Mas apesar de tudo isso, temos como resultado um projeto deslumbrante sobre a
passagem aberta por aqueles que construíram essa cidade. Esse projeto foi determinado
pela chegada do primeiro “homem branco”, registrado pela história oficial da cidade, como
aquele que foi o desmatador das novas terras, Bernardino Francisco de Souza, que no
princípio do século XX, por volta do mês de maio no ano de 1912, estava ele em busca de
terras férteis e junto:
Com seu irmão [Tercílio Francisco de Souza]11 e seu sogro [Possidônio [Antônio de Carvalho]12 contrataram homens trabalhadores para saírem à procura de novas terras. Naquela época, quase toda a região sudoeste era formada por matas virgens em grandes extensões. Para desbravá-las era preciso muita determinação e coragem. O intercâmbio entre os municípios já existentes era muito dificultado pelas péssimas condições de locomoção, quer fosse por rodovias, em lombo de animais, ou até mesmo quando os interessados se aventuravam a enfrentar longas distâncias a pé (GOMES, 2006, p. 11).
Tal discurso nos revela como ocorreu o desbravamento da “nova terra” e, como
nesse local, em suas origens, sucedeu o uso de práticas agressivas da exploração da
11
- Grifo nosso.
12
natureza e o uso da força das armas diante dos nativos13 que ali habitavam. Dessa forma, na
região:
O mar verdejante da mata foi bólido, e surgiu a primeira ilha de derrubada. Os índios sentiram a presença de estranhos nos seus domínios, os bichos das matas perceberam a presença do invasor, nos rios, antas, capivaras e lontras ouviram e sentiram o troar das espingardas. Acordava a região, o toque desbravador do homem e a área de Itapetinga começavam a ser integrada ao mundo “civilizado”. Caçadores, viajantes e jagunços tinham dado noticias desta região onde andaram: - A terra era boa, que as elevações eram pequenas, que os rios constantes garantiriam a vida de quem dessas áreas se apossassem (WANDERLEY, M. apud NERY, 1995 p. 101).
Nessas passagens, o que ocorreu foi o equívoco, existente dentro da própria
estrutura histórica da “modernidade”, herdada principalmente, a partir da colonização
européia, pois para aqueles que chegavam nesse território, os “nativos locais”, tinham uma
representação “lendária”, tidos como “selvagem”, sem sabedoria, ou seja, não havia o
respeito às “culturas diferenciadas”. Portanto, os novos moradores com a sua visão
“etnocêntrica”, aos poucos foram evadindo com os “índios”, até tomar a área encontrada, e
substituir a representação cultural da região (LARAIA, 2006).
Naquele tempo era tudo diferente, mais bonito, todos eram amigos de todos.... Cortei a primeira árvore dessa terra para construir o barraco, mas aqui era índio pra todo lado, eles eram como os bichos, bem selvagens, às vezes era preciso bronquear com eles, resistir até que tentaram, mas a gente dava um jeito neles. (risos) 14Depois, ah! De alguma forma, foram sumindo, sumindo, até que um dia sumiram de verdade e, ninguém mais ouviu falar deles, e aqui brotou o pasto da comunidade pecuarista (B15, 2008).
A resistência dos “nativos”, aos poucos foi sendo substituída, por um novo
“costume”, que trazia como promessa: transformar a terra encontrada, em um novo mundo
“civilizado”. Mas nesse relato tem outro ponto importante. O “saudosismo” expresso nas
palavras de (B), demonstrou o quanto ainda é presente em sua memória, as representações
dos fatos passados da Itapetinga nascente, quando diz que: “antes todos se conheciam,
todos eram amigos”. Tal comentário, só pôde ocorrer por um motivo latente: pelos
13
A Região do Sudoeste da Bahia, atualmente composta pelas cidades de Itapetinga, Maiquinique e Itarantim, era habitada pelos Índios Mongoyós. Com a chegada do “homem branco”, concentrou as comunidades tribais na Serra D’ Anta, localizada na Região de Itapetinga, mas com o desenrolar da “historia civilizada”, o desenvolvimento urbano e a extensão pastoril, viram-se obrigados a evadir cada vez mais, avançando rumo ao litoral. Assim, os Mongoyós, para sobreviver fundiu com os pataxós-hã-hã-hães e passaram a habitar na região Sul da BA. Informações colhidas pela pesquisadora, atraves dos relatos dos entrevistados.
14
-Grifo nosso.
15
labirintos da cidade, atualmente, também se encontra em um universo de transformações
de sociais.
Labirintos de uma Cidade
A narrativa de (B, 2008) sobre Itapetinga, também, pode ser lida da seguinte
maneira: “o vizinho de antigamente era o pai, irmão, parente...”, Tinha um corpo e um
rosto, tinha uma identidade, atualmente, as casas adquiriram muros e grades e o rosto é
aquele que se esconde atrás da porta. O discurso que baliza essas passagens, não importa se
afirma a mais pura verdade ou se são apenas relatos fantasiosos. Aqui, eles devem ser
vistos, enquanto uma exposição, que permite estabelecer correspondências entre os
elementos de uma cultura já construída e edificada, com aquilo que Bourdieu (2004)
institui por novas “mobilizações simbólicas”, incorporadas, criando todo um movimento de
rupturas e ampliação com as culturas já edificadas.
Essa interpretação sucede também, de outra expressão, produzida por 80% dos
entrevistados em suas histórias de vida: “essa é uma comunidade pecuarista”. Encontramos nesse aspecto representado por essas palavras, o que Bauman (2003) teoriza
sobre os “homens” e a suas relações com as “comunidades”.
Para Bauman (2003), os homens mantêm relações “tensas e paradoxais”, entre as
ideias e o que de fato é uma comunidade. Vivendo entre o desejo da “segurança” ofertado,
mas sabe que a “comunidade” existente, quando doa a “proteção” é “dura” e exige “troca”
para todos os “serviços” que possam ser ofertados. Por isso, fazer parte de uma
“comunidade”, no sentido dado por Bauman é saber que ela, como agrupamento humano,
possui formas consideradas como mecanismos de dominação que congregam todas as
relações das produções sociais.
Por isso, atualmente, os grupos sociais, vitimados pela “modernidade capitalista”,
tornaram-se mais “consumidores, fluidos, líquidos e desregulamentados”, onde o
“desengajamento” convive lado a lado, com o “excesso”, que:
tentação e a essência da sedução é a ruptura da norma (ou antes, a transcendência perpétua da norma, com uma pressa que nega aos hábitos o tempo de que precisam para fixar-se em normas). E na ausência da norma, o excesso é a única esperança da vida. Numa sociedade de produtores, o excesso era equivalente ao desperdício e por isso rejeitado e condenado; mas nasceu como uma luta da vida com a norma (uma doença terminal, como se sabe). Num mundo desprovido de normas, o excesso deixou de ser um veneno e tornou-se o remédio para as doenças da vida; talvez o único apoio disponível. O excesso, esse inimigo declarado da norma, se tornou a própria norma; talvez a única norma. Certamente uma norma curiosa, que escapa à definição. Tendo rompido as algemas normativas, o excesso perdeu seu sentido. Nada é excessivo se o excesso é a norma (BAUMAN, 2003, p. 118).
Essa situação, balizadora da cultura local, presente na vida das pessoas, traz medo e
angústia, mas também, é construtora de novos caminhos. O que significa para Bourdieu
(2007d), que as formas que se solidificam no senso comum, ocorrem, a partir do “poder”
deliberado pela cultura. Cenário, onde o “habitus” pode ser utilizado para compreender como as representações, interferem diretamente na construção dos “estilos de vida” em um
“espaço social”, criando, além de antagonismos, também, as similaridades. E são essas
semelhanças que aparece na “opinião” Itapetinguense. Dessa maneira, falar da história de
Itapetinga é como irromper na trajetória de um labirinto social complexo e, ao mesmo
tempo fascinante, onde:
Para encontrar uma cidade antiga no labirinto das novas ruas, que pouco a pouco circundaram e transformaram casas e monumentos, que ora descobriram e apagaram bairros antigos, ora encontraram o seu lugar no prolongamento e nos intervalos das construções de outrora, não voltamos do presente ao passado, seguindo em sentido inverso e de modo contínuo a série dos trabalhos, demolições, traçados das ruas, etc., que modificaram progressivamente o aspecto dessa cidade. Para reencontrar caminhos e monumentos antigos, conservados, aliás, ou desaparecidos, nós nos guiamos, pelo plano geral da cidade antiga, nos transportamos para ela em pensamento, o que sempre é possível, para os que nela viveram, antes que houvessem ampliado e reconstruído os velhos bairros, e pelos pedaços de muro que permaneceram de pé, essas fachadas de outro século, esses trechos de ruas guardam sua significação de outrora (HALBWACHS, 2006, p, 152).
É na vastidão desse caminho, na construção de sua “memória” e “tempo”, que se
encontraram homens, mulheres e crianças que construíram trilhas. Muitas das quais as
narrativas oficiais não relataram e, outras tantas documentadas e registradas, a partir de
1912, quando outros companheiros de Bernardino - que já tinham a posse da terra a qual
deram o nome de Fazenda Astrolina, também vieram para o “novo local”, onde se
instalaram. Entre esses desbravadores, podemos enfatizar a chegada de Augusto Andrade
Fazenda Astrolina e desta: “em 1923, separou dentro da mata bruta um pedaço de terra de
10 ha. para a formação do povoado” (OLIVEIRA. N, 2003, p. 54).
Foi assim que se formou Itapetinga que possuía apenas “cinco casas de taipa”. No
início, por ser uma região de pedras brancas foi batizada pelo nome de “Itatinga”, palavra
que se origina dos Idiomas tupi e guarani (ita significa pedra e tinga significa branca). O
objetivo do fundador era concentrar na área o “abastecimento de alimentos”. Suprimentos
necessários, para os pioneiros que “trafegavam a pé ou no lombo de jumentos e cavalos”.
Surgem então, ritmos de trabalho e cultura que marcavam o “habitus” (re) produtor da nova definição social (OLIVEIRA, 2003).
Dois anos mais tarde, Itatinga possuía quarenta casas registradas e, cerca de mil
habitantes, sendo elevada a condição de Vila16, que aconteceu devido à condição da terra
para o desenvolvimento agro-pastoril, cujo desenvolvimento da “prática econômica” estava
se tornando notório. Esse é o prenúncio da substituição da mata fechada pelo centro urbano
(GOMES, 2006).
Como ainda era um local isolado em meio da floresta, pois se encontrava longe de
qualquer centro civilizado, teve, por condição, de virar Distrito de Itambé17. Tem então em
seu nome adicionado o termo “PE”, (contam os mais idosos do grupo de trabalho de
História de Vida, que PE foi adicionado pelo sentido de raiz, pé no chão, exatamente por se
sentir assim, o povo da Vila) e Itatinga se transforma em Itapetinga18.
Por sua condição distrital, em 1934 elegeu três vereadores, Augusto Andrade de
Carvalho, Juvino Oliveira e Mariano Campos, que a representava na Câmara Municipal da
Sede. Com o transcorrer do tempo, em um período de mais ou menos quinze (15) anos foi
se tornando um dos centros mais ricos e populosos do Estado, pois durante essa época, o
território foi marcado pela expansão intensiva da cultura da pecuária, como demonstra o
16
-, Decreto Estadual por nº. 8.499, de 22 de junho de 1933 - Distrito de Vitória da Conquista. Com a expansão econômica, “no dia 30 de março do ano de 1938, Decreto Estadual nº. 10.724, sede elevada à categoria de Vila” 16 (GOMES, 2006, p.23).
17
Pela divisão administrativa interna do Estado da Bahia, Itatinga se transpõe para o Município de Itambé. Pelo Decreto Estadual n.º 11.089 de 30 de novembro, publicado em 03 de dezembro de 1938 (DOE-BA).
18
Líder Político Juvino Oliveira, através de uma carta enviada ao Deputado Estadual
Adelmário Pinheiro em 1951, cujo texto dizia: “que nessa época Itapetinga, contava com
um rebanho bovino superior a cem (100.000) cabeças de gado e começava a produção em
média escala da suinocultura e de lanígeros” (OLIVEIRA, J. Apud NERY, 1995, p.28).
Evidente que essa produção, em nada utilizava dos conhecimentos tecnológicos e
científicos, somente a exploração dos produtores do solo, haja vista, a adequação
necessária do clima, cujo lema era: “pouco gasta, muito ganha”, formando, rapidamente,
uma maior concentração do “capital econômico”. Essa é a primeira forma de representação
constituída do poder do “capital econômico”. Causa que muito deveu a sua posição
territorial privilegiada, o que possibilitou cada vez mais, abrir novos pastos, que por sua
vez significava extrair e queimar a floresta. Motivo que conduz ao extermínio da mata
atlântica na região, mas isso não era razão, naquele momento, para qualquer
questionamento.
Esse desmatamento trazia benefícios como relata a carta de Juvino Oliveira (1951)
primeiro: pelo amplo “desenvolvimento da indústria extrativa de madeira”, fazendo com
que a Vila exportasse cerca de “50.000 pranchões, ripões e tábuas mensalmente”; segundo:
isso transformava, e ainda de forma lucrativa, tudo no seu entorno, em um grande campo
verde. Espaço maior, produção melhor para a cultura pecuarista; terceiro: gerou uma
grande fonte de “renda privada” e, publicamente o aumento do “comércio interno”; quarto:
com a produção primária, surgiu o desenvolvimento de “fábricas de calçados, laticínios,
saboarias, curtumes”; quinto, com a arrecadação financeira em alta, logo passam a “possuir
agências bancárias”, coisa que não existia ainda em suas proximidades; e finalmente, para
viabilizar essa produção era preciso mão-de-obra, mais pessoas chegavam à vila em busca
desses empregos (JUVINO OLIVEIRA, 1951)19.
O Distrito da Comarca de Itambé crescia velozmente, possuindo uma arrecadação
bem maior do que a sua sede. O que gerou diversas negociações políticas. Portanto, foi
nos bastidores da história, que se consagrou a emancipação Itapetinguense em 12 de
dezembro de 195220. Isto aconteceu originado pelo poder econômico constituído, pois:
“tornava-se inaceitável para suas lideranças continuar a depender política e
19 - “Carta de Juvino” In: (NERY, 1995). 20
administrativamente de Itambé, uma vez que o Distrito em vários aspectos ultrapassara em
muito a Sede, inclusive no volume de impostos arrecadados” (OLIVEIRA, 2003, p.66).
Sucede então, em 1954 a primeira eleição para o Município emancipado,
concomitante com a do Estado. Pela primeira vez, os habitantes de Itapetinga nomeariam
prefeito e vereadores para a cidade, governador, dois senadores, deputados federais e
deputados estaduais, como representantes da Bahia.
Mediante a tal condição, foram criados no Município de Itapetinga os diretórios
compostos pelos partidos: ‘PSD, UDN, PTB, PR e PRP’21. Desses diretórios nasceram duas
coligações: uma composta pela PR-PTB que apoiou a candidatura de Juvino Oliveira, e a
outra coligação PSD - PRP que amparou a candidatura de José Vaz Espinheira.
Como resultado, Juvino Oliveira foi nomeado e, ainda trouxe pela sua coligação
dez (10) dos doze (12) vereadores eleitos. Para melhor confirmar o exposto é que
escrevemos a partir de agora, alguns trechos do discurso proferido pelo designado Prefeito
Juvino Oliveira, que governou a cidade de Itapetinga de 1955 a 1959.
Dizer das nossas necessidades é falar de quase tudo, ou seja: luz e energia diurna, hospital, grupos escolares, prédio próprio da prefeitura, arborização, calçamentos, etc., Melhor seria reunir-se isto em duas palavras: precisamos de tudo: mas precisando de tudo, seguirei apenas a minha legenda: DO PRECISO O MAIS PRECISO (OLIVEIRA, J. Apud CAMPOS, 2006, p. 210).
A Política em Itapetinga foi então, marcada por dois grupos na visão de seus
moradores, nesse sentido:
Itapetinga, sempre foi marcada, por ter uma grande concentração de terra nas mãos de pouquíssimos latifundiários, Por isso, sempre atribuir o seu crescimento ao seu contexto político. Neste, como linha de frente, a presença de dois grandes mitos22: Juvino Oliveira e José Vaz Espinheira. Como homem público, Juvino Oliveira era um humanista, preocupava com a saúde e educação local. Tinha uma grande apreensão com o isolamento da cultura erudita em que vivia a cidade. Motivo que o levaria a convidar fazendeiros (não muito diferente dos demais, mas tinha uma melhor escolarização), para fazer reuniões pelo menos
21
- Consta no Índice de Siglas.
22
uma vez por mês para ler e discutir um jornal. Processo esse, que acabou por culminar, na criação do clube ACI (Associação Cultural Itapetinguense). momento marcante para a cultura erudita Itapetinguense. Fato que só foi possível, com a doação de um terreno feito por Juvino Oliveira e, da chegada do primeiro médico, trazido por ele, para a cidade: o Sr. Orlando Borges Bahia, que ficou no local até 1939. José Vaz Espinheira possuía uma visão totalmente futurista, era um grande empreendedor. Claro que como capitalista, o lucro também era seu objeto de desejo. Só que por essa determinação, criou um sistema de loteamento que fez com que chegassem à cidade novos fazendeiros, novas culturas. Esses novos moradores se misturaram a população já existente, o que provocou o desenvolvimento urbano de Itapetinga. Além disso, Espinheira criou a Estação de Captação de água 23- SAAE- para o abastecimento de Itapetinga, em uma terra doada da Fazenda Astrolina que, acredito, que até 2050 não teremos nenhum problema com a captação de água. (M24, 2008)
Pela explanação de (M), nasce o segundo tipo de poder em Itapetinga, procedente
da prática política. Pois, durante o período de transição e definição da cidade, a história
política foi marcada por esses homens que foram formadores de opinião e, ao mesmo
tempo, por pertencerem a forças partidárias políticas opostas, acabou, durante as suas
trajetórias públicas, constituindo dois grupos opostos, o que contribuiu para transformar o
futuro da zona pastoril.
Essas “hierarquias dominantes” galgaram pelo relato, representações mitológicas,
que se traduziram para os moradores de Itapetinga, por duas expressões comuns:
“humanistas e futuristas”. Esse sentido é configurado por Bourdieu (2007d) como um
mecanismo do “capital simbólico”, geralmente é chamado de “prestígio, reputação e fama”
na prática é “percebida e reconhecida como legítima”. Demonstra então, que as
representações, estão intimamente ligadas à cultura e à memória, pois juntas criam as
identificações e fornecem todos os “costumes”, “mitos”, “valores”, “crenças” e “visão de
mundo”, já que:
Sociedades religiosas, políticas, econômicas, familiares, grupos de amigos, relações, e até reuniões efêmeras num salão, numa sala de espetáculos, na rua - todas imobilizam o tempo à sua maneira, ou impõem a seus membros a ilusão de que por menos por algum tempo, num mundo que está sempre mudando, certas zonas adquiriram uma estabilidade e um equilíbrio relativo (HALBWACHS, 2006, pp. 155-156).
Assim, a memória desse tempo, concretizou e identificou a prática econômica e
política, originando outra prática, as:
23
- Foi no segundo mandato do Governo de Espinheira entre os anos de 1967 a 1971 que foi criado o SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto - Informação obtida pela pesquisadora através das entrevistas efetuadas em 2008.
24
Relações de trabalho (...) de total submissão do trabalhador em relação ao pecuarista que assumia uma postura paternalista. Desta forma, o trabalhador rural subordinava-se ao patrão em todos os níveis – econômico e político -. Essa relação criou espaço para a hegemonia política dos produtores através da formação dos denominados “currais eleitorais”, onde a escolha dos governantes estaria sempre definida, pelo chamado “voto de cabresto”(OLIVEIRA, 2003: p 71).
Portanto, a eleição em Itapetinga era vencida pelo candidato que recebesse maior
número de adeptos dos grandes produtores pecuaristas, (isso incluía a Indicação de Juvino
Oliveira ou José Vaz Espinheira) o que confirma a “existência” de “disposições” definidas
nesse “espaço social”. Para haver a aprovação, do candidato era preciso: em primeiro
lugar, apoiar o grupo dos produtores rurais, legando a esse, todos os incentivos para o
desenvolvimento da pecuária dentro da zona rural da cidade. É evidente que, em nível
Estadual e Federal, também só seriam eleitos àqueles que defendessem a “mesma
bandeira”. Assim, a cidade somente se beneficiaria, se a “distribuição dos poderes” fosse
de pleno acordo entre os produtores rurais que constituíam o grupo dominante na cidade.
Nesse sentido:
A política é o lugar, por excelência, da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinais capazes de produzir coisas sociais e, sobretudo, grupos. Pelo poder do mais antigo dos efeitos metafísicos ligados à existência de um simbolismo, a saber, aquele que permite que se tenha por existente tudo o que pode ser significado (BOURDIEU, 2007e, p, 159).
A política enquanto representante da pecuária, aos poucos vai exercendo “sinais”
cada vez mais dominantes, enquanto que, na prática, a Itapetinga Urbana, se desenvolvia
ao lado de problemas não muito diferentes de outros lugares do interior do Brasil. Como
demonstrou o estudo de Oliveira (2003) as: “condições sanitárias eram precárias”, na havia
“saneamento público”, o que propiciava o surgimento de diversos tipos de doenças. Não se
possuía “saúde pública, hospitais, escolas”. A maioria da população nem mesmo assinava
o nome.
Referenda ainda Oliveira (2003), que a própria instalação da eletricidade25, como
“fator preponderante” para o desenvolvimento do “progresso” em uma “zona urbana”,
desde a sua organização através da iniciativa privada, era destinada apenas aos
consumidores capitalizados. E esta exclusividade, foi estendida para todos os moradores da
cidade, na década de 70, quando passou a funcionar como entidade pública.
25
Diante de tal situação, é preciso analisar os fatores que conduziram a cidade do
apogeu à crise econômica, para isso é preciso transcorrer pelo nascimento e edificação de
suas instituições.
Instituições: Apogeu e Crise
Os grupos sociais de Itapetinga foram originados através da formação da mão de
obra ligados à zona rural. Entre os seus moradores, poucos eram os indivíduos que não
eram empregados diretamente nas fazendas, mesmo assim, ainda dependiam inteiramente
da produção da atividade pecuarista. Essa base de produção econômica pecuarista,
também, organizou a política local, e, por sua vez foi estabelecendo novas diretrizes de
instituição de poder. Consequentemente, no início da construção da zona pastoril de
Itapetinga, a sua economia nasceu sob uma força de mão de obra de base familiar, e foi:
“constituída nos moldes do interior brasileiro, à base da honradez, (...) mas a média social e
cultural, alcançava um nível muito aquém do desejado, mesmo para um núcleo ainda em
formação.” (BAHIA O. Apud NERY, 1995, p, 57).
Devido aos hábitos simples e o nível cultural do pecuarista, que teve origem semelhante à maioria dos seus trabalhadores, as diferenças sociais não se mostrava muito evidente inicialmente. Essa aparente semelhança cultural e social conseguia dissimular conflitos e proporcionar uma relação de total cooperação do trabalhador em relação ao produtor rural, o que propiciou uma velocidade maior do capital econômico, fazendo com que as diferenças se manifestassem mais adiante de forma muito mais evidente (OLIVEIRA, 2003, p. 58).
Principalmente, pelo fato da cidade está situada na zona pastoril, onde bastava saber
tratar do boi no pasto, não havia muita necessidade de uma mão de obra especializada. O
nível de instrução existente era somente para uma pequena parte da população que contava
apenas com o curso primário, - ou seja, o equivalente aos quatro primeiros anos do atual
ensino fundamental -, o que para aquelas pessoas não fazia diferença, por que “se quase
todos os ricos de então foram, no início de suas vidas, vaqueiros, tropeiros, boiadeiros,
machadeiros na derrubada das matas, etc., não havia como fazer a separação” (BAHIA, O.
Apud NERY, 1995: p. 59)
A partir da consagração do poder do grupo político de Juvino Oliveira, começa a
direcionadora, para que no seio do pequeno povoado, fossem organizados costumes
diferenciados daqueles, até então, existentes. Ocorre em quatorze (14) de novembro de
1936, a fundação da ACI.26, com essa associação principia na cidade:
Cursos gratuitos de música, inglês e geografia, e onde se colocou uma estante com vários livros que viria a se tornar a primeira biblioteca da cidade. Ali também, se jogava xadrez e se realizava bailes. A partir de então, eram feitas reuniões semanais, onde aconteciam desde ‘bate-papos’ sobre assuntos culturais até as decisões mais importantes sobre os rumos da comunidade Itatinguense. ACI esteve, a partir de então, no centro de todos os acontecimentos importantes de Itapetinga. Em todos os setores de atividade, qualquer que fosse a iniciativa, a ACI estaria lá a capitanear (OLIVEIRA, 2003, p 61).
Era o prenúncio de um “emaranhado”, que vai sendo tecido, para marcar as
“diferenças culturais”, consequentemente, novas representações sociais para a cidade.
Futuro anunciado também, porque aos poucos vai desembarcando em Itapetinga, “pessoas
de outras regiões”, como das cidades de “Vitória da Conquista e Porções”, ou então, de
“localidades bem mais distantes”. Como estes eram centros urbanos mais desenvolvidos,
muitos do que chegavam, eram “filhos de famílias tradicionais” em seus territórios e, se
deslocavam para Itapetinga por causa da facilidade para “comprar uma terra barata” e de
garantia de boa produção (NERY, 1995).
Entre esses novos fazendeiros, alguns possuíam formação escolar, outros, traziam
do berço familiar a constituição de uma cultura mais tradicional. Desta forma, da mistura
desses novos “produtores” pecuaristas, com os “ricos” já existentes, formaram um grupo
de “agentes sociais”, bem mais elitizados, começando então, a dar sinais das diferenças
sociais, até o momento, não percebidas. Esse grupo composto por essa nova “Elite
Itapetinguense”, abre o caminho para novas representações, o que acaba por incidir, na
construção da trajetória de urbanização da cidade, a solidificação de algumas instituições
(CAMPOS, 2006).
Essas formas, de maneira nenhuma, são impostas ou arbitrárias, muito menos,
ocorrem em um “vazio social”, mas pelas formas que socialmente vão sendo mobilizadas.
Razão em que nas práticas sociais: “a dominação não é o efeito direto e simples da ação
exercida por um conjunto de agentes, investidos de poderes e coerção,” (BOURDIEU,
2004a, p, 52).
26
É “nessas redes cruzadas” entre “dominantes e dominados”, que vão sendo
engendradas a sistematização da formação religiosa e da educação sistematizada. Assim, a
primeira capela católica havia sido edificada no povoado em 1926. Desse modo, até 1927,
o arraial estava sob a administração da Paróquia de Nossa Senhora da Vitória, com sede na
Cidade de Vitória da Conquista, após esse ano, passa para o poder da Paróquia de São
Sebastião em Itambé. E, agora em solo Itapetinguense surgia o clamor para a formação de
um “corpo de especialistas” que dentro do local proporcionassem a “gestão dos bens de
salvação” religiosa. No entanto, vários foram os problemas que surgiram para formar uma
Paróquia.
Quando abordo a configuração de uma Paróquia, estou falando em ter um Padre permanentemente instalado na cidade, que possa ser encarregado de encaminha suas ovelhas para a salvação. Decorre que para existir uma paróquia, a cidade deveria ser emancipada e, este não era o caso do povoado. Além, do que Itapetinga, mesmo tendo a sua capela construída, tinha uma grande dificuldade, naquela época o transporte era feito no lombo de cavalo, ficava então, pela própria distância de Itambé, a espera de um padre, já que este só vinha à localidade quando tinha condições para se dirigir ao arraial. Todos esses fatores foram agravados pelo sistema hierárquico que até hoje existe na Igreja católica. Onde todas as decisões passam pelo poder central conferida na pessoa do Papa no Vaticano, seguido pelo domínio das Arquidioceses, e posteriormente pelo comando das Dioceses até chegar as Paróquias. Dessa forma, a população da cidade, que desejava ter uma edificação religiosa organizada, vivia submetida às ocorrências que são preponderantes dessa hierarquia, portanto, refém de ser submetidos a uma religiosidade periódica. (H27, 2008).
Por causa do panorama desenhado por (H), abre espaço, para a solidificação na
cidade da Religião Batista. Ocasionada pela “Fundação da 1ª Igreja Batista” (CAMPOS,
2006, p.115). Sobre esse acontecimento:
A história da cidade de Itapetinga e da 1ª Igreja batista se confunde. Não podemos pensar no nascimento de uma independentemente do nascimento da outra. Quando os desbravadores da região, os pioneiros da cidade, chegaram derrubando matas, abrindo fazendas, semeando capim e dando início ao arraial batizado de Itatinga, chegaram com eles alguns crentes batistas de diferentes regiões do Estado, notadamente do Sertão de Vitória da Conquista, que buscavam as matas mais ao sul do estado, para possuir a terra. Vinham no propósito de derrubar florestas, abrir clareiras, plantar capim, criar gado e levar o evangelho a todas as criaturas. Aqueles Batistas traziam, sem sombra de dúvida, além do propósito de progredir, também a decisão de, ao lado da semeadura do capim, semear o que traziam no coração e na alma, a semente do evangelho. (SANTOS Apud CAMPOS, 2006, p. 119).
27
O que está contido nesse relato, perpassa pelo próprio entendimento dos “agentes
sociais”, em ver a Religião, não somente como um “veículo de fé”, mas também, como
uma organização para a manutenção da tradição e dos “bons costumes”. Como análise,
para essa estrutura religiosa ansiada pela coletividade Itapetinguense, podemos confirmar
com Bourdieu (2007c), quando analisou que o desenvolvimento das “religiões universais”,
constituídas como “campos” relativamente “autônomos” foram na história humana, um dos
marcos para a ampliação das “Urbanizações”. Haja vista, que não seria impertinente
lembrar, que a “dispersão espacial rural”, atrapalhava as trocas “econômicas e simbólicas”,
por conseguinte, a tomada de “consciência” dos interesses “coletivos”. Nesse sentido:
O maior mérito de Weber foi o de haver salientado o fato de que a urbanização (com as transformações que provoca) contribui para a “racionalização” e para a “moralização” da religião apenas na medida em que a religião favorece o desenvolvimento de um corpo de especialistas incumbidos da gestão dos bens de salvação. (BOURDIEU, 2007c, p. 35).
Bourdieu (2007c) considera ainda, que a religião constituída, enquanto “campo”,
assume não somente uma representação “ideológica e prática”, mas também, no campo da
“política”, conduz a absoluta legitimação do poder, pois: “reforça a força material ou
simbólica, possível de ser mobilizada por um grupo social e (...) permite a legitimação de
todas as propriedades características de um estilo de vida”. (Idem. p. 35).
Existem assim campos fundados sobre um “habitus”, como o do religioso, por exemplo, que se constitui como algo não interessado em trocas monetárias, pois a sua
lógica repousa no fato da “oferenda” e do “sacrifício”. Por isso, essa “consagração”
religiosa, efetuada na prática social, serve como justificativa para que grupos sociais
dominantes mantenham uma hegemonia recebida e legitimada pelos dominados. Pois para
esses, “simbolicamente”, são instituídas as compensações da “promessa de salvação”
divina, portanto uma aceitação pacífica da sua condição terrena dentro do espaço social.
Se a religião, que possui esse efeito ideológico, prático e político de legitimação do
poder foi difícil de se estabelecer dentro do território de Itapetinga, o que falar então, sobre
a educação escolar, instituição que, simbolicamente, é legitimadora da “reprodução social”
e, tem o poder de representação estabelecida, tanto no “senso comum das práticas do
cotidiano”, como, pelas “obras objetivadas”, pois:
liberdade, mas também a sua ascensão social. Crença amplamente compartilhada foi contestada por duas obras publicadas por P. Bourdieu e seus colaboradores: Les héritiers (1964), referente à universidade, e La reproduction (1970), que se propõe a construir uma teoria geral do funcionamento do sistema escolar. Os resultados desses estudos são conclusivos: a escola, longe de reduzir as desigualdades sociais, contribui para reproduzi-las. (BONNEWITZ. 2005, p. 113).
Para “garantir a ascensão, pois a cidade precisava de professores para avançar em
seu crescimento”, foram palavras proferidas por Juvino Oliveira, em seu discurso de
inauguração da Escola Normal que recebeu seu nome para homenageá-lo. A escola foi
instalada, como uma parte anexa ao Colégio Alfredo Dutra, marco na história educacional,
não somente em Itapetinga, mas em toda a região circunvizinha, pois, muitos daqueles que
não podiam ir para longe, agora possuíam um ponto de referência para seus estudos. O
Colégio Alfredo Dutra foi edificado no dia 14 de julho de 1951 e, foi por muitas vezes
considerado como um “grande divisor” na história da cidade. Com o tempo, e, a partir do
mandato do Prefeito de José Vaz Espinheira, cresceu o número de escolas públicas e
particulares na zona urbana e rural de Itapetinga. (GOMES. 2006).
No entanto, sem querermos entrar no mérito discursivo sobre esse momento de
atividade escolar sistematizada, pois já havia outro processo econômico, que originou uma
fase de extrema pobreza e miséria em Itapetinga, agravando a vida de toda a sua
população. Recorremos ao depoimento da Sra. Athenée Ribeiro de Oliveira Cruz, cujo
resgate através de suas palavras, corroborou para entendermos, como na prática social foi
se manifestando a construção das diferenças sociais em Itapetinga. Todavia, ao entrar com
o recurso da história dessa vida, a intenção está vinculada ao fato, dela ser um grande
resgate da memória “vivida (...)num panorama vivo (...) para reencontrar a imagem do
passado” (HALBWACHS. 2006, p, 152)
Como também demonstramos aquilo que interessa a um grupo é sedimentado em
sua memória e, nesse tecer e remexer de “relações sociais”, a teia da “ordem social”
Itapetinguense, vai sendo instalada. Pois, como diz Bourdieu (2003), o importante é
compreender o “campo” com o qual e contra o qual cada um se faz. Ao problematizar essa
questão, o teórico nos instiga a traçar um quadro formado por dois diálogos: pela entrevista
supramencionada e por um relato, recolhido pela pesquisadora, em outra história de vida.