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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ester Moreno de Miranda Vieira

A Teoria da Prova segundo o Constructivismo

Lógico-Semântico aplicada ao Direito Previdenciário

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ester Moreno de Miranda Vieira

A Teoria da Prova segundo o Constructivismo

Lógico-Semântico aplicada ao Direito Previdenciário

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Prof. Dr. Miguel Horvath Júnior.

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RESUMO

VIEIRA, Ester Moreno de Miranda. A Teoria da Prova segundo o Constructivismo Lógico-semântico aplicada ao Direito Previdenciário: São Paulo – SP, Programa de Pós-Graduação em Direito das Relações Sociais, 2011.

O presente estudo tem por objeto a análise da Teoria das Provas delimitada pelo constructivismo lógico-semântico aplicada ao Direito Previdenciário. Não obstante as diversas concepções do vocábulo “prova” mediante um corte metodológico, parte-se do conceito de prova como fato jurídico em sentido amplo que, uma vez provado, constitui o fato jurídico em sentido estrito que, por sua vez, tem a aptidão para constituir ou desconstituir a relação jurídica previdenciária de proteção mediante a incidência da norma jurídica. Essa aptidão para desencadear os efeitos jurídicos depende da incidência da norma que, para o Constructivismo Lógico-Semântico, em contraposição à Teoria Geral do Direito Tradicional, não se dá de forma automática, mas antes depende de um ser humano que promova a movimentação das estruturas normativas.

Analisada a Teoria da Prova sob a ótica do Constructivismo lógico-semântico, o trabalho reúne esforços para demonstrar sua aplicabilidade no âmbito do Direito Previdenciário no que se refere à relação jurídica de proteção.

A incapacidade laboral é identificada como o Risco Social e como aspecto material da norma de proteção.

Dentre os objetivos específicos, o presente estudo busca clarificar o conceito de “início de prova material” e analisar a legalidade das chamadas provas “tarifadas” em relação ao Regime Geral de Previdência Social.

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ABSTRACT

VIEIRA, Ester Moreno de Miranda. The Theory of the Proof according to the Logical-semantics constructivism applied to Social Security Law: São Paulo – SP, Graduate Program in Law of Social Relations, 2011

This study aims to analyze the theory of evidence that is defined by the logical-semantics constructivism applied to the pension right. Though the several conceptions of the “proof” word, by a methodological cut, coming from the proof concept as a legal fact in a large sense once established, this legal fact itself in its strict sense has the skills to establish or deconstruct a legal relationship of social security protection through the impact of the law rules. This ability to develop the law effects depends on the legal incidence of the laws, which the logical-semantics Constructivism, opposing to the traditional and worldwide theory of law, does not happen automatically, it depends on the work of a human being, which leads to the promotion of the movement of the standard structures.

Analyzed the theory of proof from the perspective of the logical-semantics Constructivism, work combines efforts to demonstrate its applicability under the Social Security Law research field referring to the law protection status.

The work inability is identified as the Social Risk and material aspect of such protection standard.

Among the specific goals, the leading study seeks to brighten the concept of the "beginning of physical evidence" and analyzes the legitimacy of the so-called “taxed” evidence according to the General Social Security System.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

PARTE I – TEORIA GERAL DO DIREITO 1 CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO ...14

1.1 Noções sobre o Constructivismo Lógico-Semântico...14

1.2 Direito e Linguagem ...14

1.3 Semiótica e Teoria Comunicacional do Direito...17

1.4 Teoria dos Sistemas ou Autopoiése ...19

2 TEORIA GERAL DO DIREITO: MODELOS DE INCIDÊNCIA DAS NORMAS JURÍDICAS ...25

2.1 Os pressupostos da Teoria Geral do Direito a partir do Constructivismo Lógico-Semântico...25

2.2 Teoria da Norma ...25

2.3 Modelos de Incidência ...28

2.3.1 Teoria Tradicional...28

2.3.2 Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-semântico ...30

3 A TEORIA DAS PROVAS ...34

3.1 A prova no Constructivismo Lógico-Semântico ...34

3.2 Morfologia da prova ...40

3.3. Axiologia das provas ...42

3.4 Os modos de produção de prova...44

3.5 Prova simples ou atômica ...46

3.6 Prova complexa ou molecular...47

3.7 Presunção ...47

3.8 Meios de prova no Direito Brasileiro ...49

3.8.1 Confissão ...50

(10)

3.8.3 Perícia ...52

3.8.4 Documento...55

3.8.4.1 Documento eletrônico ou digital ...56

3.8.5 Vistoria ou inspeção judicial ou ocular...58

3.9 Análise do conceito de “início razoável de prova material” no Direito Previdenciário ...60

PARTE II – DIREITO PREVIDENCIÁRIO . 4 TEORIA DO RISCO SOCIAL ...64

4.1 O conceito de risco ...64

4.2 Probabilidade ...67

4.3 O dano...68

4.4 O Risco Social ...69

4.5 Teoria do Risco Profissional...75

4.6 O Risco Social na Pós-Modernidade ...77

4.7 O Risco Social e o Regime Geral de Previdência Social...78

4.8 O Risco Social como discriminem da equidade ...82

4.9 A incapacidade para o trabalho como Risco Social na Previdência Social ...83

4.10 O Risco Social como aspecto material da relação jurídica de proteção ...86

5 RELAÇÃO JURÍDICA PREVIDENCIÁRIA ...90

5.1 Relação jurídica previdenciária de proteção no regime geral de Previdência Social ...90

5.2 Teoria Unitária da Relação Jurídica Previdenciária ...91

5.3 Teoria Escisionista da Relação Jurídica Previdenciária ...93

5.4 Objetivo da relação jurídica de Proteção Previdenciária ...96

5.5 Sujeito Ativo e Passivo ...97

5.6 Extinção da relação jurídica de proteção ...98

6 O OBJETO DA PROVA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – REQUISITOS GERAIS ...100

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6.2 Prova de qualidade de segurado ou ex-segurado ...104

6.3 Prova da situação de desemprego e o “período de graça” ...107

6.4 Prova de qualidade de dependente...111

6.5 Prova do número mínimo de contribuições: carência...116

7 O OBJETO DA PROVA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – REQUISITOS ESPECÍFICOS ...121

7.1 As prova em relação às prestações previdenciárias ...121

7.2 Auxílios-doença, aposentadoria por invalidez, reabilitação profissional e auxílio-acidente ...121

7.3 Aposentadoria por idade ...130

7.3.1 Aposentadoria por idade do trabalhador urbano...131

7.3.2 Aposentadoria dor idade do trabalhador rural ...132

7.3.3 Aposentadoria por idade nos termos da Lei 10.666/2003 ...138

7.3.4 Aposentadoria por idade nos termos da Lei 11.718/2008 ...140

7.3.5 Aposentadoria compulsória ...141

7.4 Aposentadoria por tempo de contribuição ...141

7.5 Aposentadoria especial ...152

7.6 Salário-família ...162

7.7 Salário-maternidade ...163

7.8 Pensão por morte ...166

7.9 Auxílio-reclusão...170

CONCLUSÃO...173

(12)

INTRODUÇÃO

O Direito Previdenciário, a todo o momento, está às voltas com a problemática da prova. Para a concessão dos benefícios, exige-se prova da qualidade de segurado, prova da qualidade de dependente, prova do tempo de serviço, prova de exposição a agente nocivo, prova de incapacidade e, até mesmo, prova de inexistência de remuneração paga para empresa. Isso sem mencionar o tão citado, no meio jurisprudencial, “início razoável de prova material”, de maneira que o estudo das provas aplicado ao Direito Previdenciário se revela bastante útil e necessário, diante do quadro apresentado.

Não obstante o viés pragmático, adota-se a linha de pensamento na qual não há prática sem teoria, mas somente através da construção de uma teoria bem alicerçada pode-se instrumentalizar o operador do direito, permitindo que ele faça aquele ponto de intersecção entre a ciência e a experiência do qual advertia Lourival Vila Nova1.

Adotando tal premissa, o presente trabalho tem por objeto o estudo das provas no âmbito do Direito Previdenciário a partir da Teoria das Provas delimitado pelo Constructivismo Lógico-Semântico.

Há de se deixar claro ao leitor que o presente trabalho não fará a construção da Teoria das Provas, mas sim sua aplicação no âmbito do Direito Previdenciário, de maneira que o Constructivismo Lógico-Semântico é método de trabalho hermenêutico e a Teoria das Provas, a base a partir da qual se fará a análise da prova no Direito Previdenciário, essa compreendida como o fato jurídico em sentido amplo, que, uma vez provado, constitui ou desconstitui a relação jurídica previdenciária, o fato jurídico em sentido estrito, fazendo surgir o direito subjetivo à prestação previdenciária.

A Teoria das Provas é abordada no final da na primeira parte do trabalho, sendo que o primeiro capítulo traz as noções mínimas para a compreensão do Constructivismo Lógico-Semântico, da Teoria da Comunicação, do Direito e Linguagem e do Sistema autopoiético. No segundo capítulo, são abordadas algumas teorias que formam a base da Teoria Geral do Direito. O terceiro capítulo traz o conceito de prova no contexto do Constructivismo Lógico-Semântico, a classificação das provas e os meios de prova no direito brasileiro e, na medida em que se abordam cada um dos temas relevantes para essas teorias, vai se apontando sua aplicabilidade em relação ao Direito Previdenciário. Assim,

1 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p.

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embora o trabalho esteja dividido em duas partes, o Direito Previdenciário permeia todo o estudo.

A segunda parte do trabalho ingressa no Direito Previdenciário, a partir da análise do Risco Social, servindo de suporte para a verificação dos demais elementos que compõem a morfologia da prova, em especial a finalidade, o conteúdo e o objeto da prova.

A construção da Regra-Matriz de Incidência das normas de proteção previdenciária revela o Risco Social como aspecto material gerador da proteção e a prestação previdenciária como objeto da relação jurídica de proteção social, passando, então, para o estudo das Teorias Unitária e Escisionista, abordadas no quinto capítulo, que trata especificamente da relação jurídica de proteção previdenciária.

No sexto e sétimo capítulos, o estudo foi centralizado no objeto de prova no regime geral de Previdência Social, com destaque para a prova de filiação, a prova da qualidade de segurado, a prova da qualidade de dependente e as provas específicas em relação a cada uma das Prestações do Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

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PARTE I – TEORIA GERAL DO DIREITO

1 CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

1.1Noções sobre o Constructivismo Lógico-Semântico

O Constructivismo Lógico-Semântico pode ser resumido como um método de interpretação que reúne, de forma sistematizada, algumas das teorias desenvolvidas pela filosofia da linguagem, a partir do século XX.

Esse método, transportado para o âmbito da ciência do direito, revela uma importante mudança na posição do intérprete em relação ao objeto do conhecimento, no caso, o Direito Positivo, fazendo avançar a Teoria Geral do Direito, ao mesmo tempo que se contrapõem alguns aspectos com a chamada Teoria Clássica do Direito.

O Constructivismo pode assim ser resumido, mas não compreendido, na medida em que se faz necessária a análise das teorias que o integram, em especial a Semiótica e Teoria Comunicacional do Direito, a Teoria dos Jogos de Linguagem e a Teoria dos Sistemas ou Autopoiése.

Dessa maneira, para que se possa ter uma noção mínima do Constructivismo Lógico-Semântico, faz-se necessária uma incursão sobre essas teorias, assim como a compreensão do papel do Direito e da linguagem.

1.2Direito e Linguagem

O direito como objeto cultural é construído pelo homem através da linguagem. Como bem adverte Vilém Flusser1, a língua forma, cria e propaga a realidade, e conhecimento, realidade e verdade são aspectos da língua.

A partir do movimento denominado de “giro linguístico”, diretamente influenciado pela obra de Ludwig Wittgenstein, Tractatus lógico-philosophicus, a concepção filosófica,

até então chamada de “filosofia da consciência”, deu lugar à “filosofia da linguagem”2.

1 FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade.2. ed. São Paulo: Annablume, 2004, p. 33-34.

(15)

De acordo com este novo paradigma, a linguagem deixa de ser apenas instrumento de comunicação de conhecimento já realizado e passa a ser condição de possibilidade para a constituição do próprio conhecimento enquanto tal3.

Não temos acesso ao objeto do conhecimento de forma direta, mas somente através da linguagem. É neste contexto que vai se abordar o Direito, ou seja, como sistema comunicacional.

A principal consequência para o cientista do direito é que não há mais verdades absolutas4, pois não há essências nas coisas para serem descobertas, e nem verdades a serem reveladas. Aquilo que temos das coisas são ideias, construções linguísticas existentes em função dos nomes.

Dessa forma, partindo da Teoria Comunicacional, o sistema social é constituído por atos de comunicação, e com o direito não é diferente. Tudo a que se tem acesso são palavras, um conjunto de signos devidamente estruturados na forma de texto.

Contudo, afirmar que a realidade é constituída de linguagem não significa afirmar a inexistência de dados físicos independentes da linguagem, mas apenas que somente pela linguagem podemos conhecê-los, identificá-los e transformá-los numa realidade objetiva para nosso intelecto5.

Portanto, língua e realidade estão diretamente interligados, pois a língua não é a estrutura por meio da qual compreendemos o mundo. Ela é a atividade mental estruturante do mundo. Nas palavras de Vilém Flusser, a língua cria e propaga a realidade porque “universo, conhecimento, verdade e realidade são aspectos da língua”6, de maneira que aquilo que nos vem por meio dos sentidos, chamado de “realidade”, é dado bruto, que se torna real apenas no contexto da língua7.

Seguindo essa linha de raciocínio, assim como toda realidade é constituída linguisticamente, a Teoria do Direito é uma linguagem de sobrenível, uma metalinguagem em relação ao direito, uma linguagem que fala sobre a linguagem jurídica, ou seja, o direito só pode ser compreendido como texto.

3 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo

lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p.13.

4

Idem. ibidem, p. 14.

5 Idem, ibidem, p. 17.

(16)

Tanto o Direito Positivo quanto a Ciência do Direito consubstanciam-se num conjunto estruturados de signos. Enquanto o Direito Positivo prescreve, a Ciência do Direito descreve. São dois planos linguísticos que não se confundem.

O Direito Positivo está vertido numa linguagem, como a construção do homem se volta para a disciplina do comportamento humano, de cunho prescritivo, enquanto que a Ciência do Direito é uma linguagem descritiva, ou seja, uma sobrelinguagem e está acima da linguagem do direito positivo, pois discorre sobre ela. Contudo, como alerta Aurora Tomazini de Carvalho8, são conceitos interligados, uma vez que a “realidade” jurídica a qual o enunciado prescritivo faz referência acaba sendo aquela construída pelo intérprete e, da mesma forma, a interpretação da doutrina influi no modo como a realidade “direito positivo” se apresenta (para o interprete).

Para Vilém Flusser9, dado bruto e intelecto não são reais, não estão realizados

senão dentro de alguma língua e a multiplicidade das línguas revela a relatividade das categorias do conhecimento, concluindo que há tantos sistemas, e, portanto, tantos tipos de conhecimento quantas línguas existirem.

Dessa maneira, toda língua é um sistema complexo, um cosmo. Mas não é, no entanto, um sistema fechado. Há possibilidade de ligar diversas línguas. Contudo, a tradução a rigor é impossível, sendo apenas aproximada como ensina Vilém Flusser10: “O salto de língua a língua, atravessando o abismo do nada, cria no intelecto aquela sensação de irrealidade.” [...] “A possibilidade da tradução representa, para o intelecto, a vivência da relatividade da realidade.”

Transportando para as linguagens sociais, do direito positivo e a da ciência do direito, também temos os saltos entre as linguagens, e o intelecto também experimenta a relatividade de cada uma das realidades.

Partindo do pressuposto de que a realidade é um texto, assim como o direito, para a construção de sentido, o intérprete deve sair da significação de base que todas as palavras possuem e, através de outros elementos, como o contexto e as funções da linguagem, atribuir sentido ao texto jurídico.

8 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 98. 9 FLUSSER, op. cit., 2004. p. 53.

(17)

Paulo de Barros Carvalho11 faz uma distinção quanto ao uso do termo “texto”, que é ambíguo. Às vezes, uma palavra é utilizada para denotar o suporte físico e a mesma palavra para referir ao suporte físico e seu sentido. Para resolver o problema, o autor propõe uma distinção entre texto em sentido estrito e texto em sentido amplo. Strito sensu,

o “texto” refere-se apenas ao suporte físico enquanto que em sentido amplo de “texto” abrange seu sentido.

Essa concepção traz um novo paradigma para o Direito, pois o que não estiver vertido em linguagem competente, ou seja, em linguagem das provas, não existe para o mundo jurídico.

O Direito Previdenciário, embora autônomo do Direito do Trabalho, por influência direta, muitas vezes, se vê em busca da chamada “verdade real”, na tentativa de unir dois níveis de linguagem: a linguagem social e a linguagem jurídica. Contudo, como visto, as linguagens se sobrepõe, mas não se confundem.

1.3 Semiótica e Teoria Comunicacional do Direito

O Direito Positivo se apresenta através da linguagem prescritiva. Esta linguagem encontra-se inserida num contexto comunicacional e, sob esse aspecto, o direito é um sistema de mensagens insertas num processo comunicacional, ou seja, constituídos por atos de comunicação12.

Linguagem, língua e fala são indissociáveis. O falar em linguagem remete ao pensamento que, por sua vez, remete ao signo13.

Um signo, segundo Charles S. Pierce14, é “qualquer coisa que conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere (seu objeto),

de modo idêntico, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente ad infinitum”, classificando em três espécies: ícone, índice ou símbolo15.

11 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, Linguagem e Método, op. cit., p.186. 12 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 158.

13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 32-33.

14 PEIRCE, Charles Sanders. 1839-1914. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. 4. ed. São Paulo:

Perspectiva, 2008, p. 74.

15 “Depois de dar uma definição tradicional de signo (como ‘algo por meio de cujo conhecimento

(18)

Contudo, para os estudiosos do direito, interessa o estudo dos símbolos, pois são eles de forma idiomática escrita (palavras) que constituem nosso objeto de estudo, o Direito Positivo.

Adotando a terminologia de Edmund Husserl16, o signo é uma relação triádica entre (i) suporte físico; (ii) um significado e uma (iii) significação, de maneira que toda a linguagem compõe-se, invariavelmente, desses três elementos inerentes aos signos e tanto o Direito Positivo quanto a ciência do direito, sendo constituídos por linguagem, representam, cada um deles, um conjunto estruturado de signos.

Pierce e Charles Morris17 distinguem três planos na investigação dos sistemas sígnicos: (i) sintático; (ii) semântico e (iii) pragmático: o sintático, em que se estudam as relações dos signos entre si, isto é, signo com signo; o semântico, em que o foco da indagação é o vinculo do signo (suporte físico) com a realidade que ele exprime; e o pragmático, no qual se examina a relação do signo com o utentes da linguagem (emissor e destinatário).

Concentrando-se nos sistemas idiomáticos, como ensina Paulo de Barros Carvalho18 “há múltiplas possibilidades de utilização das palavras, individualmente consideradas, assim como numerosos são os usos das construções frásicas” [...]. “Isso compele o interprete a sair da significação de base (que toda a palavra tem), em busca da amplitude do discurso, onde encontrará a significação contextual.”

Essa significação contextual pode ser determinada por uma série de fatores, entre eles, e principalmente, pelos propósitos do emissor da mensagem, apresentando, assim, o processo constitutivo da interação comunicacional do qual se destaca a descrição de Roman Jakobson19

O REMENTE envia uma MENSAGEM – ao DESTINÁRIO. Para ser eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal suscetível de verbalização; um CÓDIGO total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem e, finalmente, um CONTACTO, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a entrarem e permanecerem em comunicação.

16 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método,

op. cit., p. 34.

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Por meio desses conceitos, quando aplicados ao direito positivo, temos: (i) o agente competente como emissor, (ii) os sujeitos das prescrições como destinatários e (iii) a norma jurídica como mensagem. Neste ponto, é fundamental compreender que a mensagem não vem pronta e que é preciso que o destinatário construa a mensagem emitida através do texto e do contexto20.

Os outros elementos são igualmente importantes, pois, se houver algum problema com o código, a mensagem não poderá ser compreendida, assim como o contacto, ou mesmo a ruptura da conexão psicológica.

Para Fabiana Del Padre Tomé21, a concepção da Teoria Comunicacional do direito tem como premissa que o Direito Positivo se apresenta na forma de um sistema de comunicação. Direito é linguagem, pois é a linguagem que constitui as normas jurídicas. Daí a importância da compreensão da Teoria dos sistemas ou Autopoiese.

1.4. Teoria dos Sistemas ou Autopoiese

A teoria da autopoiese ou sistema autopoiético, que teve origem com os biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela, passou a ser aplicada nos sistemas sociais, do qual Luhmann é o principal idealizador. Em síntese, Cristiano Rosa Carvalho22 destaca:

Se a autopoiese biológica centra-se nos seres vivos, a autopoiese social centra-se na comunicação. Para Maturana, o “social” é formado por inúmeros sistemas autopoiéticos (indivíduos), sendo que este social é o ambiente. Para Luhmann, o que importa são os atos de comunicativos: “sistemas sociais não são formados por pessoas e ações, mas sim por comunicação”.

Dessa forma, o grande sistema social é formado por complexas redes de comunicações, num processo dinâmico constante. À medida que o sistema vai aumentando sua complexidade, formam-se subsistemas, com códigos próprios, autonomizando-formam-se uns em relação aos outros. Apesar de esses subsistemas serem fechados operacionalmente, são interdependentes [...]. Essa dependência inter-sistêmica indica que a autonomia autopoiética é relativa, um sistema autopoiético necessita de estimulo do ambiente para se auto-reproduzir e manter seu equilíbrio interno. Assim para

20 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 161. 21 TOMÉ, Fabiana Del Padre,

op. cit., 2008, p. 40.

22 CARVALHO, Cristiano Rosa. Teoria do Sistema Jurídico: Direito, Economia e Tributação. São Paulo:

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processar informações, o sistema precisa ser receptivo às mensagens vindas de fora [...] Para a Autopoiese social, o elemento do sistema é a comunicação.

O direito como sistema de comunicação – cujas unidades são ações comunicativas – leva em conta o conjunto dos elementos que compõe o sistema comunicacional, ou seja, o estudo do emitente, da mensagem, do canal e do receptor, devidamente integrados no processo dialético do acontecimento comunicacional.

Adotando a Teoria Comunicacional no Direito Positivo, a norma jurídica é a mensagem, enquanto que o código, no nosso caso, é a língua portuguesa.

No sistema social, as normas jurídicas nada mais são que resultados de atos de fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veículos introdutórios, apresentando as três dimensões sígnicas: suporte físico, significado e significação.

O sistema social é constituído por complexas redes de comunicação, em um processo dinâmico constante. E, na medida em que o sistema vai aumentando sua complexidade, formam-se subsistemas, cada qual com seu código próprio. No sistema social, o código é comunicação/não comunicação. Já no sistema jurídico, o código é lícito/não lícito.

A base desse sistema é a norma jurídica. Daí a grande importância que a Teoria da Norma assume na compreensão do direito.

As normas jurídicas formam um sistema. Paulo de Barros Carvalho23, fazendo um recorte metodológico, adotou quatro subsistemas para chegar a unicidade do texto jurídico-positivo, os chamados “Planos S”:

No Plano S1, temos o sistema da literalidade textual suporte físico das significações jurídicas; no Plano S2, o conjunto dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; no Plano S3, o conjunto articulado das significações normativas – o sistema de normas jurídicas stricto sensu ; e, finalmente, no Plano S4, a organização das normas

construídas no nível S3, os vínculos de coordenação e subordinação entre as regras jurídicas.

No que se refere ao Direito Previdenciário, pode-se atribuir as normas de custeio e de proteção um caráter evidentemente sistêmico com vínculos de coordenação e subordinação.

23 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 6. ed. rev.

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Somente da conjugação dos quatro subsistemas surgirá o contexto em que se apresenta a mensagem normativa e o sentido do texto. Esse processo também pode ser entendido pela autopoiese do direito e sua autorreferencialidade.

O processo de construção normativa é determinado pelo Sistema, sendo o Direito um Sistema autopoiético, em conformidade com a linha de pensamento Luhmann, aqui representado pela obra de Cristiano Rosa Carvalho24, da qual destaca-se a autorreferencialidade:

Consiste no pressuposto de sua autoprodução. Para que um sistema possa se autogerar, i.e. substituir elementos por outros, é necessário que haja elementos que tratem de elementos; atos comunicativos cujo conteúdo é a geração de outros atos comunicativos. É um falar sobre si mesmo. Num organismo vivo a sua capacidade de se autogerar está prevista no seu código genético. Num sistema linguístico, nas regras sintáticas de formação de sentenças.

As peculiaridades do sistema autopoiético conferem-lhe as seguintes características: (i) autonomia: é capaz de subordinar toda a mudança de modo que permaneça sua auto-organização; (ii) identidade: mantém sua identidade em relação ao ambiente, diferenciando-se deste ao determinar o que é e o que não é próprio ao sistema; (iii) não possui imputs e outputs: o ambiente não influi diretamente no sistema autopoiético25.

Sendo assim, os sistemas complexos autopoiéticos são: a) autorreguláveis; b) autoproduzíveis e c) autorreferenciais.

Tais conceitos, quando aplicados ao Direito Previdenciário, esse entendido como subsistema do Sistema de Seguridade Social, revelam que o sistema jurídico é fechado operacionalmente, ou normativamente, e aberto cognitivamente.

É a abertura do sistema às mensagens do ambiente que permite a comunicação entre os demais sistemas sociais, do qual o direito é um subsistema. Porém, a abertura é parcial, pois somente os ruídos – as interferências nas comunicações – são percebidos pelo sistema, sem que haja a possibilidade de outro sistema interferir diretamente no sistema jurídico.

A abertura do sistema jurídico em termos cognoscentes se dá a nível semântico e pragmático, permanecendo fechado em termos operacionais e a nível sintático.

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Através da abertura, cada sistema autopoiético processa as mensagens externas dentro de critérios particulares, mediante um código valorativo e binário: o código do sistema econômico é ter/não ter; do sistema político é poder/não poder; e do sistema jurídico é licito/ilícito, de maneira que a abertura tem como consequência a autonomia sistêmica, em relação aos demais sistemas sociais. Atos econômicos ou atos políticos não fazem atos jurídicos. O sistema jurídico não tem outptus, e a influência dos demais

sistemas não é direta ao sistema jurídico. Podem, quando muito, “estimularem” modificações neste.

Uns dos aspectos importante a ser considerado é que o sistema de Previdência Social está inserido no sistema da Seguridade Social, sendo que esse atua em três redes bem definidas de proteção: saúde para todos, Previdência Social para os trabalhadores e assistência para os idosos e deficientes carentes.

Essa visão sistêmica permite identificar a estrutura fundamental do Sistema de Seguridade Social, bem como compreender sua autoformação a partir de seus próprios elementos.

Para a compreensão das normas de proteção, é necessário fazer incursões no sistema, recorrendo a diversos textos de lei, como acabamos de ver, levando em consideração que, em relação ao Sistema de Seguridade Social, como adverte Wagner Balera26:

Para que o nexo não se esgarce, para que não perca a consistência interna que permite ao direito movimentar a vida social, o sistema é dotado de um centro de gravidade representado pelos valores e princípios constitucionais que lhe servem de suporte.

Analisado sistematicamente os desdobramentos normativos dos planos de proteção social, Wagner Balera27 concluiu que “o objetivo do Sistema Nacional de Seguridade Social se confunde, na dicção constitucional, com o objetivo da Ordem Social”.

O Sistema de Seguridade Social compreende ações de saúde, previdência e de assistência social, com a tarefa de concretizar o bem-estar e a justiça social, em

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conformidade com próprio conceito de Seguridade Social contido no art. 194 da Constituição Federal:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, á previdência e à assistência social.

Contudo, o sistema apresenta restrições como ressalta Fabio Lopes Vilela Berbel28:

Pode-se dizer que Seguridade Social é o conjunto de meios (racionalidade formal) utilizados pela sociedade para atingir a proteção social plena (racionalidade material). A ordem constitucional brasileira não atingiu essa plenitude, pois limitou a proteção a direitos e ações de saúde, previdência e assistência, limitando, como se verá, essas ações no plano pragmático, a determinados indivíduos. A restrição de sujeitos, contingências e necessidades retiram a qualidade de Seguridade Social utópica do sistema brasileiro.

Dessa forma, o Sistema de Seguridade Social possui uma estrutura própria com regras bem definidas, que regulam tanto as normas de comportamento como as normas de estruturas que compõem o sistema da Seguridade Social. Essas regras estão previstas principalmente no artigo 194 da Constituição Federal:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

V – equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos

28BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.

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empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998)

Por outro lado, constata-se uma complexidade operacional do Sistema de Seguridade de Social, na medida em que apresenta valores, princípios e regras destinados a coordenar três áreas distintas de atuação. Portanto, o aplicador do direito precisa se familiarizar com cada uma dessas áreas de atuação, a fim de identificar e individualizar a qual área da Seguridade Social é destinado cada um dos princípios elencados no artigo 194 da Constituição Federal.

Somente através de uma análise sistêmica é que se pode compreender a função da regra da contrapartida, que importa em verdadeira proibição constitucional à instituição de novas fontes de custeio sem destinação precisa, assim como em proibição expressa de criação de novas prestações sem a adequada cobertura financeira.

Dessa forma, a regra da contrapartida tem também a função dar equilíbrio ao sistema da Seguridade Social, pois se fossem instituídos benefícios sem a respectiva fonte, o sistema entraria em desequilíbrio, o que pode ser ocasionado tanto pela falta de recursos como pelo excesso.

O direito tem a capacidade de autorregular-se e a regra da contrapartida pode assim ser apontada como um instrumento, “um termostato29”, para a manutenção do equilíbrio, comunicando ao sistema que há necessidade de implementar novas contribuições, novos benefícios, ou ainda, a redução de contribuições.

Portanto, cumpre ao destinatário da prova analisar com rigor o cumprimento de todos os requisitos para a concessão do benefício previdenciário, sob pena de gerar um desequilíbrio sistêmico, pois o sistema tem como pressuposto o equilíbrio financeiro e atuarial.

29 A expressão “termostato” para ilustrar a Regra da Contrapartida foi apresentada pelos Professores Wagner

(25)

2 TEORIA GERAL DO DIREITO: MODELOS DE INCIDÊNCIA DAS

NORMAS JURÍDICAS

2.1 Os pressupostos da Teoria Geral do Direito a partir do Constructivismo Lógico-Semântico

Complexo é o arcabouço jurídico que compõe a Teoria Geral do Direito. Contudo, considerando o recorte metodológico proposto neste trabalho, com o objetivo de se compreender a Teoria da Prova dentro do Constructivismo Lógico-Semântico, interessa agora investigar como evoluiu a Teoria da Norma e as Teorias da Incidência Normativa a partir dos pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico, vistos no capítulo anterior.

A Teoria da Norma, a Teoria da Incidência Normativa e, especialmente, a Teoria dos Sistemas ou Autopoiese, vão servir de base para a compreensão da Teoria das Provas. Outra teoria relevante para o presente estudo é a Teoria das Relações que, por questões metodológicas, será abordada na segunda parte do trabalho, já recortada da Teoria Geral para ser analisada dentro da relação jurídica previdenciária.

2.2 Teoria da Norma

Kelsen1 definiu o Direito como norma jurídica: “Ali onde houver direito, haverá normas jurídicas” na medida em que são elas, as normas jurídicas, que constituem o objeto da ciência jurídica, destacando que:

Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o objeto da ciência do direito, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência, ou – por outras palavras – na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas

O “dever-ser” passou a ser a premissa lógica do direito sob o qual se fundamenta e, a partir dele, se desenvolve toda a Teoria Geral do Direito. Paulo de Barros Carvalho2

1 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes,

2006, p. 79.

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acrescenta a definição de Kelsen: “e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem em que tais normas se manifestem”.

Falar em norma é, em última análise, falar do próprio direito, lembrando que o aspecto que o distingue dos demais sistemas de normas, como as morais e religiosas, é a coatividade exercida com o emprego da força. Contudo, a natureza do direito é essencialmente instrumental. O direito é o instrumento do Estado para regular a vida em sociedade3.

Ressalta-se o caráter instrumental do direito porque ele só se realiza através do poder de emitir comandos4; Porém, esse poder só pode ser exercido por meio da linguagem. Segundo Geraldo Ataliba5, “Consiste o caráter instrumental do direito na qualidade que todos reconhecem à norma jurídica de servir de meio posto à disposição das vontades para obter, mediante comportamentos humanos, o alcance das finalidades desejadas pelos titulares daquelas vontades”.

A linguagem se apresenta mediante os signos de representação (a linguagem falada, escrita, de sinais, símbolos). Esses signos só possuem significação quando apresentados em um texto e, por sua vez, em um contexto, sem o qual não podemos atribuir a significação.

Paulo de Barros Carvalho6 afirma que para receber a significação, a linguagem se utiliza de suas funções prescritivas e descritivas. Ao nos aproximarmos da linguagem do direito posto, vamos encontrar a figura dos enunciados. Os enunciados linguísticos não possuem em si mesmos significações. Eles precisam ser acolhidos em nossa mente, que os agrupa em conformidade lógica do texto e do contexto onde ele se apresenta. É a partir desses enunciados prescritivos que construímos as significações dos sentidos – a interpretação – e, por isso, podemos afirma que o intérprete “produz” a norma a partir do enunciado posto pela autoridade competente.

Os enunciados não têm o chamado mínimo deôntico, não revelam o dever-ser. Eles precisam ser agrupados para produzir a norma jurídica. Além disso, os enunciados e suas significações estão presentes onde houve comunicação, ou seja, onde houver linguagem,

3 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 31. 4 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa. Fundação

Calouste Gulbenkian. 1996, p.45.

5 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiro, 2005, p. 25.

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eles são partes da norma e precisam ser unidas pelo intérprete para formarem a norma completa.

Os enunciados ingressam ora como hipótese, ora como consequente da norma, como elementos da hipótese e elementos do consequente.

Esse agrupamento dos enunciados não é automático e decorre da construção da norma pelo intérprete. É por isso que um artigo isolado não pode ser chamado de norma, não contém os elementos mínimos para aferição do dever-ser. É preciso conjugá-lo com outros artigos e, às vezes, até com outras leis para compor a norma completa.

Assim, os enunciados e suas significações, ou proposições, são partes da norma, e tais partes serão unidas pelo intérprete para formarem a norma jurídica.

Toda norma, portanto, contém uma hipótese e um comando, que é obrigatório apenas quando associado à hipótese7.

A hipótese trará a previsão de um fato jurídico que, segundo Paulo de Barros Carvalho8:

Posto isto, percebemos que a construção do fato jurídico nada mais é que a constituição de um fraseado normativo capaz de justapor-se como antecedente normativo de uma norma individual e concreta, dentro das regras sintáticas ditadas pela gramática do direito, assim como de acordo com os limites semânticos arquitetados pela hipótese da norma geral e abstrata.

O consequente, por sua vez, prescreverá a relação jurídica que se vai instaurar, ou seja, a hipótese faz alusão a um fato e a consequência prescreve os efeitos jurídicos.

A norma jurídica é uma estrutura lógico-sintática de significação e, segundo Paulo de Barros Carvalho9, se a proposição-hipótese é descritora de um fato de possível ocorrência no contexto social, a proposição tese funcionará como prescritora de condutas intersubjetivas, afirmando ainda que, “na verdade, o prescritor da norma é, invariavelmente, uma proposição relacional, enlaçando dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória”.

Não existe norma sem sanção, mas enunciados prescritivos sem normas sancionatórias. Isso ocorre porque elas possuem feição dúplice.

7 ATALIBA, Geraldo,

op. cit., 2005, p. 26.

8 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 267. 9

(28)

Existem normas primárias e normas secundárias, sendo que a norma primária prescreve um dever – descumprido esse dever, a norma secundária prescreve uma providência sancionatória –, e o direito não existe sem seu caráter coativo.

As duas entidades, juntas, formam a norma completa, expressando a mensagem deôntico-jurídica na sua integridade.

Finalmente, alerta o ilustre professor que as normas não estão “prontas” dentro do sistema, mas elas precisam emergir da interpretação e são construídas a partir dos enunciados. Neste ponto, é ilógico falar em norma explícita. Os enunciados devem ser conjugados com outros para formarem a norma, mas esta sempre é completa.

2.3Modelos de incidência

Uma teoria sobre a incidência estuda como se dá a produção de efeitos da norma jurídica e sua problemática envolve justamente a distinção entre efeitos jurídicos e efeitos sociais10. Neste contexto, destacam-se duas grandes correntes explicando a incidência: (i) a Teoria Tradicional e (ii) a Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico ou, como também é conhecida, Teoria de Paulo de Barros Carvalho.

Não obstante já se tenha delimitado o objeto: Teoria das Provas aplicada ao Direito Previdenciário, e o método: Constructivismo Lógico-Semântico, o que já evidencia em qual das teorias será aplicada, no que se refere ao modelo de incidência, faz-se necessária uma breve análise da Teoria Tradicional, antes de ingressar no estudo da Teoria de Paulo de Barros Carvalho.

2.3.1 Teoria Tradicional

Como explica Aurora Tomazini de Carvalho11, a Teoria Jurídica Tradicional, seguindo os ensinamentos de Pontes de Miranda e Miguel Reale, trabalha com a tese da incidência automática e infalível no plano factual, destacando-se que, para essa teoria, a incidência é um fenômeno do mundo social. A norma projeta-se sobre os acontecimentos sociais, juridicizando-os. Ela incide sozinha e por conta própria sobre os fatos, logo que eles se concretizam, fazendo-os propagar consequências jurídicas.

(29)

Para Pontes de Miranda12, a incidência da regra jurídica é infalível e não se confunde com sua eficácia:

1. INFALIBILIDADE DA INCIDÊNCIA. – A incidência da lei, pois que

se passa no mundo do pensamento e nele tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros “pontos” do mundo, em que tenha de ocorrer, segundo as regras jurídicas. É, portanto, infalível. [...] 2. EFICÁCIA DA

LEI E EFICÁCIA DO FATO JURIDICO. – A incidência da regra jurídica é a sua eficácia; não se confunde com ela, nem com a eficácia do fato jurídico; a eficácia da regra jurídica é sua incidência.

Dessa maneira, para a Teoria Tradicional, a incidência e a aplicação ocorrem em momentos distintos, de maneira que a norma incide de forma automática independente da ação do homem, enquanto que a aplicação pode ou não ocorrer, dependendo, assim, de uma ação humana.

Clarice Von Oertzen de Araujo13 explica que, para Pontes de Miranda:

A eficácia jurídica é aquela decorrente da incidência, mas que não é a incidência em si mesma considerada. Com essa ressalva o jurista estabelece uma diferença entre eficácia da lei, que é a incidência, o processo de jurisdicização dos fatos, e a eficácia jurídica. Essa segunda irradia dos fatos jurídicos, em decorrência da causalidade normativa. Assim, a eficácia (a jurídica) é interna ao mundo jurídico, enquanto que a outra (a incidência ou eficácia legal) concorre para a formação desse mundo.

Essa teoria, no campo do Direito Previdenciário, tem forte apelo no chamado “direito adquirido”, pois sob sua égide o direito ao benefício surgiria em decorrência da aplicação automática da norma de proteção. Assim, por exemplo, tendo o segurado completado a carência e idade mínima, teria direito à aposentadoria por idade, independente de qualquer ação humana e ficando apenas os efeitos sujeitos à manifestação da vontade do segurado.

Contudo, tal assertiva não se sustenta quando confrontada com a pragmática. Nesse sentido, é brilhante a afirmação de Wagner Balera14: “o requerimento é um pressuposto indispensável à constituição do crédito previdenciário do beneficiário”.

12 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I,

Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, p. 16-17.

13 ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência jurídica: teoria e crítica. Tese de Livre Docência. Faculdade

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Como explica Aurora Tomazini de Carvalho15, são dois os pontos de vista sobre a aplicação, conhecidos como: (i) teoria declaratória e (ii) teoria constitutiva. Enquanto para a primeira, o ato de aplicação é declaratório do fato jurídico e da relação jurídica, para a teoria constitutiva, um fato só existe juridicamente quanto relatado em linguagem competente.

2.3.2 Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico

Na Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico ou Teoria de Paulo de Barros Carvalho16, a incidência não é automática nem infalível à ocorrência do evento, diferenciando o plano do direito positivo do plano da realidade social, de maneira que não se confundem as consequências jurídicas com as consequências sociais.

Para Paulo de Barros Carvalho17 “não se dará a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina. As normas não incidem por força própria”. Além disso:

Onde houver direito haverá sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão. Pois bem, para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeito de direito que dele, fato, se irradia, necessária se faz também a existência de uma linguagem: linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relate o vinculo jurídico que se instala entre duas ou mais pessoas. (p.12)

Segundo Paulo de Barros Carvalho18, a eficácia jurídica é mecanismo de incidência, afirmando, deste modo, que:

Eficácia Jurídica é a propriedade do fato jurídico de provocar efeitos que lhe são próprios (“a relação de causalidade jurídica” na linguagem de Lourival Vilanova). Não seria portanto atributo da norma, mas sim um fato previsto pela norma. Entretanto, como de regra de direito é a causa mediata dessa capacidade de gerar resultados, temos de reconhecer-lhe a

14 BALERA, Wagner. Processo Administrativo Previdenciário – Benefícios. São Paulo: LTr, 1999, p. 28. 15 CARVALHO, Autora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 426.

16 CARVALHO, Aurora Tomazini de,

op. cit., 2009, p. 415.

17 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência, op. cit., p.

11.

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“eficácia técnica”, pois é função de norma integrante do sistema positivo que o fato por ela juridicizado produz suas decorrências peculiares.

Enquanto que para Pontes de Miranda19 a incidência da regra jurídica ocorre como fato que cria ou continua a criar o mundo jurídico; é fato dentro do mundo dos nossos pensamentos.

A adoção da teoria de Paulo de Barros Carvalho como referencial teórico revela uma opção por um método que trabalha com a filosofia da linguagem, diferentemente da Teoria Clássica de Pontes de Miranda, que concebia a incidência como fenômeno do pensamento, de maneira que é fundamental perceber que se trata de dois modelos distintos de incidência das normas jurídicas, que não necessariamente se contrapõem, mas partem de premissas diferentes. Como ensina Aurora Tomazini de Carvalho20:

A teoria da eficácia de PONTES DE MIRANDA parte de um referencial para explicar o fenômeno da incidência e da aplicação do direito, enquanto a teoria do constructivismo lógico-semântico de PAULO DE BARROS CARVALHO parte de outro. São sistemas de referência diversos, que não se confundem, embora muitos autores se utilizem das proposições de um para criticar e tecer considerações a respeito do outro.

Outra noção importante para a compreensão da Teoria da Incidência de Paulo de Barros Carvalho é que a incidência e aplicação não seguem uma ordem cronológica, mas uma ordem lógica21, “uma vez que inexiste cronologia entre a verificação empírica do fato e o surgimento da relação jurídica” [...]. “Em um só tempo, constroem-se fato e relação jurídica, bem como ocorre à incidência e aplicação do ordenamento posto.”

A própria incidência é, no fundo, como adverte Paulo de Barros Carvalho22, uma operação lógica entre conceitos conotativos (da norma geral e abstrata) e conceitos denotativos (da norma individual e concreta), de maneira que incidir é aplicar a norma geral e abstrata ao caso individual e concreto. Também nesse sentido adverte Gabriel Ivo23:

19 MIRANDA, Pontes de, op. cit., p. 7. 20 CARVALHO, Aurora Tomazini de,

op. cit., p. 415.

21 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 278. 22Idem. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 152.

(32)

Separar os dois momentos como se um, o da incidência, fosse algo mecânico ou mesmo divino que nunca erra ou falha, e o outro, o da aplicação, como algo humano, vil, sujeito ao erro, é inadequado. É pensar que nada precisa de interpretação. E mais, a incidência automática e infalível reforça a ideia de neutralidade do aplicador. Assim, a incidência terá sempre o sentido que o homem lhe der. Melhor: a incidência é realizada pelo homem. A norma não incide por força própria: é incidida

Contudo, há de observar que uma vez constituído o fato jurídico, a imputação é automática e infalível por força da causalidade deôntica24.

Trabalhando com esse referencial teórico Paulo de Barros Carvalho distingue o

tempo e lugar do fato do tempo e lugar no fato, cuja compreensão é fundamental para determinar a legislação aplicável através dos marcos de tempo e espaço. Nesse sentido esclarece Aurora Tomazini de Carvalho25:

O tempo do fato é o instante em que o enunciado denotativo da hipótese normativa ingressa no ordenamento jurídico. É o momento em que o fato é constituído juridicamente. Geralmente no processo de positivação, isso se dá com a notificação da parte. O tempo no fato, por sua vez, é o instante a que alude o enunciado factual juridicamente constituído. É o momento descrito como aquele em que o evento se realizou. Nesta mesma linha de raciocínio, o lugar do fato é aquele onde o enunciado protocolar do fato jurídico é produzido. E, o lugar no fato é o ponto no espaço a que alude o enunciado factual, ou seja, o local descrito como aquele onde o evento se realizou.

Por outro lado, a Eficácia Social ou efetividade para Paulo de Barros Carvalho26 está relacionado com a produção das consequências desejadas pelo elaborador das normas, verificando-se toda vez que a conduta prefixada forma cumprida pelo destinatário.

Esse aspecto, segundo Paulo de Barros Carvalho27, interessa mais à Sociologia do direito do que à dogmática jurídica. Contudo, no âmbito do Direito Previdenciário, a própria efetividade ganha juridicidade, apresentando-se em vários enunciados. Ou seja, vem positivada, tanto na Constituição Federal como na legislação ordinária, de maneira que, na construção da norma jurídica de Direito Previdenciário, a efetividade interessa ao aplicador da norma, e é o que ocorre quando, no Direito Previdenciário, se fala em

24 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito.

op. cit., p.448

25Idem, ibidem, p. 538

(33)

fungibilidade dos benefícios por incapacidade. Nesse caso, o aplicador vai fazer incidir e aplicar a norma cujos efeitos sociais sejam mais benéficos ao segurado.

Mesmo na esfera administrativa, o segurado tem direito ao melhor benefício, e é o que garante o Enunciado nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social28 – CRPS, deixando clara a fungibilidade entre os benefícios, sendo que ela está diretamente ligada à questão de proteção social. Interessa ao sistema promover o bem-estar social, ou seja, é juridicamente relevante a eficácia social da norma previdenciária de proteção.

(34)

3 TEORIA DAS PROVAS

3.1 O conceito de prova no Construtivismo Lógico-Semântico

A partir do Constructivismo Lógico-Semântico, construiu-se um novo conceito de prova, ressaltando, mais uma vez, que os pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico aqui adotado representam um corte metodológico e, como bem adverte Paulo de Barros Carvalho1:

Certo é que o direito, tomado como um grande fato comunicacional, é uma concepção relativamente recente [...]. Situa-se [...] no marco da filosofia da linguagem, mas pressupõe interessante combinação entre o método analítico e a hermenêutica, fazendo avançar seu programa de estruturação de uma nova e instigante Teoria do Direito.

Um corte metodológico implica necessariamente numa tomada de posição, que delimita o objeto do presente estudo, ou seja, o conceito de prova fica adstrito aos limites do Constructivismo Lógico-Semântico, adotado como premissa desse trabalho. Não obstante, os demais conceitos construídos pela ciência do direito, dado o corte metodológico do qual falamos, não ingressam no presente estudo.

Assim, partindo da fenomenologia da incidência a partir do Constructivismo Lógico-Semântico, a incidência não é automática, mas depende do ser humano movimentando as estruturas do direito.

Essa movimentação exige a certificação da ocorrência do fato conotativamente previsto na hipótese da norma que se pretende aplicar, é o que ensina Fabiana Del Padre Tomé2. Trabalhando com a Teoria das Provas no Direito Tributário, já na introdução elucida a importância da linguagem:

Mas, para que o relato ingresse no universo do direito, constituindo fato jurídico tributário, é preciso que seja enunciado em linguagem competente, quer dizer, descrito consoante as provas em direito admitidas. Observa-se, aí, importante função da linguagem das provas no sistema do direito tributário. É por meio delas que se compõe o fato jurídico tributário, em todos os seus aspectos (conduta nuclear, tempo e

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espaço), bem como o sujeito que o pratico e a sua medida. O mesmo pode se dizer do ilícito tributário: somente com o emprego da linguagem competente, isto é, por meio de enunciados probatórios, configura-se o descumprimento de obrigação tributária ou de dever instrumental, desencadeando a relação jurídica sancionatória.

A Teoria da Prova assume um dos pontos centrais do direito, segundo Paulo de Barros Carvalho3, ao afirmar que reside no capítulo das provas o mecanismo fundamental para o reconhecimento dos fatos da vida social juridicizados pelo direito, lembrando que convém observar que:

A incidência requer, por um lado, a norma jurídica válida e vigente, por outro, a realização do evento juridicamente vertido em linguagem que o sistema indique como própria e adequada. Em tal acepção, quando se fala em incidência jurídico-tributária estamos pressupondo a linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas intersubjetivas, para organizá-las deonticamente. [...] de tal sorte que os acontecimentos do mundo social que não puderem ser relatados com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domínios do jurídico, por mais evidente que sejam.

Discorrer sobre as provas exige que sejam enfrentadas questões concernentes à composição do sistema jurídico, a caracterização do conhecimento e da verdade, a necessidade de decisão de conflitos e de regras que disciplinem o modo pelo qual se atinge aquela verdade, possibilitando a composição dos litígios.

No capítulo anterior, fez-se a análise do direito como sistema autopoiético e como fato comunicacional. Agora cumpre analisar o conceito de conhecimento e verdade para os fins deste trabalho.

Enfrentando a questão, Fabiana del Padre Tomé4 “ensina que conhecimento é saber distinguir as proposições verdadeiras das falsas” [...]. “Não são as coisas, portanto, verdadeiras ou falsas: os enunciados a elas referentes é que se sujeitam a essa espécie de valoração.”

Contudo, não existe conhecimento sem sistema de referência. Os objetos só adquirem significado dentro do sistema de referência, através das coordenadas de tempo e

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espaço. Dessa forma, conhecimento pressupõe a capacidade do ser humano, por meio do raciocínio e inferência, de construir uma linguagem válida para um determinado sistema.

Como adverte Aurora Tomazini de Carvalho5, cada pessoa dispõe de uma forma particular de conhecimento em conformidade com um sistema de referência adotado e condicionado por seus horizontes culturais.

A verdade, por sua vez, partindo dos pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico, não se dá pela relação entre a palavra e a coisa, mas entre as próprias palavras, ou seja, entre linguagens. Essa é a concepção adotada por Fabiana Del Padre Tomé6, renunciando, assim, à ideia de verdade objetiva:

A verdade não se descobre: inventa-se, cria-se, constrói-se. Não há verdade objetiva, isto é, uma verdade que possa reclamar validade universal. A verdade é sempre relativa. [...]. Tal conclusão decorre do fato de que, como para os adeptos da corrente filosófica denominada giro linguístico a verdade não se dá pela correspondência da proposição ao

objeto, não há que se falar em essências a serem descobertas. Sendo a própria linguagem que cria os objetos, inexistem verdades únicas e imutáveis. O conhecimento assim como a verdade, são construções linguísticas, sempre sujeitas a refutação por outras proposições. [...]. Nessa concepção, inexistem verdades absolutas. Todas são relativas: dependem do sistema em que se inserem, das condições de tempo e espaço.

A verdade, compreendida como construção linguística, é sempre relativa. Contudo, dizer que a verdade é relativa não significa negar a existência de afirmações verdadeiras, mas que depende do sistema de referencia adotado. É a chamada autossustentação da linguagem e está baseada no princípio da autorreferência do discurso, linha seguida pelas teorias retóricas. A linguagem se autorrefere e se autossustenta. Isto significa que ela não tem outro fundamento além de si própria7.

Outra teoria importante aplicada ao estudo da linguagem apresentada por Wittgenstein é a Teoria dos Jogos de linguagem que, segundo Aurora Tomazini de Carvalho8,

5 CARVALHO, Aurora Tomazini de,

op. cit., 2009, p. 23.

6 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, p. 15.

(37)

De acordo com a teoria dos jogos, todo jogo é composto por um conjunto de regras próprias, que o determina e o diferencia dos demais. É mediante o cumprimento destas regras que se joga o jogo e é por meio delas que sabemos qual o jogo jogado. Assim, para jogarmos um jogo temos que, primeiramente, aceitar suas regras e realizar cada jogada dentro do modelo estabelecido, caso contrário, ela não é aceita como uma jogada daquele jogo.

Contudo, como explica Sônia Maria Broglia Mendes9, a Teoria dos “jogos de linguagem” entende a linguagem como um instrumento que pode ser usado em diferentes atividades. Porém, adverte que, para Wittgenstein, nem a linguagem nem os jogos têm limites ou fronteiras precisas.

Segundo Fabina Del Padre Tomé10, pode-se identificar dois tipos de jogos: um infinito e outro finito. Enquanto na primeira espécie, objetiva-se continuar o jogo, na segunda almeja-se vencer. O ponto comum de ambos é a necessidade de que os sujeitos aceitem jogar, esclarecendo ainda como isso ocorre com o direito:

Os jogos finitos são disputados dentro de um jogo infinito. É o que ocorre com o direito, cujo sistema (jogo finito) encontra-se inserido no macrossistema social (jogo infinito). Nestes, os jogadores observam regras direcionadas à continuidade do jogo da vida, da existência social. Não obstante, podem participar de batalhas travadas no interior de jogos finitos, cujos ganhos e perdas são encarados apenas como um momento daquele jogo contínuo e pretensamente infindável. De outro lado, tomado o jogo finito como sistema de referência, cada vitória ou derrota representa o desfecho do embate: o vencedor recebe um título,

consistente no reconhecimento, pelos demais jogadores, de que foi vencedor durante aquele jogo particular.

Prosseguindo na Teoria das Provas, cumpre analisar a relação da verdade com o direito, sabendo que o Direito Positivo utiliza a linguagem prescritiva para emitir comandos e essa espécie de enunciado não se sujeita à valoração de verdadeiro ou falso, mas válido e não válido. Contudo, tanto as normas gerais e concretas como as individuais e concretas, não obstante configurem enunciados prescritivos e, portanto, sujeitos aos valores válidos e não válidos, são expedidas em conformidade com enunciados descritivos, os quais, por sua vez, submetem-se aos critérios de verdade e falsidade11.

9 MENDES, Sonia Maria Broglia, A validade jurídica e o giro linguístico. São Paulo: Noeses, 2007,p. 61. 10 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, p. 20-22.

(38)

Finalmente, antes de se ingressar na análise do conceito de prova no Constructivismo Lógico-Semântico, faz-se necessária a distinção entre evento e fato, pois

para aplicar as normas é preciso conhecer o fato, ressaltando que o que se denomina evento

é o acontecimento no mundo fenomênico, que se perde no tempo e no espaço, mas que deixa vestígios e marcas, através das quais se constrói o fato, ou seja, o enunciado, produto da enunciação.

Para Tácio Lacerda Gama,12 no seu pequeno glossário de instrumentos teóricos,

Enunciado, é o “conjunto de fonemas ou grafemas, organizados segundo certas regras, a

partir dos quais se formam proposições. É, também, o ponto de partida para a construção de proposições prescritivas.”

Paulo de Barros Carvalho13 destaca a importância a linguagem das provas na constituição do fato jurídico afirmando categoricamente que:

Fato jurídico por sua vez é aquele, e somente aquele, que puder expressar-se em linguagem competente, isto é, segundo as qualificações estipuladas pelas normas do direito positivo. [...] Transmitindo de maneira mais direta: fato jurídico requer linguagem competente, isto é, linguagem das provas, sem o que será mero evento, a despeito do interesse que possa suscitar no contexto da instável e turbulenta vida social.

Assim é através da linguagem das provas que é possível a formalização dos eventos, lembrando que, neste contexto, formalizar significa construir as normas individuais e concretas.

Desta forma, falar em linguagem competente e em formalização é verter a concretude existencial em construção linguística do fato jurídico e respectivas relações jurídicas14.

Ainda sobre a distinção entre fato e evento, Fabiana Del Padre Tomé15 destaca que

é prescindível a correspondência do fato ao evento em si, sendo suficiente que haja

correlação entre a linguagem que constituiu o fato jurídico e a linguagem das provas.

12 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São

Paulo: Noeses, 2009: Pequeno glossário de instrumentos teóricos, p. XLV.

13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método,

op. cit., p. 824.

14Idem, ibidem, p. 828.

15 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuições para a seguridade social: à luz da Constituição Federal, 1.

Referências

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