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QUALIDADE DE VIDA, DIREITO FUNDAMENTAL Uma questão urbana: A Função Social da Cidade

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JOÃO JAMPAULO JÚNIOR

QUALIDADE DE VIDA, DIREITO FUNDAMENTAL

Uma questão urbana: A Função Social da Cidade

DOUTORADO EM DIREITO

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JOÃO JAMPAULO JÚNIOR

QUALIDADE DE VIDA, FIREITO FUNDAMENTAL

Uma questão urbana: A Função Social da Cidade

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado (Direito Constitucional), sob orientação da Professora Doutora Maria Garcia.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA SÃO PAULO – 2007

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Banca Examinadora

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por processos fotocopiadoras ou eletrônicos.

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Aos meus pais:

João Jampaulo (in memoriam)

Maria do Carmo Campos Jampaulo

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Aos Mestres:

As oportunidades do convívio e dos ensinamentos recebidos demonstraram que a humildade é o cerne de toda sabedoria.

A Profª. Dra. Maria Garcia:

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RESUMO

O objeto do presente trabalho alude tema no âmbito do Direito Constitucional, envolvendo o estudo de um dos principais Direitos Fundamen-tais: o Direito à Vida, não em uma dupla acepção (direito de permanecer vivo e direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência), mas em uma tríplice acepção, onde se vislumbra a qualidade de vida como Direito Fundamental. O Texto Constitucional de 1988 vinculou qualidade de vida tão somente ao meio ambiente (art. 225). Analisando este dispositivo constitucional associado a questões como o princípio da dignidade humana em seu sentido material, quali-dade de vida urbana, desenvolvimento sustentável e ciquali-dade sustentável, isolou-se a isolou-seguinte questão: somente o meio ambiente é esisolou-sencial à (sadia) qualidade de vida?

Após abordar situações como a vida humana na cidade desde a antiguidade até os dias atuais, envolvendo passagens como o fenômeno urbano e o êxodo rural, deparamo-nos com a cidade atual, seu modo de vida e seus principais problemas. Surge assim, a Função Social da Cidade e a importância do Município na preservação da qualidade de vida como Direito Fundamental.

Os Direitos Fundamentais passam a figurar como centro do traba-lho, em especial, através da garantia imediata de sua aplicação. A Carta de 1988 não apresenta rol taxativo dos Direitos Fundamentais. Buscando na Cons-tituição esses direitos não enumerados em face de seu caráter incompleto e ina-cabado, da realização da Constituição e da figura da mutação constitucional, a qualidade de vida aflora como Direito Fundamental decorrente de uma interpre-tação sistêmica da Constituição, envolvendo o artigo 5° (direito à vida) e o artigo 225 (meio ambiente como essencial à sadia qualidade de vida), e pela abran-gência do § 2° do art. 5° da Lei Maior.

O tema – Qualidade de vida: Direito Fundamental – Uma questão urbana: A função social da cidade – aborda a qualidade de vida na cidade como um novo Direito Fundamental indicando os seus requisitos. As funções sociais da cidade ganham uma visão mais ampla, sem abandonar suas quatro funções gerais (habitação, trabalho, circulação e recreação). A justa distribuição de ser-viços públicos é instrumento para se garantir o direito à qualidade de vida, assim como são necessários mecanismos para a erradicação da pobreza e da margi-nalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Apresentando os conceitos existentes sobre qualidade de vida, é ofertada uma proposta de con-ceito da terceira acepção do direito à vida sob a ótica do presente trabalho. Para finalizar, destaca-se a cidadania como outro instrumento na busca e na defesa do direito à qualidade de vida.

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ABSTRACT

The subject of the present work refers to theme in the area of Con-stitutional Law. It includes the study of one of the main Fundamental Rights: the right to the life. This study is not about a double meaning as the right of remain-ing alive and the right of havremain-ing a worthy life regardremain-ing survivremain-ing. It’s about a tri-ple meaning where we recognize the quality of life as a Fundamental Right.The Constitutional Text of 1988 associated the quality of life merely to the environ-ment (art. 225). Analysing this constitutional dispositive and associating it with questions, as the principle of human dignity in its material sense, the quality of urban life, supportable development and supportable city, the following question was isolated: is only the environment essential to a healthy quality of life?

After approaching situations as human life in the city since the an-cient times until the present, including passages as the urban phenomenun and the rural exodus, we face the present city, its way of life and its main problems. In this way, the social function of the city arises and also its importance in preserv-ing the quality of life as Fundamental Right.

The Fundamental Rights begin to appear as the center of the work, and in special, through the immediate guarantee of its application. The Letter of 1988 doesn`t present taxable roll of Fundamental Rights. Searching in the Con-stitution for these rights we see that they are not enumerated due to several rea-sons. First, they present an incomplete and unfinished character. Second, it is due to the execution of the Constitution and it is also because of the picture of the constitutional mutation. In this way, the quality of life “appears” as Funda-mental Right due to a systemic interpretation of the Constitution, including the article 5o (right to the life), the article 225 (environment as essential to the healthy quality of life) and it is also due to the inclusion of paragraph 2º of art. 5o of the Major Law.

The theme is named “Quality of life: Fundamental Right – A urban question: the social function of the city”. It deals with the quality of life in the city as a new Fundamental Right showing its requirements. The social functions of the city gain a larger vision, without forgetting its four general functions (habita-tion / work / circula(habita-tion / recrea(habita-tion).The fair distribu(habita-tion of public services is an instrument to guarantee the right to the quality of life, as well as it’s necessary mechanisms to eradicate proverty and marginal life and the reduction of social and regional inequalities.Presenting the existent concepts about quality of life, it is offered one proposal of concept about the third meaning of the right to the life, according to the optics of the present work. To finish it is emphasized citizenship as another instrument of search and defence of the right to the quality of life.

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QUALIDADE DE VIDA, DIREITO FUNDAMENTAL Uma questão urbana: A Função Social da Cidade

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO I – A IMAGEM DA VIDA 5

1.1. Vida: Direito Fundamental 5

1.1.1. Vida e direito 5

1.1.2. Os Direitos Humanos Fundamentais 6

1.1.3. O direito à vida 8

1.1.4. Direito à vida: o seu duplo sentido na Constituição 10

1.1.4.1. O direito de permanecer vivo 10

1.1.4.2. O direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência 15

1.1.5. Uma nova acepção do direito à vida: a qualidade de vida 17

1.2. Pessoa humana e dignidade 17

1.2.1. A dignidade do (ser) homem 17

1.2.2. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana 21

1.2.3. Dignidade e qualidade de vida na Constituição 24

CAPÍTULO II – DOMEIO AMBIENTE E DA QUALIDADE DE VIDA 27

2.1. Do meio ambiente e o caput do artigo 225 da Constituição Federal 27

2.1.1. Primeiras considerações 27

2.1.2. Noção de meio ambiente 30

2.1.3. Definição de meio ambiente 31

2.1.4. Destinatários do meio ambiente 33

2.1.5. Decompondo o caput do artigo 225 da C.F. 34

2.1.5.1. Meio ambiente: bem de uso comum do povo 35

2.1.5.2. O meio ambiente e a qualidade de vida 37

2.1.6. Somente o meio ambiente não garante uma sadia qualidade de vida 39 2.1.7. Qualidade de vida urbana (ambiental) e desenvolvimento sustentável 42

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CAPÍTULO III – A VIDA HUMANA NA CIDADE 49

3.1. Uma volta ao passado 49

3.1.1. As origens da cidade antiga 49

3.1.2. A cidade antiga 50

3.1.3. A evolução das cidades no Brasil (O fenômeno urbano) 54

3.2. A vida campesina perde para o sonho urbano 56

3.2.1. O êxodo rural (Uma breve notícia) 56

3.2.2. A cidade e o seu modo de vida 58

3.2.3. A relação entre violência urbana e a falta de equipamentos públicos 63 3.2.4. A cidade, o medo (insegurança) e a qualidade de vida (Myra Y López) 71

3.3. A função social da cidade: uma questão urbana 81

3.3.1. A função social da cidade 81

3.3.2. Cidade e habitação 84

3.3.3. A questão urbana e a qualidade de vida 86

3.4. O Município e sua importância na preservação da qualidade de vida 91

3.4.1. O princípio constitucional da competência 91

3.4.2. Competências urbanísticas – considerações gerais 92

3.4.3. Competência urbanística municipal 94

3.4.4. Município e qualidade de vida 98

CAPÍTULO IV – A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 100

4.1. Os Direitos Fundamentais e sua compreensão 100

4.1.1. Localização histórica, evolução, conceito, características e classificação 100

4.1.2. A garantia de aplicação imediata dos direitos fundamentais 106

4.1.3. Direitos Fundamentais: um rol não taxativo 108

4.1.4. Os direitos não enumerados, o caráter incompleto e inacabado e a

realização da Constituição (K. Hesse) 112

4.1.5. Os artigos 5º e 225 e a qualidade de vida na Constituição Federal 120

CAPÍTULO V – QUALIDADE DE VIDA: DIREITO FUNDAMENTAL 123

5.1. Qualidade de vida (I) 123

5.1.1. Um novo direito fundamental 123

5.1.2. O direito à (sadia) qualidade de vida 125

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5.1.4. O planejamento como instrumento da qualidade de vida 131

5.2. Qualidade de vida (II) 135

5.2.1. As funções sociais da cidade (Habitação, trabalho, circulação e recreação) 135

5.2.2. Serviços públicos: justa distribuição e qualidade de vida 143

5.2.3. A erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades

sociais e regionais 148

5.3. Qualidade de vida (III) 153

5.3.1. Qualidade de vida: os conceitos existentes 153

5.3.2. Qualidade de vida: uma proposta de conceito 155

5.4. A cidadania como instrumento da qualidade de vida 157

5.4.1. Da cidadania 157

5.4.1.1. A qualidade de vida como prerrogativa da cidadania 159

5.4.1.2. O Estado Democrático de Direito e o exercício da cidadania

através da Participação Popular 160

5.4.1.3. Liberdade e participação: a amplitude da cidadania 167

5.4.2. Últimas considerações 169

CONCLUSÕES 171

(12)

INTRODUÇÃO

Um estudo para atingir o seu alvo deve se dar através de um processo seletivo, um isolamento temático denominado abstração. A maneira mais correta para se estudar Direito Constitucional será isolando os temas nele existentes, pois no complexo universo constitucional, nada pode ser exaurido e pesquisado de ma-neira absoluta. A assertiva é verdadeira, pois a linguagem se aproxima mas não toca o objeto, o que impede o seu esgotamento na pesquisa científica.

Todo estudo científico carece de um método correto. A ausência desse método poderá resultar em conclusões não corretas.

Foi assim, que através de um corte metodológico sobre o tema consti-tucional escolhido, isolamos o objeto geral deste trabalho, qual seja, a qualidade de vida como Direito Fundamental decorrente do próprio direito à vida (uma terceira acepção), para em um segundo momento, através de outro corte metodológico, re-duzirmos a questão exclusivamente ao enfoque da função social da cidade e do Di-reito Fundamental à qualidade de vida nos centros urbanos como objeto deste estu-do.

A utilização da filosofia como instrumento de pesquisa e estudo em qualquer modalidade científica é importante, posto que a ciência manifesta-se como uma camada da linguagem; o direito, enquanto ciência (em sentido amplo), trilha o mesmo caminho, buscando o seu suporte na Teoria Geral e na Filosofia do Direito. Importante ressaltar a relevância da linguagem na sua moderna acepção, onde a Lógica Clássica é utilizada para o discurso científico, assumindo a qualidade de metalinguagem ao falar do Direito Positivo, uma vez que ela, a linguagem científica, será sempre descritiva de seu objeto.

(13)

Através de critérios de seleção conseguidos por meio de vários cortes abstracionais, podemos dividir o direito em vários objetos isolados, que por sua vez poderão ser subdivididos em vários outros objetos. Essa metodologia possibilita que se chegue à unicidade do ponto pretendido, sem que com isso esgotem-se todas as possibilidades, vez que infinitas.

E é essa a função do operador do direito no momento de interpretar a Constituição, em especial para dela extrair os Direitos Fundamentais não enumera-dos (art. 5°, § 2°, CF). Para demonstrar qualidade de vida como Direito Fundamen-tal, utilizaremos além da pesquisa e um estudo sobre os Direitos Fundamentais (em especial o direito à vida), a linguagem com suas modernas concepções, através de investigações com a utilização dos recursos semióticos sobre as suas dimensões (sintático, semântico e pragmático), mas com os necessários cuidados.

O presente trabalho envolve o estudo de um dos principais Direitos Fundamentais: o Direito à Vida, não em uma dupla acepção (direito de permanecer vivo e direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência), mas em uma tríplice acepção, onde se vislumbra a qualidade de vida como Direito Fundamental.

Para tanto, em um primeiro momento, após abordar o direito funda-mental à vida e seu duplo sentido na Constituição (o direito de permanecer vivo e o direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência), apresentamos uma terceira acepção desse direito: a qualidade de vida. Para cuidar do direito à qualidade de vida foi imperioso adentrar no campo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

(14)

A importância da vida humana na cidade encaminhou um estudo para a vida na cidade desde a antiguidade até os dias atuais, envolvendo passagens como o fenômeno urbano e o êxodo rural, até depararmo-nos com a cidade atual, seu modo de vida e seus principais problemas como v.g., a relação entre violência urbana e a falta de equipamentos públicos e o medo como fator impeditivo da quali-dade de vida. Em face do Texto Constitucional de 1988, a discussão sobre a Função Social da Cidade ganha espaço, exigindo um complemento que apresentasse o Mu-nicípio e sua importância na preservação do direito à qualidade de vida, com enfo-que em sua competência constitucional legislativa na preservação desse Direito Fundamental.

Os Direitos Fundamentais passam a figurar como centro do trabalho, através de sua localização histórica, evolução, conceito, características e classifica-ção. Questão que se afigurou importante para o trabalho foi a da garantia imediata da aplicação dos Direitos Fundamentais e o fato de que a Carta de 1988 não apre-senta rol taxativo desses direitos. Buscando na Constituição esses direitos não enu-merados em face de seu caráter incompleto e inacabado, da realização da Constitui-ção e da figura da mutaConstitui-ção constitucional, a qualidade de vida aflora como Direito Fundamental decorrente de uma interpretação sistêmica da Constituição, envolven-do o artigo 5° (direito à vida) e o artigo 225 (mei o ambiente como essencial à sadia qualidade de vida).

O tema – Qualidade de vida: Direito Fundamental – Uma questão urba-na: A função social da cidade – aborda a qualidade de vida na cidade como um novo Direito Fundamental indicando os seus requisitos e abordando o planejamento como instrumento essencial.

(15)

desta-ca a necessidade de medesta-canismos para a erradidesta-cação da pobreza e da marginaliza-ção e a redumarginaliza-ção das desigualdades sociais e regionais.

Após a apresentação dos conceitos existentes sobre qualidade de vida, é ofertado pelo trabalho a sua proposta de conceituação: uma terceira acepção do direito à vida – qualidade de vida, Direito Fundamental. Para finalizar, destacamos a cidadania como outro instrumento na busca e na defesa do direito à qualidade de vida.

(16)

CAPÍTULO I

A IMAGEM DA VIDA

1.1 – Vida: Direito Fundamental

O tema vida, por si só, enseja várias discussões sob os mais diversos aspectos que envolvem o seu conceito, em face da sua amplitude e importância para todos os ramos das ciências.

Não se buscará aqui uma definição para o vocábulo vida, até para não se incorrer em equívocos que não conduzirão ao objeto do presente trabalho. A ta-refa, como se pode constatar, transcende os limites da ciência do direito.

1.1.1. Vida e direito

A vida pode ser entendida como um processo de evolução natural que se aperfeiçoa até a transformação para o estado morte. Tudo que interfere obstando esse curso espontâneo e contínuo contraria a vida.1 Noutro giro, ela é um direito inato adquirido já no momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, for-mando o embrião, portanto, intransmissível, irrenunciável e indisponível, onde o ho-mem tem o direito de gerenciar, administrar, defender e conservar a sua vida, mas dela não pode dispor. É por isto, o direito humano mais sagrado, consistindo no su-premo bem individual.

Por ser a vida o mais básico de todos os direitos, é correto afirmar que ela detém o caráter fundante, dando origem a todos os demais direitos humanos fundamentais. “Se trata de << el Derecho Fundamental esencial y troncal en cuanto es el supuesto ontológico sin el que los restantes derechos no tendrían existencia posible >> (STC 53/1985)”.2

(17)

A vida constitui-se em verdadeiro pré-requisito da existência dos de-mais direitos consagrados constitucionalmente, ou nos dizeres de José Afonso da Silva, “de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num des-ses direitos. No conteúdo de seu conceito se envolvem o direito à dignidade da pessoa hu-mana (...), o direito à privacidade (...), o direito à integridade físico-corporal, o direito à inte-gridade moral e, especialmente, o direito à existência”.3 Sem vida não há direito, pois a vida é fonte primária de todos os outros bens jurídicos.

Maria Garcia, ao cuidar da proteção e da inviolabilidade do direito à vida, segundo o artigo 5º da Constituição, traz importante ensinamento de John Hospers contido em sua obra Introdución al analisis filosofico (Madrid: Alianza Uni-versidad, 1984, p. 240): “Solo hay un derecho fundamental: el derecho del hombre a sua propia vida (todos los demas son consecuencias o corolarios) (grifado no texto).4

1.1.2. Os Direitos Humanos Fundamentais

Os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente co-nhecida, refletem um produto de várias vertentes como as tradições das diversas civilizações, os pensamentos filosófico-jurídicos, as idéias surgidas com o cristianis-mo e do direito natural. O ponto comum encontrado nessas fontes era a necessidade de “limitação e controle dos abusos do poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como re-gentes do Estado moderno e contemporâneo” (grifado no texto). “Assim, a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da idéia de constitucionalismo”. Porém, a constitucionalização dos direitos fundamentais significou a plena positivação desses direitos, permitindo ao cidadão, exigir sua tutela junto ao Poder Judiciário. Essa tu-tela judicial é a concretização da democracia. Por fim, pode-se concluir que a previ-são dos direitos humanos fundamentais busca a proteção da dignidade humana em seu sentido mais amplo.5

3 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 182.

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Os direitos humanos fundamentais foram sendo sedimentados passo a passo na história através de documentos denominados Cartas ou Declarações. Em princípio, esses documentos não possuíam o condão de vincular quem quer que seja. Posteriormente, algumas dessas declarações passaram a ter a forma de trata-dos internacionais, obrigando os países subscritores ao cumprimento de suas nor-mas.

A conquista mais importante dos direitos humanos fundamentais em nível internacional encontra-se consubstanciada na Declaração Universal dos Direi-tos do Homem, assinada em Paris na data de 10 de dezembro de 1948, subscrita pelo Brasil na mesma data de sua adoção e proclamação.6

Em seus 30 (trinta) artigos, a Declaração Universal dos Direitos do Ho-mem consagra vários princípios. É importante ressaltar que o direito à vida envolve também uma existência compatível com a dignidade humana e o direito ao repouso e ao lazer, direito à instrução e à vida cultural.

A Constituição de 1988 adotou esta terminologia (Direitos Fundamentais) para designar sua generosa Carta de Direitos. “Embora incorporados pelo direito positi-vo, os direitos fundamentais continuam a partilhar de uma série de características com o universo moral dos direitos da pessoa humana. Sua principal distinção é a positividade, ou seja, o reconhecimento por uma ordem constitucional em vigor”.7

6 O Brasil é ainda signatário com relação aos Direitos Humanos, para os fins deste trabalho, da Convenção

Ame-ricana Sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, de 22-11-1969 onde se consolida no Conti-nente um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais

onde se destaca o direito à vidae à dignidade. Mencionado tratado institui órgãos para conhecer esses assuntos

relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos. São eles: A Comissão Interamericana de Di-reitos Humanos e a Corte Interamericana de DiDi-reitos Humanos. Vide Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, pp. 37/39.

7 Oscar Vilhena Vieira, Direitos Fundamentais – Uma leitura da jurisprudência do STF, p. 36. “Ao servir de

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A natureza jurídica das normas que disciplinam os Direitos e Garantias Fundamentais é constitucional, se estiverem incluídos no texto de uma Constituição. Em regra, as normas que dispõem sobre os direitos fundamentais constitucionais são dotadas de eficácia e aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º, da CF). Porém, essa disposição de per si não seria suficiente se não houvessem mecanismos para reivin-dicá-las junto ao Poder Judiciário.

1.1.3. O direito à vida

Partindo da afirmativa que o direito à vida é inerente a toda pessoa humana, é necessário concluir que esse direito carece de uma proteção impositiva e obrigatória. A tutela estatal surge nesse quadro como o meio mais eficaz. O Estado, através da lei, deve proteger o direito à vida, pois ninguém poderá dela ser privado.8 Considerando ainda que o direito à vida é o primeiro direito das pessoas, as princi-pais Cartas e Declarações de Direitos atribuem à vida um lugar de relevo.9

Na história constitucional brasileira, as várias Cartas promulgadas, nem sempre de maneira expressa, tutelaram o direito à vida no rol dos direitos funda-mentais do homem. A Constituição Política do Império do Brasil (25-3-1824), em seu artigo 179, ao cuidar da inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos, não menciona o direito à vida expressamente, mas faz menção à segurança indivi-dual.10 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (24-2-1891), no caput do artigo 72 (Declaração de Direitos), seguindo a orientação da Constituição

8 Isidre Molas, Derecho Constitucional, p. 303. “La vida humana es reconocida como un bien que debe ser

protegido en todo caso y circunstancia. Nadie puede privar a la persona de su vida, que constituye su bien más preciado, base y fundamento de todos los otros bienes y derechos. Por esta razón, el Estado, debe proteger la vida humana (...) ”.

9 Isidre Molas, Derecho Constitucional, p. 303: “El derecho a la vida constituye el primero de los derechos de la

persona. Tal es la consideración que le dispensan las principales Cartas internacionales de derechos: la Declaración Universal de Derechos Humanos de 1948 (<<Todo individuo tiene derecho a la vida, a la libertad y a la seguridad de su persona>> art. 3), el Pacto internacional de derechos civiles y políticos de 1966 (<<El derecho a la vida es inherente a la persona humana. Este derecho estará protegido por la ley. Nadie podrá ser privado de la vida arbitrariamente>> art. 6.1) y el Convenio Europeo para la Protección de los Derechos Humanos y Libertades Fundamentales de 1950 (<<El derecho de toda persona a la vida está protegido por la ley>> art. 2.1)”.

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anterior, não garante expressamente o direito à vida, mas sim à segurança individu-al.11

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (16-7-1934), ao cuidar dos Direitos e Garantias Individuais, inova quando insere a tutela da sub-sistência. Ao prever de forma inovadora o direito à subsistência, a Carta de 1934 já acena para o duplo sentido do direito à vida (o direito de permanecer vivo, e, o direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência - art. 113, item 34).12 Já a Constituição dos Estados Unidos do Brasil (10-11-1937), ao cuidar dos direitos e garantias individuais no seu artigo 112 e acessórios, somente dispõe expressamente sobre a segurança individual. Contrariando as cartas anteriores, o mesmo artigo 112, item 13, admite a aplicação da pena de morte nos casos previstos na legislação militar para os tempos de guerra, e mais, dispõe que a lei poderá prescrever a pena de morte para vários crimes.13

O direito à vida, de forma expressa, somente vai aparecer pela primeira vez na Constituição dos Estados Unidos do Brasil (18-9-1946), onde o caput do artigo 141, que inaugura o capítulo destinado aos Direitos e Garantias Individuais, assegu-ra a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, e a seguassegu-rança individual.14 O mesmo ocorreu com a Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967, ao cuidar dos direitos e garantias individuais, em seu artigo 150, caput, quando assegura a

11 Alexandre Sanches Cunha, Todas as Constituições Brasileiras, p. 70: O artigo 72, § º 21, dispõe

expressa-mente a abolição da pena de morte, excetuado os casos de guerra, em conformidade com a legislação militar.

12 Alexandre Sanches Cunha, Todas as Constituições Brasileiras, p. 127: Essa Carta Constitucional veda a pena

de morte, exceto nos casos de guerra, p. 130.

13 Alexandre Sanches Cunha, Todas as Constituições Brasileiras, pp. 187/188: A previsão de pena de morte em

outras Cartas se fundava na legislação militar, apenas para tempos de guerra, ao contrário da carta de 1937: 13 – Não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes: a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro; b) tentar, com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter interna-cional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne ne-cessário proceder a operações de guerra; d) tentar, com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organiza-ção de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituiorganiza-ção; e) tentar sub-verter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabeleci-mento da ditadura de uma classe social; f) o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversi-dade.

14 Alexandre Sanches Cunha, Todas as Constituições Brasileiras, pp. 242 e 245. A Carta de 1946 repudia a pena

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inviolabilidade dos direitos concernentes à vida.15 E para encerrar essa breve via-gem pelos textos das Constituições brasileiras, dentre outras garantias fundamen-tais, a inviolabilidade do direito à vida vem assegurada expressamente no caput do artigo 5º da atual Constituição da República, promulgada em 05 de outubro de 1988.

1.1.4. Direito à vida: o seu duplo sentido na Constituição

A expressão direito à vida detém dupla acepção passível de tutela no texto constitucional.

A primeira diz respeito ao direito de permanecer vivo; já a segunda cui-da do direito de se ter uma vicui-da digna quanto à subsistência.

1.1.4.1. O direito de permanecer vivo

O direito de permanecer ou continuar vivo consubstancia-se no enunci-ado que tem por significenunci-ado o direito à existência.

A expressão direito à vida ensina que o “direito de continuar vivo, embora se esteja com saúde” é ligado “à segurança física da pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não, que possam ameaçar-lhe a existência”.16 Ou ainda, é “o direito de não

ser morto, de não ser privado da vida”.17

José Afonso da Silva coloca com precisão o significado de direito à existência: “Consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. Existir é o movimento espontâneo contrário ao estado morte”.18

15 Alexandre Sanches Cunha, Todas as Constituições Brasileiras, pp. 346/347. Também a Constituição de 1967

repudiou a pena de morte, excetuando os casos de guerra e a legislação militar (Art. 150, § 11).

16 J. Cretella Jr., Comentários à Constituição de 1988, Vol. 1, p. 183.

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Muito embora não seja o objeto principal deste trabalho, algumas pala-vras devem ser ditas com relação ao momento inicial da proteção da vida. A regra geral indica que o início desse direito é uma questão biológica.

A matéria não é pacífica e várias são as teorias para justificar o mo-mento inaugural da tutela da vida.

André Ramos Tavares, ao cuidar do momento inicial da vida, enumera as teorias da concepção adotada pela Igreja Católica; da nidação; da implementação do sistema nervoso; a verificação de atividade cerebral no feto; e, a teoria que exige o efetivo nascimento com a exteriorização do ser. E continua o mesmo autor: “Inde-pendentemente dessa polêmica que envolve posições bastante firmes no sentido assinala-do, ‘nada impede que o Direito confira aos pré-embriões a mesma proteção conferida à vida humana, concedendo-lhes, assim, valor idêntico’”.19

Alexandre de Moraes afirma que o início da vida deverá ser ditado pela biologia. “O início dessa preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biológico, caben-do ao jurista, tão-somente, dar-lhe o enquadramento legal, e, caben-do ponto de vista biológico, não há dúvida de que a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, re-sultando um ovo ou zigoto. Assim o demonstram os argumentos colhidos na Biologia. A vida viável começa, porém, com a nidação, quando se inicia a gravidez. Conforme adverte o bió-logo Botella Lluziá no próbió-logo do livro Derecho a la vida e institución familiar, de Gabriel Del Estal, Madrid, Eapsa, 1979, em lição lapidar, o embrião ou feto representa um ser individua-lizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe”(grifado no texto).20 Todavia, assevera que a Constituição protege a vida de for-ma geral, inclusive a uterina, “pois a gestação gera um tertium com existência distinta da

19 André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, pp. 400/401: “A teoria da concepção é adotada pela

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mãe, apesar de alojado em seu ventre. Esse tertium possui vida humana que iniciou-se com a gestação, no curso da qual as sucessivas transformações e evoluções biológicas vão con-figurando a forma final do ser humano” (grifado no texto).21

Já para José Afonso da Silva, o tema início da vida não foi enfrentado diretamente pela Constituição de 1988. “Houve três tendências no seio da Constituinte. Uma queria assegurar o direito à vida, desde a concepção, o que importava em proibir o aborto. Outra previa que a condição de sujeito de direito se adquiria pelo nascimento com vida, sendo que a vida intra-uterina, inseparável do corpo que a concebesse ou a recebes-se, é responsabilidade da mulher, o que possibilitava o aborto. A terceira entendia que a Constituição não deveria tomar partido na disputa, nem vetando nem admitindo o aborto. Mas esta não saiu inteiramente vencedora, porque a Constituição parece inadmitir o abor-tamento. Tudo vai depender da decisão sobre quando começa a vida. A nós, nos parece que, no feto, já existe vida humana” (grifado no texto). Concluindo seu pensamento, o autor entende que a questão será decidida pela legislação ordinária.22

A Convenção Americana de Direitos Humanos de 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de1992 (Pacto de San José da Costa Rica), ao tratar do direito à vida, estipula que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. E mais. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção (art. 4º).

Em face do valor da vida humana, o ordenamento jurídico pátrio dela cuida atentamente em sede infraconstitucional. O Código Civil Brasileiro de 2002 dispõe em seu artigo 2º que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.23

O atual codex (e o código de 1916), de maneira clara cuida da proteção do desenvolvimento do embrião.

20 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, p. 88. 21 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, p. 90.

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Tal não significa que a tutela que se dá ao desenvolvimento do embrião possa ser entendida como vida na sua exata acepção do termo. “Trata-se de mais um valor que, tal qual a vida, encontra guarida no Direito”.24

Por serem bens jurídicos relevantes, a concepção e a fase embrionária gozam de tutela jurídica quer em sede civil, quer em sede penal. Tanto a assertiva é verdadeira que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), além de cuidar do direito à vida e à saúde das crianças e adolescentes, reite-rando o preceito constitucional, cuida com igual zelo da fase embrionária. Basta uma interpretação sistêmica entre o disposto nos artigos 7º, 8º e 9º do aludido estatuto para se extrair com segurança essa interpretação.

O artigo 7º busca garantir um nascimento sadio e harmonioso, medi-ante a efetivação de políticas sociais públicas. O artigo 8º, dentre outras disposições, incumbe ao poder público, propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. Para complementar, o artigo 9º prevê a criação pelo Poder Público e pelos empregadores de condições adequadas para o aleitamento materno.

Deve ser ressaltado que, embora a lei pretenda oferecer condições de saúde adequadas à criança, “parte desses direitos têm a mãe como titular, tornando-os relevantes para as discussões acerca dos direitos da mulher e dos direitos reprodutivos...”.25

Assim, é de fácil conclusão que o Estatuto da Criança e do Adolescente busca pro-teger o embrião em desenvolvimento.

O direito à existência (direito à vida), com igual zelo é tutelado na esfera penal. O Código Penal Brasileiro abre sua Parte Especial tratando dos Crimes Con-tra a Pessoa (Título I) e indica de forma preliminar uma hierarquia de valores, onde a vida é o primeiro e mais importante bem tutelado.26

23 No mesmo sentido era o conteúdo do artigo 4º do Código Civil de 1916: “A personalidade civil do homem

começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”. A única diferença é a substituição do vocábulo “homem” para “pessoa”.

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O Capítulo Primeiro desse Título é dedicado aos Crimes Contra a Vida, coibindo todas as formas violentas de interrupção do processo vital. O mesmo co-dex, excetuando a regra, apresenta como formas de exclusão de ilicitude (onde não há o crime), a legitima defesa e o estado de necessidade como forma de preservação da vida (Parte Geral).

O tema aborto reserva espaço para acaloradas discussões, inclusive com vários projetos em trâmite no Congresso Nacional, onde os debates assumem as mais variadas tendências. Porém, a regra penal é no sentido de que o mesmo é punido se provocado pela gestante ou com o seu consentimento (art. 124, CP). Tam-bém é passível de decreto aflitivo o aborto provocado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante (arts. 125 e 126, CP).27

No campo das exceções, o legislador penal, em algumas circunstânci-as, isenta o aborto de punição. As hipóteses vêm previstas nos incisos I e II do artigo 128 do Estatuto Penal. Admite-se o aborto terapêutico ou necessário, se não há ou-tro meio de salvar a vida da gestante. A segunda hipótese é denominada aborto sentimental ou humanitário. Tal se concretiza nos casos onde a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.28

Ainda sobre o direito de continuar vivo, merece algumas palavras, mesmo que a vôo de pássaro, a figura da eutanásia. O vocábulo eutanásia (morte bela, morte doce, morte suave e tranqüila) tem por conteúdo o direito a uma morte dig-na, sem sofrimento. A matéria gera inúmeras discussões por envolver emocional-mente a opinião e a compaixão pública, em face de um caso de padecimento

26 “A lei penal, com a sua provida e reforçada tutela, procura resguardar a incolumidade do indivíduo humano até

mesmo antes do seu nascimento, ou, mais precisamente, desde a sua concepção: não só protege a segurança ou conservação do ser vivo, nascido de mulher, como do germe fecundado no seio materno” (Nelson Hungria).

27 Sobre o tema vide José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, pp. 185/186, e André

Ramos Tavares, InCurso de Direito Constitucional, pp. 402/403.

28 André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, pp. 402/403: Doutrinariamente o aborto pode ser

classificado como: eugenésico (riscos para a prole, por predisposição hereditária, ou pela ocorrência de doen-ças maternas durante a gravidez que comprometam o feto, acarretando enfermidades psíquicas, corporais, ou deformidades e seqüelas permanentes); terapêutico (quando não houver outra forma de salvar a vida da

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roso. A eutanásia não possui no direito pátrio o status de exclusão de antijuridicidade ou ilicitude, sendo considerada crime de homicídio.29

O § 1º do artigo 121 do Código Penal Brasileiro prevê para o crime de homicídio, caso de diminuição de pena, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral.

Porém, conforme o caso concreto e em face do que dispõe a Exposi-ção de Motivos da Parte Especial do Código Penal, a eutanásia pode ser entendida como homicídio privilegiado (homicídio piedoso), ensejando a diminuição da pena de um sexto a um terço (art. 121, § 1º, CP).30

Por decorrência lógica, o direito à vida é antagônico à pena de morte. Conforme a sucinta análise dos textos constitucionais pátrios, a pena de morte é sempre vedada, excetuando-se sua aplicação em tempos de guerra e nos termos da legislação militar.31

1.1.4.2. O direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência

A segunda acepção do direito à vida que deve ser assegurada pelo Estado, é o direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência. Nesta sede, uma

29 Muito embora a eutanásia não seja excludente de ilicitude o Conselho Federal de Medicina publicou no dia 28

de novembro a Resolução nº 1.805/2006 que permite a prática da ortotanásia pelos médicos brasileiros. Conhe-cida como “morte no tempo certo” ela já é praticada há mais de uma década em vários países. Segundo os téc-nicos da área médica “a eutanásia é uma antecipação da morte através de um procedimento ou ação, sendo que

a morte vem imediatamente após o procedimento, seja ele uma injeção ou outra intervenção direta. Enquanto a eutanásia é a antecipação da morte, a ortotanásia é a morte na hora certa. O que significa isso: você não dá

ne-nhuma substância e nem tem ação direta, você apenas acompanha, observa, conforta, faz analgesia, sedação, mas não intervem nem para antecipar, nem para prolongar desnecessariamente o evento morte. Existe ainda, uma outra palavra chamada distanásia que é a morte artificialmente prolongada através de procedimentos e me-dicamentos. Então, entre a antecipação da morte que a eutanásia e o prolongamento que a distanásia, geral-mente sofrida, com dificuldade e dor, entre esses dois extremos, existe a ortotanásia” (Entrevista do Dr. Ro-berto D’Ávila, diretor corregedor do CFM e coordenador da Câmara Técnica da Terminalidade da Vida, con-cedida ao Portal Unimed). O tema é controverso e está longe de um consenso.

30 Não se pode olvidar, no presente caso, o disposto na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940: “Por

‘motivo de relevante valor social ou moral’, o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprova-do pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso aprova-do ho-micídio eutanásico)”. In Código Penal Brasileiro, Exposição de Motivos da Parte Especial, Dos Crimes Contra a Vida, item 39, p. 23. Editora Saraiva, São Paulo, 38ª Edição, 2000.

31 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 185: O autor destaca que essa posição se

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boa parte das opiniões doutrinárias praticamente se repete, com um ou outro acrés-cimo sobre o sentido do que vem a ser o direito à vida com uma subsistência digna.

Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky defendem que esse segundo desdobramento do direito à vida diz respeito às condições mínimas de sobrevivên-cia, onde se inclui o direito ao trabalho remunerado, habitação, saúde, alimentação, educação, lazer, dentre outros direitos. Destacam ainda a dignidade da pessoa hu-mana com a proibição da pena de morte e penas cruéis.32

Já para André Ramos Tavares, o direito a uma subsistência digna deve assegurar um nível mínimo de vida que seja compatível com a dignidade humana, incluindo para tanto, direito à alimentação adequada, moradia, vestuário, saúde, educação, cultura e o lazer. E conclui: “O direito à vida se cumpre, neste último sentido, por meio de um aparato estatal que ofereça amparo à pessoa que não disponha de recursos aptos a seu sustento, propiciando-lhe uma vida saudável”.33

Interpretação que se nos afigura um pouco mais arrojada e fundamen-tada sobre o direito à vida, no sentido de que esta deve incluir obrigatoriamente o direito a uma subsistência digna, é a ofertada por Alexandre de Moraes,34 que de-fende o direito a um nível de vida adequado com a condição humana, onde deverão ser respeitados os fundamentos da República (art. 1º, incisos II, III e IV, CF), e seus objetivos fundamentais (art. 3º incisos I, II e III, CF).35

Para finalizar o seu pensamento, sentencia o mesmo constitucionalista:

“Dessa forma, ao Estado cria-se uma dupla obrigação: - obrigação de cuidado a toda pes-soa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por

32 Leda Pereira Mota – Celso Spitzcovsky, Curso de Direito Constitucional, pp. 291/292: Justificando os

requi-sitos para as condições mínimas de sobrevivência, os autores destacam a questão do trabalho remunerado e o valor do salário a ser assegurado por lei (Art. 7º, IV, CF). Com relação aos demais direitos asseveram que a Constituição dedicou capítulos exclusivos, dentro da Ordem Social, “estabelecendo de comum entre eles o fato de surgirem como dever do Estado”. André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, p. 399. A título de uma leitura e um comentário crítico, segundo o nosso entender, essa interpretação busca um algo mais em favor da pobreza e não um entendimento isonômico que deve ser assegurado a todo o cidadão, de desfrutar o direito de uma subsistência digna.

33 André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, p. 399. 34 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, p. 87.

35 Os fundamentos da República a que se refere o autor, dentre outros, são acidadania, a dignidade da pessoa

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seus próprios meios; - efetivação de órgãos competentes públicos ou provados, através de permissões, concessões ou convênios, para prestação de serviços públicos adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir as deficiências existentes para um nível mínimo de vida digna da pessoa humana” (grifado no texto).36

1.1.5. Uma nova acepção do direito à vida: a qualidade de vida

Não obstante a propriedade com que os autores mencionados abor-dam o direito à vida em sua segunda acepção, a proposta deste trabalho vai além.

A vida com subsistência digna é apresentada de uma maneira muito tímida, e a doutrina encontra-se longe do espírito e da real vontade da Constituição, posto que ela oferece muito mais.

E como é possível extrair esse plus da Lei Fundamental?

Dela é possível extrair que o direito fundamental à vida, além de ampa-rar o direito de continuar vivo e o direito a uma subsistência digna, assegura que essa vida deve ter, de forma igualitária, qualidade de vida, pois “só a dignidade justifi-ca a procura da qualidade de vida”.37

A Constituição de 1988, também de maneira discreta, apenas uma vez menciona concretamente a expressão qualidade de vida, só que voltada exclusiva-mente ao meio ambiente (art. 225).38

36 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, p. 87/88: “O direito humano fundamental à vida deve

ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimenta-ção, vestuário, assistência médico-odontológica, educaalimenta-ção, cultura, lazer e demais condições vitais. O Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida adequada com a condição humana respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais.”

37 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 169.

38 Constituição Federal 1988 – Capítulo VI – Do meio Ambiente – Art. 225 – Todos têm direito ao meio

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A falta de arrojo do constituinte, em matéria de fundamental importân-cia, obrigará uma interpretação sistêmica para se extrair a real vontade da Constitui-ção, no que concerne à qualidade de vida, como Direito Fundamental.

1.2. Pessoa humana e dignidade

1.2.1. A dignidade do (ser)homem

O artigo 1º da Declaração Universal dispõe que todos os seres huma-nos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.

Porém, não se pode falar em dignidade da pessoa humana sem recor-rer à oportuna lição de Kant, que a coloca em um patamar inalcançável: <<Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio>>; <<No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outro como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade>>(grifado no texto).39

A dignidade é um atributo individual do ser humano. Em face do espí-rito individual que encerra a dignidade da pessoa humana, é possível afirmar que essa dignidade é da pessoa concreta, devendo ser considerada na sua vida real e cotidiana, ou seja, deverão ser considerados homem e mulher em seu dia-a-dia, pois em todo homem e em toda a mulher estão presentes todas as faculdades da huma-nidade. “É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege”.40

É por isso que existe diferença entre os conceitos de dignidade da pes-soa humana e dignidade humana. A primeira “dirige-se ao homem concreto e individu-al”, já a segunda, “está à humanidade, entendida ou como qualidade comum a todos os homens ou como conjunto que os engloba e ultrapassa”. 41

39 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 169, apud Kant In

Fundamentação da Metafísica dos Costumes, tradução Portuguesa, Coimbra, 1960, pp. 68 e 76.

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O autor afirma que a Constituição Portuguesa baseada na dignidade da pessoa humana, “afasta e repudiaqualquer tipo de interpretação transpersonalista ou sim-plesmente autoritária que pudesse permitir o sacrifício dos direitos ou até da personalidade individual em nome de pretensos interesses colectivos(sic)”. 42

Da mesma forma que a Constituição Portuguesa, a Constituição de 1988 apresenta como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), e não o termo amplo dignidade humana.

Assim, também a Constituição Brasileira afasta qualquer possibilidade de sacrifício de direitos ou da personalidade individual do homem, sob a justificativa de supostos interesses coletivos.

A Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, ao promulgar o primeiro texto com alcance universal, reconhece a dignidade da pes-soa e dos direitos essenciais ou fundamentais dela derivados.

A pessoa, em virtude de sua dignidade, converte-se em fim do Estado:

“o Estado está a serviço da pessoa humana e sua finalidade é promover o bem comum, para o qual deve contribuir criando as condições sociais que permitam a todos e a cada um dos integrantes da comunidade nacional a sua maior realização espiritual e material possí-vel, como da mesma forma, tendo o dever de promover a integração harmônica de todos os setores da Nação e assegurar o direito das pessoas a participar com igualdade de oportuni-dades na vida nacional”.43

Ainda falando sobre dignidade da pessoa humana como princípio fun-damental da Constituição do Brasil, Alexandre de Moraes assevera que “o direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República

42 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 169.

43 Humberto Nogueira Alcalá, A Dignidade da Pessoa e os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Uma

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Federativa do Brasil. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções trans-pessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual” (grifado no texto).44

A Constituição, fundada na dignidade da pessoa humana, faz da pes-soa fundamento e fim da sociedade e do Estado.45

Também merece destaque, ainda que breve, uma avaliação da digni-dade dentro da vida em comunidigni-dade, com a noção de tolerância, que é a capacidigni-dade de conviver com os opostos.

A tolerância não pode ser considerada como condescendência ou in-dulgência, mas o reconhecimento dos direitos humanos universais e das liberdades fundamentais de outrem. Tolerância não se confunde com alienação, desinteresse, indiferença, em especial quando essas dizem respeito à fome, à miséria e à falta de assistência por omissão.46

Essa idéia é totalmente antinômica com a dignidade da pessoa huma-na, como vista até aqui, uma vez que sumariamente pode-se dizer que em linhas gerais, a dignidade da pessoa humana é composta através do direito à vida, à liber-dade e à igualliber-dade, em especial no que diz respeito às oportuniliber-dades de moradia,

44 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, p. 60. É importante ressaltar: “O

prin-cípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade

de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do direito romano: honestere vivere (viver honestamente),

alterum non laedere (não prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido). Res-salte-se, por fim, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, re-conhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (grifado no texto). Ob. cit. pp. 60/61.

45 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 167. “Pelo menos, de

modo directo(sic) e evidente, os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos econômicos(sic), sociais e culturais comuns têm a sua fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas” (grifado no texto).

46 Ronald Amorim e Souza, Direito à Dignidade, pp. 407/408. Direitos Constitucionalizados (vários

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desassistên-educação, saúde, cultura, trabalho, lazer e outras necessidades que possibilitem uma vida com qualidade.

Dessa forma, podemos considerar a tolerância como o valor que dá a tônica na democracia, diferenciando-a dos demais modelos políticos. Sua base as-senta-se no respeito pela dignidade da pessoa humana e na diversidade das várias expressões políticas.47

1.2.2. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana

Ao dispor sobre os Princípios Fundamentais, a Constituição de 1988 apresenta como um dos fundamentos do Estado de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, C.F).

O conteúdo de dignidade, em um primeiro plano, é de natureza moral. Contudo, para Celso Ribeiro Bastos a “preocupação do legislador constituinte foi mais de ordem material, ou seja, a de proporcionar para as pessoas condições para uma vida digna, principalmente no que tange ao fator econômico”.48

Rodrigo Meyer Bornholdt, ao cuidar do princípio da dignidade humana, seu significado e funções, assim se pronuncia: “No dizer de Edílsom Farias, ‘o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana refere-se às exigências básicas do ser hu-mano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna, bem como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidades. Assim, o princípio em cau-sa protege várias dimensões da realidade humana, seja material ou espiritual’”.49

cia, com o alheamento ao universo de carência que se mostre próxima, remota ou circunde o que se supõe tole-rante”.

47 Paulo Otero, A crise do “Estado de direitos fundamentais”, pp. 194 e ss. Lições de Direito Constitucional em

homenagem ao Jurista Celso Bastos (vários colaboradores), Coordenadores – André Ramos Tavares, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins: existe atualmente “uma tripla inquietação em torno da rância e que se projecta(sic) sobre os próprios direitos fundamentais: existe a inquietação decorrente da intole-rância social de raiz étnica ou racial; a inquietação derivada da intoleintole-rância religiosa expressada no fundamen-talismo e a inquietação provocada em termos políticos pelo terrorismo (interno e internacional).

48 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, pp. 248/249: Destaca ainda o saudoso

constituciona-lista o aspecto da “dignidade da pessoa” como um repúdio a qualquer forma de humilhação em todos os senti-dos, o que entende como um acerto da Carta de 1988, “pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos, como, por exemplo, o econômico”.

49 Rodrigo Meyer Bornholdt, Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais, p. 85, apud

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Uma vez que esse princípio não deve ater-se a um único conceito polí-tico-filosófico, até pela sua abrangência, deve ser ele considerado um princípio aberto. Por ser um princípio aberto, a qualidade de vida, com toda a generosidade de interpretação que for possível lhe atribuir, deve ser levada em conta, uma vez que a dignidade da pessoa humana também busca uma vida com qualidade. Sem esse atributo, a vida não pode ser considerada digna em seu aspecto material.

Não obstante a pessoa deva ser vista como fim último da sociedade, é imperioso destacar que a preocupação de ordem material não diz só respeito ao fa-tor econômico. Igualmente devem ser levados em conta os direitos sociais e cultu-rais. Humberto Nogueira Alcalá, ao discorrer sobre a dignidade da pessoa humana e os direitos econômicos, sociais e culturais, escreve: “Os direitos econômicos, sociais e culturais participam das condições de verdadeiros direitos na medida em que tenham um reconhecido conteúdo essencial, ademais de serem disposições constitucionais de princípio, tudo o que tem por objetivo outorgar uma melhor qualidade de vida às pessoas”.50

Ao tratar dos princípios gerais do Direito e dos princípios constitucio-nais, Celso Ribeiro Bastos, em um primeiro plano, coloca a dignidade da pessoa humana entre os princípios gerais do Direito, juntamente com os princípios da justi-ça, da igualdade e da liberdade.51

O princípio da dignidade humana possui um potencial valorativo que se estende por todo o sistema jurídico. A sua importância também é destacada na via interpretativa, uma vez que a maioria dos direitos fundamentais, sejam eles expres-sos ou implícitos, deve fazer remissão à noção de dignidade humana. Dificuldades existem para se formular uma definição para dignidade humana. O seu significado é indeterminado, impreciso e vago. Todavia, alguns autores não se furtaram a essa tarefa.

50 Humberto Nogueira Alcalá, A Dignidade da Pessoa e os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Uma

Aproximação Latino-Americana, Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº 52, p. 18.

51 Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional, pp. 224/225. Na Constituição espanhola,

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Alexandre de Moraes, ao cuidar da dignidade da pessoa humana, colo-ca-a como um “valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a preten-são ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos” (grifado no texto).52

Ainda na busca de uma definição para o princípio da dignidade huma-na, Flávia Piovesan e Renato Stanziola Vieira valem-se da definição de Carmen Lú-cia Antunes Rocha, que assim se posiciona: “Dignidade é o pressuposto da idéia de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento. Por isso é que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou so-cial. Não se há de ser mister ter de fazer por merecê-la, pois ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré-estatal” (p. 04). Aliás, para a mesma autora, a dignidade hu-mana consubstancia verdadeiro ‘superprincípio constitucional’ (p.10); ‘norma-princípio matriz do constitucionalismo contemporâneo’ (p. 08)”.53

Segundo José Afonso da Silva, a Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os demais direitos fundamentais do homem, iniciando-se desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para cons-truir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais”.54

52 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, p. 60.

53 Flávia Piovesan, Temas de Direitos Humanos,apud Carmen Lúcia Antunes Rocha, O Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana e a Exclusão Social, texto mimeografado, em palestra proferida na XVII Conferência Naci-onal da Ordem dos Advogados do Brasil, Rio de Janeiro, 29 de agosto a 02 de setembro de 1999, p. 389/390, Nota de rodapé 437.

(35)

Para se chegar à qualidade de vida como direito fundamental, a digni-dade da pessoa humana será analisada em seu sentido material, ou seja, as exigên-cias básicas para que ao homem sejam oferecidos os recursos de que dispõe a so-ciedade para a mantença de uma existência digna e condições para o desenvolvi-mento de suas potencialidades, para assim, proporcionar às pessoas, condições para uma vida digna, acompanhando o que parece ter sido o espírito do constituinte de 1988, que abrange, inclusive, o fator econômico, sem olvidar que a pessoa hu-mana é o fim último de nossa sociedade.

1.2.3. Dignidade e qualidade de vida na Constituição

Não existe uma padronização ou uma diferenciação entre os autores, para que se possa delimitar ou fundir de uma vez o direito à vida em sua segunda acepção e dignidade humana em seu aspecto material.55 No âmbito normativo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, dentre outras abrangên-cias, destaca-se a garantia de condições adequadas de vida ao indivíduo, implican-do já uma atuação positiva implican-do Estaimplican-do, como uma sinalização para a busca da quali-dade de vida como direito fundamental.

Para alguns, o direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência, resume-se às condições mínimas de sobrevivência, onde incluem-se em linhas ge-rais, os direitos individuais e coletivos e os direitos sociais, tais como: o direito ao trabalho remunerado que possa propiciar vestuário, alimentação adequada, moradia, higiene, transporte (art. 7º, IV), habitação (art. 5º, XXIII), e de forma específica a saúde

(art. 196), a educação (art. 205), a cultura (art. 215) e o lazer (art. 217), dentre outros.56

Para outros, o direito a um nível de vida adequado com a condição hu-mana, deverá respeitar os fundamentos da República consistentes na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,

55 Direito à vida - segunda acepção (o direito de se ter uma vida digna quanto à subsistência). Dignidade

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(art. 1º, incisos II, III e IV, CF), e seus objetivos fundamentais consubstanciados na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento na-cional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º incisos I, II e III, CF).

Ao dizer que o constituinte de 1988 pecou pela falta de arrojo quando tratou da qualidade de vida na Constituição significa que o mesmo perdeu a oportu-nidade histórica de incluir na Lei Maior a qualidade de vida como direito fundamental e não só ligada ao meio ambiente.

Ao contrário do constituinte pátrio, a Carta Portuguesa avançou um pouco mais e, repetidas vezes, invoca a qualidade de vida, “ligada à efectivação(sic) dos direitos econômicos, sociais e culturais (art. 9º, alínea d)), à protecção(sic) dos concu-midores(sic) (art. 60º, nº 1), à defesa do ambiente e da natureza (art. 66º), à incumbência prioritária do Estado de promoção do aumento do bem-estar social e econômico, em especi-al das classes mais desfavorecidas (art, 81º, especi-alínea c)), aos objetivos dos planos de desen-volvimento econômico e social (art. 91º)”.57 Todavia, embora os portugueses liguem a qualidade de vida a vários outros direitos, também não a inseriram no rol dos direitos fundamentais.

Contudo, alerta Jorge Miranda para o fato de que a “qualidade de vida só pode fundar-se na dignidade da pessoa humana; não é um valor em si mesmo; muito menos se identifica com a propriedade ou com qualquer critério patrimonial”.58 Para finalizar, em nota de rodapé, o mesmo autor se reporta ao artigo 5º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de abril (lei de bases do ambiente), para buscar uma definição de qualidade de vida como: “referência a <<bem-estar físico, mental e social>> e a <<satisfação e afirmação culturais>>”.59

Para os fins deste trabalho, a questão é ainda mais ampla, o que moti-va a apresentação de uma visão com uma maior abertura e abrangência sobre o

56

Direitos individuais e coletivos (artigo 5º e seus acessórios da CF); Direitos Sociais (artigos 6º e 7º e seus

acessórios da CF).

57 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, pp. 174/175. 58 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 175.

59 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, p. 175, nota de rodapé nº

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tema. O direito à vida em sua segunda acepção, como direito fundamental que é, associado aos fundamentos da República e seus objetivos fundamentais, aos direi-tos individuais e coletivos, e aos direidirei-tos sociais, e mais, obedecendo-se, sempre, o princípio da dignidade humana em seu aspecto material, irá propiciar a compreensão da qualidade de vida com status de Direito Fundamental. Por ora, e para propiciar uma reflexão ainda inicial sobre o tema, é possível afirmar que a qualidade de vida, como direito fundamental irá ser composta e concretizada através da cidadania, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da garantia do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobre-za e da marginalipobre-zação e com a redução das desigualdades sociais e regionais.

Acresça-se a esses elementos os recursos disponíveis na sociedade e que possibilitem uma existência digna para que o homem possa desenvolver as su-as potencialidades, através dos direitos individuais e coletivos, e dos direitos sociais, garantindo-se, para tanto, o seu bem-estar físico, mental e social e a satisfação e afirmação culturais.

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CAPÍTULO II

DO MEIO AMBIENTE E DA QUALIDADE DE VIDA

2.1 – Do meio ambiente e o caput do artigo 225 da Constituição Federal

2.1.1. Primeiras considerações

Referências

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