PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ADELINA BRACCO
SIGNIFICAÇÃO EM INFOGRÁFICOS
DE IMPRENSA
Doutorado em Comunicação e Semiótica
Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica (Área de Concentração: Signo e Significação nas Mídias; Linha de Pesquisa: Análise das Mídias) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Ana Claudia Mei Alves de Oliveira
BANCA EXAMINADORA
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À memória de minha mãe, Edla e de
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profa. Dra. Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, pela dedicação e
condução criteriosa deste trabalho, incentivando a pesquisa.
À Profa. Dra. Diana Luz Pessoa de Barros e ao Prof. Dr. José Luiz Aidar Prado pelas
contribuições generosas dispensadas a esta pesquisa em meu exame de qualificação.
Aos professores do COS pela atenção que sempre me dispensaram.
À Secretária do COS, sempre pronta a me ajudar.
Aos meus irmãos Antonio e Luiza que me compreenderam e me apoiaram nestes anos
RESUMO
Esta pesquisa analisa infográficos publicados pela mídia impressa diária, procurando entender como eles constroem uma nova dimensão do discurso jornalístico, considerando sua característica de produzir efeitos de dizer verdadeiro e credível. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, cujo objetivo foi depreender regras gerais de organização dos infográficos, com vistas a determinar-lhes o estatuto semiótico, ou seja, a maneira como constroem a significação dos fatos da atualidade a que se referem. Nossa base metodológica foi a semiótica discursiva e seus recentes desenvolvimentos teóricos tais como a problemática do sensível e da estesia nos mais diferentes discursos, entendendo-se por estesia a condição de sentir o sentido. Para realizar a análise, foram adotadas, dentro da semiótica, as teorias dos sistemas semissimbólicos, dos regimes de interação e de sentido, da enunciação, da geratividade da significação e estudos sobre sincretismo da expressão. Os autores consultados com essa finalidade foram: Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, Eric Landowski, Jean-Marie Floch, José Luiz Fiorin, Diana Luz Pessoa de Barros e Algirdas-Julien Greimas. O corpus foi extraído das edições impressas dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, publicadas entre 2008 e 2011. Foi realizado um recorte de dezoito infográficos de várias dimensões e de diferentes editorias, adotando como critério de seleção as estratégias semissimbólicas, entendidas como produtoras de adensamento da esteticidade da narrativa jornalística. Foi aplicada uma mesma metalinguagem como crivo de leitura, a fim de interpretar como se estabeleceram as diferenças entre as formações infográficas, concentrando a atenção investigativa nas relações entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. Analisamos como os infográficos estabeleceram articulações com outras materialidades verbais e visuais no espaço biplanar da página em que se distribuem as relações topológicas, figurativas, enunciativas, narrativas e axiológicas. Trabalhamos com a hipótese de que tais artefatos podem ser considerados formações semissimbólicas sincréticas, com a realização de sentidos que extrapolam o convencional, processando o páthos engendrado pelos fatos com diferentes modos de enunciação. Na abordagem sobre o fazer interpretativo do enunciatário, a pesquisa sugeriu a existência de uma sobremodalização pelo regime de ajustamento, isto é, um sentir produtor de uma descoberta a partir de uma experiência vivida no embate discursivo com o meio impresso.
ABSTRACT
This research analyzes infographics published by daily printed newspapers trying to understand how they could introduce a new dimension to journalistic discourse considering its characteristic of building veridictory and credible saying effects. A qualitative approach was applied focusing on distinguishing general rules of organization of infographic structures with a view to establishing their semiotic status, that is, the way they produce signification from current facts they are related to. Our methodological support was that of discursive semiotics and its recent theoretical developments such as sensitive and aesthesis problematic regarding various types of discourses, aesthesis being considered as the condition of sensing the meaning. To carry out the analysis within semiotic field we turned to theories of semi-symbolic systems, interaction and sense regimes, enunciation, gerativity of signification and works on syncretism of expression. For that purpose the foundations of the study were the works of Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, Eric Landowski, Jean-Marie Floch, José Luiz Fiorin, Diana Luz Pessoa de Barros e Algirdas-Julien Greimas. The corpus was extracted from printed editions of Brazilian newspapers O Estado de S. Paulo and Folha de S. Paulo published between 2008 and 2011. A collection of eighteen infographics was formed with different dimensions and appearing on various news sections of the aforementioned papers. We adopted as selection criteria the semi-symbolic strategies understood as strategies capable of enhancing aesthetic density of journalistic narrative. We applied the same meta-language in our analytical approach in order to distinguish how different formations of infographics were constructed focusing our investigative attention on the relations between the plane of expression and the plane of content. We analyzed how infographics established links with other verbal and visual organizations found on the bi-planar space of a printed page in which topological, figurative, enunciative and axiological relations were distributed. We worked with the hypothesis that these infographics may be considered as syncretic and semi-symbolic formations conveying meaning that goes beyond conventional ones and processing the páthos of facts in different manners of enunciation. In relation to the interpretative doing on the part of the enunciatee this research suggested that there could be a further degree of modalization due to adjustment [ajustamento] regime, that is, a way of experiencing meaning emerging from a discursive interaction with printed media.
SUMÁRIO
Lista de tabelas ... 9
Lista de quadros ... 9
Lista de figuras ... 10
Mapa-gráfico Campanha na Rússia ... 64
Capítulo 1 - Visão geral da problemática dos infográficos... 11
Considerações iniciais ... 11
Primeiras abordagens ... 14
Possível emergência de um gênero ... 18
Investimento no /saber fazer/ ... 23
Tentativas de classificação ... 24
Constituição de um /saber fazer/ ... 29
Breve visão histórica ... 32
Origem controversa ... 35
Produção mundial ... 36
Capítulo 2– Arcabouço teórico 39 Ponto de partida ... 39
Diferenças entre sincretizações ... 46
Modos de coexistência da heterogeneidade sistêmica... 48
Topologia na distribuição do espaço biplanar ... 51
Estudo dos éthe ... 53
Dimensão figurativa e estésica ... 54
Programas narrativos em infográficos... 61
Exercício primeiro de análise... 62
Capítulo 3– Análise de infográficos: mesma data, mesmo tema ... 70
Queda do PIB / Folha (capa)... 71
Queda do PIB / Estado (capa)... 81
O voo 447 / Estado (capa) ... 98
O voo 447 / Folha (Cotidiano) ... 107
O voo 447 / Estado (Cid./Met.) ... 115
O ataque do Realengo / Folha (Cotidiano) ... 122
O ataque do Realengo / Estado (Cid./Met.) ... 131
Capítulo 4– Análise de infográficos: mesma topologia; diversos individuais 138
Mesma topologia: Estado / Folha ... 139
Individuais / Folha (Saúde) ... 150
Individuais / Folha (Mundo) Mineiros... 156
Individuais / Folha (Mundo) Zero... 163
Individuais / Folha (Ciência) Pasto... 168
Individuais / Estado (Vida &) Ociosos... 174
Individuais / Estado (Vida &) Universitário... 181
Individuais / Estado (Esportes) ... 186
Individuais / Estado (Especial) ... 192
Capítulo 5 200
Considerações finais... 200
Notas ... 209
Referências bibliográficas ... 212
Lista de tabelas ...
Tabela 1 Categorias de infográficos impressos (2012) ... 26
Tabela 2 Categorias de infográficos on-line (2012) ... 27
Tabela 3 Tipologia de pesquisa acadêmica ... 28
Tabela 4 Perda de vidas na campanha da Rússia / invasão 68
Tabela 5 Perda de vidas na campanha da Rússia / retirada 68
Lista de quadros Quadro 1 – Quadrado semiótico dos processamentos sincréticos ... 50
Quadro 1a – Esquema aproximativo dos processamentos sincréticos ... 51
Quadro 2 – Resumo Folha, 11/03/2009 (capa) ... 71
Quadro 3 – Resumo Estado, 11/03/2009 (capa) ... 81
Quadro 4 – Resumo Folha, 02/06/2009 (capa) ... 90
Quadro 5 – Resumo Estado, 02/06/2009 (capa) ... 98
Quadro 6 – Resumo Folha, 02/06/2009 (Cotidiano) ... 107
Quadro 7 – Resumo Estado, 02/06/2009 (Cid./Met.) ... 115
Quadro 8 – Resumo Folha, 08/04/2011 (Cotidiano) ... 122
Quadro 9 – Resumo Estado, 08/04/2011 (Cid./Met.) ... 131
Quadro 10 - Resumo Estado, 02/12/2008 (Nacional) ... 139
Quadro 11 - Resumo Folha, 17/11/2011 (Saúde) ... 139
Quadro 12 - Resumo Folha, 09/10/2009 (Saúde) ... 150
Quadro 13 Resumo Folha, 29/08/2010(Mundo) Mineiros 156
Quadro 14 - Resumo Folha, 03/09/2011 (Mundo) Zero .... 163
Quadro 15 - Resumo Folha, 03/09/2011 (Ciência) Pasto .. 168
Quadro 16 Resumo Estado, 10/10/2009 (Vida&) Ociosos 174
Quadro 17 - Resumo Estado, 10/10/2009 (Vida&) Universitário ... 181
Quadro 18 - Resumo Estado, 21/11/2010 (Esportes) ... 186
Lista de figuras
Fig. 1. Folha, palavra-chave ... 15 Fig. 2 Estado, palavra-chave ... 16 Fig. 3 O Globo, palavra-chave ... 16
Fig. 4 Le Monde, palavra-chave 17
11
CAPÍTULO 1 - VISÃO GERAL DA PROBLEMÁTICA DOS INFOGRÁFICOS
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A produção de infográficos hoje em dia é uma atividade bastante ampla e
diversificada. Ela serve a inúmeros propósitos, como os de divulgação de determinado
conhecimento especializado, de ensino e treinamento e de circulação de notícias.
Escolhemos pesquisar infográficos publicados na imprensa, não em todas as suas
modalidades, mas os de mídia impressa diária, mais especificamente, os dos jornais
Folha de S. Paulo (Folha) e O Estado de S. Paulo (Estado). Esses veículos de comunicação integram o rol de nossas atenções desde as primeiras incursões nos
estudos pós-graduados na PUC-SP.
Os infográficos despertaram nossa atenção pelo fato de poderem ser alvo de
nossa tentativa de semiotização, isto é, de uma operação tradutória a ser feita com uma
metalinguagem adequada, geradora, ao mesmo tempo, de um conhecimento sobre sua
significação.
O resultado da nossa busca, que consideramos ser um primeiro passo na direção
do entendimento da economia geral dos infográficos, encontra-se neste trabalho que
recortou um corpus de dezoito infográficos de diversas editorias.
Fizemos o estudo diretamente nas páginas impressas, mas as imagens aqui
utilizadas foram tiradas de réplicas digitais das edições pesquisadas ou cópias das
páginas existentes em bancos de dados. Em poucas vezes, com relação ao Estado, as imagens diferiram. Por isso foi necessário conferir o digital e o impresso, prevalecendo
12 Por último, observamos que não nos preocupamos com a questão da assinatura
do infográfico, apenas registrando a existência ou não do crédito no resumo que fizemos
antes de cada um, nas análises. No caso do Estado, pode haver simplesmente o crédito “Infográfico/AE”, ou essa designação e o crédito dos criadores. Na Folha, pode não haver assinatura ou constar “Editoria de Arte/FolhaPress” ou essa designação e o crédito
dos criadores.
A pesquisa que ora apresentamos baseia-se principalmente na análise de uma
coleção selecionada de infográficos dos jornais citados acima. Divide-se em cinco
capítulos, a saber:
Capítulo 1 – Visão geral da problemática dos infográficos
Capítulo 2 – Arcabouço teórico
Capítulo 3 – Análise de infográficos: mesma data, mesmo tema
Capítulo 4 – Análise de infográficos: mesma topologia; diversos individuais
Capítulo 5 – Considerações finais
Apresentamos a seguir as hipóteses de trabalho:
- A metalinguagem semiótica pode nos ajudar a entender como os infográficos
constroem uma nova dimensão do discurso jornalístico, no que tange à característica da
produção de efeitos de dizer verdadeiro e credível;
- Essas formações utilizam mais de um sistema de expressão para manifestarem
13 - Os infográficos estabelecem articulações sincréticas no interior de sua
formação e em relação a outros sistemas distribuídos no espaço biplanar da página
impressa;
- A rede de articulações que assim se organiza pode dar origem a um todo de
sentido do tipo semissimbólico e/ou simbólico;
- Há diferenças na construção do páthos dos infográficos dependendo das escolhas de organização de sentido feitas pelo enunciador jornal;
- O fazer interpretativo do enunciatário, pressuposto ao fazer persuasivo do
enunciador, é sobremodalizado pelo regime de interação e de sentido do ajustamento;
- Essa sobremodalização é que produz no ato de leitura das páginas da mídia
impressa um entrever dos fatos na sua ocorrência em ato;
- A apreensão a partir da leitura assim entendida pode ser considerada dotada de
consistência sensível que aciona a competência estésica do enunciatário, abrindo ao
14
PRIMEIRAS ABORDAGENS
Nos levantamentos iniciais que fizemos dentro desta pesquisa, procuramos
manter contato com profissionais de imprensa, sobretudo, aqueles que produziam
infográficos, na tentativa de entender, ainda que superficialmente, como era concebido
esse fazer nas redações e quais eram as suas especificidades.
Achamos oportuno realizar dois cursos de curta duração, para um conhecimento
mais sistemático, fora da área de semiótica, buscando subsídios para comparar teorias e
modos de produção, visando obter uma abordagem geral e diversificada do objeto de
análise1.
Notamos, durante os cursos, que os termos infografia/infográficos eram citados
em meio a outros, tais como visualização da informação, design da notícia, desenho da informação, notícia visual, gráfico de informação e outras variantes, como jornalismo
visual, jornalista visual e repórter visual.
Essa diversidade, contudo, não parecia constituir obstáculo para os profissionais
que trabalhavam na produção desse material. A propósito dessa constatação, podemos
citar Lucena (2011, p. 381), que pesquisou definições de infográficos, entre outros
temas, e diz que: “ao que parece, se é difícil conceituar academicamente uma infografia,
numa redação, parece não haver maiores dificuldades em compreender quando se diz:
‘vamos fazer um infográfico para esse assunto.”’
Ainda durante a fase inicial do nosso trabalho, apesar da variedade dos termos,
notamos que havia uma tendência de estabilização da designação em torno das palavras
15 Depois de refletir sobre essa questão, a evidência nos sugeriu a possibilidade de
emergência de um novo gênero discursivo, na concepção de Bakhtin. Antes de
esclarecermos nosso ponto de vista quanto a isso, forneceremos, abaixo, exemplos
tirados de portais de notícias nacionais e estrangeiros sobre o que consideramos
estabilização do termo infográfico ou infografia.
16 Fig. 2 - No Estado, encontra-se a produção com a palavra-chave Infográficos
18
POSSÍVEL EMERGÊNCIA DE UM GÊNERO
Recorremos a Fiorin para termos uma noção de gênero discursivo, nos moldes
da concebida por Bakhtin. Inicialmente, Fiorin destaca a interconexão entre a linguagem
e a vida social, base da noção bakhtiniana de gênero, ou seja, tipos relativamente
estáveis de enunciados, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção
composicional e um estilo (2006, p. 61 e 62):
a linguagem penetra na vida por meio dos enunciados concretos e, ao mesmo tempo, pelos enunciados a vida se introduz na linguagem. Os gêneros estão sempre vinculados a um domínio de atividade, refletindo suas condições específicas e suas finalidades. Conteúdo temático, estilo e organização composicional constroem o todo que constitui o enunciado, que é marcado pela especificidade de uma esfera de ação.
Embora Fiorin não fale especificamente de infográficos nas redações, refere-se,
entre outras atividades, às desenvolvidas em jornais e aponta que os gêneros estão em
constante mudança. Ele nos diz que (Ibid., p. 65)
não só cada gênero está em incessante alteração; também está em contínua mudança seu repertório, pois, à medida que as esferas de atividade se desenvolvem e ficam mais complexas, gêneros desaparecem ou aparecem, gêneros diferenciam-se, gêneros ganham um novo sentido. Com o aparecimento da internet, novos gêneros surgem: o chat, o blog, o mail, etc. [...]
Com base nessas duas colocações, podemos ter uma ideia da dinâmica dos
19 Ana Tereza Pinto de Oliveira (2003) realizou uma pesquisa acadêmica sobre
infografia, adotando o conceito bakhtiniano, considerando-a um novo gênero
jornalístico.
Essa autora analisou três infográficos publicados pela revista Superinteressante em 2000, 2001 e 2002 e, nessa aproximação ao tema, disse acreditar ter conseguido
indicar as dimensões constitutivas desse novo gênero e ter destacado sua
funcionalidade.
Fizemos esses registros a respeito da possível emergência de um gênero
discursivo – os infográficos ou infografias -- com o simples intuito informativo e de
esclarecimento, mas não caberá nesta pesquisa tratar desse tema.
Para completar nossa visão introdutória, achamos conveniente elencar algumas
definições de infográficos que encontramos durante as buscas.
Começamos pela definição dicionarizada no Dicionário Houaiss (on-line), que faz a distinção entre as classes de substantivo e adjetivo:
“infografia Acepções – substantivo feminino Rubrica: editoração, jornalismo. 1
gênero jornalístico que utiliza recursos gráfico-visuais para apresentação sucinta e
atraente de determinadas informações 2 [...] infográfico (subst.) Etimologia rad. info- (deduzido de informação) + grafia; [...]”
“infográfico Acepções – adjetivo 1 relativo a infografia – substantivo masculino
Rubrica: editoração, jornalismo. 2 apresentação de informações com preponderância de
elementos gráfico-visuais (fotografia, desenho, diagrama estatístico etc.) integrados em
textos sintéticos e dados numéricos, ger. utilizada em jornalismo como complemento ou
20 A diferença de classes apontada nesse dicionário não parece constituir problema
para os infografistas. Os termos infográfico e infografia, como apontamos, são
comumente utilizados.
Passaremos agora a definições dadas por profissionais de redação. Em um portal
destinado a discutir assuntos de interesse de infografistas chamado “Visualopolis”2,
define-se o termo como: “uso de apresentações gráficas – mapas, tabelas, estatísticas,
diagramas para comunicar.”
No “Manual de Infografia da Folha de São Paulo” observamos uma concepção
um pouco mais detalhada do que são esses constructos. Lê-se nele que infografia é “o
recurso gráfico que se utiliza de elementos visuais para explicar algum assunto ao leitor.
Esses elementos visuais podem ser tipográficos, gráficos, mapas, ilustrações ou fotos”3.
Na área acadêmica, Teixeira (2010, p. 18), líder de um grupo de pesquisas
voltado para o estudo dessa modalidade de comunicação, define o termo infográfico
jornalístico como:
uma modalidade discursiva ou subgênero do jornalismo informativo na qual a presença indissociável da imagem e texto – e imagem aqui aparece em sentido amplo – em uma construção narrativa que permite a compreensão de um fenômeno específico como um acontecimento jornalístico ou o funcionamento de algo complexo ou difícil de ser descrito em uma narrativa textual convencional.
Teixeira (Ibid., p.18) deixa clara sua discordância quanto à formulação de Cairo que explicitaremos adiante, referente ao conceito de infografia. Ela afirma que
“adotamos um conceito distinto daquele defendido por Cairo [...], por exemplo, que a
compreende como uma representação diagramática de dados.”
21 Um infográfico (ou infografia) é uma representação diagramática de dados [...]. Uma infografia não tem por que ser publicada por um “jornal” para ser considerada como tal. Qualquer informação apresentada na forma de diagrama – isto é, “desenho em que se mostram as relações entre as diferentes partes de um conjunto ou sistema” –é [grifo do autor] uma infografia. (Tradução nossa).
Por fim, acrescentamos à visão geral das definições, a do teórico e estudioso do
jornalismo Mario R. Garcia (1998), mesmo abrangendo somente infográficos
estatísticos. Na definição, o autor menciona o infografista Nigel Holmes:
O que é um infográfico? Praticamente, qualquer apresentação de estatísticas em forma gráfica constitui um gráfico informativo. Nigel Holmes, em seu livro “Designer’s Guide to Creating Charts and Diagrama” [...] descreve quatro tipos de infográficos -- de linha (quantidades, traçadas em um período de tempo, por meio de linhas ascendentes e descendentes); gráfico de barras (visualização de quantidades por meio de barras individuais); pizza, queijo ou pastel (a divisão do todo em seus componentes); e tabela (exposição de números ou palavras dispostos em colunas).5 (Tradução nossa)
Como se pode depreender, a definição contempla basicamente as produções
quantitativas. Garcia (Ibid.) faz um balanço crítico com relação a infográficos que ele considera “exagerados” e cujo texto aqui incluímos como ilustração:
Acabamos de sair da década [...] das infografias exageradas, grandes e impenetráveis, peças de museu, mais preocupadas em ressaltar o talento do infografista do que apresentar informação correta. Os melhores gráficos são os diretos, com um enfoque preciso do que querem comunicar, com poucos textos, em minha opinião, os pequenos e fáceis de captar visualmente em uma visada rápida.6
(Tradução nossa).
São exemplos que ilustram a problemática de definição do que sejam
22 estatísticos, como parece ser a preocupação dominante nos exemplos, pode se tornar
mais complexa se pensarmos na crescente disponibilização de dados para produção das
chamadas “reportagens de dados” ou “jornalismo de precisão” ou ainda “jornalismo
visual”.
Apenas para completar a informação sobre o crescente uso de dados, lemos com
relativa frequência em portais de notícias que tudo parece indicar que estamos assistindo
ao que os analistas chamam de advento do “big data” ou “monstruous data”7. São
expressões metafóricas para o que está sendo entrevisto como enunciação do mundo por
meio de grandezas numéricas.
Convém elucidar que, na nossa pesquisa, a preocupação foi menos com
definições e mais com relação à análise da rede de relações de sentido que o infográfico
pode tecer no espaço biplanar de uma página impressa (ou mais do que uma),
articulando-se com outras materialidades verbais e não verbais. Isso significa que
concebemos o infográfico como objeto semiótico, portanto, passível de uma análise
semiótica, de acordo com a metalinguagem dessa teoria.
Além de objeto semiótico, identificamos sua característica sincrética, pelas
articulações que estabelece com outras materialidades no espaço da página. No decorrer
da explanação do trabalho, teremos oportunidade de aprofundar esses conceitos.
A articulação das grandezas semióticas revelou-se bastante complexa e
produtiva. Entre essas grandezas estão as noções de desenvolvimento recente, como
“interação discursiva”, “ajustamento reativo”, “estesia”, “sincretismo da expressão” e
outras que ajudaram a iluminar o tema, tais como “programa narrativo”, “relações
semissimbólicas”, “categorias plásticas/da expressão”, “categorias semânticas/do
23
INVESTIMENTO NO /SABER FAZER/
Grandes jornais brasileiros estão investindo na capacitação de suas redações ou
contratando especialistas para assessorar na produção de infográficos, nas modalidades
impressa e digital.
Como nosso corpus é constituído de infográficos do Estado e da Folha, procuramos aqui fazer um breve balanço das iniciativas dessas redações concernentes a
essa atividade.
Jornalistas ou profissionais responsáveis por reformas/redesenhos gráficos do
Estado e da Folha deram declarações sobre o assunto por ocasião do lançamento das novidades editoriais. Vamos nos referir, brevemente, a alguns pontos, a seguir.
No Estado, a reforma culminou com a edição de 14/03/2010, no meio impresso e no portal. Na referida edição, o jornal informou que 41 dos seus profissionais tinham se
especializado em infografia, visando a desenvolver um trabalho que deixasse a leitura
(navegação) do jornal mais agradável [grifo nosso].
Na Folha, na edição de 23/10/2010 (Caderno “Novíssima”), em que se divulgou a reforma gráfica, foi sublinhada a preocupação em tornar a leitura mais fácil [grifo nosso].
Entendemos que, mesmo nesses breves apontamentos, podem se revelar visões
diferenciadas relativas ao modo de dar a conhecer os fatos do cotidiano nos dois jornais.
A primeira, no Estado, sugerindo uma orientação mais reflexiva; e a segunda, da Folha, uma orientação mais pragmática, de compreensão ágil.
Nas análises que desenvolvemos, surgiram pistas dessas constatações de estilo,
24 economia geral dos infográficos sob a luz da semiótica discursiva, não nos
aprofundaremos na questão relativa aos éthe dos enunciadores citados, embora falemos deles. Sobre esse assunto, recorremos a ponderações feitas por dois pesquisadores, José
Luiz Fiorin e Norma Discini (p. 53).
TENTATIVAS DE CLASSIFICAÇÃO
Há alguns anos, esses dois veículos vem participando de um concurso
internacional anual de infografia, organizado pela “Society of News Design”, seção
(capítulo) Espanha.
Os organizadores do prêmio, denominado Malofiej, estabelecem categorias para
enquadrar a produção infográfica enviada ao concurso, vinda de diversas partes do
mundo, tanto para impressos tradicionais como para a web, para celulares e, mais
recentemente, também para tablets.
Apesar do esforço de classificação, os organizadores admitem que a cada ano
surgem inovações, maneiras diferentes de apresentar a notícia na forma visual e, com
25 Fig. 5 – Jurados selecionam infográfico impresso (Prêmio Malofiej), na Espanha, em 2011
A foto acima ilustra a presença de um júri do Prêmio Malofiej e o processo de
escolha, no caso, entre os trabalhos de grande formato da mídia impressa. Já a avaliação
do material digital é feita em tela de computador, na qual são exibidos os infográficos.
Como ilustração do que mencionamos em relação às classificações,
confeccionamos as tabelas a seguir (Tab. 1 e 2), anunciadas para o 20º Prêmio Malofiej
26
Tab. 1 Categorias infográficos impressos (2012)*
1) Notícias de atualidade imediata
(Infográficos de notícias de última hora, publicados na data mais próxima ao fato descrito. Em revistas, só se admitem os trabalhos incluídos no número seguinte à data do acontecimento).
- Catástrofes naturais, acidentes e sucessos.
- Conflitos bélicos, terrorismo e ordem pública.
- Outros.
- Coberturas posteriores ao primeiro dia de publicação.
(Até, no máximo, cinco dias, no caso de diários, e, no número seguinte, no caso de revistas e semanários).
2) Reportagens
(Infográficos sobre temas de investigação ou acontecimentos que não sejam de atualidade imediata).
- Nacional e Internacional.
- Local.
- Economia e Negócios.
- Esportes.
- Ciência e Tecnologia, Medicina, Saúde.
- Viagens, Transportes, Motor, Meio Ambiente.
- Cultura, Espetáculos, Gastronomia, Estilo de Vida.
- Coberturas planejadas com antecedência a um evento.
3) Uma coluna
4) Uso continuado
(páginas fixas)
- Página do tempo.
- Gráficos de bolsa.
- Outros.
5) Critérios
- Integração na página.
- Uso de tipografia.
- Formato inovador.
6) Portfólios
(seleção entre cinco e dez gráficos)
- Portfólio de notícias de atualidade imediata.
- Portfólio de reportagens.
- Portfólio individual.
7) Promocionais
27
Tab. 2 Categorias de infográficos on-line (2012) (*)
1) Notícias de atualidade imediata
(Infográficos de notícias de última hora, publicados na data mais próxima ao fato descrito).
- Catástrofes naturais, acidentes e sucessos.
- Conflitos bélicos, terrorismo e ordem pública.
- Outros.
- Coberturas posteriores ao primeiro dia de publicação.
2) Reportagens
- Nacional e Internacional.
- Local.
- Economia e Negócios.
- Esportes.
- Ciência e Tecnologia, Medicina, Saúde.
- Viagens, Transportes, Motor, Meio Ambiente.
- Cultura, Espetáculos, Gastronomia, Estilo de Vida.
3) Critérios
- Usabilidade: ordem e facilidade de navegação.
- Desenho: tipografia, composição e estilo gráfico.
- Formato inovador.
4) Portfólios
- Portfólio de notícias de atualidade imediata.
- Portfólio de reportagens.
- Monografias e especiais.
5) Aplicações.
- Notícias de atualidade imediata para celulares.
- Notícias de atualidade imediata para tablets.
- Reportagens para telefones.
- Reportagens para tablets.
(*) Categorias resumidas, adaptadas e traduzidas por nós.
28 Para efeito de comparação quanto às iniciativas de montagens de tipologias de
infográficos, mostramos, a seguir, um exemplo proveniente de pesquisa acadêmica.
Reproduzimos, em forma de tabela (que adaptamos para os fins aqui expressos) a
classificação de Teixeira (2010, p. 41 e 42, 52 e 53). Essa autora sugere uma tipologia
de infográficos de imprensa baseada em dois grandes grupos: enciclopédicos e
jornalísticos, com os respectivos subgrupos.
Tab. 3 Tipologia oriunda de pesquisa acadêmica (*)
Infográfico (*)
Enciclopédico No grupo dos enciclopédicos, reúnem-se: os centrados em
explicações de caráter mais universal, por exemplo,
funcionamento do corpo humano; explicação de
fenômenos físicos, mecânicos e biológicos e
outros.
- Independente (não acompanham
reportagens ou notícias, tratando o tema por um
viés mais generalista e não raro, descritivos)
- Complementar (diretamente vinculados a
uma determinada notícia ou reportagem, para
melhorar a compreensão de algo).
Jornalístico Os jornalísticos “se atêm a
aspectos mais próximos da singularidade dos fatos,
ideias ou situações narradas”.
- Independente (forma diferenciada de
narrar um acontecimento jornalístico, através de
vários recursos que, em conjunto, compõem um
infográfico complexo, a reportagem infográfica)
- Complementar (costuma ser
indispensável à matéria, trazendo esclarecimentos
que se tornariam maçantes caso se utilizasse uma
narrativa convencional).
29 Sobre a divisão mostrada acima, Teixeira justifica o esforço de montagem de
uma tipologia mais ampla, apontando como objetivo o atendimento das necessidades de
ensino e orientação de práticas dos profissionais, não tendo, porém, o propósito de
transformá-la em grade apreciativa da produção infográfica.
CONSTITUIÇÃO DE UM /SABER FAZER/ ESPECÍFICO
Saber produzir um bom infográfico é uma questão que vem ganhando
centralidade nos debates entre os profissionais de imprensa. Para iniciar nossos
exemplos, reproduzimos, de um site especializado denominado “Visual Journalism”9,
um conjunto de regras que visariam à consecução desse propósito.
A característica geral desse conjunto de orientações, no nosso entendimento,
aproxima os infográficos de rotinas de produção de notícias, com a ressalva de que a
ênfase recai sobre o fato de ser uma apresentação visual.
Vejamos, então, as seis regras para um bom infográfico10 (Tradução nossa):
1. Um infográfico é, por definição, uma exibição visual de fatos e dados.
Portanto, nenhum infográfico deve ser produzido na ausência de informações
confiáveis.
2. Nenhum infográfico deve incluir elementos que não sejam baseados em fatos
conhecidos e provas disponíveis.
3. Nenhum infográfico deve ser apresentado como factual quando é ficcional
ou não baseado em suposições apuradas.
4. Nenhum infográfico deve ser publicado sem o crédito da fonte de
30 5. Os profissionais de gráficos de informações devem se recusar a produzir
apresentações visuais que incluam componentes imaginários que visem a
torná-los mais “chamativos” ou “espetaculares”. Editores devem se abster de
solicitar gráficos que não se atenham a provas disponíveis.
6. Infográficos não são ilustrações nem “arte”. Infográficos são jornalismo
visual e por isso regidos pelos mesmos padrões éticos que se aplicam a
outras áreas da profissão.
Pelo espírito que norteia essas regras, infográficos constantes no nosso corpus não estariam conformes, como é o caso do que trata da queda do avião da Air France
(pág. 90 e 107). Na ausência de informações sobre as circunstâncias de desaparecimento
no meio do oceano Atlântico, surgiram conjecturas que foram incorporadas à notícia.
Em contraste com as regras práticas que mencionamos acima, existem
formulações mais teóricas, de especialistas na construção de gráficos (isto é, no sentido
amplo, designando também infográficos), voltadas para uma apreciação do ponto de
vista da qualidade e da excelência. Um exemplo dos esforços nessa direção é o trabalho
de Tufte (2009, p. 51).
Para esse autor, existem os seguintes critérios de excelência11 (resumidos e
traduzidos por nós):
- Excelência gráfica é a apresentação bem elaborada de dados interessantes –
uma questão de substância, de estatística e de design.
- Excelência gráfica consiste em comunicar ideias complexas com clareza,
31 - Excelência gráfica é proporcionar ao espectador o maior número de ideias no
menor tempo possível, com o mínimo de tinta e no menor espaço.
- Excelência gráfica é quase sempre multivariada.
- E excelência gráfica exige que se diga a verdade sobre os dados.
Para Tufte, o exemplo do melhor gráfico estatístico seria o desenhado por
Charles Minard, sobre a campanha de Napoleão na Rússia. Considerando esse aval dado
ao trabalho, nós o selecionamos para uma primeira análise de articulação das grandezas
semióticas (Capítulo 2, pág. 62).
Isso porque, com base na campanha da Rússia (não no infográfico), o
semioticista francês Eric Landowski, um dos autores em que nos baseamos para a
análise, deu-nos um exemplo de colocação em prática de sua teoria dos regimes de
interação e de sentido, entre eles, o de ajustamento. Aproveitamos, ainda, para incluir o
comentário de Elias Canetti sobre a mesma campanha, analisando a fuga em massa dos
integrantes do exército francês.
Para finalizar esta visão geral, na pesquisa que fizemos sobre a diversidade de
fundamentos práticos e teóricos para a confecção de infográficos, encontramos uma
abordagem de natureza semiológica, não propriamente para infográficos, mas para
gráficos em geral (o que inclui mapas, diagramas e cartogramas), concebida por Jacques
Bertin.
Trata-se de um cartógrafo e teórico que se especializou no tratamento de dados
provenientes de amplas áreas do conhecimento. Em Semiology of Graphics, cuja primeira edição saiu em francês em 1967, tendo sido editada em inglês em 2011, pela
32 sistemas de signos, ou “linguagem” para os olhos (BERTIN, J. 2011, p. 2), o que muito
nos atraiu em razão de chamar a atenção sobre como o infográfico produz sentidos
sensíveis, para serem apreendidos, e sentidos inteligíveis, para serem compreendidos.
BREVE VISÃO HISTÓRICA
A história dos infográficos parece estar ligada à utilização e aperfeiçoamento do
uso de gráficos estatísticos. Tufte (2009, p. 9) aponta que os gráficos estatísticos
surgiram no período entre 1750-1800.
Hoje tão comuns nos noticiários de jornais impressos e on-line, entre outros
meios de comunicação, esses gráficos surgidos no século XVIII inspiraram-se no
sistema de coordenadas cartesianas, já conhecido na época, mas sem que fosse
prontamente utilizado para fins estatísticos.
Tufte atribui ao engenheiro escocês William Playfair (1759 – 1823) o
desenvolvimento ou aperfeiçoamento dos gráficos, no seu esforço por substituir tabelas
numéricas convencionais por representações visuais de uma “aritmética linear”. Playfair
é considerado o inventor do gráfico de barras (Ibid., p. 33), um dispositivo visual que atravessou os séculos, tornando-se presença constante quando se quer tornar simples e
eficaz a comparação entre quantidades. Playfair também utilizou gráficos de linha, de
uso bastante difundido. Nós incluímos alguns infográficos de linha na nossa análise
(como exemplo, ver págs. 71 e 81).
Wildbur e Burke (2001, p. 11-12), além de Playfair, mencionam também, como
(1728-33 1777), porém, sublinham que o primeiro foi, de fato, o inventor dos gráficos com séries
históricas, de barras, em formato de pizza, entre outros.
Wainer (2011, p. xi), prefaciando a obra de J. Bertin acima citada, também
credita a Playfair o começo de tudo em termos de gráficos estatísticos, pela autoria de
um “atlas” diferente dos que existiam até então, isto é, dos que continham apenas
mapas. O mencionado atlas, tido como a “bíblia” da visualização de dados, e cujo título
completo é The Commercial and Political Atlas, foi publicado em 1786 (primeira edição) e em 1801 (segunda edição). Houve uma terceira edição, publicada também em
1801, junto com uma obra complementar, o Statistical Breviary. Em 2005, a Cambridge University Press (de Nova York) republicou o Atlas e o Breviary, baseados nessa terceira edição.
Na introdução de sua obra, Playfair mostra-se confiante quanto aos efeitos que
os gráficos poderiam produzir em seus leitores. Um exemplo é esta sua consideração
(2005, p. xiv):
Quando se examina algum destes gráficos, tem-se uma impressão suficientemente distinta que permanece sem igual por certo período e a ideia que fica é simples e completa, incluindo, de uma só vez, duração e quantidade. Homens de grande prestígio ou ativos negociantes só precisam se concentrar nas linhas gerais; não sendo necessário dar atenção a detalhes, não mais do que às informações gerais; espera-se que, com a ajuda destes gráficos, tais informações sejam obtidas sem esforço ou dificuldades provenientes do estudo dos detalhes que as compõem.12 (Tradução nossa)
34 A
B
35 Para finalizar a contextualização histórica mundial, mencionamos que Wainer,
também no prefácio a Bertin, J. (op.cit. p. x) considera Sémiologie Graphique (ou Semiology of Graphics) o mais importante trabalho sobre gráficos desde a publicação do Atlas de Playfair.
ORIGEM CONTROVERSA
O surgimento da infografia no Brasil apresenta-se controverso. A pesquisa
realizada por Teixeira (2010, p. 24-26) nos informa que é recente a identificação
daquela que seria a primeira realização do gênero, no jornal Estado, edição de 18/08/1909. Teixeira nos relata também que a infografia denominava-se “A Navegação
Brasileira”, contendo uma série histórica em que apareciam figuras de cargueiros, em
diferentes tamanhos, como se fossem barras para comparação, retratando quantidades.
A mesma pesquisadora ressalva, porém, que O Globo sustenta ter publicado, em uma decisão pioneira, um infográfico na primeira página da sua edição número 1, de
1925, tratando do aumento da quantidade de automóveis no Rio de Janeiro.
Some-se à polêmica a informação de Teixeira de que Massimo Gentili, então
editor de arte da Folha, afirmou, em 2005, que o jornal foi o primeiro no Brasil a usar infográficos.
Nos anos 1990, segundo a pesquisadora, a presença da infografia tornou-se mais
36
PRODUÇÃO MUNDIAL
Considerando a produção de infografias no mundo, Cairo (2008, p. 49-50) relata
que as primeiras a surgir na imprensa foram mapas criados por anônimos e nelas se
podia apreender uma “certa falta de formação em cartografia”. O exemplo que ele
fornece é o do The Daily Courant, de setembro de 1702. Cairo também comenta a origem dessas construções noticiosas (Ibid., p. 50):
A visualização de notícias não nasce [...] como jornalismo e sim como arte. Seu primeiro objetivo não era melhorar a compreensão das informações, mas criar um impacto visual. Em geral, ressalvando-se as exceções, os grandes nomes da infografia jornalística até nossos dias eram cartógrafos, estatísticos, nem sequer jornalistas, eram desenhistas e artistas gráficos. Este fato, sem ser demérito, condicionou o desenvolvimento da disciplina e gerou uma tensão [...] entre as tendências estetizante e analítica, gerando um certo desdém (cada vez menor) que ainda se observa em muitas redações.13 (Tradução nossa).
Cairo informa que esse tipo de visualização na imprensa tornou-se comum a
partir do século XIX, quando os diários deixaram de ser compostos em colunas de texto
ininterruptas e passaram a incorporar elementos gráficos. Um exemplo citado é o da
guerra da Criméia (1853-1856) e, depois, da guerra da Secessão (1861-1865), quando
alguns diários enviaram ilustradores à frente de batalha para que retratassem os
acontecimentos e mandassem os trabalhos para as redações o mais rápido possível.
Nas observações que faremos a seguir, trabalharemos com esse autor, que tem se
dedicado ao ensino da infografia em universidades americanas e de outros países.
37 Uma das marcas do diário foi o mapa do tempo, criado por George Rorick, e que se
transformou em modelo para um sem número de jornais, em todo o mundo.
Contudo, Cairo considera o USA Today um paradigma ambivalente (Ibid., p. 53):
Não obstante, talvez por terem sido mal interpretados, os princípios visuais do USA Today também causaram um impacto negativo, pois ajudaram a fortalecer a concepção de infografia como pertencente à arte [grifo do autor] do diário e não, em primeiro lugar, como ferramenta informativa. O USA Today pretendia ser um jornal mais “ágil” que os tradicionais, mas essa filosofia, levada a extremos, teria consequências graves: a prioridade dos gráficos não seria informar, mas, antes de tudo, entreter [grifo do autor], chamar a atenção, ser agradável aos olhos. Sob esse prisma, os gráficos são ferramentas que “simplificam” a informação, colocando-se em segundo lugar o torná-la mais compreensível [...] 14 (Tradução nossa).
Um dos marcos do uso de infográficos, a partir de ferramentas tecnológicas de
edição por computador, foi a I Guerra do Golfo, em que, devido ao controle da
administração Bush (pai) sobre a imprensa, os jornais acabaram recorrendo a
construções infográficas para o /fazer saber/ dos acontecimentos. Na falta de repórteres
em campo e, na falta de fotos da guerra, a saída encontrada foi criar as enormes
pranchas que tomavam páginas e páginas, apresentadas com grossas setas indicando
combates. Cairo comenta que essa prática foi apresentada de maneira triunfalista, mas,
do seu ponto de vista, “foi um desastre”.
Segundo a opinião do citado, o balanço que poderia ser feito dessa solução seria
o de disseminação de meias verdades, exageros, detalhes inventados (Ibid. p. 55).
O momento atual, no seu entendimento, seria de consolidação do que se costuma
chamar de “jornalismo de precisão”. Cairo defende a incorporação da teoria da ciência
38 Por falar em gráficos estatísticos, que aparecem em poucos exemplares no nosso
corpus, consideramos interessante a colocação do filósofo Edgard Morin, com um comentário sobre diferentes visões a respeito desse tipo de quantificação. Lemos em
Morin (2010, p. 214):
Toda estatística comporta uma visão de duas categorias: na categoria dos indivíduos, acontecem a eventualidade, a desordem, as colisões; na categoria das populações, acontecem as regularidades, as probabilidades, as necessidades. É claro que a restauração da ordem e da previsão no nível estatístico não elimina a desordem e a imprevisibilidade no nível individual.
Essa possibilidade de duas concepções, com ênfase nas individualidades, nós a
39
CAPÍTULO 2 – ARCABOUÇO TEÓRICO
PONTO DE PARTIDA
Antes das considerações sobre a base teórica que utilizaremos, julgamos
importante deixar claro que, no princípio da seleção do corpus, tínhamos em mente trabalhar exclusivamente com a teoria dos regimes de interação e de sentido
(LANDOWSKI, 2009). Dessa forma, nas primeiras defrontações com os possíveis
objetos de análise, constituídos por infográficos de edições de jornais e de outros meios
de comunicação em plataforma digital, ainda na fase de decisão sobre a inclusão ou não
dela, fazíamos intuitivamente a seleção dos que poderiam ser mais rentáveis do ponto de
vista dos citados regimes.
Naquela ocasião, buscávamos infográficos que pudessem apresentar uma
construção além de um simples esquema descritivo, ou seja, que proporcionassem uma
“experiência” de sentido no frente a frente discursivo com a página impressa (a mídia
impressa foi a escolha que se consolidou). Em outras palavras, concentramos nossa
atenção nos que resultassem em uma leitura para além do simbólico.
Essa atitude em relação ao corpus acabou nos aproximando da teoria do semissimbolismo.
Na fase de qualificação, com as sugestões dos examinadores para
encaminhamento da análise e, depois, com a troca de opiniões na orientação, houve uma
associação de escolhas teóricas acabou desembocando no arcabouço que ora vamos
40 Nosso ponto de partida para a explanação da sustentação teórica que utilizamos
nas análises dos infográficos é a postulação fundamental de que a relação constitutiva
de todas as linguagens é a que se estabelece entre o plano da expressão e o plano do
conteúdo.
Assim, nossa primeira atitude foi abordar os infográficos como constituídos por
um plano da expressão e um plano do conteúdo, na condição de texto.
Lemos em Floch (2001, p. 9) que, para a semiótica, o sentido resulta da reunião
desses dois planos:
O plano da expressão é o plano onde as qualidades sensíveis que uma linguagem possui para se manifestar são selecionadas e articuladas entre elas por variações diferenciais. O plano do conteúdo é onde a significação nasce das variações diferenciais graças às quais cada cultura, para pensar o mundo, ordena e encadeia ideias e discurso.
Quando Floch se refere a linguagens não está se restringindo ao verbal ou ao
visual, mas a todas as manifestações que uma cultura pode produzir, entre elas,
entendemos, as narrativas da mídia impressa, articulando as dimensões verbal, visual e
espacial, isto é, possuindo natureza sincrética.
Foi com esse enfoque que buscamos entender a economia geral dos infográficos.
Podemos dizer que eles aparecem em grande número em, praticamente, todas as
editorias, com maior ou menor frequência, como constatamos ao fazer as seleções para
o corpus. Constatamos o fato, mas não foi nosso objetivo realizar uma pesquisa quantitativa sobre os infográficos.
Consequentemente, com base na postulação fundamental da semiótica, tentamos
41 cotidiano narrados na forma infográfica por jornais impressos diários com os quais
optamos trabalhar, isto é o Estado e a Folha.
Como se mencionou, o recorte que fizemos levou em consideração outro
conceito-chave para a semiótica, concernente à natureza da relação entre os dois planos
de linguagens, tal como estudada pelo linguista dinamarquês L. Hjelmslev e muito
desenvolvida pela teoria semiótica francesa.
Floch (Ibid., p. 28 e 29), na esteira dessas concepções, afirma que existem três grandes tipos de linguagem, segundo a natureza da relação.
Não cabe neste trabalho desenvolver uma explanação profunda sobre esses tipos,
mas iremos mencionar as diferenças existentes entre eles.
O primeiro tipo de linguagem é a simbólica, quando as relações intraplanos são
de conformidade total, ou seja, para cada termo da expressão corresponde um e somente
um termo do conteúdo. Exemplos conhecidos dessa relação são os semáforos e nós
acrescentamos, os sinais de direcionamento de fluxo existentes nas cidades, de
proibições de acesso etc. Ou seja, o plano da expressão dessas linguagens está conforme
o plano do conteúdo e os significados são, de imediato, compreendidos pelo público que
partilha as convenções.
Tendo em conta esse conceito, acreditamos ser lícito pensar na existência de
infográficos simbólicos, isto é, quando há conformidade intraplanos: cada termo no
plano da expressão correspondendo a um só termo no plano do conteúdo.
Por exemplo, um gráfico de linha, com as taxas de variação do PIB pode ser
entendido como a tradução exata de uma tabela numérica. Isolada, a narrativa verbal
convencional a ser construída a partir dessa visualidade não fugirá à comparação dos
42 pouco sobre a questão do semissimbolismo, se esse mesmo gráfico, instalado em uma
página impressa, estabelecer uma rede de relações de sentido com outras construções
discursivas dessa página, pode se tornar um gráfico semissimbólico e concretizar uma
outra dimensão do sentido. Damos exemplos disso nas págs. 71 e 81.
Dando prosseguimento à nossa explanação da base teórica, retomando a
classificação mencionada por Floch, enquadram-se, em um segundo tipo de linguagem,
os sistemas semióticos propriamente ditos, em que não há conformidade entre os dois
planos. Diante dessa característica, Floch observa que é preciso estudá-los
separadamente. Um exemplo desse segundo tipo são as línguas naturais.
O terceiro tipo, interdefinível entre os precedentes, é o que se denomina
linguagem semissimbólica ou sistema semissimbólico, como adiantamos acima. Essa
linguagem se caracteriza pela conformidade não entre termos isolados dos dois planos,
mas entre categorias da expressão, chamadas também categorias plásticas, e categorias
do conteúdo, chamadas também categorias semânticas, gerando significações fora do
convencional.
Reiteramos que é em torno desse conceito que procuramos encaminhar as
abordagens dos infográficos selecionados, desenvolvendo as análises no
estabelecimento das correlações intraplanos.
No nosso trabalho, buscamos nos pautar pelas construções infográficas que
tivessem esse “a mais” significante, ou, como diz Oliveira (2009, p. 97), que tivessem
“a força de quebrar os estereótipos e jogar para os ares as formulações convencionais no
seu contrapor-se às formulações simbólicas.”
Trataremos agora de outros aspectos do semissimbolismo empregados na
43 isomorfismo entre os dois planos da linguagem. Em outras palavras, isso quer dizer que
(Ibid, p. 23), “deve existir uma mesma metalinguagem para analisar tanto o plano do conteúdo como o plano da expressão”. Essa metalinguagem é a da semiótica. Ao
comentar o isomorfismo o autor relaciona-o ao semissimbolismo, como podemos
observar na seguinte passagem (Ibid, p. 23):
[...] o semissimbolismo é sempre uma relação do plano da expressão com o plano do conteúdo [...]. Ter uma metalinguagem que analise sob o mesmo aspecto, sob os mesmos critérios, o que acontece na expressão e o que acontece no conteúdo. No fundo é a criação de categorias.
Categoria, como nos explica Fiorin (2008, p. 58), é uma oposição que se
fundamenta numa identidade. Por exemplo, em um infográfico, se tivermos o vermelho
relacionado à vida e o preto à morte, teremos a relação cromática semissimbólica entre
as categorias vermelho vs preto no plano da expressão, homologada à categoria vida vs morte, no plano do conteúdo.
Na nossa visão, é no ir e vir interpretativo entre categorias da expressão e do
conteúdo que temos condições de apreender sentidos não convencionais existentes no
discurso, o que inclui o discurso infográfico. Essa prática interpretativa, porém, exige
reflexão e tentativas de busca de homologação das categorias entre os dois planos.
Pietroforte (2010, p. 9) dá o exemplo desse mecanismo no caso de uma pintura,
em que as cores quentes estão relacionadas a conteúdos do sagrado e as cores frias, a
conteúdos do profano. Assim concebidas, as cores formam uma categoria da expressão
44 categoria do conteúdo segurança vs risco (no caso dos trajetos do voo do avião da Airfrance que caiu no Atlântico (págs. 90 e 107).
Essa relação semissimbólica não envolve apenas o cromático, mas as categorias
da expressão topológicas, eidéticas, além das matéricas, relativas à textura e ao suporte,
como é o caso do papel-jornal, que participa da construção de sentido dos eventos
diários, cotidianos em impressos, segundo Oliveira.
Como dissemos, procuramos analisar a relação semissimbólica ao examinarmos
os infográficos, na tentativa de depreender adensamentos que, na nossa compreensão, seriam constituídos por uma espécie de dinamização de relações de grandezas
semióticas, como se estivéssemos em presença de uma consistência estésica,
pressupondo uma competência estésica, tal como postula Landowski (2005, p. 18).
Nessa obra, o autor define que consistência estésica é o conjunto de qualidades ditas,
elas mesmas, ‘sensíveis’ (especialmente de ordem plástica e dinâmica), que são
oferecidas à nossa percepção sensorial. Essas qualidades sensíveis oferecidas à
percepção do destinatário que lê o infográfico exigem, em contrapartida, uma
competência estésica, ou seja, uma aptidão para sentir desenvolvida na forma de hábito
de leitura do jornal (OLIVEIRA, 2008).
Procuramos desenvolver nossas observações analíticas inspirados também em
Gomes (2008, p. 60 e 61), que nos fala da viabilização do procedimento de análise. A
45 Partindo da observação dos elementos significantes, é necessário encontrar, no tratamento e no arranjo das formas, cores, texturas e suas disposições topológicas, os elementos pertinentes e suas oposições e contrastes, suas relações sintagmáticas que permitam uma segmentação, tornando possível a análise.[...]
Cremos que os infográficos recortados dos jornais impressos diários
componentes de nossa análise manifestam um todo de sentido na construção do fato da
cotidianidade, e nesses arranjos pudemos apreender o que pode ser visto como a
existência de consistência estésica a partir da noção de adensamento, oriundo da
dinamização de grandezas significantes. Salientamos que essa categoria consistência
estésica / competência estésica está na base do regime de interação e de sentido do
ajustamento, no caso do jornal, reativo, por se tratar de página impressa, com um
contato entre sujeitos em que um está previamente programado em um modo de
presença, uma alteridade, com a qual o enunciatário leitor interage.
Como antecipamos, trabalhamos com infográficos considerando seu contexto
sincrético tanto interno (intrassistêmico quando ocupavam o todo da página ou das
páginas e não entreteciam relações com outras materialidades verbais ou não verbais), e
com infográficos considerando o seu contexto externo (intersistêmico, quando
entreteciam relações com as demais materialidades noticiosas da página impressa).
Para abordar a questão do processamento do sincretismo, recorremos a um
estudo de Oliveira (2009), que analisa o sincretismo da expressão. Procuramos assimilar
alguns de seus conceitos-chave para a abordagem do nosso corpus. A seguir, resumiremos os conceitos desenvolvidos por essa pesquisadora sobre os diferentes
46
DIFERENÇAS ENTRE SINCRETIZAÇÕES
Oliveira aborda a problemática do sincretismo da expressão e suas correlações
no plano do conteúdo no estudo “A plástica sensível da expressão sincrética e
enunciação global” (2009, p.79 - 140). Ela aponta os esforços de pesquisa na construção
de uma metalinguagem para dar conta das manifestações com mais de um sistema
constituindo seu plano de expressão.
A postulação da autora segue a da teoria de que um objeto semiótico quando
formado por mais de um sistema de manifestação é denominado objeto sincrético. Foi
com base nessa conceituação que entendemos ser lícito pensar que os infográficos
selecionados para corpus são objetos sincréticos, pois reúnem diversas linguagens de manifestação, a saber: a gráfica, a tipográfica, a fotográfica, a cartográfica, a imagética
(imagens de satélite), de ilustração. Tem-se uma diversidade de materialidades verbais e
não verbais, em combinatórias no espaço da página, construindo o sentido dos fatos
que, por sua vez, constroem o mundo das linguagens articuladas sincreticamente que
constitui o jornal.
A autora comenta no estudo que a ênfase dada às análises centradas no plano do
conteúdo (isto é, estudos sobre o sincretismo do conteúdo) deixa de levar em
consideração o princípio básico de que (Ibid., p. 80):
47 Retomando a problemática da sincretização da expressão, citamos novamente
Oliveira que defende que o sentido de um objeto sincrético advém da integração
relacional de suas partes em uma só totalidade. Isto é, o processamento expressivo de
várias articulações intra e intersistêmicas.
Foi com essa inspiração que procuramos analisar os infográficos, com vistas a
articular categorias da expressão e do conteúdo, no esforço de identificação das
grandezas semissimbólicas.
Considera-se o papel-jornal integrante dos formantes da expressão pela
qualidade com que realiza o projetar das figuratividades, recorta o eidético tipográfico,
enfim, pelo que essa materialidade possibilita em termos da expressão que a define.
A natureza desse formante foi abordada por Oliveira no estudo “Jornal e hábito
de leitura na construção da identidade” (s/d). Nele, a autora identificou que a qualidade
significante do papel-jornal atua também “não só enquanto formante cromático, mas
também enquanto formante eidético, num uso que é da maior importância na
distribuição compositiva do verbal e do visual no espaço da página branca.” Vejamos
como ela coloca a questão:
48 As páginas dos dois jornais que examinamos são dois mundos de papel de
formato retangular que o leitor defronta na sua topologia, na medida da largura de seus
braços mais ou menos abertos e em que a cabeça e tronco do leitor estão tomados na
relação corpo a corpo que estabelecem, conforme tem mostrado Oliveira. Os
infográficos vivem nessa materialidade da página impressa.
MODOS DE COEXISTÊNCIA DA HETEROGENEIDADE SISTÊMICA
No estudo sobre a sincretização a que estamos nos referimos, Oliveira constata
que “elementos heterogêneos, ou seja, de diferentes sistemas, coexistem no uso em co
-presença [...]. (2009, p.81). Para dar conta dessa questão, a autora trabalha com o
conceito de neutralização. “Definimos que neutralizar é suspender, graduar as distinções
entre os traços para que atuem juntos quer na composição de formantes de mais de um
sistema, quer no arranjo de reunião destes pelos mecanismos e regras de ordenação de
vários sistemas.”
Oliveira observa que as oposições distintivas no interior dos termos de uma
categoria passam por processos de suspensão, diluição das distinções pertinentes com
graus variáveis de neutralização. A autora postula que essa constatação possibilitou um
avanço na abordagem da coexistência acima referida. Não vamos tratar nesta pesquisa
da questão da neutralização, o que ficará para um próximo trabalho, mas ela é
pressuposta em nossa abordagem.
Quanto à problemática das escolhas e usos do enunciador no sincretismo da
expressão, Oliveira comenta que ela se faz no âmbito do “pôr em discurso com uma
49 enunciação global. Esses estudos permitem dar conta das escolhas e usos do
enunciador.” (Ibid. p. 84).
Achamos oportuno apresentar mais adiante os tipos de processamento do estudo
de Oliveira (Ibid. p. 85) ressaltando que eles deverão nos auxiliar apenas para uma aproximação analítica do corpus de estudo.
Oliveira determina em seu trabalho quatro tipos de sincretismo e mostra neles
como são convocados os sentidos para operar especificidades decorrentes dos distintos
modos de neutralização dos traços em co-presença (Ibid. p. 95). É necessário notar que esta tipologia é geral e leva em conta não somente as sincretizações que podem ocorrer
no espaço biplanar da página impressa, mas se estendem para o audiovisual, gestual,
cinético etc.
A pesquisadora defende que o fato de um plano da expressão apresentar-se
sincretizado é sinalizador de escolhas do enunciador para a manifestação de conteúdos
ao enunciatário, para que este tenha uma “vivência estésica da plástica sincrética” (Ibid.
p. 92), que carrega fins específicos do fazer do destinador. “A dimensão plástica com a
dimensão estésica de seu processamento sensível se correlacionam à dimensão
figurativa. A figuratividade entreabre esses caminhos para se entrever a processualidade
da operação sensível da plástica sincrética.”
Para a autora, o propósito de desenvolver a tipologia de procedimentos de
sincretização tem por objetivo mostrar que os arranjos comportam, nos seus modos de
interação intersistêmica de materialização do sentido, os modos de sua apreensão
sensível, apreensão estésica, que são processados pela atuação de vários sentidos,
fundamentos da apreciação estética e ética. Inseparáveis na apreciação estética e ética,