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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 079124

Relator: MOREIRA MATEUS Sessão: 12 Junho 1991

Número: SJ199106120791242 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.

PROPRIEDADE HORIZONTAL TÍTULO CONSTITUTIVO

FRACÇÃO AUTÓNOMA PARTE COMUM PRESUNÇÃO

DECISÃO JUDICIAL FUNDAMENTAÇÃO

Sumário

I - A aplicação de um Assento do Supremo Tribunal de Justiça - como de qualquer norma legal - a uma determinada situação concreta, não e, em si, uma decisão que tenha de ser fundamentada, mas antes um dos possiveis fundamentos de direito de uma decisão, que tera ou não cabimento consoante a materia de facto que se tiver apurado.

II - O destino das fracções autonomas tanto pode ser estabelecido no titulo constitutivo, mediante declaração expressa, como resultar da forma como elas se encontram ai descritas, designadamente pelo que respeita as

caracteristicas das divisões que as integram, mas sem nunca se perder de vista o que constar da respectiva licença de habitação ou de utilização.

III - E licito, no titulo, afastar a presunção que decorre do n. 2 do artigo 1421 do Codigo Civil, afectando as partes ai referidas ou apenas alguma delas a uma ou outra fracção autonoma ou, inclusivamente, autonomizando-as, se as mesmas, para isso, reunirem os necessarios requisitos legais.

Texto Integral

Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça:

A e B, na qualidade de administradores do condominio do predio sito na Rua ..., em Lisboa, propuseram a presente acção com processo ordinario contra C e mulher D, alegando em sintese:

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- os autores e os restantes condominos são os actuais proprietarios das varias fracções autonomas que constituem o predio acima referido, que os reus

construiram e que, por escritura de 20/3/73, o reu marido submeteu ao regime de propriedade horizontal:

- do predio faz parte uma cave com acesso independente pela via publica, correspondente ao n. 34 A, e que na escritura da constituição da propriedade horizontal ficou a constituir a fracção autonoma designada pela letra "Z", com a seguinte descrição - "cave, totalmente preenchida por uma ocupação; tem uma ampla divisão e escritorio";

- no entanto, tal cave tinha obrigatoriamente de destinar-se a parqueamento privativo dos condominos do predio e, portanto, a uso comum;

- com efeito o predio foi construido num lote que os reus adquiriram, em hasta publica, a Camara Municipal de Lisboa, constando do respectivo regulamento entre outros, a condição de a cave se destinar "a estacionamento privativo", constando do projecto da construção que aquela autarquia aprovou que a cave se destinava a "estacionamento privativo dos condominos";

- e o mesmo consta do "acto de vistoria para utilização; que teve lugar no dia 20 de Junho de 1973;

- da mesma forma, do acto de vistoria que teve lugar no dia 15 de Novembro de 1972, com vista a constituição da propriedade horizontal, consta que podiam constituir-se em fracções autonomas: sete habitações com tres divisões assoalhadas: catorze habitações com quatro divisões assoalhadas e uma ocupação com mais de 100 m2 (loja do res-do-chão):

- constava ainda que deveriam considerar-se como partes comuns as que se acham discriminadas no artigo 1421 do Codigo Civil, figurando entre elas o ascensor, o monta-cargas, a habitação da porteira e o parqueamento da cave;

- dai que o acto de constituição da propriedade horizontal seja nulo na parte em que estipulou a constituição da referida cave em fracção autonoma;

- com efeito, foram violadas as disposições regulamentares a que estava sujeita a construção por força da venda em hasta publica, e que obrigavam a destinação da cave a um uso comum - ou estacionamento privativo;

- foi ainda violado o Decreto-Lei n. 38382, de 7/8/51, que aprovou o

Regulamento Geral das Edificações Urbanas, designadamente o paragrafo unico do artigo 3 e o artigo 8, e ainda o artigo 17 do Decreto-Lei n. 166/70, de 15 de Abril;

- foram ainda violadas as disposições camararias que impõem a

obrigatoriedade de os edificios com pelo menos oito pisos disporem de estacionamento de automoveis destinado aos utentes respectivos;

- a cave em referencia não podia, portanto deixar de nomear o qualificativo de garagem, destinada a seu uso comum.

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E dai que, em conclusão, peçam que se declare a nulidade parcial da escritura de 20/3/73, na parte em que estipulou que a cave do predio constitui fracção autonoma, com a consequente alteração registral e integração da cave nas partes comuns do condominio.

Devidamente citados os reus contestaram o pedido, começando por alegar que a questão debatida na presente acção estava igualmente em discussão noutra acção pendente no 11 Juizo Civel, o que importaria a sua absolvição da

instancia ou, pelo menos, a suspensão da instancia nos termos do artigo 279 do Codigo de Processo Civil, e ainda que os autores haviam decaido noutra acção pendente no 10 Juizo Civel em que o pedido e a causa de pedir eram identicos aos da presente acção, o que integraria a excepção do caso julgado, acrescentando, em sede de impugnação, que o acto de constituição de

propriedade horizontal, não violou qualquer dos preceitos legais apontados pelos autores, pelo que e inteiramente valido.

E concluiram em conformidade.

Na replica e na treplica as partes mantiveram e desenvolveram as suas posições anteriores.

Findos os articulados foi proferido o despacho saneador onde, depois de se julgar improcedente a excepção do caso julgado e de se indeferir o pedido da suspensão da instancia, se conheceu imediatamente do merito da causa, que foi julgada inteiramente procedente.

Interposto o competente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa foi aquela decisão confirmada por acordão de folhas 203 e seguintes.

E dai o presente recurso de revista em cuja alegação se formulam as seguintes conclusões:

1 - deve ser julgada procedente a excepção de litispendencia e os Reus, ora recorrentes, absolvidos da instancia (artigos 497, 498, 494, 1 alinea g),

493, n. 2 e 288, n. 1 alinea e) do Codigo de Processo Civil, ou, quando tal não seja entendido,

2 - deve ser suspensa a instancia nos termos dos artigos 276, n. 1, alinea c) e 279 do Codigo de Processo Civil;

3 - o acordão recorrido e nulo, nos termos da alinea b) do n. 1 do artigo 668 do Codigo de Processo Civil, aplicavel ex vi artigo 721, 2, 2 parte do mesmo

Codigo, porque não especifica os fundamentos pressupostos de aplicação ao caso do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 10/5/89;

4 - deve a acção ser julgada improcedente, porque: a) não e requisito constitutivo da propriedade horizontal o destino ou utilização que cada condomino pretenda dar a sua fracção ou o destino que o conjunto dos

condominos pretenda dar as partes comuns; b) os requisitos a que obedece a constituição da propriedade horizontal são os actualmente definidos nos

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artigos 1414 e 1415 do Codigo Civil; c) o destino fixado nas licenças

camararias não decorrem necessasriamente consequencias quanto a natureza juridicional das partes do predio; d) e os apelantes afastaram a presunção (ilidivel) do n. 2 do artigo 1421, do Codigo Civil, por escritura da constituição do predio em propriedade horizontal de 20/3/73, celebrada no 4 Cartorio Notarial de Lisboa; e) as normas do Regulamento Geral das Edificações Urbanas disciplinam os requisitos tecnicos dos projectos de construção, as condições para que possam ser concedidas licenças de construção e habitação e as sanções para as infracções ao conteudo das licenças, não impõem,

portanto, qualquer qualificação quanto a natureza juridica do predio; f) nem a vistoria municipal para constituição do predio em propriedade horizontal tira, nem tem que tirar, quaisquer conclusões quanto a natureza juridico-real das partes do predio, apenas tem que verificar se este tem ou não condições para ser dividido em fracções nos termos dos artigos 1414, 1415 e 1421, n. 1, do Codigo Civil: g) nem a utilização da fracção autonoma contra as normas camararias a transforma em parte comum, a não ser que se demonstre que a utilização requerida pela licença importa a natureza comum da fracção, o que não esta provado; h) nem e pela "transformação" da fracção autonoma em parte comum por sentença constitutiva que se garante a utilização conforme as prescrições camararias, ate porque isso não resolve os casos de

persistencia da utilização irregular; i) as disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas não são, pois, fundamento de anulação parcial do titulo constitutivo da propriedade horizontal; j) por outro lado, o assento não e aplicavel ao caso em apreço, pois ele pressupõe que o destino violador das normas camararias esteja exarado no titulo constitutivo, o que não e

manifestamente o caso, na escritura cuja nulidade e invocada nos autos; k) não se aplica ao caso dos autos o regime dos artigos 280 e seguintes, 292 e 294 do Codigo Civil, não so porque existem exigencias legais especificas quanto ao objecto dos negocios juridicos constitutivos da propriedade horizontal (artigo 1414 a 1416 e 1421, n. 1 do Codigo Civil) mas tambem porque a sanção para a violação dos requisitos constitutivos da propriedade horizontal não e o regime da nulidade nos termos do artigo 289, n. 1, do Codigo Civil mas a sujeição do predio ao regime da compropriedade (artigo 1416, 1 do Codigo Civil) regime esse que e o que melhor proteje os direitos dos condominos / proprietarios, independentemente da natureza unilateral ou multilateral do negocio constitutivo da propriedade horizontal; l) os apelados e condominos querem que lhes seja transmitido um direito que não pagaram por não ter sido incluido no preço declarado nas escrituras de compra e venda e por não fazer parte das declarações de vontade em que se consubstancia o contrato de compra e venda; m) decidindo como decidiu, o Meritissimo Juiz da

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1. instância e a Relação reconheceu aos apelados um direito que estes não adquiriram, permitindo um enriquecimento sem causa dos condominos muito para alem do predio de declaração parcial de nulidade da escritura; n) aplicar a jurisprudencia do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 10/5/89 a este caso implica tratar diferentemente casos identicos, ja que o acordão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n. 72356 - 2 secção, confirmou a legalidade de situação de predio identico, situado no n. 28 da mesma Rua; o) ao passar a licença de habitabilidade, a Camara Municipal reconhece as condições do predio para ser construido em propriedade

horizontal e esse acto não foi impugnado administrativamente, pelo que não poderia sancionar-se em sede do Direito Civil dos efeitos de actos

administrativos anteriores que so os Tribunais Administrativos deviam conhecer e decidir; p) os apelados não podem invocar a nulidade parcial do negocio juridico de propriedade horizontal, porque conheciam o eventual vicio e, sendo detentores de um direito de aquisição derivada, acabariam por

possuir um direito de propriedade maior do que a que eles foi transmitida (artigo 291, 3 do Codigo Civil); q) os apelados, interessados actualmente na impugnação da propriedade horizontal, com legitimidade para tal, não podem ser considerados interessados no negocio originario, negocio juridico

unilateral efectuado pelos apelantes;

5 - O Assento deve, ainda, ser declarado inconstitucional porque: a) na parte em que considera as disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e as normas camararias normas imperativas em sede juridico-real o Assento esta a inovar a ordem juridica existente, importando a derrogação dos artigos 1414, 1415, 1416 e 1421 do Codigo Civil; b) o Assento esta ainda a conferir natureza constitutiva, modificativa de extintiva de propriedade horizontal aos projectos da camara, editais camararios e normas do

Regulamento Geral das Edificações Urbanas, importando, assim, a derrogação do artigo 1417 do Codigo Civil; c) o Assento, na parte em que importa a

derrogação dos artigos 1414, 1415, 1416, 1417 e 1421, 2 do Codigo Civil, e inconstitucional, por aplicação dos artigos 3, 111, 113, 114, 1115, 5 do

CRP/89, devendo o tribunal recusar a sua aplicação nos termos do artigo 207 da CRP de 1989.

Os recorridos não contra-alegaram.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

Nas duas primeiras conclusões os recorrentes insistem na tese da procedencia da excepção da litispendencia de, quando tal não seja entendivel, que a

instancia seja suspensa nos termos dos artigos 276, n. 1, alinea c) e 279 do Codigo de Processo Civil.

Vejamos.

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Nos artigos 1 a 5 da sua contestação os ora recorrentes alegaram ter movido contra os condominos do predio em causa, anteriormente a propositura da pendente acção, uma acção de reivindicação da propriedade, restituição de posse relativamente a fracção "Z" do mesmo, da qual teriam sido por eles esbulhados, processo que corre termos no 11 Juizo Civel, sob o n. 4388 - 2 secção.

Na referida acção, contestada apenas por alguns dos reus, foi por estes deduzido um predio reconvenciavel no qual se pedia a nulidade da escritura de constituição de propriedade horizontal com os mesmos fundamentos que neste são invocados.

E dai que defendam que e na referida acção que devem ser decididas todas as questões que agora se suscitam.

Da referida acção apenas se mostra junta dos autos uma certidão da

contestação apresentada pelos reus, da qual se ve que os mesmos, arguindo embora a nulidade parcial do titulo constitutivo da propriedade horizontal, o fizeram por excepção e não por via reconvencional.

E dai que o acordão recorrido, verificando a inexistencia do elemento

"identidade do pedido" necessario a figura da litispendencia, tenha julgado improcedente a referida excepção.

A decisão esta correndo.

Com efeito, resulta do artigo 497 do Codigo de Processo Civil que as

excepções do caso julgado e da litispendencia pressupõem a repetição de uma causa e de que tanto uma como outra tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de repetir uma decisão anterior.

Por outro lado, deriva do artigo 498 do mesmo diploma que se considera

repetida uma causa "quando se propõe uma acção identica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e a causa de pedir".

Ora, não tendo na acção em causa sido deduzido qualquer pedido

reconvencional e manifesto, como se ponderou no acordão recorrido, que nunca poderia considerar-se existente a indispensavel identidade do pedido.

O unico pedido formulado na referida acção foi a dos autores, e entre o mesmo e o da presente acção não ha, manifestamente, qualquer identidade.

E certo que aquela excepção deduzida em processo pendente no 11 Juizo Civel podera eventualmente proceder, com a consequencia necessaria de

improceder a pretensão dos autores.

Mas com base em tal decisão jamais os reus-condominos poderiam obter a modificação da propriedade horizontal tal como esta resulta do respectivo registo uma vez que, para isso, e de harmonia com os artigos 2, alinea b) e 8, n. 1 do Codigo do Registo Predial, eles teriam de pedir simultaneamente a alteração do mesmo registo.

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E porque não formularam qualquer pedido reconvencional nesse sentido so em nova acção poderiam obter tal resultado.

Improcede, portanto, a primeira conclusão do recurso.

Mas, provando essa hipotese, os recorrentes dizem que, pelo menos, deve ser decretada a suspensão da instancia nos termos dos artigos 276, n. 1, alinea c), 279 do Codigo de Processo Civil.

Vejamos:

O n. 1 do artigo 279 do Codigo de Processo Civil dispõe que o Tribunal pode ordenar a suspensão da instancia, designadamente quando "a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra ja proposta".

A questão foi analisada nas instancias que a decidiram no sentido de que, a haver uma causa prejudicial em relação a outra, essa seria exactamente a presente acção e não a anteriormente proposta.

A decisão parece-nos correcta.

Com efeito se, como se viu ja, os condominos, mesmo a proceder a excepção arguida na acção proposta em primeiro lugar, jamais poderiam obter a

alteração da propriedade horizontal tal como a mesma consta do registo e obvio que uma tal decisão nunca poderia condicionar o julgamento da presente acção.

O contrario e que seria verdadeiro.

Alias, e mesmo que assim não fosse, o estado de adiantamento da presente acção em relação a anterior - que, ao que consta ainda nem sequer tem despacho saneador - sempre desaconselharia a suspensão -

- parte final do citado artigo 279 do Codigo de Processo Civil.

E dai que improceda igualmente a segunda conclusão do recurso.

Na conclusão terceira os recorrentes alegam a nulidade do acordão recorrido, nos termos da alinea b) do n. 1 do artigo 668 do Codigo de Processo Civil, ex vi do artigo 721, 2, 2 parte, do mesmo Codigo, "porque não especifica os fundamentos pressupostos de aplicação ao caso do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 10/5/89."

Vejamos.

No douto acordão recorrido, depois de se por em realce os factos essenciais

"apurados concluiu-se que, ao fazer-se constar do titulo constitutivo da propriedade horizontal que a cave do edificio constituia uma fracção

autonoma designada pela letra "Z", se violou o disposto nos artigos 3, 6 e 8 do Regulamento Geral das Edificações Urbanas aprovado pelo Decreto-Lei n.

38382, de 7/8/1951".

E, ao questionar as consequencias de tais infracções limitou-se a referir que tal problema havia sido objecto de dois acordãos contraditorios do Supremo Tribunal de Justiça - os de 21/12/82 e de 26/1/84, in Boletim do Ministerio da

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Justiça ns. 322, pag. 333, e 333 pagina 457, respectivamente - e que o diferendo havia sido resolvido pelo Assento de 10/5/89.

E, aplicando-se desde logo ao caso concreto, veio a confirmar a decisão recorrida.

Ora pretendem os recorrentes que do acordão recorrido deveria, sob pena de nulidade, demonstrar que estavam preenchidos todos os seus pressupostos, a saber:

- afirmação expressa no negocio constitutivo/titulo do destino da fracção autonoma, incompativel com as licenças camararias (destino exarado no titulo);

- incompatibilidade do destino da utilização fixada no projecto aprovado pela Camara Municipal com a natureza autonoma da fracção em causa, importando o destino imposto pelo projecto camarario a transformação jurídico-real da fracção autónoma em parte comum do predio.

Mas não tem razão.

Com efeito, e exacto que a alinea b) do n. 1, do artigo 668 do Codigo de Processo Civil comina de nula a sentença - do acordão - quando nela se não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Simplesmente , a aplicação de um Assento do Supremo Tribunal de Justiça - como, alias, de qualquer outra norma legal - a uma determinada situação correcta não e, em si, uma decisão que tenha de ser fundamentada nos autos um dos possiveis fundamentos de direito de uma decisão, que tera ou não cabimento consoante a materia do facto que se tiver apurado.

Assim, quando o julgador, por erro de aplicação, considere que um

determinado caso concreto e subsumivel a uma qualquer norma do Assento e julgue em conformidade, o que acontece e que esta a aplicar aos factos o regime juridico errado, com todas as consequencias que dai decorram, designadamente a de tal erro poder constituir fundamento de recurso.

Ora se, na hipotese sub-judice, o acordão da Relação aplicou erradamente do caso, tal como a materia de facto provada o define, aquele Assento do

Supremo Tribunal de Justiça competira a este Tribunal, nos termos do n. 1 do artigo 729 do Codigo de Processo Civil, fixar o regime juridico que julgue adequado.

E sem que seja necessario recorrer do regime das nulidades previsto no artigo 668 do Codigo de Processo Civil que, no caso, e inteiramente destacado.

Improcede, assim, a terceira conclusão do recurso.

Resolvidas as questões previas suscitadas no recurso importa agora apreciar as demais conclusões que se prendem com o direito da causa.

E, antes de mais, ha que enumerar os factos que o acordão recorrido deu como provados, e que são os seguintes:

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- em 20 de Março de 1973, por escritura publica, realizou-se a constituição de propriedade horizontal do predio sito na Rua João Ortigão Ramos, 34 e 34-A;

- o predio referido e constituido por cave, res-do-chão e sete andares, designados por fracções A a Z, inclusive;

- o predio esta descrito na Conservatoria do Registo Predial de Lisboa sob o n.

14076, a folhas 86 do Livro B - 41;

- a cave do referido predio tem acesso independente pela via publica, correspondente ao n. 34-A;

- o predio foi construido pelos reus;

- estes adquiriram a Camara Municipal de Lisboa, em hasta publica, o Lote 1588;

- foram dados como reproduzidos os documentos de folhas 9 e 10, 11 e 12 e 82 e 83;

- os reus venderam o referido predio, em regime de propriedade horizontal aos autores e outros condominos, os andares que fazem parte do predio.

A posição dos autores expressa na petição inicial pode esquematizar-se do seguinte modo:

- os reus construiram o predio urbano sito na Rua ...- Rua que anteriormente, e como se refere no acordão recorrido, se designava por Rua ... - tendo por base um projecto de construção aprovado pela Camara Municipal de Lisboa do qual resultava que a respectiva cave se destinava a estacionamento ou

parqueamento privativo, o que implicava a sua inclusão nas partes comuns do edificio;

- apesar disso o reu, ao constituir a propriedade horizontal do edificio, fez incluir a cave no elenco das fracções autonomas, com a designação de

"fracção

Z", afectando-a, portanto, ao uso exclusivo do respectivo proprietario;

- o titulo constitutivo da propriedade horizontal e, portanto, nulo nessa parte, por violação não so das disposições regulamentais a que estava sujeita a construção por força da venda em hasta publica, mas tambem dos artigos 3, paragrafo unico e 8 do R.G.E.U.

(Regulamento Geral das Edificações Urbanas), aprovado pelo Decreto-Lei n.

38382, de 7/8/51, 17 do Decreto-Lei n. 166/70, de 15 de Abril, e ainda das disposições camararias que impõem a obrigatoriedade de os edificios com pelo menos oito pisos disporem de estacionamento de automoveis destinado aos utentes respectivos.

Tal nulidade aplicaria a inclusão da cave do edificio no conjunto das partes comuns do mesmo, perdendo portanto, a sua natureza de fracção autonoma.

Esta pretensão veio a merecer inteiro acolhimento nas instancia, baseando-se o acordão recorrido essencialmente na doutrina que resulta do Assento do

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Supremo Tribunal de Justiça de 15/7/89.

Com o presente recurso põe-se-nos, portanto, o problema de saber se aquela decisão merece ou não alguma censura.

Vejamos, então.

Estando embora alegado na petição inicial - artigo - 12 -

- que do projecto de construção do edificio aprovado pela Camara Municipal de Lisboa constava que a respectiva cave se destinava "a estacionamento privativo dos condominos", a verdade e que as instancias não se pronunciaram directamente sobre tal materia.

Apenas indirectamente se lhe referiram, ao darem como reproduzidos os documentos de folhas 9/10 e 11/12 -

- auto de vistoria para utilização (habitação e ocupação), o primeiro, e auto de vistoria para efeito de constituição da propriedade horizontal, o segundo.

Com efeito, de qualquer desses documentos resulta que o predio estava

construido de harmonia com o respectivo projecto aprovado, deles constando, alem do mais, que uma das suas partes constitutivas era a cave, destinada "a parqueamento".

Parece, portanto, seguro que do projecto aprovado pela Camara Municipal resultava que a cave do edificio se destinava a parqueamento ou

estacionamento de automoveis, apenas subsistindo a duvida sobre se no mesmo se acrescentava ou não a expressão "... privativo dos condominos", como os autores alegaram.

Adiante se vera se, para a fixação do regime juridico adequado a situação concreta, se torna ou não necessario a ampliação, nesse aspecto, da materia de facto, nos termos do n. 3 do artigo 729 do Codigo de Processo Civil.

Entretanto, construido o predio e em vista a submeter o mesmo ao regime de propriedade horizontal, o reu marido, por declaração unilateral, como o artigo 1417 permite, fez lavrar a escritura publica de 20/3/73, certificada a folhas 18 e seguintes, na qual, alem do mais, se indicam as partes correspondentes as varias fracções autonomas, entre as quais se conta a fracção indicada pela letra "Z", com a seguinte descrição: - "cave, totalmente preenchida por uma ocupação; tem uma ampla divisão e sanitario".

Verifica-se, porem, que na referida escritura não se especifica o fim a que a dita fracção ficava afectada.

Sera que, com esta omissão, o reu marido quis atribuir a cave do edificio um destino diferente do que constava no respectivo projecto aprovado pela Camara Municipal?

Vejamos.

Embora o artigo 1418 do Codigo Civil não imponha que do titulo constitutivo da propriedade horizontal fique a constar o destino de cada uma das fracções

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autonomas a verdade e que tal destino e um elemento essencial desse tipo de propriedade, na medida em que a alinea c) do n. 2 do artigo 1422 do Codigo Civil expressamente veda aos condominos dar as fracções "um uso diverso do fim a que elas são destinadas".

Por isso mesmo ha quem entenda que tal menção deve constar

obrigatoriamente do titulo - Abilio Neto, "Direitos e Deveres dos Condominos da Propriedade Horizontal", paginas 34 e 35.

Para este autor, porem, "se do titulo constitutivo não tiver constado o fim de todos ou de algumas fracções autonomas, então tera de prevalecer o que consta da licença de habitação ou da utilização, e não o arbitrio do construtor ou do comprador..." loc cit.

O que significa, afinal, que a omissão daquela menção no titulo não acarreta consequencias graves para o regime da propriedade horizontal....

Por isso consideramos mais correcto o entendimento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in Codigo Civil Anotado", volume III, 2 edição, pagina 426, segundo o qual "o destino das fracções autonomas tanto pode ser

estabelecido no titulo constitutivo, mediante declaração expressa, como resultar da forma como elas se encontram ai descritas, designadamente pelo que respeita as caracteristicas das divisões que as integram..."

Mas sem nunca perder de vista, acrescentamos não, o que constar da respectiva licença de habitação ou de utilização.

Ora, no caso concreto e manifesto que a cave do edificio em causa, tal como ela esta descrita na escritura de constituição da propriedade horizontal, não evidencia um destino que seja incompativel com o que lhe e atribuido na licença de utilização -

- "parqueamento" - embora teoricamente lhe possam ser dados usos diversos, por exemplo, como armazem.

So que, como se viu, na alinea c) do n. 2 do artigo 1422 do Codigo Civil sempre impediria que lhe fosse dado um uso diverso daquele para que foi destinada, pelo menos enquanto os condominos não acordassem em atribuir- lhe outro destino.

O que significa, portanto, que, constando apenas do projecto de construção aprovado pela Camara Municipal que a cave do edificio se destina a

parqueamento; tal destino não se mostra violado pelo titulo constitutivo de propriedade horizontal ao nada especificar em contrario disso.

E se, como alegam os autores, daquele projecto consta que a cave se destina a parqueamento ou estacionamento "privativo dos condominos"?

Sera que um tal destino - a ser correcta aquela alegação -

- impediria que no titulo constitutivo da propriedade horizontal se erigisse a cave do edificio em fracções autonomas, antes impondo a sua inclusão no

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elenco das respectivas partes comuns?

Vejamos.

Nos termos do artigo 2 do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (R.G.E.U.), aprovado pelo Decreto-Lei n. 38382, de 7/8/51, a execução das obras e trabalhos a que se alude no artigo 1 do mesmo diploma não pode ser levada a efeito sem previa licença das Camaras Municipais, impondo o

respectivo artigo 6 que nos projectos de novas construções e reconstruções, ampliação e alteração de construções existentes sejam sempre indicados o destino da edificação e a utilização prevista para os diferentes

compartimentos.

Qual o significado dessas exigencias?

O preambulo do decreto-lei que aprovou aquele Regulamento e perfeitamente claro no sentido de que o legislador, ao propor-se actualizar as disposições do velho Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto de 14 de Fevereiro de 1903, teve em vista criar as condições

necessarias para que as novas edificações urbanas absorvessem as mais

recentes tecnicas construtivas, designadamente nos aspectos de salubridade e segurança, mas ao mesmo tempo impos condicionamentos a observar

relacionados com a estetica e o enquadramento urbanistico das referidas edificações.

Ora, no que concretamente se refere a imposição de os projectos indicarem o destino ou utilização dos edificios, cremos que a mesma tem uma motivação de natureza estritamente tecnica relacionada com as condições de segurança exigidas na construção dos edificios, condições essas que variam em função do tipo de utilização prevista.

Neste sentido cfr. Abilio Neto, loc. cit., paginas 17 e 18.

Mas se e essa a razão de ser de tal exigencia -

- e não vemos que possa ser outra - podera a especificação feita num projecto de construção no sentido de que a cave do edificio a construir se destina a parqueamento privativo dos condominos condicionar a futura e eventual organização da propriedade horizontal, impondo designadamente a inclusão da mesma no elenco das respectivas partes comuns?

Entendemos que não.

Com efeito, uma coisa e o destino ou uso a dar a um compartimento, o que, como se disse, se funda em razões de natureza estritamente tecnica ligadas a segurança do edificio, e outra, bem diferente, a definição juridico-real do regime do mesmo compartimento, materia que compete exclusivamente ao titulo constitutivo de propriedade horizontal.

Na verdade, e como resulta do artigo 1418 do Codigo Civil, e no titulo

constitutivo que serão especificadas as partes do edificio correspondentes as

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varias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas.

E dai que seja licito, no titulo, afastar a presunção que decorre do n. 2 do artigo 1421 do mesmo diploma, afectando as partes ai referidas ou apenas algumas delas a uma ou outra fracção autonoma ou, inclusivamente

autonomizando-as se as mesmas, para isso, reunirem os necessarios requisitos legais.

Neste sentido conferir Pires de Lima e Antunes Varela, loc. cit., pagina 411.

E sem que, em qualquer dos casos se viole o que do projecto consta quanto ao destino da coisa, uma vez que o mesmo e compativel com qualquer dos

regimes adoptados para a mesma, no titulo.

Isto e, e caracterizando: uma cave destinada no projecto de construção a parqueamento privativo dos condominos mantem esse destino quer a mesma seja incluida no conjunto das partes comuns, quer seja autonomizada.

So que, neste ultimo caso, teriam os condominos de negociar com o construtor do predio e vendedor dos seus varios apartamentos a transferencia da

propriedade da cave para que a mesma pudesse ser afectada ao uso comum, como garagem.

O que, alias, e perfeitamente normal na medida em que o direito a um

parqueamento na cave tem o seu preço, e este ou e desde logo incluido no dos apartamentos ou e negociado a parte.

Conclui-se, portanto, que nem sequer na hipotese em analise haveria violação do projecto de construção, o que torna desnecessaria a ampliação da materia de facto em ordem a apurar o que, na realidade, do mesmo consta.

De tudo quanto fica exposto resulta, pois, não importar violação do R.G.E.U., em especial do que consta do seu artigo 6, a circunstancia de o reu marido, ao fazer lavrar a escritura de constituição da propriedade horizontal, ter feito incluir a cave no conjunto das fracções autonomas do edificio não obstante do respectivo projecto da construção constar que a mesma se destinava

"a parqueamento" ou mesmo "parqueamento privativo dos condominos".

E porque assim e não se põe sequer o problema da aplicação, a hipotese dos autos, do Assento de 10/5/89 o que torna desnecessario apreciar a questão da sua inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes na conclusão 5 do seu recurso.

Em face do exposto e porque, no essencial, procede a conclusão 4 do recurso acordam em conceder a revista, revogando o acordão recorrido e absolvendo os reus do pedido.

Custas pelos recorridos neste Supremo Tribunal bem como nas instancias.

Lisboa, 12 de Junho de 1991.

Moreira Mateus,

(14)

Figueiredo de Sousa, Albuquerque de Sousa.

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