• Nenhum resultado encontrado

OS ANOS 90 E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO: TRAJETÓRIA MULHERES NA LUTA PELA TERRA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES-RJ.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "OS ANOS 90 E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO: TRAJETÓRIA MULHERES NA LUTA PELA TERRA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES-RJ."

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

OS ANOS 90 E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO:

TRAJETÓRIA MULHERES NA LUTA PELA TERRA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES-RJ.

Elson dos Santos Gomes Junior (UFF)

Resumo

A década de 1990 foi um marco na história recente do Brasil no que diz respeito ao aspecto político-econômico. Isto ocorreu por conta do pacote de medidas liberalizantes adotado pela economia brasileira no período. Este também viu uma mudança nas relações de trabalho no meio urbano. Os sindicalistas que estavam lutando na década passada, agora com as medidas liberalizantes e a reestruturação produtiva, passaram a cooperar com táticas de diminuição de carga horária e de salário com vistas a manutenção de maior número de postos de trabalho. Contudo, no campo, os anos liberalizantes mostraram um aumento significativo de ações e conquistas de trabalhadores rurais, mais precisamente, os organizados no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Em Campos dos Goytacazes o movimento chegou nesta época e conseguiu contribuir, dentre outros, para a formação do maior assentamento de reforma agrária do Estado do Rio de Janeiro (Assentamento Zumbi dos Palmares). Nesta conjuntura encontra-se a presença da mulher no campo que, em muitos casos “solteira”, buscou seu espaço através da luta pela terra e reforma agrária. Neste sentido, este trabalho busca apresentar, por meio de pesquisa realizada neste assentamento, a participação de mulheres em movimentos socais no campo na cidade de Campos dos Goytacazes no período da década de 90. Também realizar apontamentos para as possibilidades de catalogar e reforma agrária como uma forma de emancipação da mulher na sociedade brasileira atual.

Palavras-chave: Neoliberalismo; Reforma Agrária; Gênero; Mulheres;

(2)

OS ANOS 90 E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO:

TRAJETÓRIA MULHERES NA LUTA PELA TERRA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES-RJ.

Elson dos Santos Gomes Junior (UFF)

Introdução

A década de 1990 marcou a política econômica do Brasil por conta de uma série de medidas alinhadas ao liberalismo econômico. No âmbito do mundo do trabalho, isto significou uma série de mudanças na relação capital-trabalho e reformulações no tocante as táticas de resistência e reivindicação por parte dos trabalhadores. Este conjunto caracterizou um novo rearranjo do mundo do trabalho urbano no Brasil, principalmente, dos centros urbanos historicamente marcados pela organização e luta sindical dos trabalhadores (MATTOS, 2002; BOITO JUNIOR, 1999).

No tocante aos movimentos sociais no campo o país se viu perante o fortalecimento da organização de movimentos de luta pela terra, mais precisamente, o crescimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Este movimento que surgiu na região sul do país passou a organizar uma série de redes e estabeleceu uma agenda de atuação com uma pedagogia própria (COMPARATO, 2001, p. 105-106).

Neste contexto alguns trabalhos contribuíram para o entendimento significativo tanto em âmbito mensurável quanto nos não mensuráveis. Assim pela heterogeneidade dos movimentos sociais no campo, podemos perceber uma série de manifestações e táticas no tocante ao papel destes sujeitos no processo de luta. No que tange a participação da mulher isto não foi diferente.

A participação da mulher, em panorama geral, pôde ser percebida de diversas maneiras. Desde impedimentos culturais por meio de formas patriarcais e tradicionalistas de transmissão da propriedade da terra, caso estudado em Santa Catarina (PAULILO, 2009, p. 183), até a sua atuação como, literalmente, uma tática de luta onde formavam fileiras de frente de modo a intimidar o início de conflitos físicos e armados como ocorreu no Maranhão (PAULA ANDRADE, 2009, p. 238). Assim, a trajetória da mulher nestes movimentos passou a ser objeto de estudo de diversos centros de pesquisa e disciplinas nos últimos anos no Brasil.

Nestes termos o trabalho tem por finalidade realizar uma análise da trajetória de mulheres na luta pela terra em Campos dos Goytacazes. Mais precisamente, apresentar a participação destas na formação e consolidação do maior assentamento do estado do Rio de Janeiro, o Assentamento Zumbi dos Palmares (Campos dos Goytacazes/São Francisco de Itabapoana - RJ).

No tocante ao percurso explicativo, este trabalho se divide em três partes. Na

primeira será analisado os anos 90 e, de forma geral, os impactos da política

(3)

liberalizante no mundo to trabalho, tanto no meio urbano quanto no campo. Em seguida busca-se apresentar alguns estudos referentes à consolidação do MST e da luta pela terra no Brasil. Além disto, incluir as análises referentes aos impactos dos assentamentos rurais tanto em âmbito nacional quanto regional e apresentar a formação do Assentamento Zumbi dos Palmares e a participação de mulheres no processo de criação e consolidação deste.

Por fim, será apresentado alguns apontamentos referentes a trajetória de mulheres em movimentos de luta pela terra no Brasil contemporâneo, de modo a estender a possibilidade de novas análises e leituras no tocante a consolidação da mulher e de sua emancipação na sociedade brasileira atual. Neste último ponto, será possível salientar algumas possibilidades de pesquisa sobre a mulher no Brasil e suas conquistas, ao considerar, pelos dados obtidos e experiência de campo, a possibilidade de ver a reforma agrária como uma forma de emancipação da mulher na sociedade brasileira atual.

Os anos 90 e os movimentos sociais no Brasil

A década de 80 marcou a história do sindicalismo brasileiro. Neste período, o sindicalismo chegou ao auge de sua desenvoltura afirmando-se como movimento reivindicativo e político com um crescente e linear aumento de articulações grevistas (NORONHA, 1991 p. 120). Foi importante na luta contra a ditadura militar, mesmo em meio às articulações desta para manter-se na direção do país. Este movimento também mostrou sua importância na constituinte, contribuindo para a ampliação dos direitos sociais, despertando os setores mais ativos da classe trabalhadora urbana em apoio à luta pela reforma agrária. Este contexto histórico-social marcou a instauração, com a vitória de Collor de Mello para a presidência da república, de uma postura liberal por parte dos dirigentes políticos no período.

A produção intelectual sobre os anos 90 no Brasil, tanto por parte dos cientistas sociais quanto pelos historiadores, foi bastante confluente quanto aos impactos no mundo do trabalho. Vários autores mostraram que houve um desmanche da estrutura de reivindicação e resistência dos trabalhadores urbanos (MATTOS, 2002; BOITO JUNIOR, 1999). Dentre os principais fatores destes acontecimentos, a chamada reestruturação produtiva sobressaiu. Este termo correspondeu a um conjunto de medidas e reformulações na estrutura produtiva industrial, de modo que aumentou os níveis de mecanização e tecnologia. Assim, o desemprego aumentou significativamente e muitas manobras para a manutenção destes postos de trabalho foram implementadas pelos trabalhadores.

Ao invés de greve e manifestações, o que ocorreu foi que muitos sindicatos e

lideranças sindicais se renderam a estratégias de manutenção de postos de trabalho. Isto

significou que para diminuir o volume de demissões, os trabalhadores passaram a tirar

férias coletivas sem remuneração, movimento de demissão voluntária, diminuição

salarial, entre outros. Esta conjuntura de crise do trabalho marcou de tal maneira que se

perguntou até “adeus ao trabalho?” (ANTUNES, 2002). No entanto, este momento da

economia brasileira não pôde ser responsabilizado como forma direta da crise no mundo

(4)

do trabalho. Isto porque outros elementos constituíram tal degradação e, também, pelo fato de que no campo, o movimento de luta pela terra fortaleceu o trabalhador rural ao invés de enfraquecê-lo.

Algumas leituras referentes aos acontecimentos no meio rural brasileiro teceram considerações relacionando a postura econômica e política dos anos 90 às manifestações de luta pela terra no Brasil (COMPARATO, 2001, p.106). No entanto, deixou de atender na esfera da relação movimento-estado a questão do “sentido dos movimentos sociais”. Esta análise privilegiou o que Melucci (1989, p.50) chamou de “explicações estruturais”. Assim não pôde dar conta das associações e do crescimento da luta pela terra, mais precisamente, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

1

, em uma dinâmica própria e não relacional. Com isso a consolidação de um movimento social que foi considerado um dos maiores nos últimos tempos na América Latina e que desde então repercutiu e ganhou adeptos e críticos em todo o Brasil e fora dele, para ser melhor compreendido, necessitou ser visto pela ótica, como o autor acima perguntou, de

“um objetivo para os movimentos sociais?”.

Neste sentido Mellucci (1989) frisou a necessidade de compreender o que chamou de “novas formas de solidariedade conflitual”. Estas que, apesar de terem sofrido impactos referentes a esfera econômica, não puderam estar relacionadas a ela por conta de uma série de elementos simbólicos e não mensuráveis pertinentes a participação, integração e ação dos/nos movimentos sociais que não puderam, para serem melhor compreendidos, ficar restritos como respostas aos infortúnios da economia (SIGAUD, 2004, p. 13-14). Com este cuidado analítico podemos buscar outros elementos constituintes deste movimento como, por exemplo, os seus “impactos”

(LEITE, S. et al 2004).

Com “impactos” mostra-se importante falar sobre dois importantes estudos referentes aos desdobramentos econômicos que foram encontrados em regiões por conta que receberam assentamentos rurais. Estes estudos buscaram dois olhares diferenciados, pois, um buscou compreender tal dimensão em âmbito regional (HEREDIA, 2006), enquanto o outro, em “manchas” de assentamentos e diversas regiões do Brasil (Nacional) (LEITE, S. et al 2004).

Estes trabalhos foram desenvolvidos por pesquisadores na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Museu Nacional (Programa de Pós-graduação em Antropologia-Museu/UFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA- UFRRJ). No âmbito nacional foram mapeadas áreas com alta concentração de assentamentos rurais. Dentre todo o território nacional, foram salientadas seis

“manchas” de assentamentos sendo estas: mancha do Sudeste do Pará (região do Bico do Papagaio), mancha do entorno do Distrito Federal, mancha do Sertão do Ceará, mancha da zona canavieira do Nordeste e mancha do oeste de santa Catarina. Este trabalho aborda, também, nestas regiões a presença de dois tipos de impactos, ou seja,

“internos” e “externos” (LEITE, S. et al 2004, p. 22).

Este aspecto é de importância confluente com o estudo regional por mostrar que

não apenas os assentados melhoraram quantitativamente de vida após a entrada no

assentamento, mas também, que estas regiões passaram a desenvolver uma série de

outras demandas que contribuíram para a criação de novos setores economicamente

(5)

ativos como também para a revitalização do setor de serviços. Como afirmou Silva (1998, p.83), isto expressa a existência de uma reforma agrária “não essencialmente agrícola”; ou seja, além de ter evidenciado a maximização na esfera econômica

“interna”, os assentamento também provocaram efeitos externos.

Em análise uma série de pesquisas foi e continua sendo realizadas na produção de um trabalho chamado “História social do campesinato”, algumas destas realidades foram estudadas. Além do aspecto econômico, outras esferas foram abordadas, dentre elas, questões relacionadas a presença da mulher em assentamentos rurais e sua atuação como sujeito. Tanto em luta compartilhada pela posse da propriedade da terra, como na luta por reconhecimento e desconstrução de estruturas históricas de desqualificação e exclusão da mulher enquanto portadora de direitos sociais, dentre estes, o direito a propriedade (PAULILO, 2009). Destes aspectos, será abordado brevemente dois destes exemplos com vistas a situar a mulher organizada e atuante na luta pela terra no Brasil.

Pela proposta e limitações, serão exemplos breves, contudo, não menos enriquecedores da diversidade de situações e condicionamentos que a mulher vem enfrentando.

Mulheres e a luta pela terra no Brasil: o caso de Campos dos Goytacazes.

Citamos que uma das chamadas “manchas” de assentamentos em âmbito nacional encontra-se em Santa Catarina. Nosso primeiro exemplo sobre a mulher e a reforma agrária também vem de um estudo realizado neste estado, na cidade de Chapecó. A pesquisa mostrou a existência de uma tradição patriarcal em relação a propriedade da terra e sua transmissão. Lá a mulher por muito tempo não tinha direito a receber, nem mesmo por conta de herança, a propriedade devidamente legalizada em seu nome. Isto porque sempre que isto aconteceu, foi o marido quem legalmente recebeu o título de proprietário (PAULILO, 2009, p.181).

Além disso, a organização e participação de mulheres em “movimentos” sociais nunca foram bem vistos, pois foi considerado como coisas de mulheres que são “mal faladas”. Neste caso, muitas mulheres não buscaram reagir em relação a estas amarras culturais e patriarcais, por conta de viverem o conflito entre busca de reconhecimento enquanto mulheres e o matrimônio e a integridade da família. A pouco isto começou a mudar

2

.

O outro exemplo fala da atuação de mulheres em conflitos fundiários no Maranhão. Lá a mulher foi marcada como “uma estratégia de luta” (PAULA ANDRADE, 2009). Muitas vezes, com vistas a evitar o confronto direto com a segurança privada dos fazendeiros, as mulheres iam à frente e os homens ficavam escondidos no mato ao redor. Isto para diminuir o risco de uma reação, por parte dos fazendeiros, de acabar em tragédia. Deste modo, elas figuraram como protetoras da família e de seus esposos e ajudaram como protagonistas nos movimentos de luta pela terra naquele estado.

No Rio de Janeiro a mulher apresentou uma importante participação. No caso do

assentamento Zumbi dos Palmares (Campos dos Goytacazes/São Francisco de

Itabapoana), isso não foi diferente. Muitas mulheres que hoje estão neste assentamento

ingressaram em movimentos de luta pela terra no estado e, mesmo sendo solteiras e/ou

(6)

mães, buscaram seus objetivos e engajaram com sucesso neste ambiente que, segundo depoimentos de uma assentada, “é muito difícil pra mulher”. Em breve descrição será situado o Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares (PA Zumbi dos Palmares).

O PA Zumbi dos palmares resultou de uma ocupação organizada pelo MST em 12 de abril de 1997 nas terras da Usina São João. A Usina se encontrava com graves dificuldades financeiras e um acúmulo de dívidas em forma de impostos e direitos trabalhistas não pagos. Em outubro de 1997 as terras foram transferidas para o INCRA que iniciou o processo de cadastramento para divisão dos lotes. Neste processo, as famílias que compunham o grupo representante do MST, acabaram recebendo a companhia de mais dois diferentes grupos: primeiro os membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Francisco de Itabapoana; depois de um grupo de ex- trabalhadores da Usina São João. Em apenas seis meses após a ocupação das terras pelo MST o ato de desapropriação das terras estava assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Esta ação se configurou em uma das mais aceleradas no tocante a reforma agrária (CORDEIRO, 2007), dando origem a um assentamento dividido em cinco lotes em uma extensão de 8.553 hectares.

Em relação as mulheres deste assentamento é interessante/relevante propor uma análise que privilegie dois aspectos. O primeiro deles diz respeito aos “impactos internos”, ou seja, de que forma a participação na luta pela terra e a conquista do lote modificou a vida destas mulheres. Em seguida, relacionar o material mensurável às conseqüências positivas e imensuráveis na vida destas mulheres (que será fruto de nossa

“pergunta” final).

No tocante a maximização de bens materiais, análise realizada em âmbito nacional, a pesquisa mostro que neste assentamento também se confirmou que as assentadas após a conquista do lote aumentaram significativamente suas posses materiais (LEITE, S. et al, 2004). Foram encontrados equipamentos que vão desde computadores à automóveis. Além disto, vale colocar neste conjunto os animais, a própria propriedade e a casa, equipamentos, enfim, todo um conjunto mensurável que antes não existia.

No tocante a tomada de conhecimento da organização que deu origem ao assentamento, a análise salientou que muitas destas mulheres não são de Campos dos Goytacazes ou de São Francisco de Itabapoana, mas sim, de cidades vizinhas e até de localidades mais distantes como Cabo Frio e São Gonçalo. A tomada de conhecimento veio por meio de vizinhos ou parentes envolvidos em organizações de acampamentos com vistas a realização de ocupações.

Quando questionadas sobre as tarefas no acampamento enumeraram uma série de atividades desempenhadas afirmando que, muitas vezes, ficaram até meses sem ter contato direto com os familiares. Esta fase do acampamento foi retratada como um período difícil, pois a heterogeneidade da composição do acampamento fez muitas delas passarem por momentos de constrangimento (assédio, por exemplo). Dentre as tarefas, as mais citadas foram atividades relacionadas a cozinha e participação na tarefa de vigilância.

No tocante as dificuldades encontradas após o recebimento do lote, foram

enumeradas uma série de questões que vão desde falta de apoio do setor público (como

(7)

com a concessão de tratores, por parte das prefeituras) até problemas de relacionamento com outros assentados. Além destes, um dado que chamou a atenção foi o fato de que até hoje, com quinze anos completados da formação do assentamento, nenhuma delas conseguiu adquirir benefícios voltados exclusivamente para a mulher. Um exemplo disto é o PRONAF Mulher

3

. Segundo as assentadas, nenhuma delas conseguiu até hoje acessar este benefício. Apesar disso, afirmaram que receberam verba para construção da casa e para a aquisição de materiais para iniciar as atividades no assentamento (sementes, adubo, ferramentas, etc.).

A condição de “assentada” também foi um ponto levado em consideração nesta análise. A percepção delas da própria condição foi muito positiva. Afirmaram que a vida no assentamento é melhor do que a que levavam antes e salientaram o não viver na cidade como um fator importante e diferencial na qualidade de vida delas. Além disto, apontaram para a questão da autonomia em relação ao trabalho como mais um dos fatores que fizeram positivas as análises sobre ser assentado como algo positivo. Como mostrou Melucci (1989, p.50), os motivos de organização e luta dos movimentos sociais ultrapassam questões meramente estruturais.

Em relação a forma de ver a vida, em conjunto, disseram que mudou muito. Um dos elementos citados foi a importância de se cuidar dos recursos naturais e do não uso de substâncias tóxicas no cultivo de seus lotes. Apesar de muitos outros usarem, as entrevistadas para este trabalho disseram que, ou não usam, ou usaram, mas não o fazem mais. Uma delas contou a experiência de ter sido vítima do uso de agrotóxico por um vizinho. Segundo ela, o “veneno veio pelo ar” e causou uma série de bolhas nas mãos e nos pés. Outra contou que quase intoxicou um neto e, desde então, nunca mais usou.

Quanto aos motivos de felicidade por estarem no assentamento um dado chamou a atenção: a questão dos filhos e da família. As assentadas apontaram como motivo de maior felicidade a possibilidade de poder estar perto de seus filhos em um lugar de paz

4

. Muitas delas afirmaram que além dos filhos que conseguiram levar para o assentamento, pretendem ter toda família perto e, até mesmo, trabalhando no lote juntamente com elas. Fator importante, ou seja, perceber que começou um movimento de reorganização familiar na vida dessas mulheres onde elas são referenciais de lideranças e, não mais, de submissão (como mostrou algumas experiências de mulheres catarinenses).

O que mudou na vida destas mulheres após o recebimento do lote? Esta é uma das ultimas coisas perguntadas e o que pareceu unânime foi a questão da autonomia.

Todas deram demonstração de que ser autônomas constituiu uma condição de vida melhor do que os impasses vividos em outros períodos, como por exemplo, quando casadas com homens que não as viam como iguais, mas sim, como uma mulher do lar apenas. E foi exatamente aí que o interesse por este trabalho começou.

Sei que questões pertinentes a fontes, metodologia e coisas do gênero sempre

são introduzidas antes do que comumente são chamados de “análise de dados”. Contudo

desta vez foi diferente. Este trabalho foi gerado a partir de uma experiência inusitada. A

princípio, por conta do programa de Iniciação Científica e depois para elaboração da

monografia, o trabalho de campo buscou realizar uma coleta de dados com vista a uma

(8)

análise da trajetória de assentados com habilidades culturais no assentamento. Contudo, após as entrevistas de algumas mulheres, algo começou a mudar.

Em uma destas visitas ao campo conhecemos uma mulher numa festa do assentamento, a qual estávamos documentando. A certa altura da conversa apareceu uma criança a qual reconheceu como filho e, ao perguntarmos se ela tinha mais, ela afirmou ter mais seis. Surpreendemos-nos. Dissemos que ela e o marido deveriam formar um time de futebol. Então nos veio a surpresa maior. Ela reagiu imediatamente e afirmou que não tinha marido ou companheiro e que não precisava de nenhum. Apenas um namorado e olhe lá, “se ele sair da linha eu despacho ele”. Então começamos a pensar a partir da leitura de estudos sobre “impactos de assentamentos rurais”. Foi salientado que os assentados melhoram de vida após o assentamento, mas a pesquisa que estávamos realizando não tratou de forma alguma do assunto emancipação da mulher.

Mediante todas estas questões acima levantas, mesmo que de forma breve, gostaríamos de deixar este questionamento. Como vivemos em uma sociedade capitalista e desigual na essência deste sistema político econômico que materializa essas desigualdades no tempo e no espaço e, alem disso, possuímos em nossas bases sociais um forte traço patriarcal que é possível ainda hoje identificar, não poderíamos indagar a questão: seria a reforma agrária uma forma de emancipação da mulher na sociedade brasileira atual? Para esta resposta resta a opção da prática científica e o fortalecimento do conjunto do material produzido sobre o meio rural brasileiro e, mais recentemente, da mulher e suas conquistas. É isto que buscaremos muito brevemente.

Notas

1

Movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST). É fruto de um conjunto de movimentos sociais de luta pela terra que se iniciaram na década de 1980 nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Oficialmente, o Movimento foi criado em janeiro de 1984, na cidade e Cascavel, Paraná. Ver Comparato (2001).

2

“Movimento”. No local estudado as mulheres, a princípio, não quiseram participar de organizações chamadas de movimento. Segundo depoimentos contidos no trabalho, as mulheres diziam que quando a vaca está no cio eles costumam dizer que ela está em movimento. Por isto, participar de qualquer organização deste tipo significou, em um primeiro momento, algo relacionado a depreciação da mulher; pois foi considerado promíscuo pela população local. Ver Paulilo (2009).

3

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o PRONAF Mulher é uma linha de credito destinada, especialmente, para as mulheres agricultoras.

4

Apesar de comumente os assentamentos serem lugares de alto nível de

heterogeneidade, desentendimentos por variados motivos, as mulheres afirmaram que

nem se comparava a cidade e a violência que vem caracterizando o espaço urbano. Não

gostaria de deixar subentendido que o assentamento seja um lugar muito privilegiado e,

por isso, sem conflitos. Pelo contrário. Contudo, ele é apresentado pelas assentadas

como um contraponto ao meio urbano. Este último visto como lugar desprivilegiado

quanto a qualidade de vida que proporciona a seus moradores.

(9)

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas e São Paulo: Editora Unicamp e Cortez, 1995.

COMPARATO, Bruno Konder. “A ação política do MST”. São Paulo em Perspectiva, V. 15, n. 4, p. 105-118, 2001.

CORDEIRO, Manuela Souza Siqueira. As redes sociais e suas importâncias na geração de redes de suporte para a reforma agrária: um estudo de caso em 10 anos de assentamento Zumbi dos Palmares. CCH/UENF, 2007, 81 p. Monografia.

(Bacharelado em Ciências Sociais).

EDUARDO, Noronha. A Explosão das Greves na década de 80. In: Armando Boito Jr.

(Org.). O Sindicalismo Brasileiro nos Anos 80. São Paulo: Paz e Terra, 1991, p.93- 135.

HREDIA, Beatriz et. al. Análise dos Impactos Regionais da Reforma Agrária no Brasil.

Revista Estudos, Sociedade e Agricultura, n. 18, 73-111, 2002

LEITE, Sérgio. et al. Impactos dos Assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro.

MATTOS, M. B. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de leitura, 2002.

PAULA ANDRADE. Hoje, a mulher é a estrela. In: FERNANDES, Bernardo Mançano;

MEDEIROS, Leonilde Sérvolo; PAULILLO, Maria Ignez. (Org.). Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas - tomo II A diversidade das formas de lutas no campo. Lutas camponesas contemporâneas:

condições, dilemas e conquistas - tomo II A diversidade das formas de lutas no campo. 1ed. São Paulo/Brasília: UNESP/NEAD, 2009, v. II, p. 223-246.

PAULILO, M. I. S. Movimento das mulheres agricultoras e os muitos sentidos da

"igualdade de gênero". In: Bernardo Mançano Fernandes; Leonilde Servolo de Medeiros; Maria Ignez Paulilo. (Org.). Lutas camponesas contemporâneas:

condições, dilemas e conquistas. Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas. 1ed. São Paulo/ Brasília: Editora UNESP/ NEAD, 2009, v. 2, p. 179-201.

SIGAUD, Lygia. Ocupações de Terra, Estado e movimentos sociais no Brasil. Cadernos

de Antropologia Social, n. 20, p. 11-23, 2004.

Referências

Documentos relacionados

A teoria das filas de espera agrega o c,onjunto de modelos nntc;máti- cos estocásticos construídos para o estudo dos fenómenos de espera que surgem correntemente na

De acordo com estes resultados, e dada a reduzida explicitação, e exploração, das relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente, conclui-se

3 047 CONSTRUCAO SISTEMA DE TRATAMENTO DE ESGOTO PARA EFLUENTE LANCADO NO CANAL

O custo ao longo da vida útil do sistema de eletrificação rural convencional foi associado apenas ao investimento inicial, devido à falta de informações relativas aos custos

O PREFEITO MUNICIPAL DE ENGENHEIRO PAULO DE FRONTIN, Jauldo de Souza Balthazar Ferreira, no uso de suas atribuições legais e, consoante autorização contida na Lei Municipal Nº 1263

Toda a documentação deverá ser encaminhada até o dia 12 de novembro de 2018 (DATA LIMITE DE POSTAGEM) para o seguinte endereço: Secretaria da Pós-Graduação da Faculdade de

Finalmente, uma última questão de importância relaciona-se com a nova diplomacia para a imensa diáspora indiana, vista como um recurso económico e diplomático para os

apresentar documento de equivalência de estudos, expedido pelo órgão competente. Candidatos estrangeiros deverão apresentar carteira de identidade de estrangeiro e