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O MARCO INICIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO: UM ASPECTO POLÊMICO 1. Fabiano Kingeski Clementel* Orientadora Profª Ms. Laura Antunes de Mattos

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O MARCO INICIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO: UM ASPECTO POLÊMICO

1

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Fabiano Kingeski Clementel*

Orientadora Profª Ms. Laura Antunes de Mattos

SUMÁRIO: Resumo; Summary; Introdução; 1 Evolução histórica da fraude à execução no Direito brasileiro; 2 Questões relacionadas à fraude contra execução; 2.1 Da fraude à execução e da fraude contra credores; 2.2 Da responsabilidade patrimonial; 3 As hipóteses legais e o marco inicial da fraude à execução; 3.1 Do registro da penhora e da multa prevista no artigo 600, do Código de Processo Civil; Considerações finais; Referências bibliográficas.

RESUMO: o presente artigo tem por objetivo trazer à tona a discussão doutrinário- jurisprudencial em face do marco inicial da fraude à execução, procurando apresentar as principais teorias sobre o tema, bem assim quais os fundamentos sustentados por suas correntes. A temática proposta enseja repercussão prática, haja vista a dificuldade encontrada pelos operadores do direito em apresentar os requisitos próprios da fraude pública, sem confundi-la com outros institutos jurídicos – como a fraude contra credores e a penhora, ora abordadas –, bem como expor que no âmago da própria fraude à execução existem pressupostos gerais e específicos, definidos conforme a modalidade prevista no artigo 593, e incisos I, II e III, do CPC.

Palavras-chave: Fraude à execução. Requisitos. Marco inicial. Penhora. Terceiro adquirente.

SUMMARY: the present article has for objective to bring to the quarrel doctrinaire- jurisprudential in according to the initial landmark of the fraud to the execution, being looked

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1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora composta pela orientadora Profª Ms. Laura Antunes de Mattos, Prof. Me. Álvaro Vinícios Paranhos Severo, e Profª Ms. Elisabeth Schreiber, em 21 de junho de 2007.

* Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Conciliador do 4º Juizado Especial Civil do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS. Pesquisador do NEPRADIL (Núcleo de Estudos e Prática das Interfaces entre Direito e Linguagem). Contato: fakintel@hotmail.com

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for to present the main theories on the subject, good thus which the beddings supported for its chains. Thematic the proposal tries practical repercussion, has seen the difficulty found for the operators of the right in presenting the proper requirements of the public fraud, without misunderstood it with other legal justinian codes - as the fraud against creditors and the distrainment, however boarded -, as well as displaying that inside of the proper one it has embezzled to the execution exist estimated general and specific, defined as the modality foreseen in article 593, and interpolated propositions I, II and III, of the CPC.

Key-Word: It has embezzled to the execution. Requirements. Initial landmark. Distrainment.

Third buyer.

INTRODUÇÃO

Um dos temas mais tormentosos que circundam a processualística moderna, e que vem sendo estudado com muito afinco pelos operadores do direito que buscam a efetividade do processo e o dever de lealdade entre as partes processuais, condiz com a fraude à execução.

A pesquisa ora apresentada traz à baila a análise do marco inicial da fraude de execução. Com o estudo realizado, é possível perceber que não há uma perfeita uniformidade doutrinário-jurisprudencial no tocante aos aspectos integrantes da fraude de execução, bem como à prova de sua ocorrência, deficiência essa não tratada pela doutrina em minúcias.

Observa-se, nesse sentido, que as inquietações da doutrina na análise dos pressupostos da fraude à execução são imprescindíveis, uma vez que o seu resultado configurativo, corroborado mediante uma decisão com eficácia declaratória, nos autos do próprio processo, alcança não só credor e devedor, como, também, terceiro(s) e o Estado, atingindo, portanto, a órbita dos particulares, e, por ser atentado contra a dignidade da justiça, a própria esfera pública.

O presente artigo tem por objetivo precípuo demonstrar que embora não haja uma

harmonia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em se definir o marco inicial da fraude

à execução – que poderá ser a baliza que põe termo a uma eventual fraude contra credores,

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desde que comprovados os seus requisitos configurativos –, existe a possibilidade de se fixar, pela dinâmica jurídico-social, um denominador comum como ponto de partida ao referido instituto, seja na esfera criminal, cível ou tributária.

A expectativa que se teve no decorrer da elaboração da pesquisa foi positiva no sentido de demonstrar, porém nunca esgotar, as possibilidades exegéticas que o Ordenamento Jurídico brasileiro oferece no que toca à fraude de execução propriamente dita, sempre observando que a dinâmica jurídico-social está aí para condicionar e impulsionar as eventuais e muitas vezes indispensáveis modificações no próprio modo de pensar a Ciência do Direito.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FRAUDE À EXECUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

Muito embora o instituto da fraude à execução tivesse presença marcada desde a era romana – guardada as devidas peculiaridades histórico-temporais –, a pesquisa que ora se apresenta parte, em sua análise histórica, do instituto no Direito brasileiro.

Em nosso país, como fruto da legislação portuguesa, mais especificamente das Ordenações do Reino: Manuelinas, Afonsinas e Filipinas, essa última com notada aproximação ao que se entende pelo instituto hodiernamente, a fraude à execução só teve sua confirmação como norma processual pelo Regulamento nº 737, conhecido como Decreto Imperial nº 737, de 25 de novembro de 1850.

Os resquícios histórico-legais desse instituto remontam a disposições específicas,

presentes no Livro III, Título LXXXVI, das Ordenações Filipinas, quando era proibido, por

exemplo, a alienação de bens de raiz, durante a demanda judicial, consoante expressão literal

do § 14º (“Dos agravos e das sentenças definitivas”). Esse capítulo retratava uma espécie de

hipoteca judiciária sobre os bens do condenado ao pagamento de soma pecuniária, ao prever

que “... o que tiver bens de raiz, que não valham o contido na condenação, não os poderá

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alhear, durante a demanda, mas logo ficarão hipotecados por esse mesmo feito e por esta Ordenação para pagamento da condenação.”

2

Era espécie de direito de seqüela, em favor do vencedor, sobre os bens alienados (na linguagem da época: alheados) durante a demanda. Seguindo na mesma trilha, os §§ 15º e 16º das mesmas Ordenações, a referir-se à execução de sentença condenando alguém por ação real ou pessoal, ou para que entregasse coisa certa do vencedor

3

. Caso alienado essa coisa, o valor atribuído a ele poderia se dar de duas maneiras: pela verdadeira valia, e pelo valor estimatório por afeição à mesma, podendo ser cumulativa essa valoração

4

.

Outra situação prevista nas Ordenações era a hipótese de não se encontrar bens suficientes para garantir a execução – uma situação de eventual insolvência, como o instituto é conhecido atualmente. A Ordenação era rigorosa nesse sentido, aplicando dupla responsabilidade ao devedor, patrimonial e pessoal

5

.

José Sebastião de Oliveira

6

complementa outros pontos que certamente soam como embriões do instituto sob análise:

a) Pessoa sujeita a uma ação real, ou pessoal: Livro III, Título XXXIX – ‘Do que transpassa em algum poderoso a causa, ou direito, que nela tem’.

‘Se algum tiver aução real, ou pessoal contra outro, e antes de demanda começada a ceder, ou transpassar em algum poderoso por razão de officio, perca toda a aução e direito que nella tiver.’

Esse tópico das Ordenações traz a origem do Inciso I, do artigo 593, do Código de Processo Civil. Talvez mais claro com leitura conjunta aos §§ 03º e 09º, do Livro IV, Título X

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2 BRÊTAS DE CARVALHO, Ronaldo. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 02.

3 BRÊTAS DE CARVALHO, Ronaldo. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 02.

4 BRÊTAS DE CARVALHO, Ronaldo. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 02.

5 BRÊTAS DE CARVALHO, Ronaldo. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 02.

6 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo:

Saraiva, 1988, p. 44.

7 ‘d) Alienação ou cessão de cousas litigiosas: Livro IV, Título X, §§ 03º e 09º’ - ‘Das vendas e alheações, que se fazem de cousas litigiosas.’ ‘Cousa litigiosa he aquella, sobre que he movida litígio em juízo entre as partes.’ ‘§

3º. Depois que a cousa for litigiosa per cada hum dos sobreditos modos, pendendo o litígio, antes que seja fundo

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Ainda, conforme lecionamento de Pereira e Souza (1907, citado por CAHALI, 2002, p.471) ‘se o vencido alienou a cousa demandada depois da litiscontestação, prossegue a execução contra aquele, para quem passou essa cousa litigiosa (Ord. Livro 4º, Titulo 10, § 9°;

e Livro 3°, Título 86, § 16).’

8

Assim, durante todo o período Brasil-colônia as relações jurídicas pautaram-se, como não podia deixar de ser, pela legislação de Portugal. Imperavam, portanto, as Ordenações Filipinas, sob a influência do direito canônico e do direito romano

9

.

Ocorre que o dinamismo político-jurídico oriundo da eloqüência comovente da Declaração de Independência do Brasil, datada de 07 de setembro de 1822, deu inicio à concepção de um Ordenamento Jurídico próprio. O espírito nacionalista do jovem Império que acabara de se formar passou a exigir, até sob o ponto de vista de sua afirmação política, bem como para ressaltar a adquirida soberania, a criação de um direito pátrio, próprio, consentâneo com os seus interesses desenvolvimentistas.

Nessa seara, surgiu o primeiro diploma normativo brasileiro editado após a primeira Carta Política do Brasil, a saber: o Código Comercial, que teve seu surgimento pela Lei nº 556, que o promulgou

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, hoje parcialmente revogada pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, atual Código Civil brasileiro. O elaborado diploma comercial mostrou, após a sua promulgação, que necessitava sofrer alguns temperamentos regulamentares.

Surge, assim, o famoso Decreto Imperial nº 737, de 25 de novembro de 1850 – derrogando parcialmente o Livro III das Ordenações Filipinas –, o qual trouxe no seu bojo

per sentença deffinitiva, passada em cousa julgada, não a deve o réo vender, nem passar a outrem a ação movida sobre essa cousa: e fazendo-o a venda, ou escaimbo da cousa litigiosa será nenhuma e de nenhum vigor... ’, e a hipótese de sucessão alienatória, com execução direta contra o possuidor: ‘9º. E se depois de feita a venda, escaimbo, ou doação, o autor houver sentença contra o réo, que emalheou cousa litigiosa, per essa mesma sentença seja feita execução contra essa pessoa, a que for vendida, escaimbada, ou doada, em cujo poder a cousa for achada, sem ser mais chamado, nem citado, se foi o sabedor do litígio ao tempo, que a houve, ou teve razão de saber, como se disse no Livro Terceiro, no Título (86): das execuções, que se fazem geralmente, no parágrafo (16). E se esse condenado e não sendo delle sabedor, nem tendo razão de o saber, será citado para a execução, e ouvido com seu direito summariamente, sabida somente a verdade, sem outro processo.’ (OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1988, p.

44/45).

8 PEREIRA E SOUZA, Joaquim José Caetano. Primeiras linhas sobre o processo civil. Anotado por Teixeira de Freitas. Rio de Janeiro: Garnier, 1907, nota 735, p. 319.

9 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 01, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 14.

10 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 01. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 14 .

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alguns vestígios do direito romano, de tal forma que a execução, por exemplo, fosse direcionada contra a pessoa do devedor, no caso de inadimplemento da obrigação, sendo permitida sua prisão civil, conforme previsão do artigo 574

11

.

Concomitante com o Regulamento n° 737, vigiu outro ordenamento processual no Brasil

12

, porquanto o referido decreto não trazia amparo às causas cíveis, ficando essas a mercê, no direito interno, das Ordenações Filipinas, e, subsidiariamente, do direito romano.

Assim, não obstante o conhecido regulamento ter por missão, prima facie, disciplinar o Processo Comercial brasileiro, ele já trazia no seu interior a construção legal do instituto da fraude à execução.

Com a Consolidação Ribas e com o Decreto n° 763, de 19/09/1890, o Decreto nº 737 teve sua aplicação estendida às causas cíveis.

‘Mas, apesar desses traços, sem dúvida alguma, com a vigência do regulamento nº.

737 (Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850), disciplinando o processo comercial, mais tarde estendida sua aplicação às causas cíveis propriamente ditas (‘ex vi’ Decreto nº 763, de 19 de setembro de 1890), é que encontramos originariamente a construção legal do instituto, regrado quase de modo idêntico ao que se contém no atual Código de Processo Civil, já inserida no seu texto, pelo primeira vez, a expressão ‘fraude de execução...’13

Já na República – pela Constituição Federal Republicana, promulgada a 24 de fevereiro de 1891 – um novo trato foi dado à matéria legislativa, passando os Estados brasileiros a terem competência para legislar sobre processos civil e penal, seguindo os

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11 Peña cita o art. 574 do referido decreto: ‘Art. 574. Se o vencido não tiver com que pague a estimação da cousa, que alienou em fraude de execução, será preso até pagar ou até um ano se antes não pagar.’ (PEÑA, Ricardo Chemale Selistre. Fraude à execução. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre, p. 50).

12 Ante a lacunosidade normativa, foi editada a Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871, que determinava em seu artigo 29, § 14º a execução de uma Consolidação das Leis de Processo Civil, tarefa essa incumbida ao Conselheiro Antônio Joaquim Ribas, dando-se, em homenagem ao seu autor, o nome de “Consolidação Ribas”.

O texto formulado tornou-se obrigatório em virtude da aprovação do Poder Executivo, dada pela resolução da Consulta de 28 de dezembro de 1876 (OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 48).

13 BRÊTAS DE CARVALHO, Ronaldo. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 02.

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legisladores estaduais a letra do Regulamento n° 737, porém adotando a expressão prevista no Decreto n° 763/1890, salvo raras exceções

14

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Posteriormente, com a União Federal readquirindo a competência para legislar em matéria processual, e por força da Constituição Federal, de 16 de julho de 1934, outorgando competência supletiva aos Estados, modificações foram sendo introduzidas com o fito de adequar o instituto a realidade sócio-jurídica da época.

Novas mudanças estavam por vir, quando da edição da nova Carta Política, agora outorgada em 1937 – já com a previsão de que a União era detentora de competência exclusiva para legislar em direito processual – e com a promulgação do Código de Processo Civil de 1939. Percebe-se, pela leitura do artigo 895, do Código de Processo Civil pretérito, que o legislador federal, ao tratar da alienação de bens, não deixou de transportar o instituto da fraude à execução, sendo a mesma inserida no Livro VIII, do Título I

15

.

Culminando a evolução histórica do instituto sob análise no atual Código de Processo Civil, nota-se, pela disciplina do artigo 593 e incisos, que o legislador transportou a fraude à execução com as suas principais características

16

, taxando os seus pressupostos gerais e específicos, contudo sempre prezando pela satisfação dos direitos creditórios e, por conseqüência, pela efetividade da prestação jurisdicional.

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14 Conforme Sebastião de Oliveira, “ ...quase todos os ordenamentos processuais se limitaram a repetir o conteúdo do regulamento n° 737, salvo raras exceções, como o Código de Processo Civil e Comercial do Estado de São Paulo, o do Distrito Federal e o da Bahia, os quais traduziram o pensamento renovador e científico que, desde meados do século passado, se incutira no processo na Alemanha.” (OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 48).

15 Nesse sentido: “Art. 895. A alienação de bens considerar-se-á em fraude de execução: I. Quando sobre eles for movida ação real ou reipersecutória; II. Quando, ao tempo da alienação, já pendia contra o alienante demanda capaz de alterar-lhe o patrimônio, reduzindo-o à insolvência; III. Quando transcrita a alienação depois de decretada a falência; IV. Nos casos expressos em lei.” (CAHALI, Yuseff Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal.

3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, ps. 472/473).

16 Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I. Quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II. Quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo a insolvência; III. Nos demais casos expressos em lei. In BRASIL. Presidência da República

Federativa do Brasil. Código de processo civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm >. Acesso em: 14 mai. 2007

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2 QUESTÕES RELACIONADAS À FRAUDE DE EXECUÇÃO

2.1 Da fraude à execução e da fraude contra credores

O direito, em respeito ao princípio básico de que os pactos devem ser cumpridos, pacta sunt servanda, estabelece como sustentáculo – ante a crise de responsabilidade que paira na sociedade hodiernamente, arraigada eminentemente pelo ranço histórico de antipundonor social –, institutos jurídicos que, precipuamente, servem como garantidores das obrigações assumidas pelos contratantes.

Nessa linha de enaltecer a importância da lealdade e da conduta das partes no processo, saudável a lição de Isolde Favaretto, ao afirmar que “as manifestações processuais, por evidência, sejam elas positivas ou negativas, tem afinidade com a atividade ou inatividade das partes, simbolizando uma vontade de assim se comportarem no desenvolvimento do processo.”

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Ocorre, no entanto, que esse comportamento das partes no processo pode ter repercussões jurídicas coibidas pelo ordenamento, desejadas ou não por elas.

Nesse arcabouço estão incluídas a fraude contra credores e a fraude de execução. Ou seja, procurando coibir práticas antiéticas e, especificamente, antijurídicas, esses dois institutos apontam para uma mesma finalidade, que é proteger os credores contra os atos fraudatórios praticados pelos devedores, contumazes ou não, que visem causar-lhes prejuízos.

Objetivamente, o fim colimado é o seguinte: retornar ao patrimônio do devedor, ficta

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ou concretamente, os bens alienados ou onerados de forma fraudulenta, restabelecendo-se o status quo ante da situação patrimonial.

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17 FAVARETTO, Isolde. Comportamento processual das partes como meio de prova. Porto Alegre: Ed.

Acadêmica, 1993, p. 47.

18 Diz-se ficta, porque parte da doutrina entende que o bem, em fraude à execução declarada, não retorna ao patrimônio do devedor, tão só se declara a ineficácia do negócio jurídico perante o credor. Nesse sentido Pontes de Miranda traz discussão sobre o assunto (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de processo civil, tomo IX: arts. 566 a 611. Rio de Janeiro: Forense, 2002, ps. 346-351).

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José Sebastião de Oliveira

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diz que esses institutos são semelhantes por que:

Em ambos os institutos, o resultado final implica o desfazimento do negócio fraudulento realizado entre devedor insolvente e o adquirente ou seus sucessores, apenas percorrendo caminhos diversos, tendo como fundamento o virtual prejuízo causado ao credor do alienante.

A doutrina majoritária

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, porém, com entendimento diverso do que leciona José Sebastião de Oliveira, sustenta que na fraude à execução não se objetiva o desfazimento do negócio jurídico, mas, sim, a declaração de ineficácia jurídica

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do mesmo perante o credor e o Poder Judiciário. É que, caso confirmada a fraude de execução, o negócio jurídico firmado entre terceiro-adquirente e devedor/vendedor continua com vigência no mundo jurídico, sendo o bem objeto da alienação penhorado junto ao terceiro-adquirente, não ao real devedor.

Cumpre destacar que esses dois institutos jurídicos, acolá das parecenças, apresentam desemelhanças concretas. Isso tem sido afirmado praticamente de maneira uníssona pela doutrina

22

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19 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo:

Saraiva, 1988, p. 26.

20 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 101, MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Defeitos do negócio jurídicos. São Paulo: LTr, 2005, p. 133, WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de direito processual civil. v. 02. Processo de execução. 4. ed. rev., atual. e ampl., 2002, p. 120, SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v. 02. 5 ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 77, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil, tomo IX: arts. 566 a 611. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 348, ASSIS, Araken de. Manual da execução. 9 ed. rev. atual. e ampl. da 8 ed. do livro Manual do Processo de Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 228, CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 466.

21 Para Marcos Bernardes de Mello, “ineficácia jurídica é possível definir como inaptidão, temporária ou permanente, do fato jurídico, para irradiar os efeitos próprios e finais que a norma jurídica lhe imputa.”

(BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1. parte. 2 ed. rev. São Paulo:

Saraiva, 2004, p. 60).

22 A fraude contra credores é tratada pelo direito material, encartada dentro do Código Civil, logo, de caráter privado. A fraude à execução é de ordem pública, inserida no direito processual. Ainda, a fraude executiva exige ação proposta em juízo, seja de conhecimento, cautelar ou execução. A fraude contra credores exige como pressuposto, dentre outros, a situação de insolvabilidade do devedor, prescindindo da propositura de ação judicial de qualquer natureza. Nesse sentido: SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil:

execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v. 02. 5. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, ps. 76/77, OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed.

atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1988, ps. 60-63, MATIELLO, Fabrício Zamprogna, Defeitos do negócio jurídico. São Paulo: LTr, 2005, ps. 132/133, THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, ps.101-103, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil, tomo IX: arts. 566 a 611. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 340.

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As distinções são perceptíveis a partir da leitura do conceito formulado por José Sebastião de Oliveira

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, ulterior a breve exposição doutrinária de Liebman e Mendonça Lima:

A fraude à execução é um instituto de direito público inserido no direito processual civil, que tem por finalidade coibir e tornar ineficaz a prática de atos fraudulentos, de disposição ou oneração de bens, de ordem patrimonial, levados a efeito por parte de quem já figura no pólo passivo de uma relação jurídica processual, como legitimado ordinário passivo (devedor demandado), visando com isso a satisfação da pretensão deduzida em juízo por parte do autor da demanda (credor demandante), configurando verdadeiro atentado à dignidade da Justiça, cuja atividade jurisdicional já se encontrava em pleno desenvolvimento (CPC, art. 600).

Nessa seara afirma Fabrício Zamprogna Matiello

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:

Não se confundem fraude contra credores e fraude à execução. Enquanto aquela é defeito do negócio jurídico e o torna anulável por meio de ação própria, está pressupõe a existência de demanda em trâmite e se traduz em atitude do devedor tendente a frustrar a prestação jurisdicional e o direito do credor, de maneira que o ato é nulo de pleno direito. Ademais, a fraude contra credores exige o ajuizamento de ação revocatória (exceto em poucos casos excepcionais, v.g., art. 768 do Código de Processo Civil, art. 216 da Lei n. 6.015/73 e mediante ajuizamento de embargos de terceiros), ao passo que a fraude à execução pode ser decretada nos próprios autos do processo em que é argüida, ou até em sede de embargos de terceiro.

Quanto aos efeitos, sustenta o mesmo autor:

Em termos de efeitos, a fraude contra credores faz volver o item patrimonial à esfera jurídica do devedor e, portanto, aproveita a todos os credores, enquanto a fraude à execução torna ineficaz o ato exclusivamente em relação ao credor litigante, como se o bem ou o direito jamais houvesse sido deslocado do patrimônio original, mas sem produzir reflexos jurídicos em favor de outros eventuais credores.25

Oportuno salientar que não obstante esse autor apresente importante distinção quando afirma tratar-se a fraude contra credores de defeito do negócio jurídico passível de anulação

26

, por via de ação própria, trata a fraude contra execução como ato suscetível de nulidade absoluta, o que improcede para a doutrina majoritária

27

.

______________

23 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo:

Saraiva, 1988, p. 61.

24 MATIELLO, Fabrício Zamprogna, Defeitos do negócio jurídico. São Paulo: LTr, 2005, ps. 132/133.

25 MATIELLO, Fabrício Zamprogna, Defeitos do negócio jurídico. São Paulo: LTr, 2005, p. 133.

26 Em sentido contrário, entendendo pela ineficácia relativa do ato: ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, ps. 209-215. Ver ainda, Pontes de Miranda, conforme nota de rodapé nº32, entendendo tratar-se de rescisão em detrimento da nulidade, anulação ou ineficácia relativa.

27 CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 101. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.

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À luz da doutrina majoritária, Wilson Leite Corrêa

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afirma que:

A fraude contra credores é um dos defeitos dos atos jurídicos, que depende de ação própria para ser declarado e que, se procedente, implica na anulação do ato. A fraude de execução é instituto de direito processual, um incidente do processo, que não reclama ação própria e cujo reconhecimento implica na ineficácia da alienação em relação à outra parte, não desfazendo a alienação.

Como não é ato nulo ou anulável, que necessite de ação anulatória para sua desconstituição, o negócio jurídico que fraudar a execução, diversamente do que se passa com a fraude contra credores, gera pleno efeito entre alienante e adquirente, sendo, nesse sentido, existente, válido e eficaz entre os mesmos. Nada obstante seja existente e válido, não pode ser oposto ao exeqüente, por estar eivado de ineficácia contra esse. A execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulenta, como se está não estivesse ocorrido. O bem será de propriedade do terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito, o que vai de encontro ao conceito binário de obrigação

29

, oportunamente debatido

30

.

Ademais, a fraude contra credores atenta contra interesses particulares, razão pela qual se perquire sobre os conceitos de existência e validade do ato translativo ou oneratório.

Sendo anulado o negócio jurídico viciado, o bem objeto da fraude reverte-se em proveito do acervo do devedor, que aproveitará a todos eventuais credores, pela leitura do artigo 165, e parágrafo único, do Código Civil

31

. É que, apesar de um dos credores figurar como agente ativo no processo que busca a anulação

32

do negócio fraudulento, os efeitos dessa anulação são erga omnes, posto que o bem retorna ao patrimônio do devedor, podendo cada credor resguardar o seu direito creditório.

Comentários ao código de processo civil, tomo IX: arts. 566 a 611. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 348.

ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 243.

28 CORRÊA, Wilson Leite. Da fraude de execução. Aspectos polêmicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3624>. Acesso em: 14 maio 2007.

29 A obrigação é formada por dívida e responsabilidade, não por credor e devedor, porquanto o ato do credor é irrelevante à obrigação, preponderando ênfase sobre a responsabilidade, conforme nota de rodapé nº 30.

30 Ver página 13, nota de rodapé 41.

31 Art. 165 CC. Anulados os Negócios Jurídicos fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.

Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada. Conforme BRASIL.

Presidência da República Federativa do Brasil. Código civil. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 14 maio 2007.

32 Pontes aduz que não se trata de anulação, na fraude pauliana, mas sim de rescisão, fundamentando, para tanto, com análise histórica do referido instituto (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil, tomo IX: arts. 566 a 611. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 335). Ver página 10.

(12)

Já na fraude à execução não ocorre isso, porquanto essa é praticada contra os interesses do credor e do Poder Judiciário, que declara ineficaz o negócio nos autos do próprio processo em questão, porém tão-somente em relação ao credor exeqüente e à execução.

De acordo com Humberto Theodoro Júnior

33

, a diferença básica é:

a) A fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos;

é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor; b) A fraude de execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação.

Ademais, em ambas haverá o eventus damni, ou seja, o prejuízo efetivo ao credor.

No entanto, distinguem-se porque na fraude de execução existe uma ação em curso, sendo dispensável a prova da má-fé (consilium fraudis) e do referido prejuízo. Ou seja, falar do conhecimento da litispendência pelo adquirente ou por aquele que recebe o bem em garantia real, como requisito para a configuração da fraude à execução, não significa incluir o consilium fraudis como pressuposto desta

34

.

2.2 Responsabilidade Patrimonial

35

Responsabilidade patrimonial consiste na situação de sujeição à atuação da sanção.

É a situação em que se encontra o devedor de não poder impedir que a sanção seja realizada mediante a agressão direta ao seu patrimônio. Traduz-se na destinação dos bens do devedor a satisfazer o direito do credor.36

______________

33 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 101.

34 Conforme Dinamarco, “tem-se esse conluio malicioso, para os fins da fraude contra credores, quando o beneficiário do ato quer também, ou se presume que queira, em conjunto com o devedor-alienante, produzir especificamente o estado patrimonial de insolvência deste (ou agravá-lo). Também para a fraude de execução a insolvência se exige, mas não se exige que o adquirente tenha a vontade ou mesmo a consciência de estar concorrendo para gerá-la ou agravá-la (supra, nn. 1.572 e 1.574); exige-se somente que tenha ou deva ter conhecimento do processo (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2.

ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 394).

35 Na visão de Ovídio Baptista: Responsabilidade patrimonial por execução real (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v. 02. 5. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 69).

36 WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Corrêa de, TALAMINI, Eduardo; Coordenação de Luiz Rodrigues Wambier. Curso avançado de processo civil. v. 02. Processo de Execução. 8 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 110.

(13)

Na responsabilidade patrimonial do devedor há a destinação do patrimônio desse como garantia ao credor de que, havendo inadimplemento, terá a satisfação de seu crédito pelos meios executivos cabíveis; coativos se necessários. Sua diretriz geral está prevista no artigo 591 do Código de Processo Civil

37

.

Trata-se, na verdade, do princípio da realidade da execução, expressão com a qual se procura destacar que a execução civil recai precipuamente sobre o patrimônio do executado, e não sobre sua pessoa

38

.

Segundo Ovídio A. Baptista da Silva

39

:

O objeto da execução, portanto, não é a pessoa do devedor, e sim os seus bens, compreendido este conceito em seu sentido mais amplo, como qualquer valor jurídico capaz de ser transferido do patrimônio do obrigado para o patrimônio do credor, para a satisfação do direito de crédito.

Percebe-se, com isso, que a essência da obrigação não está na relação crédito e débito, mas sim débito e responsabilidade patrimonial do devedor

40

, porquanto se se sujeita o patrimônio do devedor ao agir do credor para a satisfação de seu crédito, o direito do credor não é um direito a certo ato do devedor (prestação), mas um direito sobre o seu patrimônio.

Nessa esteira vem a doutrina da dívida e da responsabilidade, ou, para Ovídio Baptista: débito e responsabilidade

41

, quando do processo de revisão do conceito binário de

______________

37 Art. 591 CPC. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. Conforme site: BRASIL. Presidência da República Federativa

do Brasil. Código de processo civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm >. Acesso em: 14 mai. 2007.

38 WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Corrêa de, TALAMINI, Eduardo; Coordenação de Luiz Rodrigues Wambier. Curso avançado de processo civil. v. 02. Processo de Execução. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 114. O mesmo autor afirma que há exceções: pense-se, por exemplo, na remoção, com uso de força, do devedor de bem imóvel objeto de execução.

39 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v. 02. 5. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 70.

40 Sustenta Ovídio Baptista, nesse sentido, que “responsabilidade é o elemento obrigacional que vincula o patrimônio do devedor ao cumprimento da obrigação.” (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v. 02. 5. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 72).

41 Afirma Ovídio Baptista que “em toda obrigação há o dever de prestar (débito), ou seja, o compromisso que o devedor assume de satisfazer ao credor, cumprindo a obrigação; e há, do ponto de vista objetivo, a vinculação do patrimônio do obrigado, ou de parte dele, a fim de que o credor obtenha a satisfação de seu direito de crédito nos bens do devedor, quando este espontaneamente não cumpra a obrigação. Esse vínculo patrimonial de sujeição dos bens do devedor, para satisfação do credor, é que se denomina responsabilidade.” (SILVA, Ovídio Araújo

(14)

obrigação. É dizer: “ ...a essência da obrigação não estaria no dever jurídico de executar a prestação e no correspondente direito do credor exigi-la, mas antes na responsabilidade patrimonial do devedor ... ”

42

, sendo a “ ... dívida um vínculo pessoal; a responsabilidade um vínculo do patrimônio

43

.”

4445

Nas sábias palavras de Teori Albino Zavascki

46

:

Da relação que existe entre os figurantes da endonorma (credor e devedor) nasce o débito, ou seja, o dever de prestar; e, da relação que se estabelece entre o Estado e o sujeito sobre cujo patrimônio recai a sanção jurídica, nasce a responsabilidade, ou seja, a sujeição dos bens ao atendimento coativo da prestação. O débito está relacionado com o preceito que define a conduta do devedor e o seu atendimento espontâneo; a responsabilidade, diferentemente, só ganha sentido e função com o inadimplemento do preceito e com a execução forçada da prestação.

Nesse sentido, é possível afirmar que haverá obrigação quando: houver dívida sem responsabilidade – por exemplo: quando paga por terceiro, ou pela morte do devedor, ou, como cita Cândido Rangel Dinamarco, “ ... da Fazendo Pública, cujos bens não são suscetíveis de penhora (Const., art. 100 e CPC, art. 730)”

47

–; responsabilidade sem dívida – como na fiança ou na hipoteca concedida para a garantia de dívida de terceiro – e dívida com responsabilidade (a mais trivial).

Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v. 02. 5. ed.

rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 69).

42 CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 22.

43 Para Araken de Assis, esse patrimônio individualizado “compreende bens, coisa materiais e imateriais, dotadas de valor econômico, e que podem ser objeto de relações jurídicas. Tais bens constituíram o objeto da atividade executória, ressalvada a hipótese de coerção pessoal. E não importa que o bem seja objeto de mais de um direito, a exemplo da coisa gravada como usufruto a favor de terceiro, que deverá ser intimado da constrição (art.615, II), e pertencente ao executado.” (ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 229).

44 CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 23.

45 Em consonância com Cahali, “Nosso Código seguiu, assim, a diretriz da teoria dualista das obrigações, de origem alemã, que decompõe o conceito de obrigação em dois elementos, o débito (schuld), vínculo pessoal, consistente no dever de prestar por parte do devedor, e na responsabilidade (Haftung), vínculo do patrimônio, exprimindo o estado de sujeição dos bens do obrigado à ação do credor. Como já se afirmou corretamente: o devedor obriga-se, seu patrimônio responde.” (CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed.

rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 22).

46 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, p. 190.

(15)

Esse entendimento, entretanto, não é pacífico, debatendo a doutrina acerca da formação dessa responsabilidade patrimonial. Para parte da doutrina

48

não se deve confundir débito, ou obrigação, com responsabilidade patrimonial, não sendo essa elemento constitutivo daquela, até porque “a obrigação, ou débito, se estabelece entre o credor e o devedor, tendo por objeto bens indeterminados, presentes ou futuros.”

49

Ademais, “enquanto a obrigação é estática e por si própria não autoriza movimentos em favor da efetivação, a responsabilidade é eminentemente dinâmica e está presente na ordem jurídica como elemento para operacionalização da tutela jurisdicional.”

50

A relação entre credor e devedor é relação entre particulares, e, portanto, de direito material

51

, enquanto a relação entre executado e juiz é uma relação pública. Aqui há responsabilidade; lá existe débito. Essa pertence à obrigação, ao lado do crédito; aquela pertence à relação juiz-executado.

Com isso, além da responsabilidade patrimonial, há ainda uma responsabilidade processual, que não se confunde com a responsabilidade pessoal, tampouco com a responsabilidade civil

52

. Não há como enlear qualquer dessas responsabilidades com a obrigação propriamente dita.

Questão debatida sobre o artigo 591, do CPC, condiz com a utilização dos termos presentes e futuros utilizados pelo legislador, uma vez que são os mesmos que condicionam a extensão da responsabilidade no plano intertemporal.

47 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 327.

48 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 324, ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 224.

49 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo:

Saraiva, 1988, p. 58.

50 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 325.

51 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, nota de rodapé, p. 190.

52 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 327.

(16)

Para Araken de Assis

53

:

Facilmente se percebe quão ilusória é a singeleza do art. 591. Seja como for, sua finalidade principal consiste em enunciar que a sujeição do obrigado à atividade executiva, em decorrência do descumprimento imputável de obrigação constante de título executivo (art. 580, parágrafo único), se cinge aos bens presentes e futuros.

Cândido Rangel Dinamarco

54

define que:

São bens presentes o que naquele momento mais remoto (constituição da obrigação) já estivessem no patrimônio do devedor e que em certas circunstâncias permanecem sob responsabilidade executiva ainda quando alienados (as fraudes do devedor);

futuros os que passaram a integrar esse patrimônio depois da constituição da obrigação e ainda em tempo hábil para serem colhidos pela execução forçada.

Definidos os pontos sobre o que se entende por bens presentes e futuros, lastro real garantidor dos direitos creditórios, o devedor é alertado da impertinência de alienar ou onerar esses bens, posto que o fazendo estará incorrendo em fraude de execução.

Haverá bens do devedor, ainda, que não responderão por suas obrigações, a exemplo das cláusulas proibitivas inseridas no artigo 649, do CPC

55 56

. Existirão bens, igualmente, de terceiros, que por elas responderão – como hipótese de responsabilidade sem débito

57

.

É necessário, portanto, haver equilíbrio entre os bens do devedor e suas obrigações, posto que, não obstante tenha ele assumido a obrigação direta de prestar aquilo que constitui

______________

53 ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 223.

54 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 328.

55 Com atenção especial ao inciso IV, acrescentado pela Lei nº 11.382/2006. Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: (...) IV – os vencimentos, os subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiros, e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo; (...) § 3º (vetado). Conforme BRASIL. Presidência da República

Federativa do Brasil. Código de processo civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm >. Acesso em: 14 mai. 2007.

56 Nesse sentido, afirma Araken de Assis: “a expressiva cláusula final do art. 591 recorda a possibilidade de a lei criar restrições à responsabilidade, ou seja, excluir certos bens de seu âmbito e, portanto, remete à disciplina da impenhorabilidade (arts. 648, 649 e 650). Mesmo sua leitura apressada revela o caráter excepcional dessas ressalvas, o que implicará, naquele âmbito, o exame do princípio da tipicidade da impenhorabilidade.” (ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p.

222).

(17)

no objeto do vínculo obrigacional, assumiu, outrossim, obrigação subsidiária, conseqüência natural da primeira, que é manter o equilíbrio entre seus bens e suas obrigações.

Mesmo o devedor tendo o direito, dentre outros, de dispor do que lhe pertence por força dos artigos 1228, do Código Civil

58

, esse direito de livre disposição deve ocorrer com responsabilidade, atento às suas limitações, de modo que a sua utilização não acarrete aos credores prejuízos por força de alienações fraudulentas.

3 AS HIPÓTESES LEGAIS E O MARCO INICIAL DA FRAUDE À EXECUÇÃO

Antes de ingressar nas hipóteses legais da fraude de execução, estudando as diferentes teorias que procuram alocar a fase em que ocorre o termo inicial, vale citar a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco

59

, quando tratou da situação de inadimplemento.

Todo direito suscetível de efetivação pela via da execução forçada é direito cuja satisfação a ordem jurídica confia, em primeiro lugar, a uma prestação de algum sujeito, o obrigado; e a execução visa sempre a produzir no mundo real da vida das pessoas o mesmo resultado prático que esta prestação teria produzido mas não produziu porque não foi realizada. Tais são as crises de adimplemento, a que o sistema processual da remédio mediante a tutela jurisdicional executiva.

Essa crise de cumprimento das obrigações na ordem social brasileira pode ser entendida como a razão que fundamenta a necessidade de se provocar a máquina judiciária, donde se busca a tutela jurisdicional executiva para fazer-se valer o direito material – no primeiro momento e nas conjecturas que não se admitem por execução direta, por via da fase de conhecimento (ou reconhecimento do direito pretendido), e, no segundo plano, pelo conduto da fase executiva (para dar efetividade ao direito já reconhecido).

57 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo:

Saraiva, 1988, p. 60.

58 Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua. (omissis). Conforme BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Código civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em:

14 maio 2007.

59 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 168.

(18)

Partindo da concepção de que o devedor não cumpriu à determinação legal exarada pelo Poder Estatal, exibem-se as disposições legais que aferem o leque de possibilidades de se fraudar à execução. O artigo 593, caput e incisos, do Código de Processo Civil brasileiro

60

prevê todas as hipóteses de fraude à execução a serem tratadas nessa pesquisa.

Para a configuração das situações de fraude à execução, supõe-se a ocorrência de vários pressupostos, alguns comuns a todas as hipóteses, outros específicos.

Como aspecto comum, nas palavras de Teori Albino Zavascki

61

, a alienação e a oneração.

A alienação pode ser entendida como o ato praticado pelo devedor que importar em diminuição voluntária do seu patrimônio. Já a oneração dá-se por direitos reais de gozo e fruição (superfície, servidões, uso, usufruto, habitação), ou garantia (penhor, anticrese e hipoteca)

62

.

Paulo Cesar Carvalho Pinto

63

, em preocupação com os efeitos oriundos da alienação ou oneração em fraude de execução, discorre sobre as dificuldades de se fixar o marco inicial da fraude mencionada:

Três são as teorias que apontam o momento a ser considerado para caracterizar a fraude à execução: a) A primeira teoria entende que a fraude à execução se configura com a alienação do imóvel depois do simples protocolo da petição inicial na distribuição do fórum; b) A segunda teoria é a que considera fraudulenta a

______________

60Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III – nos demais casos expressos em lei.

Conforme BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Código de processo civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm >. Acesso em: 14 maio 2007.

61 Para Teori Zavascki, “A alienação que pode dar ensejo à fraude é qualquer ato entre vivos, com a participação voluntária do devedor, de que resulte a transferência da propriedade a terceiro, seja título oneroso, seja título gratuito (venda, doação, permuta, dação em pagamento) (...) A oneração é qualquer ato que, sem importar a transmissão da propriedade do bem, limita as faculdades do domínio, mediante criação, em favor de terceiro, de direito real.” (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, p. 218 e 190, respectivamente).

62 GRECO, Leonardo. O processo de execução. v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 39.

63 PINTO, Paulo Cesar Carvalho. Fraude contra a execução: uma análise das exegeses. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 364, 6 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5388>. Acesso em: 14 maio 2007, p. 02.

(19)

alienação do imóvel somente após a citação do executado, já que é com a citação que o devedor tem ciência da ação e, alienando o bem, estará, incontestavelmente, agindo de má-fé; c) o terceiro e o último entendimento, defendido enfaticamente por aqueles que estão diretamente ligados à área registral, é o que considera em fraude à execução a alienação do bem após o registro da citação e da penhora no cartório de registro de imóveis, em razão dos princípios da publicidade e da fé pública, pois, a contrário senso, não estaria o registro trazendo a segurança dos negócios jurídicos conforme determina a lei, perdendo seu objeto.

As mesmas inquietações de Paulo César Carvalho Pinto quanto aos bens imóveis são estendidas a outros bens que circundam a esfera patrimonial do devedor.

Mas há de se perguntar, ademais, seguindo as teorias supra, em qual momento se considera pendente, ou em curso a demanda? É a data da distribuição, ou da citação do réu?

Os defensores da primeira alternativa sustentam-se no disposto na parte inicial do art. 263 do Código: ‘Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara.’

A corrente contrária baseia-se na segunda parte do mesmo dispositivo: a propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado, sustentando, com razão, que a fraude do inciso I, do art. 593, supõe litigiosidade sobre o bem alienado ou onerado, e que a do inciso II requer litispendência, efeitos esses que decorrem, não da distribuição da ação, mas da citação válida (CPC, art. 219).’64

A lei considera a alienação ou oneração de bens feita em fraude de execução – pelo disposto no inciso I, do art. 593, do CPC – caso o bem esteja com pendência fundada em direito real

65

, quer dizer, objeto de discussão por ação judicial. Assim, a lei protege as eventuais alienações ou onerações feitas pelo devedor antes mesmo de ser decidida a referida ação.

A doutrina inclina-se a admitir como pressupostos gerais da fraude à execução, além da alienação ou oneração de bens, a litispendência

66

, e existência de demanda

67

contra o devedor capaz de reduzi-lo a insolvência.

68

______________

64ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, p. 220.

65 Lembrando que na visão de Parizatto, “... direito real se diz da relação jurídica que atribui ou investe a pessoa física ou jurídica na posse, uso ou gozo de uma coisa, corpórea ou incorpórea, que é de sua propriedade. Trata-se do direito da pessoa sobre as coisas móveis ou imóveis, sendo oponível contra todos, valendo ‘erga omnes’

(PARIZATTO, João Roberto. Fraude de execução e Fraude contra credores. Embargos de terceiro – Ação pauliana. Doutrina, jurisprudência, prática forense. 2. ed. São Paulo: editora Edipa, 2000, p. 09).

66 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil, tomo IX: arts.

566 a 611. Rio de Janeiro: Forense, 2002, ps. 342-344. ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 230, ASSIS, Araken de. Manual da execução. 9 ed.

(20)

Na hipótese do inciso I, do artigo 593, do CPC, a polêmica começa em definir se na aquisição de bem litigioso, quando alienado ou onerado, está caracterizada a fraude de execução. Para Wilson Leite Corrêa “ ... é desnecessário que o alienante seja reduzido à insolvência pela alienação e é irrelevante que possua outros bens, caracterizando-se a fraude de execução de pleno direito pela simples transmissão do bem sobre o qual pende ação real.”

69

Para essa modalidade de fraude à execução (pendência de ação fundada em direito real), conforme Teori Albino Zavascki

70

, o pressuposto específico é a litigiosidade do bem, em detrimento do pressuposto específico da situação prevista no inciso II, do artigo 593, do CPC, que é o estado de insolvência do devedor.

rev. atual. e ampl. da 8 ed. do livro Manual do Processo de Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, ps. 230-232, ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, p. 220, DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed., rev. e atual. de acordo com a emenda constitucional nº 45. São Paulo: Malheiros, 2005, ps. 391/392.

67 No sentido de simples ajuizamento: CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 569, BRÊTAS DE CARVALHO, Ronaldo. Fraude à execução/nulidades. Digesto de Processo/Revista Brasileira de Direito Processual. v. 03, Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 03.

68 O ministro Teori Albino Zavascki entende que existem pressuposto gerais, que devem estar presente em qualquer das hipóteses de fraude à execução, e pressupostos específicos, que dizem respeito justamente a cada uma das situações ( ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, ps. 217-225). No entanto, Araken de Assis opta por fixar como requisitos comuns a litispendência e a frustração dos meios executórios, ao argumento de que o estado de insolvência do devedor não tem relevância de requisito na hipótese do inciso I, do art. 593, do CPC (ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil. v. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 251), o que nos leva a entender que seu pensamento vai ao encontro do que sustenta o Ministro Zavascki, divergindo tão-só em razão da forma (requisitos comuns por pressupostos gerais e específicos). Também, Araken de Assis, afirma que “Dois requisitos caracterizam a fraude à execução: litispendência e frustração dos meios executórios. Existe a primeira, segundo os artigos 263 e 219 do CPC, com a citação. E a segunda idéia substitui, à luz do artigo 593 do CPC, a de ‘insolvência’. É que o artigo 593, I, do CPC prevê a alienação ou oneração de bem objeto de ação real, enquanto da insolvência preocupa-se o inciso II deste dispositivo. Não se pode duvidar, destarte, se alienado o bem reivindicado, a possibilidade de o credor obter a execução específica, tomando o bem das mãos do terceiro, conquanto não se cogite, aqui, de insolvência.” É possível completar seu entendimento pela “... possibilidade de o credor obter a execução específica, tomando das mãos de terceiro o bem porventura alienado no curso da demanda reivindicatória, sem qualquer relação com a insolvência, nos termos do art. 593, I do CPC.” in ASSIS, Araken de. Fraude à Execução e Legitimidade do Terceiro Hipotecante. Revista Direito & Justiça, v. 15, anos XIII e XIV, Porto Alegre: Edipucrs, 1991-1992, p. 25 e ASSIS, Araken de. Comentários ao código de processo civil.

V. 6: arts. 566 a 645. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 251, respectivamente.

69CORRÊA, Wilson Leite. Da fraude de execução. Aspectos polêmicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3624>. Acesso em: 14 maio 2007, p. 03.

70 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais (Coleção estudos de direito de processos Enrico Túlio Liebman; 42), 2004, ps. 220-222.

(21)

Há de se discutir, no entanto, a priori, se é indispensável a citação válida (litispendência) para configurar a fraude à execução, e, a posteriori, se é imprescindível o registro da citação da ação fundada em direito real no Cartório de Registro competente

71

.

Pela simples distribuição da petição inicial como marco prefacial da fraude à execução, dispensando litispendência e registro da citação, Wilson Leite Corrêa

72

e José Sebastião de Oliveira

73

.

O devedor tem um ônus que precisão ser observado, a título de cautela. Talvez nem se considere um ônus, mas dever legal, conforme art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/85

74

, que determina ser indispensável a apresentação da certidão do distribuidor cível, por ocasião da lavratura de instrumento de compra e venda. Ainda, é consabido que, em razão da competência territorial absoluta, a ação reivindicatória somente pode tramitar na comarca de situação do imóvel, conforme art. 94, do CPC

75

.

______________

71 CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual. com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, ps. 532/533. Traz discussão acalorada entre Mendonça Lima – advoga pela necessidade de registro da citação – e Arruda Alvim – com visão contrária –.

72 “Data venia, ousamos discordar do entendimento dominante, por entender, que, além de tratar-se de interpretação contra legem, adoção dessa interpretação acaba por causar sério risco à segurança jurídica, legitimando condutas injurídicas dos devedores e permitindo que grasse a injustiça, pois evidente o prejuízo tanto ao credor quanto à justiça, que se vê desmoralizada por tais expedientes, com clara ofensa ao princípio da efetividade do processo”, in CORRÊA, Wilson Leite. Da fraude de execução. Aspectos polêmicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3624>. Acesso em: 14 maio 2007, 03 p.

73 “Apesar de minoritária a corrente que perfilha o entendimento da ocorrência da fraude à execução, a partir do momento da distribuição da ação, parece ser mais lógico e sensato esse entendimento, pois, a partir do momento em que se firma a posição no sentido de se exigir a citação, abrem-se as portas da Justiça para a proteção dos devedores espertalhões, fato hoje por demais corriqueiro e facilmente constatado pelo grande número de processos de execução, ou de conhecimento seguido de execução, paralisados em cartório por falta de bens do devedor, que seriam penhorados e expropriados pela via judicial.” (OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 76).

74 Art 1º. Na lavratura de atos notariais, inclusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta Lei. (...) § 2º - O Tabelião consignará no ato notarial, a apresentação do documento comprobatório do pagamento do imposto de transmissão inter vivos, as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

Conforme BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Lei nº 7.433/85. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7433.htm>. Acesso em 18, maio 2007.

75 Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens imóveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu. Conforme BRASIL. Presidência da República Federativa do

Brasil. Código de processo civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869compilada.htm >. Acesso em: 14 maio 2007.

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