ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS
Cap Inf Gabriel Carlos Fagundes
“DEZEMBRADA”: SESQUICENTENÁRIO DA SÉRIE DE COMBATES QUE DESLOCOU O CENTRO DE GRAVIDADE DA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA,
SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESFECHO DO CONFLITO E INFLUÊNCIAS PARA A DOUTRINA DO EXÉRCITO BRASILEIRO
Rio de Janeiro
2019
ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS
Cap Inf GABRIEL CARLOS FAGUNDES
“DEZEMBRADA”: SESQUICENTENÁRIO DA SÉRIE DE COMBATES QUE DESLOCOU O CENTRO DE GRAVIDADE DA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA, SUA
IMPORTÂNCIA PARA O DESFECHO DO CONFLITO E INFLUÊNCIAS PARA A DOUTRINA DO EXÉRCITO BRASILEIRO
Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Ciências Militares com ênfase em Gestão Operacional.
Orientador: Sérgio Luiz Augusto de Andrade de Almeida -TC
Rio de Janeiro
2019
Cap Inf GABRIEL CARLOS FAGUNDES
“DEZEMBRADA”: SESQUICENTENÁRIO DA SÉRIE DE COMBATES QUE DESLOCOU O CENTRO DE GRAVIDADE DA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA, SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESFECHO DO CONFLITO E INFLUÊNCIAS PARA A
DOUTRINA DO EXÉRCITO BRASILEIRO
Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Ciências Militares com ênfase em Gestão Operacional.
Aprovado em __/__/ 2019
__________________________________________
JÚLIO CÉSAR DE SALES– Cel Doutor em Ciências Militares
Presidente/ EsAO
__________________________________________
ANDRÉ CEZAR SIQUEIRA – Cel Doutor em Ciências Militares
1º Membro / EsAO
__________________________________________
SÉRGIO LUIZ A. DE ANDRADE DE ALMEIDA – TC Doutor em Ciências Militares
2º Membro (orientador) / EsAO
DEDICATÓRIA
A Deus, por iluminar meus caminhos e
decisões. A minha esposa Vanessa e minha
filha Mariane, por serem meu suporte e porto
seguro.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me dar vida, saúde, paz de espírito e serenidade para enfrentar os desafios que se apresentam diuturnamente.
À minha esposa Vanessa e à nossa filha Mariane, pela motivação, paciência e compreensão diante das longas horas dedicadas à pesquisa e aos estudos.
Aos meus pais e irmão por sempre acreditarem em meu potencial e por sempre estarem presentes, seja nos bons ou maus momentos.
Ao meu orientador, Tenente-Coronel Andrade, pelas orientações precisas, pelo incentivo e pelo apoio irrestrito prestado durante todo o processo de realização da pesquisa.
A todo o efetivo do Arquivo Histórico do Exército, em especial ao Capitão Mauro, pelos incentivos e por propiciar o acesso e contato com fontes primárias importantíssimas para a conclusão da pesquisa.
A todos os inúmeros companheiros de labuta e caserna que auxiliaram o
corrente trabalho com fontes, contatos, sugestões e ideias que vieram a somar
sobremaneira para a consecução dos objetivos propostos pela presente Dissertação de
Mestrado.
A História é êmulo do tempo, repositório de fatos, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do porvir.
( Dom Quixote, Miguel de Cervantes – 1605)
RESUMO
Em Dezembro de 1868, quatro anos após o início da Guerra da Tríplice Aliança, as tropas Aliadas, lideradas pelo Duque de Caxias, enfrentaram em Itororó, Avaí e Lomas Valentinas uma série de intensos e duros combates, com a finalidade de derrotar o aguerrido exército de Solano López, além de conquistar o centro de gravidade paraguaio: sua capital Assunção, almejando pôr fim a uma guerra que já vinha onerando muitos recursos, vidas e tempo por parte de todos os contendores. A história convencionou nominar tal série de combates como Dezembrada. Passados 150 anos da supracitada série de contendas, o presente estudo procurou analisar em que medida a Dezembrada teve papel decisivo para a vitória Aliada na Guerra da Tríplice Aliança, bem como se a mesma gerou influências doutrinárias para o Exército Brasileiro. Para alcançar as metas propostas, essa dissertação foi desenvolvida de agosto de 2018 a setembro de 2019, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental (com acesso a fontes primárias do Arquivo Histórico do Exército), empregando-se o método de leitura exploratória e seletiva do material pesquisado e realizando-se uma revisão integrativa do mesmo. A fim de atingir os objetivos específicos da pesquisa, foram consultadas fontes do meio acadêmico e militar, bem como fontes dos países envolvidos no conflito, obtendo-se o máximo de neutralidade e isenção. Por fim, para dialogar as lições táticas visualizadas nas manobras militares ocorridas em 1868, com a Doutrina Militar Terrestre vigente, foram utilizados os mais recentes manuais e publicações doutrinárias da Força Terrestre e do Ministério da Defesa.
Palavras-chave: Guerra do Paraguai. Doutrina Militar. Dezembrada.
RESUMEN
En diciembre de 1868, cuatro años después del comienzo de la Guerra de la Triple Alianza, las tropas aliadas, lideradas por el Duque de Caxias, enfrentaron en Itororó, Avaí y Lomas Valentinas una serie de intensos y duros combates, con el propósito de derrotar al feroz ejército de Solano López, además de conquistar el centro de gravedad paraguayo: su capital Asunción, con el objetivo de poner fin a una guerra que ya había cargado muchos recursos, vidas y tiempo por parte de todos los contendientes. La historia ha acordado nombrar esa serie de batallas como Decembrada. Después de 150 años de la serie de disputas antes mencionada, el presente estudio buscó analizar en qué medida la Decembrada tuvo un papel decisivo en la victoria aliada en la Guerra de la Triple Alianza, así como si generó influencias doctrinales para el Ejército Brasileño.
Para lograr los objetivos propuestos, esta disertación se desarrolló desde agosto de 2018 hasta septiembre de 2019, a través de una investigación bibliográfica y documental (con acceso a fuentes primarias del Archivo Histórico del Ejército), utilizando el método de lectura exploratoria y selectiva del material investigado, y realizando una revisión integradora del mismo. Para lograr los objetivos específicos de la investigación, se consultaron fuentes de los círculos académicos y militares, así como fuentes de los países involucrados en el conflicto, obteniendo la máxima neutralidad y exención. Finalmente, para dialogar las lecciones tácticas visualizadas en las maniobras militares que ocurrieron en 1868, con la Doctrina Militar Terrestre actual, se utilizaron los manuales y publicaciones doctrinales más recientes de la Fuerza Terrestre y el Ministerio de Defensa.
Palabras Clave: Guerra del Paraguay. Doctrina Militar. Decembrada.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Navio Marquês de Olinda ... 16
Figura 2 – Passagem do Chaco ... 17
Figura 3 – Juan Manuel Rosas ... 33
Figura 4 – Carlos Solano López ... 35
Figura 5 – Bartolomé Mitre ... 37
Figura 6 – “Sistema Zagalo” ... 42
Figura 7 – Granadas empregadas pela Artilharia ... 43
Figura 8 – Ofensiva paraguaia contra Brasil e Argentina ... 45
Figura 9 – Batalha naval do Riachuelo ... 47
Figura 10 – General Osório ... 53
Figura 11 – Esquema de manobra da batalha de Tuiuti...55
Figura 12 – Uso de balão para monitoramento das posições paraguaias ... 58
Figura 13 – Avanços aliados em território paraguaio ... 61
Figura 14 – Marcha para Palmas ... 64
Figura 15 – Teatro de operações da Dezembrada ... 65
Figura 16 – Linha defensiva do Piquissiri ... 66
Figura 17 – Baterias de Angostura ... 67
Figura 18 – Detalhes das trincheiras e sistemas de represas de Piquissiri... 68
Figura 19 – Planta da estrada do Chaco ... 70
Figura 20 – Esboço original do ponto de embarque para a retravessia do Rio Paraguai, concluída a marcha pelo Chaco ... 71
Figura 21 – Controle de efetivos nas operações ... 77
Figura 22 – Esboço original do dispositivo na batalha de Itororó ... 78
Figura 23 – Comparação das forças aliadas e paraguaias envolvidas em Itororó .... 79
Figura 24 – Dias que antecederam e culminaram na batalha do Avaí...83
Figura 25 – Disposição das tropas na batalha do Avaí ... 84
Figura 26 – Localização relativa de Lomas Valentinas...87
Figura 27 – Esboço original de Lomas Valentinas ... 88
Figura 28 – Organização das forças em Lomas Valentinas...90
Figura 29 – Controle de efetivos nas operações ... 92
Figura 30 – Dispostivo do ataque em Lomas Valentinas.. ... 94
LISTA DE QUADROS E ORGANOGRAMAS
Quadro 1 – Cronologia da Guerra ... 30
Quadro 2 – Baixas brasileiras em Itororó ... 82
Quadro 3 – Baixas brasileiras em Avaí ... 86
Quadro 4 – Princípios de Guerra na Manobra do Piquissiri ... 98
Organograma 1 – 1º Corpo de Exército ... 72
Organograma 2 – 2º Corpo de Exército ... 73
Organograma 3 – 3º Corpo de Exército ... 74
LISTA DE ABREVIATURAS
AHEx Bda Btl
Arquivo Histórico do Exército Brigada
Batalhão CAO
Cel CEx CG CS
Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais Coronel
Corpo de Exército Centro de Gravidade Comando Supremo DOU
DC
Diário Oficial da União Divisão de Cavalaria DMT Doutrina Militar Terrestre
EsAO Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército EME Estado-Maior do Exército
EB Exército Brasileiro
F Ter Gen
Força Terrestre General
GTA Guerra da Tríplice Aliança IES
LA MD QG
Institutos de Educação Superior Linha de Ação
Ministério da Defesa Quartel-General TTP
VA VP
Técnicas, Táticas e Procedimentos Via de Acesso
Voluntários da Pátria
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 15
1.1 PROBLEMA ... 18
1.2 OBJETIVO ... ..19
1.3 QUESTÕES DE ESTUDO ... 20
1.4 JUSTIFICATIVA ... 20
2 METODOLOGIA ... 25
2.1 OBJETO FORMAL DE ESTUDO ... 25
2.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA ... 26
2.2.1 Procedimentos para revisão da literatura ... 26
2.2.2 Instrumentos ... 27
2.2.3 Procedimentos metodológicos ... 28
2.2.4 Análise dos dados ... 28
3 REVISÃO DE LITERATURA ... 30
3.1 ANTECEDENTES E CAUSAS DA GUERRA ... 32
3.2 DOUTRINA DO EXÉRCITO ANTES E DURANTE A GUERRA...38
3.3 A INICIATIVA PARAGUAIA – INVASÃO DE MT E CORRIENTES...44
3.4 A ASSINATURA DO TRATADO DA TRÍPLICE ALIANÇA ... ....45
3.5 BATALHA NAVAL DO RIACHUELO E INVASÃO DO RS...47
3.6 O AVANÇO ALIADO NO SUL E O RECUO PARAGUAIO ... 50
3.7 OS ANOS DE 1866 E 1867 E SUAS GUERRAS DE POSIÇÕES ... 50
3.7.1 A invasão do Paraguai ... 52
3.7.2 Tuiuti... 54
3.7.3 Curupaiti ... 56
3.7.4 Caxias entra em cena... 57
3.7.5 Humaitá ... 59
3.8 DEZEMBRADA ... 64
3.8.1 A manobra do Piquissiri...64
3.8.2 A decisão de Caxias...68
3.8.3 A marcha pelo Chaco...75
3.8.4 A batalha de Itororó...76
3.8.5 A batalha do Avaí...82
3.8.6 As batalhas de Lomas Valentinas...87
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES.. ... 97
4.1 PRINCÍPIOS DE GUERRA NA MANOBRA DO PIQUISSIRI...97
4.2 A BATALHA DE ITORORÓ E SEUS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS...102
4.3 A BATALHA DO AVAÍ E SEUS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS...104
4.4 AS BATALHAS DE LOMAS VALENTINAS E SEUS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS. ...106
5 CONCLUSÃO... 111
REFERÊNCIAS... 115
1 INTRODUÇÃO
A Guerra da Tríplice Aliança contra Solano López (1827-1870) foi o maior conflito bélico da América do Sul (envolvendo, de um lado, Brasil, Argentina e Uruguai, e, do outro, o Paraguai) e ocorreu entre 12 de novembro de 1864, com o aprisionamento do vapor Marquês de Olinda, e 20 de junho de 1870, quando Brasil e Paraguai assinaram um acordo preliminar de Paz (DONATO, 2001). Como qualquer conflito, apresenta causas remotas e imediatas, e os personagens principais são fatores determinantes na eclosão e na condução da guerra (FARIA, 2015).
Na primeira metade da década de 1860, o governo paraguaio buscou ter participação ativa nos acontecimentos platinos, apoiando o governo uruguaio hostilizado pela Argentina e pelo Império Brasileiro. Desse modo, o Paraguai entrou em uma situação de antagonismo com seus dois maiores vizinhos e Solano López acabou por ordenar a invasão de Mato Grosso e Corrientes, iniciando uma guerra que se estenderia por cinco anos (MOTA, 1995). Segundo Doratioto (2002, p.23), a guerra foi, na verdade, “resultado do processo de construção dos Estados Nacionais no Rio da Prata e, ao mesmo tempo, marco nas suas consolidações”.
Na madrugada de 11 de novembro de 1864, chegou à Assunção o navio brasileiro Marquês de Olinda. A embarcação levava a bordo, o novo presidente da província do Mato Grosso, o coronel Francisco Carneiro de Campos (1800- 1867).
Horas após partir de Assunção, o Marquês de Olinda foi alcançado pela canhoneira
paraguaia Tacuarí e obrigado a retornar ao porto da capital. López entendia que o
Brasil havia declarado guerra ao Paraguai, ao invadir, meses antes, o Uruguai, seu
aliado (SALLES, 1990).
FIGURA 1- Navio Marquês de Olinda, 1864
Fonte: Blog Guerra do Paraguai (2018) Acesso em: 13 out 2018
Como consequência, López decidiu, em 15 de novembro, iniciar operações bélicas contra o Mato Grosso, o mais rápido possível. O passo seguinte seria invadir o Rio Grande do Sul por São Borja, com as tropas que estavam concentradas em Encarnación, às margens do rio Paraná (MOURA, 1996).
Os ataques paraguaios a Mato Grosso e Corrientes viabilizaram a formalização da aliança argentino-brasileira, à qual aderiu o Uruguai governado por Venâncio Flores (1808-1868). Em 1º de maio de 1865 foi assinado, em Buenos Aires, o Tratado da Tríplice Aliança, contra Solano López, que estabelecia as condições da paz e também deveria servir de base para o estabelecimento para uma aliança calcada na “justiça e na razão” (CARDOZO, 1965).
Somente em abril de 1866, os aliados invadiram o território guarani, obrigando Solano López a recuar suas tropas, que instalaram-se em sólidas posições defensivas, atrás de terrenos alagados que dificultariam o acesso do inimigo (TASSO FRAGOSO, 2012).
Luís Alves de Lima e Silva (1803-1870), o Duque de Caxias, assumiu o posto de
comandante-em-chefe das forças brasileiras em 19 de novembro de 1866. O momento
era difícil, pois o Exército aliado se encontrava desarticulado e sem ânimo. Ademais,
Caxias tinha que reorganizar o Exército Brasileiro e pôr fim às disputas políticas entre
seus chefes, de modo a criar condições de vencer o conflito. Para isso, tornou mais
eficientes as tropas brasileiras, fortaleceu a posição do Exército e ampliou sua autonomia em relação ao governo imperial, de modo a ter agilidade na ação (IZECKSON, 1997).
A Dezembrada, série de batalhas decisivas, desenvolvidas a norte da Bateria de Angostura, vencidas pela Tríplice Aliança em dezembro de 1868 e que abriram o acesso dos aliados à capital Assunção, é um dos exemplos mais significativos de uma operação ofensiva de envergadura. O envolvimento do inimigo pelo Chaco, as dificuldades de construção da estrada, as más condições meteorológicas, os deslocamentos em terrrenos pantanosos e a travessia do Rio Paraguai, demonstram a obstinação ofensiva, não medindo esforços para buscar o combate decisivo. Após o desembarque aliado em Santo Antônio, López foi destacando seus efetivos estacionados ao norte do Piquissiri, sendo batido em Itororó, Avaí e Lomas Valentinas (GRALA, 1986).
FIGURA 2- Passagem do Chaco- óleo sobre tela de Pedro Américo Fonte: museus.gov.br Acesso em: 15 out 2018
Em artigo versando sobre a Doutrina Militar Terrestre na Guerra do Paraguai,
Bento (1982), assim descreve as consequências e resultados da manobra do Piquissiri:
Prosseguindo rumo a Assunção, os aliados se defrontaram com fortificações apoiadas no arroio Piquissiri. Para ultrapassá-las, Caxias concebeu o plano de abordá-las através de estrada a construir sobre o Chaco, para cair de surpresa sobre a retaguarda do adversário, cortando a ligação que este mantinha com Assunção. Seu plano implicava em correr o Risco Calculado. Ou seja: sacrificar o princípio de guerra Segurança, ao atravessar com o grosso de suas tropas uma região sujeita a inundações repentinas. Isto, em benefício do princípio de guerra Surpresa. No caso, desembarcar na retaguarda adversária, sem lá ser esperado, e colher assim todas as vantagens militares decorrentes (BENTO, 1982, p. 4).
Os combates ocorridos no mês de dezembro de 1868 revestem-se de extrema importância para o desfecho da guerra, fato comprovado pela ordem do dia número 272, de 14 de janeiro de 1869, assinada pelo Duque de Caxias, que após narrar sinteticamente os acontecimentos daquele mês conclui: “A guerra chegou a seu termo, e o Exército e a esquadra brasileira podem ufanar-se de haver combatido pela mais justa e santa de todas as causas” (COSTA, 1974).
Decorrido o sesquicentenário da série de combates de dezembro de 1868, viu-se a necessidade de relembrar e analisar tal momento sob o prisma da tática e da Doutrina Militar Terrestre, com a finalidade de sedimentar possíveis lições aprendidas em um teatro de operações, apesar de longínquo no tempo, muito próximo no contexto espacial e geopolítico.
Para um melhor entendimento desta seção, a introdução será dividida em:
problema, objetivo, questões de estudo e justificativa.
1.1 PROBLEMA
Entre 1866 e meados de 1867, a Guerra do Paraguai foi uma guerra de posições. Foi um período em que o Exército que esteve na defensiva (paraguaio) levou grande vantagem sobre a ofensiva durante os combates travados (SALLES, 2015).
O ano de 1868 foi decisivo para a evolução da guerra. Com recursos bélicos
suficientes, livre de qualquer outra hierarquia superior a não ser o governo brasileiro e
sofrendo a cobrança pública brasileira por ações bélicas que terminassem a guerra,
Caxias comandou o isolamento total de Humaitá, causou sua evacuação e ocupou a
fortaleza. Em seguida, marchou em perseguição a Solano López e elaborou eficiente
estratégia para economizar vidas aliadas, ao atacar o inimigo, entrincheirado em Lomas Valentinas, pela retaguarda (DORATIOTO, 2002).
Doratioto (2002, p.309) conclui afirmando que “ao terminar 1868, o Exército aliado destruíra o poder militar paraguaio e se preparava para entrar na capital inimiga”.
Ao refletir a respeito dos combates travados em dezembro de 1868, que permitiram às tropas aliadas selar a irreversível derrocada de Solano López, tal historiador conclui que, “desde o dia 6 de dezembro o Exército paraguaio havia perdido quase 20 mil combatentes, ou seja, fora destruído” (2002, p.374).
Hodiernamente, decorridos 150 anos da série de combates que a História convencionou chamar “Dezembrada”, em que medida é possível concluir que esta teve papel decisivo para a vitória aliada na Guerra da Tríplice Aliança, gerando influências para a Doutrina do Exército Brasileiro?
1.2 OBJETIVO
Este trabalho pretende analisar os combates travados por ocasião da
“Dezembrada” e suas influências para a doutrina do Exército Brasileiro, a fim de verificar se tais contendas foram cruciais para o êxito aliado na Guerra da Tríplice Aliança.
Visando a atingir o objetivo geral de estudo, foram formulados os objetivos específicos, abaixo relacionados, que permitirão o encadeamento lógico do raciocínio descritivo apresentado neste estudo:
a. Identificar os antecedentes históricos e a geopolítica platina do século XIX;
b. Analisar a Manobra do Piquissiri;
c. Analisar a Batalha do Itororó;
d. Analisar a Batalha do Avaí;
e. Analisar as Batalhas de Lomas Valentinas;
f. Analisar os ganhos militares das batalhas de dezembro de 1868; e
g. Identificar as evoluções doutrinárias do Exército Brasileiro advindas das
experiências de combate adquiridas durante a “Dezembrada”.
1.3 QUESTÕES DE ESTUDO
Não há necessidade do processo de construção de hipóteses quando um trabalho surge a partir das indagações do pesquisador sobre um determinado assunto e o objetivo geral é descrever um evento ou processo. Nessa situação, trabalha se com questões de estudo (NEVES; DOMINGUES, 2007).
Seguindo esse conceito teórico, o presente projeto apresenta as seguintes questões de estudo:
a) Como se encontrava a geopolítica na região platina antes e durante o conflito, quais ações provocaram o desencadear da Guerra da Tríplice Aliança e quais as principais ações militares desencadeadas até dezembro de 1868?;
b) Em que consistiu a “Manobra do Piquissiri?;
c) Quais foram as causas/antecedentes da Batalha de Itororó e suas consequências?;
d) Quais foram as causas/antecedentes da Batalha de Avaí e suas consequências?;
e) Quais foram as causas/antecedentes das Batalhas de Lomas Valentinas e suas consequências?;
f) De que maneira os combates de dezembro de 1868 conseguiram promover ganhos militares significativos a ponto de decidir a Guerra da Tríplice Aliança? e
g) Quais as evoluções doutrinárias para o Exército Brasileiro oriundas dos combates desencadeados em solo paraguaio em dezembro de 1868?
1.4 JUSTIFICATIVA
No Manual de História Militar Geral, usado pela Academia Militar das Agulhas
Negras na formação dos futuros chefes e líderes militares, o historiador militar brasileiro
Cláudio Moreira Bento produz uma definição sensata, atual e profissional a respeito do
conceito de História Militar:
História Militar é a parte da História da Humanidade que nos permite reconstituir a História da Doutrina Militar. E Doutrina Militar são os princípios pelos quais os exércitos têm se preparado (organizado, equipado, instruído e desenvolvido as forças morais) para a eventualidade de conflitos e se empregados em guerras.
(Apud. SAVIAN; LACERDA, 2009, p. 8).
Do ponto de vista militar, o estudo da História Militar tem caráter fundamentalmente utilitário. É uma ferramenta para aprender com o passado, facilitando a compreensão de conceitos militares teóricos por meio de exemplos históricos de sua aplicação. Auxilia a aprendizagem do emprego de forças militares nos níveis estratégico, operacional e tático, bem como a compreensão da evolução da doutrina militar, servindo como uma ponte entre a teoria militar e a aplicação dessa teoria (VELÔZO, 2011).
Consoante Clausewitz (1979, p.153): “Os exemplos históricos esclarecem tudo;
possuem, além disso, um poder demonstrativo de primeira categoria [...]. Isto verifica-se na arte da guerra mais do que em qualquer outro campo.”
Tradicionalmente, a História Militar também tem desempenhado as funções de ferramenta de simulação de combate, por meio da vivência e análise de experiências militares passadas. Essa função tem sido substituída em grande parte pelos “jogos de guerra”, introduzidos nas escolas de estado-maior no século XIX, e fortemente expandida com os instrumentos da tecnologia da informação após a 2ª Guerra Mundial.
Até o surgimento desses jogos de guerra, a leitura de obras de História Militar era o único meio disponível aos comandantes e oficiais de estado-maior para vivenciar, durante os períodos de paz, a experiência de estar em combate (VELÔZO, 2011).
Alinhado com o escopo da presente dissertação de mestrado, em seu Prefácio, o Manual de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro (2014, p. 11), afirma que
“Apesar das mudanças observadas na Arte da Guerra, mesmo que ocorram assimetrias
semelhantes às observadas em conflitos recentes, ressalta-se que o combate de alta
intensidade não perdeu a importância”, o que respalda a relevância da presente
pesquisa, que apesar de tratar de um conflito ocorrido há 150 anos, evidencia os
rudimentos e conceitos que permeiam o campo de batalha até os nossos dias atuais de
guerra assimétrica e de 4ª geração.
A História Militar é o repositório da memória das instituições militares, sob a forma de práticas, valores e tradições. As instituições militares são essencialmente realistas e conservadoras, como observou Samuel Huntington, em O Soldado e o Estado (1996). Segundo Huntington, esse conservadorismo é fruto de uma ética que
enfatiza a imutabilidade, a irracionalidade, a fraqueza e a maldade da natureza humana... [que] proclama a supremacia da sociedade sobre o indivíduo e a importância da ordem, da hierarquia e da divisão de funções... [que] salienta a continuidade e o valor da história (1996, p. 96).
A Guerra da Tríplice Aliança influenciou o Exército Brasileiro em uma diversa gama de aspectos. Há teses, livros, artigos científicos, artigos de revistas, e dissertações a seu respeito. Tal bibliografia contribuiu para a confecção da presente dissertação de mestrado. Estudos específicos, recentes, sobre as contribuições efetivas da “Dezembrada” para o êxito aliado, bem como sua influência para a Doutrina do EB, entretanto, não foram encontrados, fato que realça a relevância e pertinência da presente pesquisa, que beneficiará não só a Força Terrestre e seus integrantes, bem como todos aqueles múltiplos atores envolvidos na arte da guerra, cada vez mais abrangente e multidimensional.
Visando a busca de possíveis inovações, a presente pesquisa buscou contextualizar os fatos táticos e históricos ocorridos em dezembro de 1868 durante a GTA, com manuais da Força Terrestre atuais e recentemente publicados, como por exemplo o Manual de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro (2014).
O editorial da Revista do Exército Brasileiro (2016, p. 3), publicação bastante atual, contextualizada e colimada com a busca do estado da arte, aborda a importância e a motivação para a escolha do tema da presente dissertação de mestrado. Além disso, corrobora plenamente com a consciência e mentalidade que se busca desenvolver e reforçar por ocasião da dissertação em questão:
Estamos em pleno século XXI. Estão decorrendo 150 anos daquela tempestade;
as questões que levaram à tragédia estão superadas; os fatos são rememorados
e servem de ensinamento. Mas, e agora? Grandes indagações nos inquietam no
presente, quanto ao futuro do nosso País, frutos de novos óbices. As lições do
passado somente terão serventia se forem absorvidas e aplicadas nos
procedimentos atuais, para evitar a repetição de problemas e canalizar esforços
benéficos. Fazemos isso? Temos cultura de planejamento estratégico? O Brasil
está preparado? Fazemos (nós, estudiosos) a nossa parte? Os desafios ao
desenvolvimento são portentosos. É imprescindível direcionar esforços para objetivos econômicos, de infraestrutura, de saúde, de segurança, de educação e pesquisa, perfeitamente delineados, e cooperar para a paz e o entendimento entre as nações. Contudo, para se conquistar e manter a paz, é necessário estarmos preparados para a guerra. E a melhor forma de se conseguir isso é, além de fazer investimentos permanentes em pessoas e em meios materiais, estudá-la profundamente. Não se esquecendo, nunca, de fortalecer o poderio militar. A guerra, que ninguém deseja, mas que faz parte da vida humana, é uma responsabilidade de toda a nação, tanto sua prevenção quanto sua execução. O único defensor da soberania nacional é o povo.
Figura importante no estudo da História Militar aliado à preocupação com a evolução doutrinária e tática, novamente o historiador e militar Cláudio Moreira Bento é categórico e evidencia as contribuições para a Doutrina Militar Terrestre que são advindas de estudos da história militar como a presente pesquisa:
Acreditamos que muitas daquelas soluções, se estudadas criticamente por chefes, pensadores, planejadores e historiadores militares brasileiros, servirão de ferramentas para alicerçar o Exército Brasileiro do futuro. Um Exército possuidor de Poder Militar Defensivo Dissuasório Compatível, para proteger as riquezas minerais da Amazônia Verde, o Povo e a Integridade e a Soberania do Brasil [...]
Militarmente seguro ao dispor de um Exército, como braço armado do povo e dotado de uma Doutrina Militar com expressiva nacionalização. Fruto de análise crítica do seu passado, do entendimento do seu presente e desenvolvimentos das capacidades de estimar o seu futuro militar e de formular e praticar Doutrina Militar dinâmica e coerente com este futuro, conforme procederam os Exércitos das grandes potências e potências militares (1982, p. 2).
Diante dos supracitados fatos e com a chegada do sesquicentenário da
“Dezembrada”, a presente dissertação de mestrado reveste-se de importância e justifica-se por atender à Diretriz para as comemorações para o Sesquicentenário do Conflito da Tríplice Aliança (1864-1870) no âmbito do Exército Brasileiro (EB10-D- 09.004), publicada através da Portaria Nº 1.783, de 8 de dezembro de 2015, que em seu item 3. OBJETIVOS, elenca 4 metas, todas perfeitamente exequíveis por ocasião da realização da presente dissertação, quais sejam:
a) Preservar e divulgar o patrimônio imaterial do Exército, expresso em suas tradições, celebrações e nos valores militares.
b) Estimular, na sociedade brasileira, o culto aos grandes vultos nacionais.
c) Rememorar a GTA, como evento político e militar marcante para a História de
todos os países envolvidos, desenvolvendo atividades culturais que resultem
numa compreensão profunda, precisa e isenta a respeito das causas, desenrolar e consequências do conflito.
d) Do ponto de vista do Brasil, proporcionar visibilidade social e acadêmica ao EB, posicionando-o como elemento central da solução militar do conflito e como instituição comprometida com os destinos da Pátria e da sociedade (BRASIL, 2015, p. 7).
Além de corresponder à portaria supracitada, a presente dissertação também atende e almeja responder a objetivos elencados no Plano Estratégico do Exército, PEEx, 2016-2019 (Portaria 1.507, de 15 de dezembro de 2014 do Cmt Exército), que, entre outros, elenca como ação estratégica o “ Incentivo à pesquisa sobre História Militar” , à portaria 255 do EME , de 4 de julho de 2016, que aprova a Diretriz para a Implantação do projeto Raízes, valores e tradições do Exército Brasileiro, que , entre outros objetivos, elenca: “Realçar o ensino da História Militar nos Estabelecimentos de Ensino”, bem como à Diretriz do Cmt do EB de 2019, que, entre outros, enfatiza o “culto às tradições e aos valores militares de forma a fortalecer a coesão e o espírito de corpo.”
Dessa maneira, gerando o diálogo entre fatos fundamentais e indiscutíveis da
História Militar Brasileira, com o cenário cada vez mais multifacetado, complexo e difuso
no qual a Força Terrestre está imersa e encontra seus desafios, a presente pesquisa
situa-se. Buscando ser um vetor de contribuição para a DMT e a vasta gama de atores
envolvidos em todo o amplo espectro da Arte da Guerra, a presente dissertação de
mestrado soma esforços na constante busca de evolução do Exército de Caxias, que
garantiu nos campos de batalha, em dezembro de 1868, o arremate para a vitória
Aliada na maior guerra travada em toda história da América do Sul .
2 METODOLOGIA
Consoante Barros (2012), a metodologia significa o modo de trabalhar algo, de escolher ou constituir materiais, de extrair algo destes, vinculando-se a ações concretas, com o intuito de solucionar um problema. Posto isso, a presente seção apresentará em pormenores a metodologia que foi desenvolvida para solucionar o problema de pesquisa. O trabalho é uma pesquisa histórica, calcada em pesquisa bibliográfica e documental (FORTE, 2004).
A presente pesquisa é um trabalho de revisão de literatura. Trata-se de uma pesquisa aplicada, dentro das Ciências Militares, com ênfase na História Militar.
Conforme Minayo (2011), é uma pesquisa que tem o foco em seu pesquisador, pois ele pretende criar um vínculo entre o mundo objetivo e a subjetividade. Segundo o supracitado autor, esse processo não comporta métodos e técnicas estatísticas.
Esta pesquisa é classificada como qualitativa, já que inexistem cálculos, ocorrendo uma predominância de classificações, como também de análises mais dissertativas. No que tange ao objetivo e ao grau do problema, a corrente pesquisa é considerada como descritiva (FORTE, 2004).
Dessa maneira, para um melhor encadeamento de ideias, esta seção foi dividida nos seguintes tópicos: Objeto Formal de Estudo e Delineamento de Pesquisa.
2.1 OBJETO FORMAL DE ESTUDO
Este trabalho é uma pesquisa documental e bibliográfica e buscou solucionar o seguinte problema: Hodiernamente, decorridos 150 anos da série de combates que a História convencionou chamar “Dezembrada”, em que medida é possível concluir que esta teve papel decisivo para a vitória aliada na Guerra da Tríplice Aliança, gerando influências para a Doutrina do Exército Brasileiro?
O presente trabalho foi dividido em duas partes: pesquisa documental e
bibliográfica. Foram utilizadas como fontes, a biblioteca da EsAO, Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército (ECEME), Instituições de Ensino Superior (IES), Arquivo
Histórico do Exército e biblioteca do Senado Federal, sendo estes 2 últimos com
fornecimento e acesso a fontes primárias. Também foi utilizada a Base de dados EB Conhecer, mantida pelo DPHCEx, e diversos livros nacionais e estrangeiros, na busca da solução para o problema supracitado.
2.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA
No tocante à natureza, a pesquisa é classificada como uma pesquisa aplicada, já que objetivou a produção de conhecimento acerca de um problema específico (GIL, 2008).
A abordagem da dissertação foi qualitativa, pois dedicou-se à interpretação de fenômenos relacionados às questões de estudo e à consequente atribuição de significados. O método que norteou a dissertação foi o indutivo, a partir da generalização resultante da observação de casos particulares. (NEVES; DOMINGUES, 2007).
No que concerne ao objetivo geral, trata-se de uma pesquisa descritiva. No que tange aos procedimentos para a coleta de dados, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e uma coleta documental. Consultas a livros, publicações de autores de reconhecida importância no meio acadêmico, artigos científicos e fontes primárias como os Diários do Exército em operações no Paraguai, mapas, croquis e relatórios diversos, ricos em dados e informações, permitiram um entendimento pormenorizado para a discussão dos resultados.
Foram seguidas as seguintes formas de pesquisa: pesquisa bibliográfica e pesquisa documental.
2.2.1 Procedimentos para revisão da literatura
Conforme detalhado no delineamento de pesquisa, o presente estudo é uma pesquisa descritiva qualitativa, realizada a partir de pesquisa bibliográfica e documental.
Segundo Gil (1999), a pesquisa bibliográfica tem a vantagem de permitir ao
pesquisador explorar uma gama de episódios maior do que em uma pesquisa direta. É
imprescindível em estudos históricos, pela impossibilidade de se voltar ao passado, a
não ser pelo estudo da bibliografia.
Para a definição de termos, redação da Revisão da Literatura e estruturação de um modelo teórico de análise que viabilizasse a solução do problema de pesquisa, foi realizada a revisão de literatura nos seguintes moldes:
a) Fontes de busca
- Artigos científicos das bases de dados da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), da EsAO e de Instituições de Ensino Superior (IES);
- Pesquisa documental do Arquivo Histórico do Exército (AHEx), Biblioteca do Senado Federal e Museus Militares;
- Livros acerca da temática envolvida, produzidos no Brasil e no exterior, escritos por autores que estiveram presentes em diferentes lados do conflito e/ou que detêm profundo conhecimento na área do tema proposto na dissertação;
- Artigos científicos das principais revistas nacionais e internacionais de assuntos militares;
- Monografias do Sistema de Monografias e Teses do Exército Brasileiro;
b) Estratégia de busca para as bases de dados eletrônicas
Utilizaram-se os seguintes descritores: “Dezembrada”, “Guerra do Paraguai”,
“Doutrina Exército Brasileiro”, “Guerra de la Triple Alianza”, “Itororó”, “Avaí”, “Lomas Valentinas”, “Angostura”, “Guerra Grande”, “Guerra Guazú”, “Manobra do Piquissiri” e
“Piquissiri Maneuver”, respeitando as peculiaridades de cada base de dados.
Após a pesquisa eletrônica, as referências bibliográficas dos estudos considerados relevantes foram revisadas, no sentido de encontrar artigos não localizados na referida pesquisa.
2.2.2 Instrumentos
Os instrumentos empregados por ocasião das investigações científicas
realizadas na presente pesquisa foram os seguintes: a análise de documentos e a
interpretação das diversas bibliografias sobre o tema.
2.2.3 Procedimentos metodológicos
Com o intuito de atingir o objetivo da pesquisa, foi iniciada uma ampla busca de literatura acerca do assunto. As fontes de obtenção de dados foram apresentadas no subitem “2.2.1 Procedimentos para revisão da literatura”.
Segundo Gil (2010), a revisão bibliográfica deve ser organizada e metódica. A presente Dissertação de Mestrado seguiu o seguinte protocolo:
a) levantamento bibliográfico preliminar;
b) elaboração do plano provisório de assunto;
c) busca das fontes;
d) leitura do material;
e) fichamento;
f) organização lógica do assunto
A seguir, apresentam-se os critérios de inclusão e exclusão das fontes bibliográficas:
a) Critérios de inclusão
- Estudos publicados em português, espanhol, inglês ou francês;
- Estudos publicados de 1860 a 2019;
- Estudos qualitativos que descrevam as operações e doutrinas empregadas durante a Guerra da Tríplice Aliança;
b) Critérios de exclusão
- Estudos que abordem o tema com viés ideológico ou com emprego de personagens fictícios na Guerra da Tríplice Aliança, não se comprometendo com o rigor dos fatos históricos ocorridos.
2.2.4 Análise dos dados
No tocante à apresentação e à análise dos dados obtidos, foram realizados
procedimentos sequenciais que permitiram a compreensão mais adequada acerca da
documentação oriunda dos diversos tipos de fontes que foram utilizadas. Dessa
maneira, primeiramente o documento foi identificado no que tange à sua natureza, aos aspectos referentes ao seu autor, à data de publicação e ao local ou região onde foi produzido.
Em um segundo momento, foi realizada a análise do conteúdo através da identificação do tema tratado, distinguindo a informação principal das acessórias, e da identificação do contexto histórico. Também foi feita a Interpretação do documento, esclarecendo expressões ou frases cujo sentido suscitasse dúvidas.
A terceira etapa foi a avaliação da importância histórica da fonte, que ocorreu por meio da identificação do interesse histórico do documento para o estudo do assunto em questão, ou seja, a finalidade da sua produção, a relação do autor com o assunto em pauta e a ocorrência de erros ou omissões.
Para a análise dos dados, foram utilizadas comparações entre os autores, bem como a análise subjetiva da bibliografia e documentos primários obtidos. A dissertação de mestrado foi produzida a partir do estudo comparativo da bibliografia estudada, e os dados coletados foram confrontados, propiciando a consecução do objetivo proposto.
A apresentação dos resultados foi mediante texto descritivo e teve como objetivo
principal analisar os combates travados por ocasião da “Dezembrada” e suas
influências para a doutrina do Exército Brasileiro, a fim de verificar se tais combates
tiveram papel decisivo para o êxito aliado na Guerra da Tríplice Aliança.
3 REVISÃO DE LITERATURA
A finalidade do presente capítulo é apresentar os aspectos históricos e doutrinários que permearam os períodos antecedentes e referentes ao desenrolar da Guerra da Tríplice Aliança, em especial aos fatos desenrolados em Dezembro de 1868, no período compreendido entre os dias 6 e 27, onde foi desencadeada uma série de combates que culminou com a neutralização de aproximadamente 20 mil combatentes paraguaios, a fuga de Solano López (1827-1870) para a região da Cordilheira, a ocupação aliada de Assunção, capital do Paraguai, e a desestabilização do poder de combate das tropas Lopistas. Para uma melhor ambientação cronológica, é apresentado o seguinte quadro:
QUADRO 1- Cronologia dos principais acontecimentos da Guerra Fonte: Revista do Exército Brasileiro (2017)
A Guerra da Tríplice Aliança, também conhecida como Grande Guerra e Guerra
do Paraguai, maior conflito armado internacional ocorrido na América do Sul, é um
assunto que tem gerado celeumas na historiografia brasileira. Segundo Mota (1995,
p.48), na historiografia de tal guerra, “reside um nó histórico de nosso passado que, uma vez desatado, permitirá o arranque para um futuro crítico e democrático, no qual as disputas sejam equacionadas em fóruns internacionais legítimos, abertos e modernos”.
Conforme De Castro (2015), a Guerra do Paraguai é colocada junto com outras do mesmo período- a Guerra Franco-Prussiana e a Guerra Civil Americana- como um conflito de transição, em que aspectos antigos, do século XVIII e da época napoleônica, tais como táticas arcaicas, uniformes elaborados e antigas noções de honra militar, conviviam com encouraçados, transportes ferroviários, armas de repetição e outras necessidades de uma guerra total, especialmente o recrutamento em massa e os combates indo muito além dos costumes cavalheirescos e ritualísticos do século XVIII.
Conclui afirmando que, nesses últimos, a colocação de um exército em uma situação insustentável ou a simples ocupação da capital resultavam na rendição do país. Afirma, ainda, que as guerras modernas são mais penosas, sendo conduzidas até a destruição ou incapacitação total do inimigo, com a rendição incondicional e ocupação de seu território, como seria a norma da maior parte dos conflitos do século XX.
A bibliografia sobre a Guerra da Tríplice Aliança teve várias fases. Logo após o conflito, Francisco Solano López (1826- 1870) foi retratado como um ditador de um país agrícola, que cometeu erros militares e queria dominar extensa área na bacia do Prata (CUNNINGHAME GRAHAM, 1943), enquanto os comandantes aliados do Brasil, Argentina e Uruguai eram exaltados como heróis nacionais (LIMA, 2016).
Posteriormente, no Paraguai, interesses políticos e econômicos materializaram Solano López como um grande herói da nação. Na década de sessenta do século XX, os intelectuais de esquerda transformaram o ditador em herói anti-imperialista (FARIA, 2015).
Prosseguindo na análise das diversas abordagens que o ditador paraguaio recebeu ao longo do tempo, Doratioto afirma que:
“a partir dos fins dos anos 60, intelectuais nacionalistas e de esquerda do Rio da
Prata, revisando os fatos concretos e a História da guerra, promoveram Solano
López a líder anti-imperialista. Esse revisionismo apresenta o Paraguai pré-guerra
como um país progressista, onde o Estado teria proporcionado a modernização do
país e o bem-estar de sua população, fugindo à inserção na economia capitalista e
à subordinação à Inglaterra. Por tal explicação, Brasil e Argentina teriam sido
manipulados por interesses britânicos para aniquilar o desenvolvimento autônomo
paraguaio” (2002, p.19).
Salles (2015) atesta que o livro mais marcante de tal revisionismo provavelmente seja La Guerra Del Paraguay: gran negocio!, publicado em 1968 pelo historiador argentino León Pomer. Prossegue afirmando que no Brasil, o maior representando da vertente revisionista foi o escritor Julio José Chiavennato, que em 1979 publicou a obra Genocídio americano: a Guerra do Paraguai.
A abordagem de Chiavennato pressupõe como motivação para a Guerra a relevância das causas econômicas, oriundas do capitalismo internacional:
Os pretextos serão vários, a mentira será usada largamente e prevalece até nossos dias. As causas fundamentais para a destruição do Paraguai, é bom ressaltar, são nitidamente econômicas. O que não impede que surjam outros motivos paralelos que determinaram a guerra de extermínio à república guarani como: questões de limites, acidentes políticos e diplomáticos forjados, calúnias manipuladas dentro das embaixadas e até uma grotesca cruzada civilizatória para “libertar” o Paraguai dos seus tiranos (CHIAVENATTO, 1983, p. 35).
Segundo Faria (2015), em meados da década de 1980, nos centros de produção do conhecimento histórico, começou a emergir uma nova perspectiva historiográfica para tratar do assunto. Tal perspectiva aglutinou diversas pesquisas acadêmicas, com variados enfoques sobre a Guerra do Paraguai, mas que apresentam algumas características em comum: questionam a participação e responsabilidade inglesa no conflito; questionam o desenvolvimento econômico do Paraguai; e apresentam como razões para a Guerra os conflitos e interesses regionais. Conclui afirmando que um dos principais representantes de tal perspectiva é Francisco Doratioto, autor que constata:
A interpretação imperialista apresentava a sociedade paraguaia do pré-guerra como avançada, liderada por Francisco Solano López, governante autoritário, mas preocupado como o bem-estar do seu povo. Nada mais distante da realidade. O Paraguai tinha uma economia agrícola, atrasada; nela havia escravidão africana, embora diminuta, e López era movido apenas pela lógica de todos os ditadores, a de se manter no poder (DORATIOTO, 2004, p. 18).
3.1 ANTECEDENTES E CAUSAS DA GUERRA
A respeito dos países envolvidos no conflito, verifica-se que, de um lado,
estavam o Brasil, a Argentina e o Uruguai, e do outro, o Paraguai. Conforme Bueno
(2010), o Brasil à época constituía um Império independente, centralizado e com estabilidade política relativamente superior à dos demais envolvidos. A Argentina era um país com uma organização política instável, pois a capital Buenos Aires e o interior disputavam o poder central. No Uruguai, facções disputavam o poder, sofrendo a influência de outros governos; e por fim, o Paraguai, que era governado por ditadores desde sua independência e, portanto, quase sem resistências internas.
Linhares (1990) afirma que o Paraguai se isolou após a sua independência, em 1811, como fim de evitar uma possível dominação pela Argentina, que se declarava sucessora do Vice-reinado do Prata. Esse isolamento, que durou até a década de 1840, e também, sua abertura e inserção internacional, conforme Faria (2015), se explicam, em parte, pela situação política da região. Após sua abertura política, o Paraguai manteve boas relações com o Império do Brasil. No entanto, no início da década de 1860, o governo paraguaio buscou uma participação ativa nos acontecimentos platinos, apoiando o governo uruguaio, hostilizado pela Argentina e pelo Império Brasileiro.
Vianna (1972), afirma que na década de 1850, a necessidade do Paraguai em ampliar contato com o exterior para se modernizar, encontrava um obstáculo no governador da província de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas (1793-1877), que se recusava a reconhecer independência paraguaia e dificultava seu comércio exterior, ao controlar a navegação do rio Paraná. A aproximação brasileira com o Paraguai atendia à política do governo imperial de buscar isolar Rosas, no Prata.
FIGURA 3- Juan Manuel Rosas, governador de Buenos Aires de 1835 a 1852
Fonte: www.iese.edu.ar Acesso em: 12 de novembro de 2018
Faria (2015) atesta que a questão da liberdade de navegação na região do Prata era essencial ao Império Brasileiro, por ser acesso, por via fluvial, ao Mato Grosso. A navegação era feita com barcos que penetravam no estuário do Prata, subiam pelos rios Paraná e Paraguai, passavam por Assunção até chegarem a Cuiabá, capital mato- grossense. Assim, para consolidar a liberdade de navegação, o Império Brasileiro tinha como pressupostos as independências do Paraguai e Uruguai e a não ampliação da fronteira argentina (BARROSO, 1935).
Segundo Salles (2015), em 1854, o presidente paraguaio Carlos Solano López (1792-1862) mandou seu filho, Francisco Solano López (1826-1870) à Europa como ministro plenipotenciário
1para comprar armamentos e estabelecer contatos comerciais.
Na Inglaterra, ele entrou em contato com a empresa Blyth&Co, uma das companhias mais avançadas do mundo em tecnologia.
Por intermédio dessa companhia, o Paraguai passou a comprar armamento, a enviar jovens paraguaios para receberem treinamento e, ainda, recrutou cerca de 250 técnicos estrangeiros (dentre os quais 200 ingleses) para modernizar o país. Segundo Bueno (2010), é equivocada, portanto, a imagem de que o Paraguai, antes de 1865, teria promovido sua industrialização com seus próprios recursos sem depender dos centros capitalistas, a ponto de tornar-se uma ameaça para os interesses ingleses no Prata. Os projetos de infraestrutura guarani foram atendidos por capitais ingleses, e a maioria dos especialistas estrangeiros que os implementaram era britânica (LIMA, 2016).
____________________________
1
Agente diplomático investido de plenos poderes, em relação a uma missão especial.
.
FIGURA 4 - Carlos Solano López, presidente paraguaio de 1844 a 1862 Fonte: Portal Guarani.com Acesso em: 12 de novembro de 2018
Em abril de 1856, o governo paraguaio assinou com o Império Brasileiro, um tratado que garantia a livre navegação e postergou, por seis anos, a discussão das fronteiras, mantendo o status quo da área litigiosa entre os rios Apa e Branco. Apesar disso, as autoridades paraguaias continuaram a dificultar, por meio de regulamentos, a passagem de navios brasileiros que rumavam para o Mato Grosso. Carlos López (1792- 1862) era dominado pela ideia de que, com a livre navegação, o Império fortaleceria militarmente essa província e ameaçaria seu país. A falta de definição de limites era o elemento visível de tensão entre o Paraguai e o Império (BARROSO, 1935).
Prosseguindo no desenrolar dos fatos que ocorreram até a eclosão da guerra, Doratioto atesta que:
Para os Estados platinos, o ano de 1862 foi um marco, quer para as respectivas
políticas internas, quer para as relações entre eles. No Paraguai, Francisco
Solano López ascendeu ao poder; na Argentina, houve a reunificação nacional
sob a liderança de Buenos Aires e, no Brasil, o Partido Liberal substituiu o
Conservador no governo. Nesse ano, também teve fim a moratória para a
definição dos limites, estabelecida pelo Paraguai com o Império e a
Confederação Argentina na década anterior. As relações do novo governo
paraguaio deterioraram a partir de 1864 de forma acelerada, tanto com o Império
como com a República Argentina, levando o Paraguai à guerra contra esses dois
países que, juntamente com o Uruguai, constituíram a Tríplice Aliança para
enfrentar Solano López (2002, p. 39-40).
Consoante Lima (2016), os acontecimentos não se processaram como esperado por Assunção. O Império do Brasil, na questão uruguaia de 1864, aproximou-se da Argentina e apoiou o partido Colorado, que conseguiu a mudança de governo no Uruguai levando ao poder Venâncio Flores (1808-1868). O governo imperial entendia que o Paraguai apenas protestaria diplomaticamente sobre a situação de fato no Uruguai e não acreditava que este iria à guerra. A notícia da entrada de tropas brasileiras no Uruguai chegou à Assunção em 25 de outubro de 1864, na forma de rumor. O representante uruguaio solicitou, então, a Solano López, o prometido auxílio ao governo Atanásio Aguirre (1804-1857), e não obteve resposta conclusiva do governante paraguaio (SAVIAN; LACERDA, 2009).
Faria (2015) conclui que a Guerra da Tríplice Aliança, portanto, foi fruto das contradições regionais, tendo como objetivo de cada país a consolidação dos seus Estados Nacionais: para Solano López era a oportunidade de colocar o Paraguai como potência regional e ter acesso ao mar pelo porto de Montevidéu, fruto da aliança com os blancos uruguaios e federalistas argentinos, representados por Urquiza (1801-1870);
para o presidente argentino Bartolomé Mitre (1821-1906) era a forma de consolidar o
Estado centralizado argentino e eliminar os apoios externos aos federalistas
proporcionado pelos blancos e paraguaios; para os blancos, o apoio militar paraguaio
contra argentinos e brasileiros, impediria quaisquer intervenções no Uruguai. Para o
Império Brasileiro, a guerra contra o ditador paraguaio não era esperada, nem
desejada, mas, iniciada, pensou-se que a vitória brasileira seria rápida e poria fim ao
litígio fronteiriço entre os dois países e às ameaças à livre navegação (SALLES, 2015).
FIGURA 5 - Bartolomé Mitre, presidente argentino de 1862 a 1868 Fonte: Educar Chile (2018). Acesso em: 13 nov de 2018
Na madrugada de 11 de novembro, chegou à Assunção o navio brasileiro Marquês de Olinda. A embarcação levava a bordo, o novo presidente da província do Mato Grosso, o coronel Carneiro Campos (1800-1867). Horas após partir de Assunção, o Marquês de Olinda foi alcançado pela canhoneira paraguaia Tacuarí e obrigado a retornar ao porto da capital. López entendia que o Brasil havia declarado guerra ao Paraguai, ao invadir, meses antes, o Uruguai, seu aliado (SALLES, 1990).
Como consequência, López decidiu, em 15 de novembro, iniciar operações
bélicas contra o Mato Grosso, o mais rápido possível. O passo seguinte seria invadir o
Rio Grande do Sul por São Borja, com as tropas que estavam concentradas em
Encarnación, às margens do rio Paraná (MOURA, 1996).
3.2 DOUTRINA DO EXÉRCITO BRASILEIRO ANTES E DURANTE A GUERRA
Tendo em vista ser um dos pilares da presente pesquisa, faz-se necessária a correta conceituação de Doutrina, com a intenção de obter-se uma melhor compreensão do trabalho e alinhamento de percepções. O Manual de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro define que:
A doutrina em seu significado mais amplo é o conjunto de princípios, conceitos, normas e procedimentos, fundamentadas principalmente na experiência, destinada a estabelecer linhas de pensamentos e a orientar ações, expostos de forma integrada e harmônica (BRASIL, 2014, p. 1).
Já ambientado no século XXI e colimado com as novas tendências da Era do Conhecimento, o manual faz a seguinte definição, a qual, apesar de ter sido produzida em 2014, se aplica à Força Terrestre desde seus tempos mais ancestrais e rudimentares:
A Doutrina Militar Terrestre (DMT) é o conjunto de valores, fundamentos, conceitos, concepções, táticas, técnicas, normas e procedimentos da F Ter, estabelecido com a finalidade de orientar a Força no preparo dos seus meios, considerando o modo de emprego mais provável, em operações terrestres e conjuntas. A DMT estabelece um enquadramento comum para ser empregado por seus quadros como referência na solução de problemas militares (BRASIL, 2014, p. 2).
Refletindo um pouco mais sobre o conceito de doutrina militar, de maneira geral, pode-se entendê-la como um conjunto de preceitos que norteiam a preparação dos exércitos, em toda a sua complexidade, para as situações de conflito, caso haja necessidade do emprego do poder militar.
Realizada a presente conceituação de Doutrina, será retomado o panorama do Exército Brasileiro por ocasião da eclosão da Guerra e abordados aspectos relativos à doutrina empregada por nossas forças por ocasião daquele momento.
Segundo Moura (1996), no decorrer dos séculos XVII, XVIII e XIX, a arte da
guerra foi progressivamente assimilando os efeitos da Revolução Industrial, baseando-
se nos avanços tecnológicos da metalurgia e siderurgia. Desde o Período Colonial, por
não dispor de uma forte economia, o Brasil não teve condições de evoluir
adequadamente no meio militar. Sua indústria bélica ateve-se à produção de munições
e armamentos leves, mesmo assim em pequenas quantidades. Consequência disso, sua evolução doutrinária permaneceu estática, em função das limitações da própria indústria nacional e da falta de recursos para importação de material moderno.
A “Guerra Brasílica” e a “Guerra Gaúcha” foram exemplos claros da forma de combater do soldado brasileiro. A primeira, surgida como coroamento das lutas contra os holandeses em Guararapes e contra as invasões piratas do século XVII. A segunda, nascida da necessidade de defesa do território sul do País, nas lutas fronteiriças, onde o cavalo e o boi serviam de montaria, transporte e alimento (MOURA, 1996).
Em meados do século XVIII, com a Guerra dos Sete Anos em andamento na Europa, o Marques de Pombal (1699- 1782) contratou o Conde Reynante de Schamsberg Lippe (1720-1787) para reorganizar o Exército Português. Este, por sua vez, enviou o general alemão Henrique Böher (1715-1770) para o Brasil, onde introduziu treze regulamentos, sendo um de Corpo Doutrinário, do próprio Lippe (Regulamento de Lippe)
2. Na oportunidade, procurou organizar o Exército Regular com tropa portuguesa, trazendo para a Colônia três regimentos de infantaria (CASTRO, 2002).
Oliveira (2017) afirma que, no que tange à doutrina militar brasileira, ao longo do século XIX ocorreram grandes transformações, especialmente a partir da chegada da Família Real portuguesa, no ano de 1808. Essas mudanças abarcaram aspectos como a centralização do comando e reorganização das tropas, regulamentação acerca de uniformes, criação de vários órgãos referentes à defesa e a aplicação de novas formas de recrutamento.
Ao chegar ao Brasil, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte (1769-1821), Dom João VI (1767-1826), observou prontamente a necessidade de que fosse centralizado o poder militar. “A instalação da corte no Rio de Janeiro propiciou, como consequência político-militar imediata, a unificação do governo e daquele exército, dividido e repartido pelas capitanias gerais [...]” (BRASIL, 1972, p. 383).
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2
Conjunto de regulamentos que versavam desde temas regulamentares, administrativos e disciplinares,
até temáticas doutrinárias e táticas, implementados pelo Conde de Lippe na intenção de reestruturar e
reorganizar o Exército Português no século XVIII.
Com a criação, em 1810, da Academia Real Militar, deu-se um largo passo para a estruturação das forças militares no Brasil. Esta Academia, entretanto, objetivava mais construir o Brasil do que defendê-lo, tanto que sua elite era de engenheiros, enquanto que a infantaria e a cavalaria eram subprodutos. Em 1855, com experiência mais baseada nas lutas internas ocorridas em várias regiões do país, o Exército Brasileiro, por determinação de Caxias (1803-1880), então Ministro da Guerra, procurou renovar a tática vigente e enquadrá-la às exigências necessárias. Eram lançadas as bases para uma nova escola da doutrina brasileira, ainda com influência portuguesa, inglesa e francesa (MOURA, 1996).
Conforme Oliveira (2017), ocorreu também a unificação das forças milicianas e o fim do antigo sistema de ordenanças, oriundo da organização sebástica de 1570
3, que foi o alicerce da estrutura militar do Reino e do Brasil por mais de dois séculos. Além desses fatos, houve uma série de medidas com o objetivo de reorganizar as forças militares. Segundo Barroso:
O príncipe [...] regularizou o corpo da Brigada Real de Marinha, tornando-o Regimento de Artilharia de Marinha [...] desdobrou mais a Brigada de cavalaria de milícias em dois regimentos e aumentou o batalhão de Caçadores-Henriques, tornando-o regimento [...] Em São Paulo, havia a sua célebre Legião[...] Dom João deu nova organização a essas tropas. A legião passou a ter 3 batalhões de Infantaria, 4 esquadrões de cavalaria, 2 baterias de artilharia a cavalo e uma companhia de artilheiros-cavaleiros. [...] instituiu-se um regimento de cavalaria de milícias, com estado-maior e quatro esquadrões formados por destacamentos dos três regimentos de cavalaria de milícias da capitania (1935, p. 27, 28 e 29).
Relativo aos uniformes militares, com a finalidade de melhorar a apresentação da tropa, elaborou-se um novo plano de uniformes, inspirado no fardamento francês. Faria (2015) afirma que, em relação ao presente tema, cabe ressaltar que não havia uma homogeneidade, sendo observadas diferentes fardas dependendo da tropa e região.
Foram criados também, além da Academia Real Militar, novos órgãos relacionados à defesa, tais como: Ministério da Marinha e Ultramar, Ministério da Guerra e estrangeiros, Conselho Superior Militar do Brasil, Casa das Armas, Hospitais Militares, dentre outros.
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3