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A Onisciência de Deus e o Teísmo Aberto

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Academic year: 2021

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A Onisciência de Deus e o Teísmo Aberto

por Ron Callaway

“Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda”. (Sl 139:16 ARA)

Chuck está dirigindo no sentido oeste em uma estrada secundária no Texas. Havia deixado a cidade de Memphis onde sua vida, como era antes, havia chegado ao fim. Chuck tem dinheiro, mas não tem direção. Acabou de resolver uma última pendência e agora está parado em uma encruzilhada no oeste do Texas. Olha para o mapa e anda até o meio da encruzilhada (não há trânsito com que se preocupar). Olha para o norte, para o leste, para o sul e para o oeste. Depois, volta-se novamente para o norte. Qual será a direção que Chuck irá tomar?

1

Deus sabe a direção que ele irá tomar ou terá que esperar juntamente conosco para ver qual será a decisão de Chuck?

Nossos irmãos reformados rapidamente afirmarão que Deus realmente conhece não somente a direção que Chuck tomará, mas também o que fará, quando fará e todos os demais detalhes do restante da vida dele. Dizem que a razão pela qual o Senhor conhece a direção e o destino futuro de Chuck é porque ele é soberano e decretou tudo que acontecerá (sem ser ou se tornar o autor ou a causa do mal). Portanto, pela predeterminação soberana de todas as coisas é lógico e natural que ele também conheça com antecedência todos os aspectos de todo o universo.

Como Batistas Livres (juntamente com muitos outros cristãos evangélicos

2

) também afirmamos que Deus conhece o próximo passo de Chuck, e o seguinte, e o seguinte, e assim por diante. Isto é, cremos, juntamente com nossos irmãos reformados, que o nosso Senhor conhece não somente a direção que Chuck tomará, como também todos os aspectos e detalhes do restante de sua vida. No entanto, divergimos de nossos irmãos calvinistas quanto à razão pela qual Deus conhece todos os aspectos da vida de Chuck. Enquanto afirmarmos completamente a soberania de Deus, negamos que a presciência de futuras decisões de Chuck seja um resultado de sua predeterminação destas escolhas.

Não nos é dito na Bíblia exatamente como o Senhor conhece o futuro tão precisa e perfeitamente

3

, mas somos instruídos quanto à fatualidade de sua onisciente presciência. Ele é soberano. Em sua soberania ele concede a cada pessoa um livre arbítrio limitado que ela exerce dentro do soberano plano de Deus para o passado, presente e futuro.

Os textos bíblicos ensinam que Deus está sempre consciente de todos os eventos passados, presentes e futuros. Ele não é como os ídolos dos homens que nada sabem (Isaías 41:21-24). Seu nome é Yahweh, e ele diz: “Eu sou o Senhor, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura.

Eis que as primeiras predições já se cumpriram, e novas coisas eu vos anuncio; e, antes que sucedam, eu vo-las farei ouvir.”

Nos últimos anos apareceu no cenário teológico um grupo diferente de estudiosos cristãos. Ao observarem Chuck no meio da encruzilhada no oeste do Texas, estes homens nos dizem com confiança que nós e nossos irmãos reformados estamos equivocados. Deus não sabe para que direção Chuck irá quando entrar em seu carro e deixar a encruzilhada. Dizem que Deus é onisciente, mas como Chuck ainda não tomou uma decisão, Deus está esperando,

1

A ideia para esta ilustração foi tirada do filme Castaway.

2

Neste artigo, o que quero dizer com o termo “evangélico” é aquele que é verdadeiramente nascido de novo do alto pela obra graciosa do Espírito Santo; isto é, um verdadeiro cristão.

3

F. Leroy Forlines, The Quest for Truth: Answering Life’s Inescapable Questions (Nashville: Randall House, 2001),

332-33.

(2)

juntamente conosco, para ver qual será a decisão dele. Estes teólogos, geralmente chamados de teístas abertos, não hesitam em dizer que, como Deus conhece tudo que é possível, e como conhece perfeitamente o passado e o presente de Chuck, Ele provavelmente pode prever qual será a decisão de Chuck, pois conhece todas as probabilidades. Ele conhece bem o Chuck; mas como este foi criado com livre arbítrio, pode tomar uma decisão inesperada e, pelos menos por um breve momento, o que acontece não é o que Deus previu que Chuck faria.

Teístas abertos afirmam que Deus, que é soberano, é limitado no seu conhecimento das livres escolhas dos seres humanos fazendo com que não conheça exatamente seus feitos e pensamentos futuros. Dizem-nos que ele não pode conhecer o futuro, pois, até que um ato futuro aconteça, ele não existe. Deus conhece tudo que existe (e tudo que ordenou de antemão que aconteça no futuro), mas como uma decisão futura tomada por uma pessoa com um verdadeiro livre arbítrio não existe enquanto não for tomada, Deus não pode saber com certeza (neste caso) que direção Chuck irá tomar.

Apesar de discordarmos de nossos irmãos reformados sobre como Deus conhece o futuro (isto é, a base da sua presciência), estamos de acordo com eles quanto à realidade de que Deus conhece exaustivamente tanto o passado quanto o presente e o futuro (inclusive todas as guinadas que o homem poderia ter tomado no passado ou poderá tomar no futuro). Mas os teístas abertos estão trazendo ensinamentos estranhos aos nossos ouvidos. Suas ideias são novas e obviamente diferentes do que já ouvimos no passado. Não tardam em dizer que seus ensinamentos são baseados no que a Bíblia realmente diz sobre Deus e sua criação. Inclusive, afirmam que sua posição é mais bíblica do que as outras duas posições (reformada e arminiana)

4

.

Deixemos Chuck no meio da encruzilhada por alguns minutos e consideremos o conhecimento do futuro por nosso Senhor (1) como acreditamos que seja e (2) como está sendo ensinado pelos teístas abertos.

INTRODUÇÃO AO DEBATE

Desde suas raízes bíblicas, o cristianismo tem continuamente afirmado que Deus é onisciente (omni = todo; scientia

= conhecimento): isto é, ele possui desde a eternidade todo o conhecimento: passado, presente e futuro. Os cristãos têm entendido a onisciência de Deus com o significado de que ele conhece todas as possibilidades (contingentes) que possam ou não ocorrer. Tem sido a crença dos cristãos que este entendimento da onisciência de Deus é ensinada direta e claramente pela Palavra de Deus, tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos. No entanto, o teísmo aberto (ou presentismo, como às vezes é chamado) coloca diante de nós uma versão diferente da onisciência de Deus.

Enquanto proclamam sua crença na onisciência de Deus, teístas abertos ensinam que Deus não conhece e não pode conhecer os futuros atos livres dos seres humanos. De acordo com este ensino, Deus conhece o passado e o presente perfeitamente e conhece aqueles aspectos do futuro que decretou soberanamente (determinou, ordenou de antemão).

O teísta aberto afirma a onisciência de Deus, mas nega que a sua onisciência inclua o conhecimento exaustivo das decisões humanas livres porque estes atos ou pensamentos ainda não existem. Algo que não existe não pode ser conhecido por ninguém até que aconteça.

Qualquer novo ensino de doutrina que apareça dentro dos limites do cristianismo evangélico deve ser submetido a uma análise crítica por aqueles que creem que “a verdade vos libertará”. Especialmente uma doutrina que afeta a pessoa e o caráter de Deus será certa e rapidamente avaliada por cristãos que amam e procuram obedecer à Palavra de Deus. Os teístas abertos (alguns dos quais aparentam estar surpresos pelo tumulto causado pela sua doutrina

5

) enfrentaram rapidamente “o fogo cruzado” da maioria das linhas teológicas evangélicas.

Os teístas abertos insistem que sua posição vai muito além da questão da presciência de Deus. Em vez de enfatizar a soberania de Deus, focalizam o amor de Deus ao desejar interagir com os seres humanos. Ele é o Deus que se arrisca

4

Clark Pinnock et al., The Openness of God: A Biblical Challenge to the Traditional Understanding of God (Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 1994), 9-10.

5

Gregory A. Boyd, God of the Possible: A Biblical Introduction to the Open View of God (Grand Rapids: Baker Books,

2000), 12; and Clark H. Pinnock, Most Moved Mover: A Theology of God’s Openness (Grand Rapids: Baker Books,

2001), ix-xi.

(3)

por ser o Deus do possível, “um Deus que pode trabalhar conosco para realmente mudar aquilo que poderia ser em aquilo que deve ser”

6

. Eles alegam que o teísmo clássico não apresenta Deus interagindo com os seres humanos desta forma. Como veremos, os teístas abertos se esforçam para demonstrar o que veem como um contraste vívido entre o Deus do presentismo que é amoroso, que se importa e interage, com o Deus rígido e imutável do teísmo clássico.

Neste artigo trataremos da presciência de Deus do futuro. Sua presciência dos atos e pensamentos da humanidade é vista por todos os envolvidos no debate como o ponto chave da diferença entre o teísmo aberto e o clássico. Em um documento apresentado em Colorado Springs, durante a reunião de 2002 da Evangelical Theological Society (Sociedade Teológica Evangélica), Bruce A. Ware respondeu à pergunta: “Porque parar em presciência?” levantada por Clark Pinnock em sua obra Most Moved Mover. Ware escreve:

Primeiramente, é precisamente neste ponto, na negação da presciência divina exaustiva do teísmo aberto, que a visão aberta tem se separado do arminianismo clássico em especial, mas também de todas as versões do teísmo clássico em geral... A segunda razão pela qual Pinnock está correto em levantar a questão da presciência é esta: o teísmo aberto tem, através desta negação, introduzido e promovido um entendimento reformulado de Deus e da relação que Deus tem com o mundo de tal forma que trás implicações enormes tanto à teologia quanto às questões práticas... Me parece que antes de podermos pensar responsavelmente sobre se o teísmo aberto se encontra dentro ou fora dos limites evangélicos, devemos considerar tão cuidadosa e completamente possível qual é o legado que nos deixa, tanto teologicamente como na prática, a doutrina mais distinta do teísmo aberto (isto é, sua negação da presciência divina exaustiva). Afinal, o teísmo aberto não é nada sem a sua doutrina.

7

Por esta razão, nesta análise sobre o teísmo aberto, compararemos primeiramente os três principais pontos de vista sobre a presciência de Deus. Em seguida, os argumentos colocados pelo teísmo aberto serão avaliados pelo ponto de vista bíblico. Finalmente, examinaremos algumas das vantagens alardeadas pelos defensores do teísmo aberto e veremos algumas de suas repercussões na comunidade eclesiástica evangélica.

6

Boyd, God of the Possible, 18.

7 Bruce A. Ware, “Defining Evangelicalism’s Boundaries Theologically: Is Open Theism Evangelical?” Journal of the

Evangelical Theological Society 45 (June 2002):194-95.

(4)

DOIS PONTOS DE VISTA “CLÁSSICOS” QUANTO À PRESCIÊNCIA DE DEUS

Tanto a teologia reformada quanto a teologia arminiana da reforma

8

defendem o que é chamado de ponto de vista

“clássico” da presciência de Deus que afirma que os dados bíblicos ensinam que Ele conhece exaustivamente o futuro. Deus não está conhecendo o futuro à medida que acontece. Ele sabe o que acontecerá no universo físico, no universo espiritual e na vida de cada indivíduo que já existiu ou que ainda virá a existir. Tanto os calvinistas quanto a maioria dos arminianos defendem este ensino bíblico porque, para que Deus seja Deus, faz parte de sua natureza conhecer todas as coisas. Esta crença quanto à onisciência do Senhor (passado, presente e futuro) tem sido a mesma da Igreja cristã desde o seu início (como também era a crença dos crentes dos tempos do Antigo Testamento). A crença libertista do livre arbítrio do homem também era a mesma da igreja primitiva até os dias de Agostinho e continua sendo a da maioria dos cristãos não oriundos das tradições da Reforma.

9

Enquanto este é o ponto de vista “clássico” da presciência de Deus, diz-se que os arminianos creem na “presciência simples” de Deus. Esta é a afirmação de que a presciência divina – “descomplicada das exceções, adições, qualificações et cetera – é por si só inteiramente compatível com a liberdade humana, a agência divina e o controle providencial aprimorado”.

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Se reservarmos o termo “clássico” para se referir ao ponto de vista (tanto para o calvinista quanto para o arminiano) de que Deus conhece exaustivamente o futuro e se usarmos o termo presciência “simples” para se referir ao ponto de vista arminiano, então usaremos o termo “calvinista”

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para nos referir ao ponto de vista reformado quanto à presciência de Deus. Como observamos na estória de Chuck, na encruzilhada, a diferença entre os dois pontos de vista “clássicos” tem a ver com a maneira em que Deus conhece o futuro e não SE ele o conhece.

O ponto de vista calvinista da presciência baseia-se nos decretos soberanos de Deus. O que Deus decretou é o que será. Sua soberania é tal que qualquer pensamento que ele possua na eternidade “passada” deve necessariamente acontecer no momento em que ele predeterminou. Este ponto de vista rejeita completamente o livre arbítrio libertista da humanidade, isto é, que uma pessoa é capaz de fazer escolhas morais livres que podem ser de uma forma ou de outra (isto é, decisões contingentes).

O ensino reformado diz que todas as coisas são predeterminadas por Deus. As decisões soberanas de Deus impossibilitam qualquer liberdade libertista por parte do ser humano. Todas as aparentes escolhas do livre arbítrio da humanidade são na verdade respostas às escolhas (decretos) de Deus que aconteceram primeiro. Deus não baseia sua presciência no conhecimento futuro das escolhas do livre arbítrio libertista da humanidade. John Frame escreve de uma perspectiva reformada:

8 A posição teológica Batista Livre é uma posição arminiana clássica. Por “clássica” entendemos uma teologia que é muito semelhante em suas crenças à de Jacob Arminius e Remonstrantes originais. Hoje existem vários termos usados para expressar esta posição teológica. Robert Picirilli prefere falar da nossa posição como “arminianismo da Reforma”. Stephen Ashby e Matthew Pinson falam de “arminianismo reformado”. F. Leroy Forlines usa o termo

“arminianismo clássico” e A. B. Brown fala em “arminianismo modificado”. Não há diferença teológica nas premissas básicas das obras destes autores, somente uma preferência por terminologia. Para um excelente resumo das raízes da nossa herança arminiana, veja o primeiro capítulo do livro de Robert E. Picirilli, Grace, Faith, Free Will: Contrasting views of Salvation: Calvinism & Arminianism (Nashville: Randall House, 2002). Veja o ponto de vista arminiano reformado quanto à perseverança de Stephen Ashby: “A Reformed Arminian View,” em Four Views on Eternal Security, ed. J. Matthew Pinson (Grand Rapids: Zondervan, 2002).

9 John Frame, The Doctrine of God: A Theology of Lordship (Phillipsburg, N.J.: P & R Publishing, 2002), 138: “O libertarismo tem uma longa história na teologia cristã. A maioria dos pais da Igreja tinha mais ou menos esta posição, até que Agostinho a questionou, durante a controvérsia pelagiana”. Na nota de rodapé número 12 (mesma página), ele escreve: “Os calvinistas que dão grande peso à antiguidade e à tradição terão que concordar, portanto, que a tradição extra canônica mais antiga não favorece a sua posição”.

10 David Hunt, “The Simple-Foreknowledge View,” in Divine Foreknowledge: Four Views, ed. James K. Beilby and Paul R. Eddy (Downers Grove, Ill.: InterVarsity, 2001), 67.

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Às vezes conhecido como ponto de vista agostiniano-calvinista.

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Teólogos reformados têm frequentemente rejeitado a distinção antecedente-consequente, devido à sua associação com a liberdade libertista, mas adotaram uma distinção muito semelhante entre a vontade decretatória e preceptiva de Deus. A vontade decretatória de Deus (ou simplesmente seu “decreto”) é sinônimo de pré-ordenação... É o seu propósito eterno pelo qual ele ordena de antemão tudo que acontece.

A vontade preceptiva de Deus são suas avaliações, principalmente aquelas que nos são reveladas em sua Palavra (seus “preceitos”). A vontade decretatória de Deus não pode ser contrariada com sucesso; o que Deus decretou certamente ocorrerá. No entanto, é possível às criaturas desobedecerem a sua vontade preceptiva – e o fazem com frequência.

Esta distinção é mais ou menos semelhante à distinção antecedente-consequente, apesar de que as duas distinções tendem a aparecer em diferentes tradições teológicas. A vontade preceptiva de Deus, como a vontade decretatória, consiste em sua avaliação de todas as situações possíveis ou reais. Sua vontade decretatória, como a vontade consequente, determina o que realmente vai acontecer. A diferença entre a decretatória e a consequente é que o conceito da vontade decretatória exclui o libertarismo. A decisão de Deus quanto ao que realmente vai acontecer não é baseada em sua presciência do livre arbítrio libertista do homem.

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De acordo com o ponto de vista calvinista, o que aparenta ser escolhas livres feitas por seres humanos é, na realidade, decisões que só podem se conformar aos seus desejos, pois são seres caídos. Não estão realmente fazendo escolhas libertistas não previamente determinadas. As aparentes escolhas livres que as pessoas fazem são compatíveis com a vontade decretatória de Deus. A soberania de Deus permanece intacta, as pessoas fazem as possíveis escolhas de acordo com a sua condição moral e espiritual e o calvinista os declara moralmente responsáveis pelos seus pecados. Na verdade, este ponto nos leva para além da presciência exaustiva de Deus, mas é este ponto de vista que o teísta aberto ataca mais do que o ponto de vista arminiano da “presciência simples”.

O Batista Livre observa Chuck de pé na encruzilhada e mesmo que tente adivinhar qual direção o homem tomará (talvez eliminando a direção da qual veio e mais alguma informação que possa ter), ele está absolutamente certo de que Deus conhece com certeza a direção que será tomada. Deus poderá trazer alguma influência na vida do Chuck que o causará a responder de uma forma ou outra e, apesar de não ser provável, é também possível que Deus o force a tomar uma determinada direção. No entanto, independentemente da decisão final que Chuck possa tomar, Deus simplesmente já sabe por que ele é Deus e Deus conhece todas as coisas completamente. O seu conhecimento do futuro é “certo”, mas não é causativo dos atos livres da humanidade. “Tudo que acontece é certamente conhecido de antemão por Deus. Todo acontecimento é certo e conhecido como tal por Deus desde a eternidade”.

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Como foi observado acima, o ponto de vista arminiano reconhece que Deus pode se tornar a causa direta na decisão de Chuck, se Ele assim o desejar. Afinal, Deus é soberano. Vamos deixar Chuck e considerar Nabucodonosor, rei da Babilônia, ao se deparar com dois caminhos: um que o conduziria contra Rabá dos Amonitas e o outro contra Jerusalém (Ezequiel 21:18-23). Na mão direita do rei se encontram os símbolos pagãos de adivinhação, indicando que deveria atacar Jerusalém. Ao mesmo tempo, Deus estava prevendo o castigo que viria sobre a rebelde Jerusalém. A “livre” decisão de Nabucodonosor resultou em que a vontade de Deus fosse feita. Apesar de não concordar com o uso das práticas de adivinhação pagãs, Deus operou através delas para assegurar a direção do ataque babilônico. Ele foi a causa direta da ação tomada.

O ponto de vista “simples” da presciência de Deus não explica como Deus conhece exaustivamente o passado, presente e o futuro (bem como todos os contingentes possíveis) usando uma teoria em particular. Apesar de um exame detalhado de Deus e sua relação com o tempo não fazerem parte da proposta deste ensaio, podemos saber através da Bíblia que Deus não pode ser medido pelo tempo. Moisés cantou: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Salmo 90:2). Falando do Pai e do Cordeiro, está escrito: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último” (Apocalipse 1:8; 4:8; 22:13).

Wayne Grudem escreve:

12 John Frame, No Other God: A Response to Open Theism (Phillipsburg, N.J.: P & R Publishing, 2001), 109

13 Para um excelente estudo dos termos certeza, contingência e necessidade, veja Picirilli, 36-43.

(6)

O fato de que Deus nunca teve um início à sua existência pode... ser deduzido do fato de Deus ter criado todas as coisas e de que Ele mesmo é espírito imaterial. Antes que Deus criasse o universo não existia matéria, mas aí Ele criou todas as coisas... Antes que Deus criasse o universo, não existia “tempo”, pelo menos não no sentido de uma sucessão de momentos, um após o outro. Portanto, quando Deus criou o universo, Ele também criou o tempo. Quando Deus começou a criar o universo, o tempo teve início e então começou a haver uma sucessão de momentos e eventos, um após o outro. Mas antes de haver universo e antes de haver tempo, Deus sempre existiu, sem começo e sem ser influenciado pelo tempo... O fato de que Deus sempre existiu antes de haver tempo nos [indica] que o próprio ser de Deus não tem uma sucessão de momentos ou qualquer progresso de um estado de existência a outro.

14

Grudem explica que apesar de, em um sentido, todo o tempo estar “presente” na consciência de Deus, ele vê todos os eventos do tempo com igual lucidez assim como também os vê em seu devido lugar no tempo.

15

Outros preferem não falar em um presente eterno (ou o “agora eterno”) de Deus no sentido de que todos os atos do passado, do presente e do futuro estão igualmente presentes diante dele ao ponto de serem

“atemporais”. Se o tempo for visto não como uma sucessão de eventos (o que necessitaria de um início do tempo), mas sim como a “possibilidade do agora e do depois”, então o tempo pode ser visto como a possibilidade de uma sucessão de eventos que podem ou não estar no presente. Neste ponto de vista, Deus permanece o Deus da História, participando do tempo, não deixando de ser ao mesmo tempo o Senhor eterno.

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Independentemente de como um proponente de conhecimento simples tente explicar como Deus conhece, todos concordam que Deus não está conhecendo o futuro à medida que se desenvolve. Ele conhece qualquer momento do futuro tão nitidamente quanto conhece o passado e o presente.

TEÍSMO ABERTO E O ENSINO DA BÍBLIA

As obras escritas de três homens parecem tê-los feito os principais “porta-vozes” do teísmo aberto.

Gregory A. Boyd, Clark H. Pinnock e John Sanders são geralmente considerados os líderes deste movimento, apesar de outros também terem contribuições bem conhecidas nesta área.

17

Enquanto há um claro consenso com respeito aos pontos básicos do teísmo aberto entre estes autores, existem também algumas diferenças de opinião com respeito a alguns detalhes deste ensino. Algumas destas diferenças serão comentadas neste ensaio, mas em geral nosso foco será os ensinamentos principais destes três homens, tomados como sendo representativos deste ponto de vista.

Nesta seção escolhi focalizar em dois aspectos da posição do teísmo aberto: (1) Por que a posição clássica da presciência de Deus foi questionada? (2) Que argumento bíblico poderia ser construído a favor desta nova posição? Uma quantidade crescente de livros e ensaios podem ser consultados para se examinar outros aspectos importantes deste assunto.

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POR QUE OS TEÍSTAS ABERTOS COMEÇARAM A QUESTIONAR O PONTO DE VISTA “CLÁSSICO”

DA PRESCIÊNCIA DE DEUS?

14 Wayne Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine (Downers Grove, Ill.: InterVarsity, 1994), 169.

15

Ibid.,171.

16

Forlines, 67-70.

17

Entre outros escritores importantes do teísmo aberto temos: David Basinger, William Hasker, e Richard Rice.

18

Entre outros aspectos importantes do ensino do teísmo aberto estão: sua abordagem hermenêutica às

Escrituras, seu ponto de vista quanto à inerrância, inspiração e autoridade das Escrituras e o seu ponto de vista do

conhecimento futuro de Deus de quem será salvo ou perdido.

(7)

O que há na explicação clássica da presciência de Deus que não convence os teístas abertos? Quando foi que começaram a ver as supostas fraquezas no ponto de vista da presciência de Deus aceito pela Igreja?

Por que estes homens escolheram o caminho que atualmente defendem publicamente? Reconheço que não podemos facilmente conhecer todas as razões por trás de certas decisões ou crenças e eu não professo ter encontrado a real razão pela qual estes homens se tornaram teístas abertos. No entanto, vejo o que parece ser uma possibilidade real por trás de alguns de seus argumentos a favor do teísmo aberto. Em sua obra, God of the Possible (O Deus do Possível), Boyd nos diz que tem considerado a questão do Deus que “muda de ideia” há dezessete anos. Depois de três anos de estudo ele ficou convencido de que “o ponto de vista habitual – de que o futuro está exaustivamente resolvido

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e de que Deus o conhece como tal – está equivocado.”

20

A partir daí ele mudou para o que se conhece hoje como teísmo aberto ou presentismo.

No capítulo três do mesmo livro, Boyd escreve sobre as diferenças práticas que a crença no teísmo aberto fará na vida do cristão. Entre estas diferenças práticas ele fala sobre o confronto com o problema do mal (teodiceia). Boyd é o autor de Letters From a Skeptic (Cartas de um Cético), livro que surgiu das cartas que ele e seu pai ateu escreveram um ao outro sobre assuntos apologéticos.

21

Uma das perguntas questionava por que Deus permitiria o nascimento de Adolf Hitler se ele sabia que mais tarde mataria milhões de judeus. Em um livro mais recente, Boyd reflete sobre a resposta que deu ao pai: “A única resposta que podia oferecer, e a única resposta que continuo a oferecer agora, é que isto não era conhecido de antemão como certo no momento em que Deus criou Hitler”.

22

Em uma obra mais recente, Satan and the Problem of Evil (Satã e o Problema do Mal), Boyd expõe uma teodiceia (“cosmovisão de batalha trinitária”) que explica a presença do mal no mundo baseado no teísmo aberto.

23

Ele rejeita a cosmovisão cristã clássica que, segundo ele, torna Deus o responsável pelo mal no mundo e por não fazer nada para freá-lo. Sua crítica tem a ver com a questão de como um Deus bom pode permitir tanto mal no mundo para poder executar algum tipo de bom propósito da sua providência.

24

Sanders inicia sua obra The God Who Risks (O Deus que Arrisca) com exemplos de mal no mundo. Sua posição é de que o ponto de vista tradicional do cuidado da providência de Deus não é adequado para responder à questão do mal no mundo. Sua obra é uma tentativa de expor uma doutrina da providência divina em que Deus “se arrisca”. Ele declara que sua obra não é a respeito do problema do mal, mas sobre um Deus pessoal que entra em um relacionamento de concessões mútuas com seres humanos.

25

Sendo que os teístas abertos veem que sua principal batalha é contra a presciência do ponto de vista calvinista (isto é, determinismo soberano), com frequência atribuem a esta posição extremos que não coincidem com a teologia reformada. Pinnock, rebatendo as críticas feitas contra sua posição, escreve:

Espanta-me que pessoas consigam defender a “glória” de Deus com tanta veemência quando esta glória inclui a autoria soberana de Deus de todo estupro e assassinato, seu fechamento do futuro para qualquer

19

O uso do termo “resolvido” é uma expressão que Boyd usa continuamente para expressar o ponto de vista

“clássico” da presciência de Deus. Enquanto é possível que “resolvido” se refira a “certo”, em geral leva uma conotação diferente, isto é, aquilo que foi determinado ou causado. “Resolvido” não é uma palavra que a teologia arminiana reformada usa para falar da presciência do futuro do Senhor. O futuro é certo, não “resolvido”.

20

Boyd, God of the Possible, 8.

21

Gregory A. Boyd, Letters from a Skeptic: A Son Wrestles with His Father’s Questions about Christianity (Wheaton, Ill.: Victor Books, 1994).

22

Boyd, God of the Possible, 98.

23

Gregory A. Boyd, Satan and the Problem of Evil: Constructing a Trinitarian Warfare Theodicy (Downers Grove, Ill.:

InterVarsity, 2001).

24

Boyd, Satan and the Problem of Evil, 11-14.

25

John Sanders, The God Who Risks: A Theology of Providence (Downers Grove, Ill.: InterVarsity, 1998), 14.

(8)

contribuição de suas criaturas e a responsabilização de pessoas por atos predestinados por ele, sendo que não poderiam fazer outra coisa.

26

Ao pensar sobre a questão do “por quê”, é difícil para mim escapar da ideia (pelo menos em parte) de que os teístas abertos estão buscando uma resposta para a sociedade pós-moderna que satisfaça os questionamentos da humanidade quanto à presença do mal no mundo. Todos os que escrevem a favor do presentismo declaram que o problema do mal não foi o fator motivador principal que os levou à sua posição, mas todas as suas obras (exceto os argumentos mais filosóficos

27

) parecem retornar às respostas que procuram explicar Deus e o homem em termos de seus relacionamentos com a existência do mal no universo.

Creio que todos nós concordamos que Deus não é a causa do mal. No entanto, a afirmação do teísta aberto, de que Deus não pode saber ao certo que mal irá acontecer e que às vezes é incapaz de prevenir tal mal, é inaceitável.

28

É inaceitável como resposta porque os argumentos bíblicos do teísmo aberto não sustentam tais conclusões. Vejamos agora estes argumentos.

OS ARGUMENTOS BÍBLICOS DO TEÍSMO ABERTO

Antes de ver alguns dos principais argumentos “bíblicos” do teísmo aberto, creio que seria bom entender porque o presentismo (com suas “raízes” arminianas) rejeita o ponto de vista arminiano da “presciência simples”. Um dos argumentos básicos do teísmo aberto contra a presciência “clássica” é a de que a ideia de Deus ter conhecimento futuro exaustivo é uma inserção filosófica helênica que penetrou no pensamento cristão com os primeiros pais da igreja. O teísta aberto alega ler os textos bíblicos como realmente deveriam ser entendidos. Teólogos clássicos entendem os textos que falam sobre Deus mudar de ideia ou se arrepender como o uso de maneiras humanas de expressão para apresentar um Deus imutável expressando aspectos de seu ser ou de suas ações sem contradizer sua imutabilidade.

O presentismo alega que o seu ponto de vista na leitura destes textos é o correto. Quando a Bíblia diz que Deus “mudou de ideia”, é exatamente isto que significa. Ou Deus percebeu que cometeu um equívoco ou teve que reavaliar a situação. Portanto, se arrependeu ou mudou de ideia. O teísta aberto desafia o princípio de interpretação do ponto de vista clássico, alegando que vem de uma mistura de interpretação bíblica com filosofia helênica.

O conceito de Deus desenvolvido na igreja primitiva, a “síntese bíblico-clássica”, tem se tornado tão comum que mesmo os teólogos conservadores atuais simplesmente presumem que é o conceito bíblico correto de Deus e, portanto, qualquer outro entendimento bíblico de Deus (como a que nós propomos) deve ser rejeitado. A presunção do ponto de vista clássico é tanta que funciona como um pré-requisito que exclui certas interpretações das Escrituras que não se

“encaixam” com a concepção daquilo que é “apropriado” quando se pensa em como é Deus, o que é derivado da metafísica grega.

29

26

Pinnock, Most Moved Mover, 16.

27

Até William Hasker em sua “Uma Perspectiva Filosófica”em The Openness of God (149, 152) trás parcialmente a questão do mal.

28

Boyd, Satan, 16: “A cosmovisão da batalha também tem suas dificuldades. A mais importante é a questão de como este ponto de vista pode ser reconciliado com o ensino bíblico de que é o todo poderoso criador do mundo.

Como a cosmovisão da batalha nega que Deus sempre tenha uma razão específica por permitir que atos maus ocorram, não é necessário que também negue que Deus é capaz de prevenir atos que deseja que ocorram?

Podemos definir o dilema da seguinte forma: Parece que devemos crer que Deus não previne certos eventos ou porque escolhe não fazê-lo ou porque é incapaz. A cosmovisão da batalha nega que Deus sempre escolhe não intervir, pois isto requeriria crer que existe um propósito divino específico por trás de tudo. Portanto, a cosmovisão da batalha deve aceitar que pelo menos algumas vezes Deus é incapaz de prevení-los. Então, como seria possível continuar a crer que Deus é todo poderoso?” (Ênfase nesta citação e em todas as posteriores contidas no original).

29

John Sanders, “Historical Considerations,” em The Openness of God (60). Leia este capítulo inteiro de Sanders (p.

59-100) para entender o racioncínio do teísmo aberto ao atacar a teologia clássica como sendo uma síntese de

ensino bíblico com filosofia helênica. Semelhantemente, argumentos do teísmo aberto podem ser encontrados em

(9)

No entanto, o teólogo clássico não é o único com pressuposições. O teísta aberto também aborda a Bíblia com um certo pressuposto com respeito ao livre arbítrio do homem.

30

O presentismo argumenta que se o Senhor já conhece todos os pensamentos, emoções e ações, então não somos realmente seres livres. Que diferença fariam as nossas orações? Os nossos pensamentos realmente valem alguma coisa? Para o teísta aberto, a verdadeira liberdade humana somente é possível se o futuro não for conhecido por Deus, isto é, se estiver “aberto” (ou “em aberto”).

Ware resume esta pressuposição filosófica dos teístas abertos:

Se Deus conhece tudo que ocorrerá no futuro, então não somos livres para fazer diferentemente daquilo que Deus já conhece e, portanto, não somos verdadeiramente livres. E mais, como Deus somente pode conhecer o que é real, ele não pode, por definição, conhecer o futuro, pois este ainda não aconteceu e, portanto, não é real.

31

Teístas abertos rejeitam o ponto de vista “simples” da presciência de Deus alegando que há uma incompatibilidade lógica entre a presciência exaustiva e o livre arbítrio do homem.

32

A avaliação de um teísta aberto (e, portanto, sua rejeição) da presciência simples de Deus, sobre qual direção Chuck tomará quando deixar a encruzilhada, poderia ser algo assim:

 É verdade que Chuck logo decidirá deixar a encruzilhada e viajará em uma direção.

 Não é possível para Deus, em qualquer momento, crer algo que não é verdadeiro. Ele deve sempre crer no que é verdadeiro.

 Deus sempre creu que Chuck irá na direção que eventualmente tomará.

 Se Deus tem crido eternamente que este fato é verdadeiro, ninguém nunca poderá fazer com que Deus creia algo diferente (o passado não pode ser mudado).

 Por esta razão Chuck não tem o poder para escolher qualquer direção sem ser a que Deus sempre creu que ele tomaria.

 Não é possível Deus ter crido que Chuck iria em uma certa direção e depois ele não ir nesta direção.

 Portanto, Chuck não tem liberdade ou capacidade para viajar em uma direção diferente daquela em que viajará. Então o livre arbítrio de Chuck para escolher não é afinal nenhum livre arbítrio.

33

William Hasker rejeita o argumento da presciência simples de que a presciência não causa a decisão futura que será tomada. Ele diz que isto não ajuda nosso entendimento daquilo que acontece no presente porque a sua presciência simples não pode ser usada de nenhuma maneira providencial para nos ajudar.

34

Este argumento do teísmo aberto contra a presciência simples falha em sua pressuposição. Isto é, ele presume que o fato de Deus já saber o que Chuck decidirá é incompatível com sua liberdade de escolha.

Se Chuck escolhe, por exemplo, ir para o leste, Deus sabe de antemão e, portanto, não pode escolher qualquer outra direção. Esta pressuposição lógica (e errônea) termina fazendo, como o calvinismo, com que o conhecimento de Deus do futuro seja o fator que determine o evento.

Pinnock, Most Moved Mover, 65-79.

30

Deve-se notar que todo teísta aberto é arminiano (ou “neo-arminiano). No entanto, a maioria dos arminianos não é teísta aberto.

31

Bruce A. Ware, God’s Lesser Glory: The Diminished God of Open Theism (Wheaton, Ill.: Crossway Books, 2000), 19.

32

Veja os argumentos de William Hasker de que a presciência simples e a liberdade humana não são compatíveis em “A Philosophical Perspective” em The Openness of God, 147-50. Veja também Sanders, God Who Risks, 200- 206.

33

Hasker, 148.

34

Ibid., 149.

(10)

Argumentando contra a causa do teísta aberto em rejeitar o modelo da presciência simples de Deus, Robert Picirilli escreve:

Uma vez que falamos de qualquer evento futuro (ou do futuro em geral) como “conhecido” e depois dizemos que nem mesmo Deus pode mudá-lo, pois isto tornaria sua presciência incorreta, criamos o problema lógico com a nossa maneira de expressá-la. Viramos a presciência de ponta cabeça. Ao formular uma ilustração, quando presumimos que o futuro será de certa maneira, logicamente nos colocamos “do outro lado” desse futuro. Neste caso, então, é claro que o que será “não pode” ser de outra forma. Mesmo Deus não pode fazer um fato da história um

“não fato”.

Mas nenhum fato do futuro da história é fixado pelo conhecimento dele: tudo o que Deus conhece do futuro ele o conhece somente porque aquilo irá acontecer e não vice-versa. Seria uma tolice dizer: “Como o holocausto aconteceu, não poderia não acontecer!”. É precisamente a mesma “lógica” dizer que o evento tem que ocorrer para evitar que a presciência esteja errada, presumindo pela presciência uma perspectiva do outro lado (além) do evento futuro. O erro nesta maneira de pensar é evidente em si mesma.

35

Picirilli continua com sua crítica à posição de Sanders (basicamente a mesma de Hasker):

No nível mais amplo, a objeção de Sanders é de que uma vez que Deus decidiu criar o mundo como é, conhecendo todos os eventos na história de antemão, o mundo não pode ser diferente daquilo que é e os eventos da história não podem ser diferentes daquilo que são. A resposta é a mesma: Deus determinou criar um mundo com contingências reais e o conhece de antemão como um mundo com contingências. Se o mundo funciona com seres humanos que fazem escolhas reais, libertistas entre alternativas, então isto é tanto o mundo que Deus decidiu criar quanto o mundo que conhece de antemão. Se a nossa formulação de tais questões parece nos dar um nó lógico, é a nossa formulação que o faz, não o mundo real em si. No mundo real, conhecimento dos fatos (mesmo fatos futuros) flui logicamente dos fatos. Se o Deus eterno se conscientiza de fatos antes que se tornem fatos, o conhecimento ainda mantém o mesmo relacionamento com os fatos conhecidos. Dizendo de forma simples, ele conhece o que eu farei (e o que ele fará em resposta) somente se eu o fizer.

36

O ponto de vista simples da presciência de Deus não iguala o “certo” ao “determinado” no sentido de que o futuro é determinado por Deus (no caso de escolhas de livre arbítrio) antes que essas escolhas sejam feitas. O futuro é certo. O que será, será; o que, aliás, teria o mesmo resultado, mesmo se o teísmo aberto fosse verdade. Mesmo se Deus não conhecesse as futuras escolhas livres do homem, o futuro seria o que seria. Creio que a aceitação, pelo teísmo aberto, da definição calvinista da predeterminação soberana de Deus de todas as coisas no universo em contraste com o ponto de vista tradicional e clássico da “presciência simples” de Deus tem levado seus defensores a uma posição que retira de Deus o poder e o conhecimento que a Bíblia claramente lhe atribui.

Está claro que uma das crenças básicas do teísmo aberto é que a Bíblia não ensina “que o futuro está exaustivamente decidido. Cremos que Deus determina (e, portanto, conhece de antemão como certo) uma parte, mas não todo o futuro”.

37

De acordo com o presentismo, Deus conhece exaustivamente o passado, o presente e todo o futuro que ele mesmo preordenou. No entanto, Ele não conhece completamente os atos e pensamentos futuros da humanidade, mas tem conhecimento perfeito de todas as probabilidades futuras.

Quando o improvável acontece, como às vezes é o caso com agentes livres, Deus genuinamente diz que “pensou” ou “esperava” que o mais provável aconteceria. Sendo que Deus

35

Robert E. Picirilli, “An Arminian Response to John Sanders,” Journal of the Evangelical Theological Society, 44 (September 2001):473.

36

Ibid., 474.

37

Boyd, God of the Possible, 23.

(11)

é infinitamente inteligente, não podemos conceber Deus totalmente chocado, como se não tivesse se antecipado perfeitamente e preparado para esta improbabilidade (como se fosse uma certeza desde a eternidade passada). Mas relativo às probabilidades da situação, o resultado foi surpreendente (isto é, improvável).

38

O teísmo aberto tem um impacto amplo sobre a teologia e o estudo da Bíblia. Três áreas específicas merecem uma atenção especial.

1. O teísmo aberto baseia seu ensino em uma leitura literal dos textos bíblicos, isto é, o que o texto diz sobre o que Deus sente é o sentido do texto. Os textos bíblicos abaixo são citados pelos teístas abertos na tentativa de demonstrar seus ensinamentos de que Deus está “aberto” ao futuro.

39

Isaías 40-48

Através de Isaías, o profeta, Yahweh falou a Israel sobre a idolatria e a futura libertação do cativeiro.

Ele convoca Israel a compará-lo com os ídolos pagãos. O teísmo aberto chama a atenção especialmente para Isaías 46:9-10 e 48:3-5. Estes dois textos parecem ter sido escolhidos devido à forte linguagem com respeito à presciência de Deus.

Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade (Is 46:9-10 ARA).

As primeiras coisas, desde a antiguidade, as anunciei; sim, pronunciou-as a minha boca, e eu as fiz ouvir; de repente agi, e elas se cumpriram. Porque eu sabia que eras obstinado, e a tua cerviz é um tendão de ferro, e tens a testa de bronze. Por isso, to anunciei desde aquele tempo e to dei a conhecer antes que acontecesse, para que não dissesses: O meu ídolo fez estas coisas; ou: A minha imagem de escultura e a fundição as ordenaram (Is 48:3-5 ARA).

A teologia clássica tem entendido que estas passagens (bem como todo o trecho dos capítulos 40- 48) falam (e ensinam) a respeito do chamado soberano e das ações de Yahweh (no chamado de Ciro). Ligado a isto está a sua presciência de todos os eventos futuros.

Os teístas abertos entendem que até um certo ponto estes textos falam do que Deus determinou fazer no futuro: “o meu conselho (propósito) permanecerá de pé, farei toda a minha vontade.” Mas negam que estes textos falam de uma verdade mais abrangente e que ensinam o conhecimento futuro de Deus sobre Israel (e o restante do mundo). Deus estaria apenas dizendo que os ídolos e as imagens não têm nenhum conhecimento e não fizeram nada. O Senhor estaria apenas mostrando a Israel o que ele está fazendo para que as nações não digam que foram seus deuses ídolos que os livraram. Não é que Deus tivesse informações sobre o que poderia acontecer, mas que era seu propósito fazer acontecer a sua vontade e relatar isto a Israel. Boyd escreve:

Textos como estes demonstram perfeitamente que o futuro está decidido até onde o soberano Criador decidir. Deus não está à mercê do azar ou do livre arbítrio.... Teístas abertos... defendem que Deus pode e de fato predetermina e conhece de antemão o que quiser sobre o futuro. Cremos que Deus tem tanta confiança na sua soberania que não precisa fazer a microgestão de tudo. Ele poderia, se quisesse, mas isto rebaixaria a sua soberania. Então ele escolhe deixar uma parte do futuro aberto para as possibilidades, permitindo que sejam resolvidas pelas decisões de agentes livres. É necessário um Deus

38 Gregory A. Boyd, “Christian Love and Academic Dialogue: A Reply to Bruce Ware,” Journal of the Evangelical Theological Society 45 (June 2002):237.

39 Entre outros textos bíblicos citados pelos teístas abertos para demonstrar seus ensinamentos estão: Gênesis 3;

Êxodo 32-34; 1 Samuel 15:35; Gênesis 6; Números 11:1-2; 1 Samuel 23:10-13; Gênesis 9:14-16; Juízes 10:12-16;

Jonas 4:2; Gênesis 18:22-33; Jeremias 3:7, 9 e Ezequiel 12:3.

(12)

maior para dirigir um mundo populado por agentes livres do que um Deus que dirige um mundo de autômatos pré-programados.

40

Os batistas livres concordam com as duas últimas sentenças de Boyd, mas não com a afirmação do teísmo aberto de que Deus não conhece (e não pode conhecer) quais serão as decisões destes agentes livres. Estes textos de Isaías apresentam a alegação do próprio Yahweh dizendo ser o único Deus, fazendo o que fará no futuro além de também conhecer o futuro. Ele demonstra ou declara o que fará e o que outros agentes livres farão. “Aquilo que Ele declara (e, portanto, que conhece de antemão) que acontecerá no futuro inclui inumeráveis fatos futuros envolvendo decisões e ações de criaturas livres que ainda não ocorreram”.

41

Salmo 139

O Salmo 139:1-18, 23-24 há muito tem sido fonte de prazer e de conforto aos cristãos perturbados pelos próprios pecados e falhas. O conhecimento íntimo que Deus tem de seus filhos (sem levar em consideração toda a humanidade) encoraja os cristãos de todas as nações com pensamentos de sua grandeza e com a necessidade de viver em santidade. O verso 16 diz: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias (ou membros, em algumas traduções em inglês), cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda (Sl 139:16 ARA)”. O termo traduzido “membros” é yamim, plural da palavra normal em hebraico para “dia”. Portanto, Deus conhece todos os nossos dias.

Teístas abertos parecem indicar que tais textos bíblicos também poderiam ser usados para justificar o seu ponto de vista. Boyd declara:

Mesmo se este versículo dissesse que a duração de nossa vida estivesse determinada antes do nosso nascimento, não seria o mesmo que dizer que tudo sobre nosso futuro foi determinado antes do nosso nascimento e certamente não significaria que isto foi decidido desde a eternidade passada. Deus pode em um certo momento predeterminar e/ou conhecer de antemão algumas coisas sobre o futuro sem, desde a eternidade, predeterminar e/ou conhecer de antemão tudo sobre o futuro. Devemos ser cautelosos para não irmos além daquilo que a Bíblia ensina.

42

Podemos rapidamente reconhecer que Davi escrevia uma canção ou poema e que precisamos entender que tipo de literatura é, mas o tipo de literatura utilizada não diminui as verdades ensinadas. Nos versículos 1-3 é óbvio que Davi crê que Yahweh tem conhecimento do presente dele e de seus pensamentos. Além disto, o versículo 4 indica que o Senhor também tem conhecimento futuro das próximas palavras de Davi. A medida em que escreve sua meditação sobre o conhecimento de Deus, ele é dominado pela grandeza do que Deus conhece e pela sua presença.

Independentemente de se usar “membros” ou “dias” na tradução do versículo 16, o ensino claro da Bíblia é que Deus os conhecia antes que existissem.

O teísmo aberto fala muito sobre Deus mudar de ideia. Dois textos usados para demonstrar o ponto de vista de que Deus não conhece exaustivamente o futuro são Gênesis 22:1-15 e 2 Reis 20:1-11.

Gênesis 22:1-15

Gênesis 22 relata a amada e bem conhecida história da disposição de Abraão para sacrificar seu filho Isaque em obediência ao mandamento de Deus. O primeiro versículo do texto nos diz que Deus pôs Abraão “à prova”. No versículo 12 o Anjo de Yahweh diz a Abraão para não machucar o menino,

“pois agora sei que temes a Deus”.

40

Boyd, God of the Possible, 31.

41

Bruce A. Ware, “Rejoinder to Replies by Clark H. Pinnock, John Sanders, and Gregory A. Boyd,” Journal of the Evangelical Theological Society 45 (June 2002):254.

42

Boyd, God of the Possible, 41.

(13)

O teísmo aberto, ao contrário da crença cristã clássica, diz que o propósito da prova foi para que Deus “soubesse” ou descobrisse se Abraão realmente O temia. Apesar de Abraão provavelmente ter se beneficiado da experiência, Deus precisava saber se Abraão realmente O temia. Aparentemente Ele achava que sim, mas precisava ter certeza. “Se existir a pressuposição de que Deus já “sabia”

com antecedência o resultado da prova, então o texto está no mínimo mal escrito ou então é simplesmente falso”.

43

O cristianismo clássico sempre entendeu o uso da expressão “agora sei”, dita por Deus neste texto, como uma maneira antropomórfica de Deus expressar o que já sabia sobre a fé de Abraão. Em vez de ser uma prova para Deus, foi o próprio Abraão quem foi justificado por suas obras “quando ofereceu sobre o altar o seu próprio filho” (Tg 2:21; veja também Hb 11:17 e Gn 22:5).

Os teístas abertos alegam que são eles quem estão lendo o texto corretamente ao negarem que seja um antropomorfismo. Deus precisava saber, portanto fez Abraão passar por um verdadeiro teste. No entanto, o teólogo clássico pergunta “Como fica Gênesis 3:9-13, onde Deus faz a Adão uma série de perguntas? Deus estava também neste caso à procura de informações?”

2 Reis 20:1-11

O rei Ezequias de Judá tinha cerca de 39 anos quando recebeu uma palavra profética de Yahweh (através de Isaías) dizendo que deveria “por a sua casa em ordem”, pois morreria logo. Nos versículos 2-3 Ezequias, chorando, ora e suplica a Deus para permanecer vivo. No versículo 5, Yahweh concede mais 15 anos a Ezequias. Isaías lhe transmite a resposta de Deus e o instrui sobre o que deve fazer medica e espiritualmente. Ezequias obedece e lhe é concedido mais 15 anos de vida.

Dizem que aqui temos um exemplo claro de mudança de ideia por parte de Deus após ter ouvido a oração de um dos seus. Para o teísmo aberto o futuro está em aberto. Pinnock escreve:

Assim, o dia da morte do rei foi transferida para uma data mais distante no tempo. Isto demonstra que a hora exata da morte não estava para sempre resolvida na mente de Deus, mas era algo flexível, que dependia das circunstâncias.... O futuro não é algo fixado na mente de Deus em meticulosos detalhes. Algumas coisas podem dar-se de uma maneira ou de outra. O futuro ainda está em formação e aberto às possibilidades ainda não concretizadas.

44

Obviamente, o arminianismo da Reforma e a teologia reformada observam que em 2 Reis 20:1 Yahweh parece bem enfático ao dizer que a doença de Ezequias traria a sua morte (um evento futuro conhecido por Deus). Quando concedeu o pedido de Ezequias por mais vida, O Senhor diz:

“acrescentarei aos teus dias quinze anos” (v. 6a). Isto não é mudar a sua morte para uma data “mais distante no tempo”. Quinze anos a mais é a quantidade de tempo que Ezequias viveu (mais um fato conhecido por Deus quinze anos antes de acontecer). O fato de Deus responder às orações do seu povo não significa que não saiba o que vai acontecer e como responderá quando isto ocorrer (isto é, neste caso, a oração de Ezequias). Teístas abertos se esforçam para provar que o seu ponto de vista é o verdadeiro, que conecta a oração a uma Deus relacional. A “mudança da mente de Deus”

para responder uma oração não indica que seja um mentiroso e nem que não saiba o que vai acontecer no futuro a uma oração respondida. Não se deve deixar os teístas abertos darem a ideia de que acabaram de chegar e descobriram que o nosso Senhor é um Deus relacional que deseja as orações do seu povo.

Em quinze anos muita coisa pode acontecer. De fato, apenas três anos mais tarde nasceu o filho de Ezequias, Manassés, o rei mais ímpio que governou o povo de Judá. Deus sabia o que iria acontecer? Será que se arrependeu de sua decisão de conceder mais quinze anos a Ezequias?

43

Sanders, The God Who Risks, 52.

44

Pinnock, Most Moved Mover, 48.

(14)

Certamente o Senhor sabia o que aconteceria com Manassés. Sem dúvida, Deus se entristeceria devido à iniquidade que viria durante os mais de cinquenta anos de reinado de Manassés, pois a Bíblia ensina que Deus é um Ser que tem emoções. Ele lamentou a iniquidade da humanidade nos dias de Noé (Gênesis 6). Ele não tem prazer na morte do ímpio (veja Ezequiel 18:23, 32), mas se regozija com o cumprimento da justiça e da santidade (Isaías 52-53). Estas emoções de Deus das quais a Bíblia fala não são indicações de mudança no ser ontológico de Deus, mas demonstram o seu caráter imanente, relacional e salvífico.

A teologia clássica nunca tentou colocar limites em Deus como se não experimentasse nenhum sentimento ou emoções. Apesar dos teístas abertos tentarem desenhar uma caricatura do Deus da teologia clássica como alguém que não tem sentimentos e que nunca muda, a compreensão histórica da imutabilidade de Deus não significa que Ele seja imóvel. Deus é amor e pode ser entristecido (Ef 4:30; 1 Ts 5:19; Mt 23:37 e Jo 11:34-38).

2. O teísmo aberto possui um entendimento diferente das profecias bíblicas se comparado à interpretação dada pela teologia cristã clássica. Os que apoiam este ponto de vista não veem as profecias como necessariamente referentes às escolhas livres de indivíduos no futuro.

Teístas abertos veem algumas profecias bíblicas como sendo preditivas e precisas como, por exemplo, as profecias de Isaías referentes ao servo do Senhor, Ciro (Isaías 45:1-3); o nome dado a Josias (1 Reis 13:1-3) e os nomes dados a Jesus e a João Batista (Lucas 1:13, 31). Obviamente que nestes casos, uma parte do livre arbítrio destes indivíduos (ou de seus pais, como é o caso destes últimos três exemplos) seria limitada, pois se tratava de atividades pré-ordenadas.

45

No entanto, diz-se que outras declarações proféticas que se referem a pessoas específicas e seu livre arbítrio seriam exemplos do conhecimento ou presciência de Deus do comportamento de uma pessoa. O presentismo enfatiza que proclama um Deus que tem conhecimento infinito de todas as probabilidades e de todo o passado e presente das pessoas (ações, comportamento e caráter).

Portanto, o teísmo aberto vê boa parte das profecias simplesmente como Deus prevendo com precisão a maneira que uma pessoa se comportará em determinadas circunstâncias.

Em Mateus 26:34, onde Simão Pedro negou o Senhor Jesus, é considerado pelo presentismo como um exemplo do conhecimento infinito do Senhor do padrão de comportamento de uma pessoa sob todas as circunstâncias. Boyd crê que este foi o caso quanto à predição de Jesus com relação à tripla negação de Pedro.

Contrário à suposição de muitos, não precisamos crer que o futuro está exaustivamente decidido para explicar esta previsão. Precisamos apenas crer que Deus, o Pai, sabia e revelou a Jesus um aspecto bem previsível do caráter de Pedro. Qualquer um que conhecesse perfeitamente o caráter de Pedro poderia ter predito que sob certas circunstâncias de alta pressão (que Deus poderia ter orquestrado), Pedro agiria exatamente da maneira como agiu.

46

Outras profecias bíblicas são vistas como profecias condicionais, isto é, o futuro está aberto, no sentido de que se uma condição for cumprida, então tal evento acontecerá, mas se não for cumprida, o evento não acontecerá. A maioria dos cristãos concordaria que este tipo de profecia encontra-se na Bíblia. Apesar de não ser explícita, a proclamação de Jonas quanto à ruína de Nínive tinha em si um caráter condicional. Se houvesse arrependimento, não haveria uma destruição imediata. Porém, mais uma vez, a diferença entre o teísmo aberto e o arminianismo da Reforma é a questão de se Deus sabia (neste caso) que haveria um arrependimento por parte de Nínive. Os teístas abertos negam que ele tivesse esta exata presciência. Nós afirmamos que sim.

45 Boyd, God of the Possible, 34.

46

Ibid., 35.

(15)

Talvez a área de profecia onde exista a maior diferença com o teísmo aberto poderia ser chamado de “previsões proféticas imprecisas”.

47

Ware escreve que um nome melhor para esta categoria presentista seria “o melhor palpite de Deus”.

48

De acordo com os presentistas, estas são profecias relacionadas com uma situação presente e não se deve exigir delas qualquer precisão. Estas profecias não foram sempre cumpridas exatamente como a previsão original. O futuro estava aberto e Deus teve a liberdade de cumprir a sua palavra como quis, uma vez chegado o tempo para o seu cumprimento. São promessas “em termos gerais e uma esperança abençoada mais que... uma previsão exata”.

49

Intérpretes cristãos clássicos sempre entenderam a profecia bíblica com dois sentidos.

Primeiramente, os profetas do Antigo e do Novo Testamentos proclamaram uma palavra profética contra a iniquidade e a injustiça. No entanto, a palavra profética de Deus (através de seus profetas e dos escritos proféticos) incluiu muitas verdades que se cumpririam no futuro com precisão completa como anunciada pelo Senhor. Em God’s Lesser Glory: The Diminished God of Open Theism (A Glória Menor de Deus: O Deus Diminuído do Teísmo Aberto), Ware menciona uma pesquisa feita por Steve Roy sobre a presciência divina.

50

A pesquisa revela 128 textos que declaram o que Deus fará no futuro através da natureza, 1.893 textos que preveem que Deus no futuro fará algo nos seres humanos ou através deles, 1.474 textos que afirmam o que os seres humanos farão independentemente daquilo que Deus possa fazer diretamente através deles e 622 textos que falam do que acontecerá no futuro com os descrentes ou o que eles farão para as outras pessoas. Esta é uma quantidade imensa de material profético bíblico que aparentemente Deus conhece com antecedência através da sua presciência exaustiva.

Uma das categorias proféticas que o teísmo aberto parece não mencionar é a das predições incondicionais. Estas são profecias que Deus declara que certamente acontecerão e que são baseadas em sua divina presciência do futuro com todas as livres escolhas da humanidade. Existem muitos exemplos bíblicos de profecia incondicional. Por exemplo, no dia de Pentecostes, Pedro pregou sobre Cristo e sua morte. Ele disse a seus ouvintes: “sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (Atos 2:23). Em seu artigo “Defining Evangelicalism’s Boundaries Theologically” (Definindo Teologicamente as Fronteiras do Evangelicalismo), Ware procura chamar a atenção dos teístas abertos para Daniel 11:1-4. Sua conclusão é que enquanto os teístas abertos negam que Deus tenha presciência exaustiva de eventos futuros, “o número de escolhas livres e ações previstas (explicita ou implicitamente) apenas destes quatro versículos chega a ser inconcebível”!

51

Deuteronômio 18:18-22 estabelece o critério que se deve usar para julgar um falso profeta:

Porém o profeta que presumir de falar alguma palavra em meu nome, que eu lhe não mandei falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta será morto.

Sabe que, quando esse profeta falar em nome do SENHOR, e a palavra dele se não cumprir, nem suceder, como profetizou, esta é palavra que o SENHOR não disse; com soberba a falou o tal profeta; não tenhas temor dele (versículos 20 e 22).

A questão é, se Deus tem critérios rígidos para profecias e profetas, como pode Ele não ser preciso em suas predições? Se Ele não conhece o futuro e, no entanto, faz profecias gerais que podem ou não se cumprir com precisão, como pode Ele exigir um critério rigoroso de seres finitos e pecadores?

47

Pinnock, Most Moved Mover, 50.

48

Ware, God’s Lesser Glory, 132.

49 Ibid.

50

Ibid., 100.

51

Ware, “Defining Evangelicalism’s Boundaries Theologically,” 202.

(16)

3. O entendimento do teísmo aberto da encarnação de nosso Senhor Jesus revela quão profundamente o pensamento deles impacta a mensagem básica das Escrituras. Por exemplo:

Sanders afirma que, enquanto a encarnação sempre foi parte do plano divino de Deus, a morte de Jesus na cruz não foi.

No livro The God Who Risks, Sanders tem uma seção sobre os materiais do Novo Testamento intitulado “Getsêmane: A Paixão de Jesus”. Ele diz que Judas não traiu Jesus mas somente o entregou, talvez esperando por algum tipo de resolução das diferenças entre Jesus e o sumo sacerdote e que a oração de Jesus no Getsêmane pedindo “passe de mim este cálice” significa que o próprio Jesus duvidava sobre a necessidade da cruz. Sanders explica que a encarnação sempre havia sido parte do plano de Deus desde a eternidade, que “a encarnação não é um plano contingente para redimir a humanidade decaída, mas um meio de realizar o tipo de relacionamento que Deus sempre quis com sua criação”.

52

Minha posição é que a encarnação havia sempre sido planejada, pois Deus tinha a intenção de nos trazer para a alegria e glória compartilhadas pelo Deus trino... No entanto, o pecado humano ergueu uma barreira contra o projeto divino e a encarnação planejada teve que ser adaptada para superá-lo.

53

Sanders não consegue permitir que Deus tivesse presciência conclusiva de que Adão e Eva iriam pecar, introduzindo assim o pecado no mundo. Mas ele se depara com o problema da encarnação e com vários textos bíblicos aparentemente bem claros que falam da morte de Jesus como predeterminada e conhecida de antemão. Pedro escreve sobre a redenção que temos através do

“precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (1 Pedro 1:19 e 20 ARA).

Foi revelado a João, em uma visão (Apocalipse 13:8), que haverá um tempo quando todos os descrentes na terra adorarão a besta. Aqueles que a adoram são “aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo”. A frase “desde a fundação do mundo” (isto é, desde a eternidade passada) provavelmente se refere ao “Cordeiro que foi morto”,

54

apesar de Sanders entender que “desde a fundação do mundo” se refere a “nomes...

escritos no Livro da Vida”.

No entanto, as explicações de Sanders de como a encarnação em si foi planejada sem a presciência do pecado não são satisfatórias. Primeiramente ele diz que Jesus não foi morto desde a fundação do mundo, mas na Palestina, durante o reino de Pilatos. Depois ele diz que talvez o que João e Pedro quiseram dizer pela frase “desde a fundação do mundo” é que há muito tempo a sabedoria de Deus vinha preparando uma salvação para o homem perdido.

Picirilli observa que independentemente de “desde a fundação do mundo” se referir a “escritos no Livro” ou ao “Cordeiro”, o problema para os teístas abertos permanece. Se referir-se ao Cordeiro, então o pecado era conhecido de antemão porque “o Cordeiro” (repare na alusão ao Antigo Testamento) implica em sacrifício pelo pecado. Se referir-se aos nomes escritos no Livro, então aqueles cujos nomes estão escritos no Livro são indivíduos que eram conhecidos antes da fundação do mundo, e o fato de que há muitos nomes que não estão escritos no Livro indica a presença do pecado.

55

52

Sanders, God Who Risks, 98-104.

53

Ibid., 103.

54 Veja a explicação de Picirilli sobre esta ligação provável em “An Arminian Response to John Sanders,” (Uma Resposta Arminiana a John Sanders) 481-83.

55

Ibid., 482-83

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