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APLICANDO A HISTÓRIA ORAL PARA CONHECER A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA DE ITAIPULÂNDIA (PR)

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APLICANDO A HISTÓRIA ORAL PARA CONHECER A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA DE ITAIPULÂNDIA (PR)

JEAN SEBASTIAN TOILLIER* 1. Conhecendo a Pesquisa e a Região

O presente trabalho se refere a uma pesquisa de mestrado que está sendo elaborada e tem a história oral como metodologia de investigação. Essa pesquisa tem a intenção de conhecer a formação do professor de Matemática que atuava na região do município de Itaipulândia, a partir de 1961 até o final da década de oitenta. Assim, almejamos possibilidades metodológicas envolvendo a História Oral e como ela compõe esse trabalho em construção.

Itaipulândia é um município que se encontra na região Oeste do Paraná, na fronteira com o Paraguai e também lindeiro1 ao Lago de Itaipu e de colonização recente, feita a partir de 1961. Sua emancipação ocorreu em 1993, mas antes disso, enquanto fazia parte do município de São Miguel do Iguaçu sofreu uma grande transformação com a formação do Lago de Itaipu, após a construção da Hidrelétrica de Itaipu2.

O território que hoje compõe Itaipulândia era formado por três distritos principais:

Aparecidinha do Oeste (atual sede do município), São José do Itavó e Itacorá. Porém, com a formação do lago de Itaipu, Itacorá foi totalmente inundada e deixou de existir. Além disso, outras transformações ocorreram nas duas outras comunidades em virtude desse evento.

Assim, essa região passou por muitas transformações e por isso gostaríamos de saber como era a formação do professor de Matemática que trabalhou nesses três distritos até os anos finais da década de 1980, momento no qual a vida na região foi se organizando em virtude dos fatos que haviam ocorrido. Dessa forma, é de interesse atribuir significados, no sentido de mobilização3, de construir uma versão, de como era a formação dos professores de

* Mestrando em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Rio Claro.

Apoio Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

1 Termo usado para os municípios que estão à beira do Lago de Itaipu, na região afetada pela construção da Hidrelétrica de Itaipu.

2 A Hidrelétrica de Itaipu está localizada em Foz do Iguaçu no rio Paraná.

3 Utilizamos o termo “mobilização” em vez “apropriação”, que é mais comum na literatura em Educação Matemática, pois segundo Souza e Vicente (2012: sem página): “[...] o uso do termo ‘apropriação’ para significar o modo como certos agentes – no caso educacionais – atribuem significados às várias influências a que estão expostos e as tornam ‘próprias’, parametrizando suas ações a partir desses significados atribuídos. O termo, porém, em língua portuguesa, pode ser compreendido como a ação de capturar aquilo que está, de algum modo,

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Matemática nos antigos distritos de Itacorá, Aparecidinha do Oeste e São José do Itavó, usando como metodologia de pesquisa a história oral. Dessa forma, a dissertação em construção tem os seguintes objetivos:

Conhecer qual era formação dos professores de Matemática que trabalharam nos distritos de Itacorá, Aparecidinha do Oeste e São José do Itavó com turmas de Ensino Fundamental e Médio, de forma a atribuir significados ao ensino dessa disciplina;

Usando a História Oral como metodologia de pesquisa, compreender por meio de entrevistas de professores de Matemática dos antigos distritos citados anteriormente, como era o ensino dessa disciplina, o que motivou a seguir nessa carreira, as metodologias usadas no ensino, as influências da formação do Lago de Itaipu e políticas no andamento de sua profissão;

Construir uma breve versão histórica de como era o ensino de Matemática na região estudada, a partir de 1961 até o final da década de 1980, a qual foi pouco estudada e que possui poucos registros históricos e, no caso específico da Educação Matemática, trabalho algum foi registrado. Dessa maneira, essa construção será fundamental para seja possível escrever uma História da Educação Matemática brasileira a partir de várias perspectivas, e não apenas da perspectiva dos centros clássicos de formação.

Com esses objetivos expostos, visamos agora analisar como a metodologia da História Oral pode ser utilizada nessa pesquisa, apontando todos os passos na construção desse trabalho.

2. Uma Possibilidade Metodológica: A História Oral

No filme Os Narradores de Javé de Eliane Caffé de 20034, o personagem Antônio Biá recebe uma missão: contar a história de um povoado, o povoado do vale de Javé, que será inundado, pois uma represa será construída. Por ser a única pessoa alfabetizada do vilarejo, Biá é o escolhido para salvar as memórias de um povo e escrever, como o próprio diz, de forma “científica5” as memórias dos moradores.

já dado, exposto, fixo. Pretendendo acentuar a dinamicidade desse movimento de significação – segundo a qual um significado nunca está dado, mas é sempre atribuído e, portanto, inventado, fugidio e mutante – nos valemos, por vezes, do termo “mobilização”: agentes (educacionais) mobilizam, a partir de várias influências, significados que, tornados próprios, manifestam-se em suas práticas (educativas) e, de modo geral, sustentam suas formas de intervenção no mundo”.

4 CAFFÉ, E. Os Narradores de Javé. Bananeira Filmes, 2003.

5 Quando perguntado no começo do filme o que seria esse científico, o personagem Zaqueu – morador de Javé e narrador da história – nos diz o seguinte: “Científico é que não pode ser essas patacoadas mentirosas que vocês inventam, essas patranhas que vocês gostam de dizer e contar”. Esse discurso é tomado por Antônio Biá ao longo

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Nesse primeiro momento, nos vemos como Antônio Biá, pois faremos esse trabalho da mesma forma: ouvindo pessoas. Mas não é apenas essa a única semelhança: os entrevistados viveram na região de Itaipulândia nos anos que antecederam e sucederam a formação do lago de Itaipu. Para delimitar o trabalho, faremos as entrevistas com professores de Matemática que viveram – ou vivem – na região.

Nas próximas seções mostraremos qual seria a base para a nossa “ciência”, a História Oral, desde os elementos que a originaram até a sua classificação como metodologia e seus procedimentos ao longo do trabalho.

2.1 Explicações sobre a nossa “ciência”

Ao sair em sua missão de entrevistar o povo de Javé, Antônio Biá não se preparou para que pudesse fazer isso. Simplesmente recebeu um grande livro em branco que deveria ser preenchido com as histórias do Vale do Javé. Para o nosso trabalho saímos de certa forma semelhante à dele, munidos de um gravador, que também estava “em branco”. A nossa diferença estava na “ciência”, que no nosso caso já é delimitada, possui os seus procedimentos e assim podemos dizer que já conhecíamos como poderíamos aplicá-la. Vamos ver o que conhecemos dessa “ciência” então.

Inicialmente sabemos que no século XX, a Escola de Chicago nos Estados Unidos tornou-se o principal centro de estudos de pesquisas sociológicas, abrangendo estudos de sociologia, antropologia, ciência política, psicologia e filosofia, conforme Goldenberg (2007) nos afirma. Trabalhos baseados em histórias de vida começaram a ter credibilidade e com isso, segundo Meihy (2000), a história oral dava os seus primeiros passos.

A maneira de abordar a história, ouvindo pessoas e criando documentos a partir de suas falas, pode ser considerada ainda mais recente, pois tem seu advento a partir de meados do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, com a invenção do gravador portátil. Seus primeiros trabalhos foram feitos nos Estados Unidos, envolvendo pessoas de grande reconhecimento público. Mas, com o passar dos anos, houve uma mudança nos aspectos relacionados à vida dos entrevistados. Os “grandes nomes” passaram a dividir espaço com pessoas de diversas classes, com ocupações que não eram destacadas, buscando, como diz Garnica (2004, p. 85) “[...] estudar grupos e populações de segmentos médios, que dão um panorama mais nítido da realidade”. Assim, se espera obter uma pluralidade de visões em

do filme.

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relação aos relatos dados pelos colaboradores.

Na busca dessa pluralidade de visões, surgiram duas formas diferenciadas de abordar uma pesquisa usando a História Oral: a história oral de vida e a história oral temática. Na primeira forma, há um interesse do entrevistador na vida do seu colaborador de uma maneira mais abrangente. O depoente tem maior liberdade para falar de sua experiência pessoal, sendo ela o objeto principal, pois segundo Meihy (2000), será constituída uma versão sobre essa existência. Já na história oral temática o objetivo é analisar um determinado tema, partindo de uma questão central, de forma que a entrevista possa convergir ou não a esse ponto, sendo que o pesquisador deixe o colaborador expressar a sua opinião sobre outros assuntos, mas que exista um controle para que ambos possam articular as suas falas sobre o tema.

Podemos classificar o preterido trabalho com o enfoque temático, pois fazemos a busca pela formação do professor de Matemática que atuava na região de Itaipulândia e, além disso, vamos de encontro com o que diz Alberti (2004: 18) em relação à História Oral:

[...] a história oral é um método de pesquisa (história, antropológica, sociológica etc.) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. [...] Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas, etc.

à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou os testemunharam.

O estudo desses acontecimentos históricos, tomando como base a história contada por certa categoria de profissionais, nos fornece vários aspectos que são destacados em relação ao objeto de estudo dessa pesquisa.

Para uma melhor aproximação com o nosso objeto de pesquisa, devemos perceber as limitações e as virtudes de nossas informações e de nossos vestígios. Dessa forma, como Garnica (2004), destacamos que a história oral pode ser classificada como uma metodologia de pesquisa qualitativa, pois não temos como objetivo construir uma versão definitiva da história da educação matemática, mas sim apontar algumas versões de pessoas que fizeram parte desses processos temporais. O que buscamos é valorizar a memória de nossos entrevistados, registrando em documentos esse seu regime de verdade, a sua visão do passado e com isso constituir uma versão, uma possibilidade, por meio de uma mobilização, em relação à formação de professores de Matemática da região de Itaipulândia, no período de 1961 até os anos finais da década de 1980 e com isso elaborar ainda outra versão relativa à Educação Matemática brasileira.

A história oral também tem a qualidade de ordenar e estabelecer os procedimentos de

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trabalho, o que segundo Baraldi (2003) funciona como uma ligação entre a teoria e a prática, pois ajuda na seleção do tipo de entrevista, na sua transcrição e textualização mostrando as suas vantagens e desvantagens, porém não solucionando todas as questões levantadas.

Podemos constituir um referencial histórico e cultural com a formação de documentos, ou seja, outra versão do que está sendo falado, pois devemos lembrar que fazemos a constituição do passado, mas com os pés no presente, o qual faz com que a nossa versão seja diferente a cada momento em que resolvamos analisar a questão central.

Tomando a qualidade acima citada, podemos classificar esta abordagem como qualitativa, já que Goldenberg (2007: 49) nos diz que

Partindo do princípio de que o ato de compreender está ligado ao universo existencial humano, as abordagens qualitativas não se preocupam em fixar leis para se produzir generalizações. Os dados da pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa acreditamos conforme Garnica (2004: 88), vendo que ela está relacionada com a “[...] transitoriedade de seus resultados”, além de não podermos comprovar ou refutar os resultados de nossa investigação. O autor ressalta ainda que o pesquisador não toma uma postura neutra no processo interpretativo e que isso é constituído ao longo de uma trajetória que pode ter seu aspecto reconfigurado não sendo, portanto, um processo sistemático e que generaliza as conclusões obtidas. Além disso, a história oral “[…] é um espaço de contato e influência interdisciplinar; sociais, em escalas e níveis locais e regionais; com ênfase nos fenômenos e eventos que permitam, através da oralidade, oferecer interpretações qualitativas de processos históricos-sociais” (LOZANO, apud FERREIRA; AMADO, 2002: 16).

Com esse aporte teórico, nos vemos diferente de Biá no que se refere ao conhecimento da nossa “ciência” – a história oral –, pois a vemos como uma metodologia de pesquisa, mas ainda não podemos dizer que somos conhecedores de toda ela, pois ainda precisamos ver como são os seus procedimentos e o tratamento que daremos a ela em nosso trabalho em construção.

2.2 Os procedimentos da nossa “ciência”

Um dos objetivos da missão dada à Antônio Biá, era de salvar a memória do Vale do Javé para que a inundação pudesse ser evitada, mostrando o valor histórico da região e a

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riqueza cultural de seu povo. Assim, os moradores buscavam a criação de uma fonte documental que pudesse dar o aval para a existência do lugar.

Como dito na seção anterior, trabalhos que usam a história oral como metodologia de pesquisa tem por um de seus objetivos a criação de fontes documentais para possibilitar diversas interpretações, o que não serviria de base apenas para esse trabalho, pois conforme Garnica, Silva e Fernandes (2010: 9):

[...] a História Oral na Educação Matemática tem criado fontes que diversas tramas qualitativas de pesquisa permitem explorar e, por esse motivo, a concebemos como uma metodologia de pesquisa que envolve a criação de fontes a partir da oralidade e se compromete com análises compatíveis com uma determinada concepção e fundamentação teórica.

Essa criação de fontes é algo que está sendo retratado em várias pesquisas feitas por membros do GHOEM6 que usam essa metodologia de pesquisa para a confecção de seu trabalho e que, segundo Garnica, Silva e Fernandes (2010: 9) buscam por meio das narrativas de experiências de professores ou ex-professores,

[...] suas descrições sobre a forma como vivenciaram certas reformas educacionais, bem como as relações estabelecidas na e com a instituição escolar, permitem desarticular a abordagem comumente centrada unicamente nas políticas públicas e nas filosofias pedagógicas.

A característica principal do nosso trabalho é analisarmos o contexto a partir dos relatos dos colaboradores, as suas vivências, suas memórias, o que possibilitará uma entre várias possíveis considerações relativas à formação e ao ensino nesta região. Por meio da constituição de documentos, possibilitamos que outros trabalhos tenham outro olhar sobre o objeto da pesquisa e assim até fazer uma nova constituição, podendo ter até mesmo ter um enfoque diferente do que a pesquisa proposta.

No momento da textualização, buscaremos manter as versões deixadas pelos entrevistados, pois estamos sendo imparciais, não ocultando as informações dadas. Não iremos dizer se ele está mentindo ou não, pois essa é uma maneira do depoente se mostrar para o mundo. Essa informação possui alguma importância para ele e buscaremos uma forma de analisar isso, não significando que vamos aceitá-las passivamente, sem procurar elementos que a contradizem e que corroborem outra versão, mas também não a desqualificaremos.

Enquanto Antônio Biá mostrava de maneira muito forte a sua própria versão para os

6 Grupo História Oral e Educação Matemática.

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fatos ou buscava fantasiar as versões dos entrevistados para o seu livro, nós prezaremos pela imparcialidade das informações que nos são apresentadas. Não buscamos melhorar a história a partir de intervenções particulares, que podem mudar o contexto do que foi dito pelo colaborador. Por isso, vimos a transcrição como um procedimento totalmente necessário para a elaboração do documento que será constituído a partir da fala do colaborador. Nela, passaremos para a forma escrita todos os detalhes da entrevista gravada e que servirá de base para a textualização.

No momento em que fazemos a textualização buscamos deixar o material da transcrição de uma forma mais elaborada, que possa facilitar a leitura. Nele são reordenadas as memórias, de forma que a interpretação do leitor seja mais coerente e que facilite a sua compreensão, além de tentar deixar uma visão do entrevistado a partir de suas frases e pelo seu jeito de se expressar.

Nesse momento também contamos com a ajuda do entrevistado, o que Lincoln e Guba (1985) chamam de member check7, pois ele lê o que foi escrito, podendo sugerir informações a serem adicionadas para complementar o que foi dito. Além de poder ser um processo de acréscimo, ele pode ser de modificação ou de corte de algumas partes, pois pode ter ocorrido uma interpretação errada. O colaborador pode se sentir constrangido com alguma parte ou achar que o que foi dito não foi realmente aquilo que ele gostaria de externar. Assim, esse procedimento evita com que haja constrangimentos futuros na elaboração do trabalho final.

Dessa forma, devemos acatar as decisões tomadas por eles e fazer as modificações necessárias, mesmo que as partes excluídas fossem “chocantes” em algum ponto. É necessário ter ética nesse momento e acatar as decisões tomadas.

Devemos lembrar a importância de nosso colaborador, aquele que nos ajudará a constituir uma versão da história. Ele é quem nos dará as informações que são a base desse trabalho. A sua importância pode estar relacionada com a significação que suas memórias têm para ele e que agora estão sendo expostas. Em vários momentos há uma ruptura dos solos epistemológicos das lembranças do entrevistado. Em alguns casos, ele estará circulando em searas que por muito tempo não foram atravessadas. Essa ruptura pode trazer à tona emoções que podem abalar ou não os colaboradores e nesse momento o papel do entrevistador é fazer com que nada seja forçado, não como Biá que buscava fantasiar as histórias a partir do que os entrevistados falavam, além de fazer um confronto da sua verdade com a do entrevistado.

A memória pode não ser compreendida com exatidão, mas é carregada de significados

7 Segundo Lincoln e Guba (1985: 315) “[...] the member check is probably a reasonably valid way to estabilish the meaningfulness of the findings and interpretations”.

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que dão sentido a vida, pois segundo Ferreira (2002) no ato de rememorar, as memórias estão carregadas de forças sociais do presente, o que faz com que não tenha as imagens do passado conforme aconteceram. Mas o entrevistado está consciente da importância para ele mesmo do que está sendo dito, pois “a constituição da memória é importante porque está atrelada à construção da identidade” (ALBERTI, 2004: 27). Assim, “[...] estudar a memória significa compreender o lugar onde o sujeito é produzido, já que lembrar é viver, construir e pensar o presente com elementos do passado” (SILVA, 2005: 249).

Quando fazemos a exposição das memórias na textualização das entrevistas, damos várias possibilidades de fazer uma análise, conforme afirma Cury (2007: 20), pois

[...] se concebermos análise como um processo de produção de significados a partir de uma retro-alimentação que se iniciaria quando o ouvinte/leitor/apreciador de um texto se apropria deste texto, de algum modo, tecendo significados que são seus, mesmo que produzidos de forma compartilhada, e constrói uma trama narrativa própria que serão ouvidas/lidas/vistas por um terceiro que retorna ao início do processo.

A constituição de uma análise contendo os diversos significados que atribuímos às entrevistas começa antes mesmo delas serem efetivadas, já no momento que compomos o roteiro para elas e sugerimos nomes para que ela possa ser feita, nos é possibilitada uma análise. Depois, no momento que a entrevista ocorre, vários fatores são levados em conta, desde a postura do colaborador e do pesquisador, até seus gestos, suas emoções que são expostas, além dos documentos e das fotos que são colocados à disposição. Segundo Bogdan e Biklen (1999: 49)

A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo.

Entendemos que em um primeiro momento quando fazemos esse tipo de trabalho estamos usando as nossas fontes – orais, escritas, entre outras – e assim nos baseamos em uma determinada concepção de história que pode vir a ser diferente de outros que trabalhem com o nosso mesmo tema de pesquisa. Dessa maneira, percebemos que não existe uma única visão sobre um trabalho historiográfico e sobre o passado. Cada pessoa tem o seu olhar sobre o passado e essas interpretações variam conforme o espaço e o tempo. Como Jenkins (2004) afirma, não podemos entender que o passado e a história caminham juntos para uma única via da verdade. Existe apenas uma leitura sobre determinado objeto de investigação que nos dá

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várias interpretações por meio de diferentes discursos. Podemos perceber isso, ao longo do filme Os Narradores de Javé: é apresentada uma visão, a de Zaqueu, narrador da história e morador do Vale do Javé, porém sabemos da existência de infinitas versões, inclusive a de Antônio Biá e dos demais personagens que contam as suas versões.

Outro fator que nos ajuda a enriquecer as nossas informações é o trabalho que pode ser feito usando documentos e fotografias. Esse outro tipo de material pode nos ajudar a encontrar convergências e divergências nos depoimentos e nos dão uma nova possibilidade de análise.

Os documentos e as fotografias podem ser classificados como vestígios, não como provas para as nossas interpretações. Usamos os vestígios para nossa argumentação. Com isso, seguimos a ideia de Jenkins (2004: 82) que faz essa diferenciação para termos cuidado com o termo prova:

Com isso, quero dizer que devemos simplesmente recordar os principais aspectos:

(a) o passado aconteceu; (b) ficaram vestígios dele; (c) esses vestígios estão lá, sem importar se o historiador vai a eles ou não; (d) “prova” é o termo utilizado quando alguns vestígios são usados para corroborar algum argumento (interpretação) e não antes. Portanto, se a prova (à diferença dos vestígios) é sempre o produto do discurso do historiador, isso acontece simplesmente porque, antes de formular-se aquele discurso, a prova (história) não existe. Só existem os vestígios (ou seja, só existe o passado).

A escolha dos entrevistados vem atrelada ao objeto de análise que é feito no trabalho.

Para que ela seja coerente, os roteiros devem estar de acordo com as questões individuais e sócio-históricas deles, conforme Silva (2005). Além disso, ele deve ser sólido para que o pesquisador alcance as memórias de seu depoente sem lhe forçar e também para que não ocorram deslizes que façam com que a entrevista fuja da ideia central.

A postura do entrevistador é algo que deve ser ressaltado. Não podemos exigir que as respostas sejam dadas de forma forçada. Devemos saber “ouvir contar” como diz Alberti (2007), característica que Biá não tinha, pois dormia durante a entrevista ou dava sugestões de como era e de como deveria ser. Devemos fazer uma interpretação crítica do que está sendo contado, mas mantendo o respeito, pois várias situações que o entrevistado coloca podem ter mudado aspectos de sua vida. Porém não podemos assumir uma postura fria em relação ao que é contado no momento da entrevista, pois isso pode inibir informações por parte dos colaboradores, além de causar uma quebra da interlocução entre as partes. Assim, deve haver uma aproximação do entrevistador com o seu colaborador, havendo questionamentos, troca de informações e um diálogo aberto para que possa existir uma liberdade.

Para que possamos fazer uma interpretação crítica, uma das formas é fazer uma análise

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em outro material bibliográfico. Essa prática serve para corroborarmos informações e também poder obter novos resquícios por meio de dúvidas que podem estar aparecendo durante a entrevista. O próprio colaborador pode receber essas informações para que ele possa articular melhor as suas falas e até mesmo esclarecer alguns pontos que poderiam ser dúvidas ou que estariam bloqueando algumas memórias pela incerteza da veracidade de algo.

O levantamento bibliográfico aliado com os documentos e com as fotografias que o colaborador pode trazer são elementos que vem a acrescentar para as duas partes: tanto o colaborador que tem suas memórias trazidas à tona, como o pesquisador que, dentro da legalidade, pode usar esses materiais para embasar a sua pesquisa e suas análises.

Quando falamos de legalidade lembramos algo que é importante em um trabalho que usa a história oral: a carta de cessão. Esse documento, que deverá ser assinado pelo entrevistado, nos dá o direito de publicar o que ele nos fornece: suas memórias que estão documentadas, suas fotos e seus documentos. Dessa forma, temos um procedimento ético, que respeita a posição dos colaboradores em relação às suas lembranças de vida.

Entendemos assim como Lozano (apud FERREIRA; AMADO, 2002), que esse trabalho com a história oral como metodologia de pesquisa qualitativa não é simplesmente fazer um relato ordenado, contar histórias de vidas, suas experiências, mas sim produzir conhecimentos históricos e científicos, constituindo a nossa versão da história da Educação Matemática referente à formação de professores.

Para a produção desses conhecimentos históricos e científicos faremos um arremate, o que, em muitos trabalhos do GHOEM, chama-se “identificar evidências”, o que é uma forma de análise, sobre o tema proposto neste exercício de investigação. Nesse momento buscamos fazer a interpretação das informações expostas pelo depoente, o que irá caracterizar o trabalho.

De acordo com Bolivar (2002), em uma entrevista são constituídas narrativas orais que tem como característica apresentar a experiência concreta humana como descrição das intenções em determinados tempos e lugares, na qual os relatos são os meios privilegiados de conhecimento e investigação. É a partir dessas narrativas orais, nas quais o colaborador gera o conhecimento que “[...] aprofunda e incrementa a compreensão da experiência humana.”

(GARNICA, 2007: 38) que serão tomados os nossos principais dados.

A elaboração de um texto contendo essas informações retiradas é algo fundamental, visando expor uma versão – a nossa – composta por todas as outras visões quanto ao tema que pesquisamos, não deslegitimando o que foi exposto pelos nossos entrevistados, pois o foco será na realidade passada pelas suas falas, havendo algumas inserções em outros documentos,

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fotografias e referenciais bibliográficos que possam nos ajudar a interpretar e identificar evidências que mostrem como se deu a formação dos professores de Matemática da região do atual município de Itaipulândia.

Agora podemos perceber que somos conhecedores de nossa “ciência” e conseguimos delimitar os métodos dela e as análises recorrentes de sua aplicação. Mas será que somos tão diferentes do personagem Antônio Biá?

3. Iguais ou diferentes?

Sabendo de como se deu a constituição da região de Itaipulândia e conhecendo a história de Biá, podemos encontrar pontos em comum e que divergem.

Somos muito próximos a ele quanto ao objetivo que temos: salvar a memória dos professores de Matemática quanto à sua formação e a outras questões, criando uma fonte documental. Porém não conseguiremos evitar com isso a formação do Lago de Itaipu que transformou toda a região.

Também lembramos muito Biá quando queremos colocar uma versão nossa da História da Educação Matemática, a partir das evidências que foram deixadas pelos entrevistados; mas um tanto diferente dele, pois queremos dar voz a eles, nos baseando no que eles dizem, sem inventar, aumentar ou sugerir nada, pois queremos as suas versões que darão margem para tantas outras que aparecerão conforme os olhos do nosso leitor.

Assim, saímos de uma forma parecida com a de Antônio Biá: com o gravador “em branco” buscando as versões da história de um povo, mas sem saber o que encontraremos.

Pode haver vilões, heróis, grandes nomes ou simples mortais. Acreditamos que grandes histórias serão contadas, vários personagens surgirão, muita água irá rolar. E mergulhando nessas águas passaremos a entender um pouco mais sobre a História da Educação Matemática brasileira.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERTI, V. Manual de história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

___________. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

BARALDI, I. M.. Retraços da Educação Matemática na Região de Bauru (SP): uma história em construção. UNESP-SP, Rio Claro. Tese de Doutorado, 2003, 240p.

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BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1999.

BOLIVAR, A.. “¿De nobis ipsis silemus?”: Epistemología de la investigación biográfico narrativa em educación. Revista Electrónica de Investigación Educativa, 4 (1), 2002.Disponível em: <http://redie.uabc.uabc.mx/vol4no1/contenido-bolivar.html>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2011.

CURY, F. G. Uma narrativa sobre a formação de professores de Matemática em Goiás.

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UFMS/UNESP (mimeo), 2011.

5. VIDEOGRAFIA

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CAFFÉ, E. Os Narradores de Javé. Bananeira Filmes, 2003.

Referências

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