Supremo Tribunal de Justiça
Processo nº 1560/13.1TBVRL-N.G1.S1 Relator: FERNANDO SAMÕES
Sessão: 03 Novembro 2020 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIR A RECLAMAÇÃO
RECURSO DE APELAÇÃO REJEIÇÃO DE RECURSO
DESPACHO DO RELATOR RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
ACÓRDÃO RECURSO DO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE DO STJ
Sumário
I - A possibilidade de recurso prevista no art.º 652.º, n.º 5, al. b), do CPC, pressupõe que estejam verificados todos os pressupostos de recorribilidade, com especial destaque, no que respeita à revista, do que está previsto no art.º 671.º, n.os 1 e 2, do mesmo Código.
II - Não admite recurso de revista o acórdão da Relação que confirme o despacho do relator que rejeite o recurso de apelação, por ilegitimidade do apelante, terceiro num procedimento cautelar.
Texto Integral
Processo n.º 1560/13.1TBVRL-N.G1.S1
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Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[1]: I. Relatório
No procedimento cautelar de arresto intentado por Manuel Joaquim
Caldeira, Ld.ª contra a Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de S.
Paio, Ld.ª, decretado o arresto de determinados bens, mormente de bens imóveis propriedade da requerida identificados nos factos provados, entre os quais os descritos na CRP de Vila Real sob os n.ºs 223 e 278-N, da freguesia de São Dinis, Vila Real, veio a apelante Garagem Principal de Vila Real, Ld.ª, interpor recurso de apelação, argumentando que a decisão lhe é
desfavorável, pois que tem interesse no não decretamento do arresto, por tais bens estarem registados em seu nome.
Por decisão singular do Ex.mo Juiz Desembargador relator, proferida em 13 de Abril de 2020, o recurso de apelação foi rejeitado, por ilegitimidade da apelante.
Esta requereu que sobre a matéria recaísse acórdão, sustentando que, embora não seja parte no procedimento cautelar, é prejudicada pela decisão recorrida, pelo que tem legitimidade para recorrer.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 4/6/2020, deliberou, em conferência, manter a decisão do Relator, com os mesmos fundamentos, e em consequência “rejeitar o recurso interposto por ilegitimidade da apelante”.
Inconformada com aquele acórdão, a apelante interpôs recurso de revista, pugnando pela sua legitimidade para recorrer, visto que a decisão da 1.ª instância produziu já efeitos jurídicos que lhe são desfavoráveis, pretendendo que o acórdão recorrido seja “anulado” e que seja prolatado outro em
substituição que determine que “a recorrente tinha legitimidade para interpor o recurso de apelação e que o considere procedente”.
O recurso foi admitido como de revista, “por legal e tempestivo”, “a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo”, sem qualquer outra menção.
Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, foi suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso de revista e deu-se cumprimento ao disposto no art.º 655.º do CPC, mandando-se ouvir a recorrente e ambas as partes.
Apenas respondeu a recorrente sustentando a admissibilidade do recurso, não obstante concordar que o mesmo não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art.º 671.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
O Relator rejeitou o recurso de revista, por inadmissibilidade legal, por
despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido e que adiante se reproduzirá, novamente, na parte tida como relevante.
É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, insistindo a reclamante pela admissibilidade do recurso, pelos motivos que anteriormente invocara para os quais remeteu.
As partes não responderam.
Cumpre, pois, apreciar do acerto da decisão do relator sobre a rejeição do recurso de revista.
II. Fundamentação
No despacho objecto da presente reclamação pode ler-se:
«… O art.º 652.º, n.º 5, al. b), do CPC permite à parte que se considere prejudicada “recorrer nos termos gerais”.
Como é óbvio, a possibilidade de recurso aqui prevista pressupõe que estejam verificados os demais pressupostos de recorribilidade, com especial destaque, no que respeita à revista, do que está previsto no art.º 671.º, n.ºs 1 e 2, do CPC (cfr., neste sentido, Conselheiro Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, pág. 261 e nota 396).
No presente caso, não se verificam alguns pressupostos da admissibilidade do recurso de revista.
Desde logo, a decisão recorrida não integra o n.º 1 do art.º 671.º do CPC.
Com efeito, o acórdão recorrido não incidiu sobre decisão da 1.ª instância que tenha conhecido do mérito da causa, mas tão somente sobre o despacho do Relator que havia rejeitado o recurso de apelação. Nele, a Relação não se envolveu efectivamente na resolução material do litígio, no todo ou em parte, sendo que apreciou apenas a legitimidade da recorrente para interpor o recurso de apelação, concluindo pela negativa, pelo que o rejeitou. Naquele acórdão foi apreciado o despacho do Relator e não a decisão da 1.ª instância, tendo sido mantido, com o indeferimento da reclamação apresentada pela reclamante ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 3, do CPC. Muito menos
foi apreciado o “mérito da causa”, pois não se envolveu efectivamente na resolução do litígio relativo ao objecto da apelação.
E não pôs termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos”. O acórdão da Relação, confirmando o despacho do Relator, limitou-se a “rejeitar o recurso interposto por ilegitimidade da apelante”.
Também não é caso previsto no n.º 2 do art.º 671.º do CPC, nomeadamente em que o recurso é sempre admissível (cfr. art.º 629.º, n.º 2 do CPC), nem tal é sustentado.
Aliás, a própria recorrente, na resposta que apresentou, concordou com a inexistência de qualquer situação prevista no citado art.º 671.º, n.ºs 1 e 2.
Porém, a verificação destes e outros pressupostos de recorribilidade seria indispensável à admissão da revista nos termos dos art.ºs 652.º, n.º 5, al. b) e 671.º, n.º 4, ambos do CPC.
Por outro lado, estamos perante o recurso de uma decisão proferida no âmbito de um procedimento cautelar da qual não cabe recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, visto que não é caso em que o recurso é sempre
admissível (cfr. art.º 370.º, n.º 2, do CPC). Nem se diga, como faz a recorrente, que o recurso é “sempre admissível” ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 3 do citado art.º 629.º. Desde logo, porque aí está prevista a admissibilidade do recurso “para a Relação” e não para o STJ, não sendo susceptível de qualquer aplicação analógica por não haver lacuna da lei que a mesma pressupõe (cfr.
art.º 10.º do CC). E porque não se trata de decisão de “indeferimento liminar”
de procedimento cautelar.»
Concordamos integralmente com esta fundamentação por ser correcta.
Cremos não haver dúvidas de que estamos perante o recurso de um acórdão confirmativo do despacho do relator que não admitiu o recurso de apelação, versando, portanto, sobre matéria de natureza processual.
Assim sendo, a revista não é admissível ao abrigo do n.º 1 do art.º 671.º do CPC.
E também é inquestionável que não se trata de nenhuma das situações previstas no seu n.º 2, nomeadamente caso em que o recurso é sempre
admissível (cfr. art.º 629.º, n.º 2, do CPC), nem a reclamante o sustenta.
Por outro lado, a decisão recorrida foi proferida no âmbito de um procedimento cautelar, da qual, por não ser caso em que o recurso é sempre admissível, não cabe revista para o Supremo (cfr. citado art.º 370.º, n.º 2).
Soçobra, assim, sem mais considerações porque desnecessárias, a retórica argumentativa que a reclamante havia delineado, sem nada trazer de novo para apreciação da conferência, com o fito de justificar a admissibilidade do recurso de revista que interpôs.
A reclamação tem, necessariamente, que improceder, havendo que confirmar o despacho reclamado.
Sumário:
1. A possibilidade de recurso prevista no art.º 652.º, n.º 5, al. b), do CPC pressupõe que estejam verificados todos os pressupostos de recorribilidade, com especial destaque, no que respeita à revista, do que está previsto no art.º 671.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código.
2. Não admite recurso de revista o acórdão da Relação que confirme o despacho do relator que rejeite o recurso de apelação, por ilegitimidade do apelante, terceiro num procedimento cautelar.
III. Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se inteiramente o despacho reclamado.
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Custas da reclamação pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
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Lisboa, 3 de Novembro de 2020
Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.
Fernando Samões (Relator, que assina digitalmente)
António Magalhães (2.º Adjunto) ___________________
[1] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé 2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães