CANAL VIRTUAL DE ENSINO DE MATEMÁTICA: UMA ABORDAGEM BASEADA EM CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS
Autores: Caroline de Paula LIMA; Kleber ERSCHING
Identificação autores: Bolsista PET/FNDE; Orientador IFC-Campus Camboriú.
Introdução
No cotidiano escolar, afirmativas sobre matemática que conduzem estudantes a temê-la, a respeitá-la e/ou a reservar-lhe um lugar de destaque em relação às demais disciplinas que compõe o programa escolar são comuns. Tais afirmativas costumam resultar de um juízo relacionado as habilidades cognitivas dos indivíduos em aprender matemática (se encontram dificuldades, não possuem habilidade e são pegos pelo insucesso na disciplina) e/ou da influência que tal juízo exerce nas atitudes e concepções que estudantes constituem acerca da ciência matemática (Correa e MacLean, 1999).
Entretanto, não é apenas a falta de habilidade nas operações matemáticas o fator preocupante, uma vez que em termos operatórios, instrumentos como calculadoras e computadores facilitam e auxiliam nestas tarefas, outro fator é a capacidade cognitiva de assimilar conceitos, “raciocinar”. Hoje em dia, desafios matemáticos exigem habilidades para solucioná-los de forma “pensante”, pela tomada de decisões, pela definição de estratégias a seguir para a resolução de problemas com perspectiva crítica (Ramos, 2004).
Estudos de causas vinculadas ao desempenho de estudantes na área da matemática têm enfatizado a existência de fatores relacionados as diferenças socioculturais e familiares, as quais influenciam no aprendizado e no desenvolvimento de habilidades cognitivas dos indivíduos (Correa e MacLean, 1999). Contudo, mesmo com a influência desfavorável de fatores socioculturais e familiares, é possível melhorar a habilidade matemática de um indivíduo através da reestruturação de sua forma de aprendizagem nessa área. Uma das estratégias de ensino utilizadas para desenvolver tal habilidade é através de concepções alternativas. Educadores construtivistas têm destacado a importância de se conhecer as concepções prévias dos estudantes antes de
introduzir um novo conhecimento. A literatura da área destaca o modelo de mudança de perfis conceituais proposto por Mortimer (1995), o qual propõe não a substituição de uma concepção por outra, mas a tomada de consciência de cada uma delas. A estes conhecimentos conceituais prévios a partir dos quais os estudantes constroem o conhecimento dá-se o nome de concepções alternativas (Garcia-Milà, 2004).
Pozo (1998), atribui algumas características às concepções alternativas:
São construções pessoais dos alunos originadas em sua interação cotidiana com o mundo, forma-se de maneira espontânea e habitualmente preexistem ao ensino;
Apresentam incoerência científica, embora não cotidiana, já que muitas vezes antecipam fenômenos isolados observados pelo aluno em seu ambiente próximo ao transcurso das atividades cotidianas;
Têm um caráter implícito se comparadas aos conceitos explícitos da ciência, isto é, são difíceis de formular explicitamente e manifestam-se muitas vezes mediantes atividades empíricas sem que os alunos consigam verbalizá-las.
Assim, entende-se que através das concepções alternativas provindas da interação com o meio, é possível direcionar conceitos e estruturar a forma como o ensinamento será transmitido, estabelecendo nos alunos uma conexão das novas aprendizagens com aprendizagens anteriores.
Dentro desse contexto, o Programa de Educação Tutorial (PET) do Instituto Federal Catarinense – Campus Camboriú (IFC-Cam) criou um Canal Virtual de Ensino de Matemática, o qual tem como um dos principais objetivos levantar concepções alternativas de estudantes/telespectadores, instigando-os e direcionando-os a refletir sobre o conhecimento que possuem a respeito de tópicos específicos de matemática de nível médio. Com isso, espera-se encorajá-los a construir significados matemáticos a sua maneira, ampliar os seus conhecimentos iniciais e desenvolver suas habilidades matemáticas.
Material e Métodos
Antes de investigar as concepções alternativas dos estudantes, um levantamento de tópicos de matemática trabalhados em diversos livros didáticos de ensino médio foi realizado com o intuito de identificar um padrão sequencial de abordagem. Identificado um padrão, decidiu-se por trabalhar inicialmente com tópicos que pudessem abordar concepções alternativas relacionadas a “O que é Matemática” e “Teoria dos Conjuntos”.
Para identificar concepções alternativas de estudantes de ensino médio, entrevistas filmadas e com perguntas (por exemplo, “qual a definição de conjuntos?”, “o que são conjuntos na área da matemática?”, etc.) livres para interpretações são realizadas com diversos alunos. É importante frisar que as perguntas realizadas possuam um tom de impessoalidade no momento da entrevista, quando da identificação das concepções alternativas dos alunos, uma vez que o entrevistador não deve influenciar na resposta dos entrevistados.
Após compilar e analisar as respostas dos estudantes, montam-se vídeos de curta duração, os quais iniciam com as concepções alternativas apresentadas pelos estudantes a respeito do assunto tratado e a partir disso contextualiza-se e explica-se o tema.
Os vídeos, após editados, são disponibilizados periodicamente no canal “PET IFC-Camboriú” do website youtube.com, onde uma playlist denominada de “Canal Virtual de Ensino de Matemática” foi criada.
Resultados e discussão
Até o momento, dois vídeos foram produzidos. Para o primeiro, intitulado “O que é matemática?”, realizaram-se as perguntas “o que é matemática para você?” e
“onde você enxerga matemática aqui?”, e algumas das respostas obtidas dos estudantes foram:
(1) “Matemática para mim é uma coisa muito linda. É um conjunto de ideias que através dela dá pra você responder muitas questões, inclusive a questões da vida, dá pra responder como as coisas na natureza funcionam e tal. Olha, eu vejo matemática em todo lugar pra falar a verdade, por exemplo, eu olho para um prédio e imagino a altura e tal, eu vejo que tem uma relação harmônica por exemplo na questão da arquitetura entre a altura das janelas e tal...”;
(2) “É quantificar as coisas que existem...Eu não sei...a minha retórica foi pro
“buraco”... Deixa eu ver...eu não sei... é natural matemática, se eu preciso contar alguma coisa... Eu não paro pra pensar exatamente em matemática sabe, eu não costumo fazer cálculos em que eu use Báskara ou logaritmo”;
(3) “Matemática é algo que sempre me transtornou. O pior é que eu vejo matemática em todos os lugares, eu só não sei responder as coisas da matemática e é isso que me agonia mais”.
Para o segundo vídeo, “Teria dos conjuntos”, os estudantes foram abordados com estímulos do tipo “qual a definição de conjuntos para você?” e “o que são conjuntos na matemática?”, os quais responderam dando descrições como:
(4) “Agente está em um conjunto aqui. Na matemática é a junção de números...
números inteiros ou negativos, ou positivos”;
(5) “Como ele falou, tipo assim, conjunto é a união de vários objetos ou termos que reúnem-se tudo em um só”;
(6) “E agora? Agente não sabe o que é conjunto...Eu não sei... Na matemática é um monte de coisas juntas?”
Nota-se a partir das respostas dos estudantes entrevistados que suas concepções foram assimiladas às suas próprias ideias. Observou-se visões distintas relatadas para um mesmo assunto, onde constata-se que diferentes formas de interação cotidiana dos estudantes com o mundo interferem em suas concepções, confirmando as características atribuídas por Pozo às concepções alternativas, apresentadas na introdução deste trabalho. Outra característica atribuída por Pozo, percebida durante as entrevistas, foi a dificuldade dos entrevistados em verbalizar uma concepção própria. É válido destacar que concepções alternativas costumam consistir em assimilações parciais ou deformadas do saber científico, as quais foram percebidas nas entrevistas.
Uma vez que o “Canal Virtual de Ensino de Matemática” está hospedado no website youtube.com e também é divulgado na página do Facebook do PET IFC- Camboriú, é possível ter acesso a quantidade de vezes que os vídeos já foram visualizados e a comentários realizados a respeito dos vídeos. Portanto, espera-se que a longo prazo (por se tratar de vídeos recentes) possa-se utilizar a quantidade de visualizações e os comentários como parâmetros para avaliar a eficácia dos vídeos no complemento do aprendizado de matemática dos estudantes/telespectadores. Ainda, espera-se que com uma maior divulgação e produção de vídeos o canal torne-se uma referência em tópicos de matemática construídos com base em concepções alternativas.
Conclusão
Com os tópicos de matemática abordados, foi possível instigar os estudantes entrevistados, levando-os a refletir sobre os conhecimentos que possuíam a respeito dos tópicos discutidos e encorajando-os a construir os significados matemáticos a sua maneira. Acredita-se que os telespectadores dos vídeos apresentados tenham refletido sobre os assuntos, buscando suas concepções, assim como presenciou-se nas entrevistas.
O “Canal Virtual de ensino de matemática” tem caráter construtivista, pois entende-se que a aprendizagem é um processo de construção de conhecimento ao qual ocorre, em condição de complementaridade. Os vídeos não substituem aulas presenciais, onde a interação professor-aluno é também um fator importante para o aprendizado, mas complementam a educação através do ensino de forma diferenciada.
Nesse contexto, o presente projeto configura-se como alternativa para o reforço na aprendizagem.
Referências
CORREA, J.; MACLEAN, M. Era uma vez ... um vilão chamado matemática: um estudo intercultural da dificuldade atribuída à matemática. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 173-194, 1999.
GARCIA-MILÀ, M. O ensino e a aprendizagem das ciências físico-naturais: uma perspectiva psicológica. In: COLL, C.; ÁLVARO, M.; PALACIOS, J. (Org.) Desenvolvimento psicológico e educação - Psicologia da educação escolar, tradução.
Daisy Vaz de Moraes. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, v.2, 2004, p.361-363.
MORTIMER, E. F. Conceptual change or conceptual profile change? Science and education,[S.l.], v.4, n.3, p. 267-285, jul. 1995.
POZO, J. I. A aprendizagem e o ensino de fatos e conceitos. In: COLL, C. et al.
Os conteúdos na reforma. Porto Alegre: Artes médicas, 1998. p. 17-71.
RAMOS, M. Representações sociais da Matemática: A bela ou o monstro?. Sociologia, Problemas e Práticas, Oeiras, n. 46, p. 71-90, set. 2004.