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Segurança sanitária: fornecimento de sem regulamentação da ANVISA a pacientes com câncer

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

BRUNO BARBOSA DA COSTA

SEGURANÇA SANITÁRIA: FORNECIMENTO DE FOSFOETANOLAMINA SEM REGULAMENTAÇÃO DA ANVISA A PACIENTES COM CÂNCER

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BRUNO BARBOSA DA COSTA

SEGURANÇA SANITÁRIA: FORNECIMENTO DE FOSFOETANOLAMINA SEM REGULAMENTAÇÃO DA ANVISA A PACIENTES COM CÂNCER

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Profa. Dra. Theresa Rachel Couto Correia.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

C87s Costa, Bruno Barbosa da.

Segurança sanitária : fornecimento de fosfoetanolamina sem regulamentação da Anvisa a pacientes com câncer / Bruno Barbosa da Costa. – 2016.

61 f. : il. color.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Profa. Dra. Theresa Rachel Couto Correia.

1. Direito à Saúde. 2. Medicamentos. 3. Segurança sanitária. 4. Vigilância sanitária. 5. Fosfoetanolamina. I. Título.

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BRUNO BARBOSA DA COSTA

SEGURANÇA SANITÁRIA: FORNECIMENTO DE FOSFOETANOLAMINA SEM REGULAMENTAÇÃO DA ANVISA A PACIENTES COM CÂNCER

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Profa. Dra. Theresa Rachel Couto Correia.

Aprovada em: ____/____/_______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Profa. Dra. Theresa Rachel Couto Correia (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________ Profa. Dra. Beatriz Rêgo Xavier

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior

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A Deus,

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, criador que me amou primeiro e durante toda minha vida tem revelado seu amor e misericórdia infinita. Sua providência é revelada a cada novo dia e protege minha família a todo instante. Sem sua bênção esse trabalho e toda a trajetória até ele jamais teriam sido possíveis.

Ao meu pai, Francisco, que diante das dificuldades e injustiças da vida sempre buscou o caminho do trabalho, da honestidade e da fé e que fez da própria vida um sacrifício em prol da minha educação e formação humana.

À minha mãe amada, Fátima, por ser exemplo de ser humano, fonte constante dos valores e virtudes que tomo para a vida; pela paciência na educação; pelos conselhos; pelo carinho; e por ser minha maior e melhor professora.

Aos meus avós maternos, Anísio e Juliana, pelo exemplo de vida humilde e santa; pelos ensinamentos; pelos momentos inesquecíveis proporcionados na infância.

À minha avó paterna, Lurdes, por todo o carinho e pela força de viver. À Maria Caroline, por ser minha companheira nos bons e maus momentos.

À professora Theresa Rachel, por ter aceitado o convite para orientar este trabalho e por todas as dicas e conselhos prestados com paciência e serenidade.

Ao professor William, pela inesgotável paciência e alegria no trato.

À professora Beatriz, por despertar meu interesse ao Direito do Trabalho e pelo respeito absoluto aos alunos dentro e fora da sala de aula.

Aos amigos da graduação, Renan, Ciro, João Paulo, Anísio, Gabriel, Marília, Marjorie e Cícero pelo carinho e por toda a ajuda prestada nos momentos difíceis.

Ao Colégio Mauro Bezerra, na pessoa de Maura Bezerra, por toda a educação adquirida; pela formação cristã; pelo tratamento respeitoso e amoroso; pelos valores transmitidos; pelas experiências; e pelas oportunidades oferecidas.

À Mariella Pittari, por todos os conselhos e correções; e por proporcionar a melhor experiência de estágio possível.

Ao Escritório Santana, Maia e Pessoa, pela confiança e oportunidade; e por permitir a vivência real da advocacia.

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A humanidade de hoje, se conseguir conjugar as novas capacidades científicas com uma forte dimensão ética, [...] será capaz de eliminar os fatores de poluição, de assegurar condições de higiene e de saúde adequadas, tanto para pequenos grupos como para vastos aglomerados humanos [...] com a condição de que prevaleça a ética do respeito pela vida e a dignidade do homem [...].

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RESUMO

O trabalho investiga a possibilidade de fornecimento de fosfoetanolamina sintética pelo Estado a pacientes com câncer antes de registrada pela Anvisa. Foram analisados os diversos conceitos de saúde até a definição mais moderna. Em seguida, foi abordada a proteção internacional e nacional do direito à saúde até a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde. Nesse contexto, avaliaram-se os deveres e limitações do Estado nas ações e serviços de saúde pública diante do mínimo existencial e da reserva do possível e a intervenção do Poder Judiciário na efetivação do direito fundamental à saúde. Ademais, a segurança sanitária foi abordada como obrigação a ser seguida pelo Estado e particulares nos direitos e deveres respectivos. No mesmo sentido a necessidade da ética sanitária no cuidado da saúde e a legislação para incorporação foram averiguadas para analisar a necessidade de registro de novas substâncias antes da autorização para o uso. Por fim, um breve histórico da fosfoetanolamina foi apresentado seguido da análise das decisões nos tribunais e posicionamento das entidades de saúde, vigilância e pesquisa quanto a seu uso como medicamento e alternativas para o fornecimento.

Palavras-chave: Direito à Saúde. Medicamentos. Segurança Sanitária. Vigilância Sanitária.

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RESUMEN

El trabajo investiga la posibilidad de suministro de fosfoetanolamina sintética por el Estado para los pacientes con cáncer antes del registro por la Anvisa. Los diversos conceptos de salud fueron analizados a la definición más moderna. A continuación, se presentó con a la protección internacional y nacional del derecho a la salud hasta la promulgación de la Constitución de 1988 y la creación del Sistema Único de Salud. En este contexto, se evaluaron los deberes y limitaciones de las acciones del Estado y los servicios de salud pública en la cara de un mínimo existencial y la reserva posible y la intervención del poder judicial en la aplicación del derecho fundamental a la salud. Además, la seguridad de la salud se ha abordado en la obligación de ser seguido por el Estado y los particulares en sus derechos y obligaciones. En el mismo sentido la necesidad de la ética para la salud en la atención sanitaria y la legislación para su incorporación se investigaron para analizar la necesidad de registro de nuevas sustancias antes de la autorización para su uso. Por último, una breve historia de fosfoetanolamina se presentó seguida por el análisis de las decisiones de los tribunales y el posicionamiento de las autoridades sanitarias, la vigilancia y la investigación en cuanto a su uso como medicina y las alternativas a la oferta.

Palabras clave: Derecho a la salud. Medicamentos. Seguridad de la Salud. Vigilancia

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC Academia Brasileira de Ciências AMB Associação Médica Brasileira

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária CEP Comitê de Ética e Pesquisa

CIENP Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos CONEP Comissão Nacional de Ética e Pesquisa

CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS CONSINCA Conselho Consultivo do Inca

DCI Denominação Comum Internacional de Medicamentos FDA Food and Drug Administration

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INCA Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva INPI Instituto Nacional de Propriedade Intelectual

IQSC Instituto de Química de São Carlos

LASSBIO Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

NPDM Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

PIDCP Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 DIREITO À SAÚDE: PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL .... 14

2.1 Proteção à Saúde no âmbito internacional ... 15

2.1.1 Conceito de saúde e sua proteção pela OMS ... 15

2.1.2 A saúde na Declaração Universal dos Direitos Humanos... 18

2.2 A Saúde na Constituição Federal de 1988 e o SUS ... 20

2.3 Reserva do possível e mínimo existencial ... 22

2.4 Judicialização da saúde ... 27

3. SEGURANÇA SANITÁRIA: ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS ... 31

3.1 Direito Sanitário ...34

3.2 Ética Sanitária ... 37

3.3 Assistência terapêutica e incorporação de novos medicamentos ... 40

4 FOSFOETANOLAMINA: CONTROLE JURISDICIONAL ... 43

4.1 Histórico ... 43

4.2 A fosfoetanolamina nos tribunais ... 44

4.3 Necessidade de pesquisas para comprovação dos efeitos anticancerígenos ....47

4.4 Lei nº 13.269/2016 ...51

4.5 Utilização como suplemento ...54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 56

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1. INTRODUÇÃO

Num Estado Democrático de Direito sua proteção é constituinte fundamental do conceito de dignidade da pessoa humana compondo o rol dos direitos fundamentais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 196 a saúde com um direito de todos e dever do Estado.

Nesse sentido, as dificuldades enfrentadas na concretização desse direito tem levado ao debate a intervenção judicial na tutela da saúde. No tema, as principais discussões versam sobre a interferência e separação dos poderes ou sobre o conflito entre o mínimo existencial e a reserva do possível. Nessa última contenda, questões como o fornecimento de tratamentos não cobertos pelo SUS ou com valores excessivamente onerosos discutem o limite da obrigação do Estado nos serviços de saúde.

Diante da resposta positiva do Poder Judiciário em favor dos cidadãos, surge o problema das decisões determinando o fornecimento de medicamentos em fase experimental ou sem eficácia comprovada a pacientes contrariando a legislação sanitária nacional.

Em 2014 a fosfoetanolamina ganhou destaque nacional em virtude da grande demanda de pacientes com câncer pleiteando seu fornecimento pelo Estado. A despeito de não haver registro da substância no órgão de vigilância sanitária, a Anvisa, milhares de decisões favoráveis foram concedidas embasadas pelo direito à saúde.

É necessária, pois, a análise legal e axiológica da possibilidade de obrigar o Estado a fornecer tratamento em descumprimento às normas sanitárias. Nesse aspecto, o estudo histórico e internacional do direito à saúde e seu desenvolvimento no Brasil são fundamentais para estabelecer os fundamentos constitucionais em que se apoia o entendimento favorável ao fornecimento. Do mesmo modo, as problemáticas anteriores envolvendo o direito à saúde serão abordadas como pressupostos para averiguação da questão específica envolvendo a obrigatoriedade o registro.

Ademais, far-se-á uma distinção entre direito à saúde e direito sanitário buscando estabelecer os limites do Estado e dos indivíduos em suas obrigações e direitos. Além disso, a dimensão ética do direito sanitário será estudada na tentativa de estabelecer critérios para a limitação do acesso aos medicamentos sem autorização da Anvisa.

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2. DIREITO À SAÚDE: PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

O direito à saúde é consequência do direito à vida e da dignidade da pessoa humana e sua proteção é também a defesa daqueles. Não se pode falar em direito à vida, sem que se garanta o acesso ou o direito à saúde1.

A palavra saúde deriva do termo latino salus (salutis) que significa, em tradução livre: salvação, conservação e segurança da vida. A saúde busca conservar a vida, bem maior de todo ser humano e direito primeiro do qual decorrem todos os outros direitos. Disso, é possível concluir que o direito à saúde é o direito à proteção da vida. O dicionário Michaelis2

define a palavra “saúde” da seguinte forma:

sf(lat salute)1Bom estado do organismo, cujas funções fisiológicas se vão fazendo regularmente e sem estorvos de qualquer espécie.2Qualidade do que é sadio ou são.3Vigor.4Força, robustez.5Disposição física, estado das funções orgânicas do indivíduo.6Disposição ou estado moral do indivíduo.7Bem-estar físico, econômico, psíquico e social (conceito moderno).8Brinde ou saudação que se faz bebendo à saúde de alguém.S. intercadente:a que apresenta alternativas de melhor ou pior.S. pública:arte e ciência que trata da proteção e melhoramento da saúde da comunidade, pelo esforço organizado dos poderes públicos e que inclui a Medicina preventiva e diversas formas de assistência social.

As definições do dicionário apresentam a saúde em sua dupla face: como condição sã e de bem-estar do indivíduo ou coletividade e como serviço prestado pelo estado (saúde pública). Uma vez que não é possível ao estado garantir corpos perfeitamente saudáveis aos indivíduos, o segundo sentido (serviços e ações públicas) caracteriza de modo mais razoável a saúde enquanto prestação a ser exigida do estado.

Para Castro (2005), a saúde engloba todo um conjunto de preceitos e regras de higiene que visam cuidar das funções biológicas do corpo e prevenir de doenças preservando a saúde, enquanto que no caso em que a saúde esteja fragilizada, os medicamentos são os principais responsáveis pela recuperação do estado sadio do indivíduo3. Nesse sentido, o

direito à saúde teria duas faces: a preservativa e a protetiva.

1MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 35ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 544.

2Michaelis: Dicionário de Português on-line. Editora Melhoramentos, 2009. Disponível em: <

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=sa%FAde>. Acesso em: 26 maio 2016.

3 CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Direito Público subjetivo à saúde: conceituação, previsão legal

e aplicação na demanda de medicamentos em face do Estado-membro. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/direito-p%C3%BAblico-subjetivo-%C3%A0-sa%C3%BAde

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A primeira seria referente a uma ação do Estado voltada para a coletividade, através de medidas de segurança como as ações de fiscalização e vigilância sanitária com fim de preservar o estado de saúde coletivo e eliminar ou controlar riscos e fatores potencialmente danosos. Já a proteção teria aplicação direta ao indivíduo e envolveria desde a prevenção, passando pelo tratamento e a recuperação da saúde através do acesso a tratamentos e medicamentos prestados pelo Estado. A administração pública seria responsável, portanto, pelas ações coletivas e individualizadas de cuidados com a saúde.

Esses conceitos atuais nasceram, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial, o que marcou determinantemente seus preceitos básicos como a universalidade do acesso à saúde, igualdade entre os indivíduos, programas voltados ao controle de epidemias, políticas públicas de saúde e responsabilidade dos estados no fornecimento de tratamentos.

Apresentam-se a criação da Organização Mundial da Saúde - OMS em 1948 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Organização das Nações Unidas no mesmo ano. Desde então se passou a exigir dos estados uma prestação positiva em relação à saúde e demais direitos da coletividade.

Com efeito, o que se assistiu durante o século XX e mais acentuadamente no século atual é o fortalecimento das normas de garantias dos direitos fundamentais (em especial os direitos sociais). Houve a superação da previsão meramente programática para uma aplicação plena e imediata, muito embora sua eficácia seja por vezes garantida mediante intervenção do Poder Judiciário na esfera de atuação da administração pública, o fenômeno da judicialização da saúde.

2.1. Proteção à Saúde no âmbito internacional

Internacionalmente, as ações de proteção à saúde como política pública adotada pelos Estados tem representado uma preocupação crescente. Assim também, a integração e cooperação das nações diante das crises causadas pela economia, desastres naturais ou epidemias representam um avanço e conscientização da necessidade de cuidar do bem-estar dos povos. No século atual é certo que o direito à saúde ganhará destaque nos debates internacionais. Nesse contexto, as organizações de saúde e direitos humanos exercem papel fundamental na criação de normas e acordos para promoção da saúde.

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A Organização Mundial de Saúde (OMS), entidade representante de 194 Estados-membros, subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU) tem como principal função a direção e coordenação da ação sanitária internacional. No preâmbulo de sua constituição define saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afeções e enfermidades4”. Isso revela que não basta apenas o estado de ausência

de doenças, mas também a situação afirmativa de bem-estar individual e social.

Nas últimas décadas as diversas cartas, documentos e declarações assinadas pelos países corroboram a ideia de uma ampliação do conceito de saúde5 abrangendo também o

bem-estar econômico, do trabalho, dentre outras condições como paz, habitação, educação, etc. A Carta de Ottawa (1986) aponta a saúde como “um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global6”. Isso se deve ao desenvolvimento industrial,

crescimento do consumo, maior acesso aos bens e serviços, globalização, velocidade de informação e integração entre as nações. Como exemplo, a crise econômica em um país é sentida quase que instantaneamente por outros países de modo que o papel da economia na vida cotidiana das cidades é cada vez maior. Nesse sentido, a Declaração de Santafé de Bogotá (1992) foi elaborada com o compromisso de “impulsionar o conceito de saúde condicionada por fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, de conduta e biológicos, e a promoção da saúde como estratégia para modificar estes fatores condicionantes7”. As questões da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável

também passaram a integrar o conjunto de ações e políticas contidas no conceito de saúde mais moderno.

Além disso, em países subdesenvolvidos a escassez de recursos, materiais e suporte financeiro impossibilitam a eficácia das ações de saúde nas áreas de extrema pobreza. A fome, a miséria e a falta de higiene representam grandes desafios na concretização de uma população majoritariamente saudável e refletem no desenvolvimento econômico num mercado mundial totalmente integrado. Recentemente, a Declaração de Adelaide sobre a

4ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS/WHO). Constituição. Nova Iorque, 1946. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da

-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 26 maio 2016.

6PRIMEIRA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE PROMOÇÃO DA SAÚDE. Carta de Ottawa,

1986. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/carta_ottawa.pdf>. Acesso em: 03 jun.2016.

7CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE PROMOÇÃO DA SAÚDE. Declaração de Bogotá, 1992.

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Saúde em Todas as Políticas reconheceu que a “interface entre a saúde, o bem-estar e o desenvolvimento econômico tem sido inserida na agenda política de todos os países. Cada vez mais, comunidades, empregadores e indústrias esperam e demandam ações governamentais coordenadas e incisivas de combate aos determinantes da saúde e do bem-estar 8[...]”.

Um conceito mais extensivo é defendido por autores com a inclusão do bem-estar no trabalho; bem-estar do meio ambiente; bem-estar afetivo, dentre outros. A crítica a um conceito amplo e genérico da saúde é devida à medida que a generalidade leva ao risco da abstração distante da realidade, o que representaria o regresso das conquistas obtidas na proteção da saúde nas últimas décadas.

Em contraponto, por muito tempo a saúde foi entendida basicamente como a perfeição das funções e dos movimentos do corpo ausente de doenças. Somente com o desenvolvimento da sociedade, o fenômeno da globalização, as novas relações de trabalho a que se soma o desenvolvimento das ciências humanas e biológicas (medicina, direitos fundamentais, sociologia, psicologia...) a saúde mental e social passaram a ser também uma preocupação das políticas estatais e das populações.

A necessidade do bem-estar social integra a busca individual por uma vida saudável com a solidariedade dos cidadãos em apoio às ações públicas de proteção à saúde. Aliás, é comum que se leiam reportagens que trazem os termos “população saudável”; “população obesa”; “sociedade doente”; “filhos desnutridos”, utilizando a definição da OMS como referência para a ausência de bem-estar social e doença no contexto da coletividade.

A noção de saúde atual contempla a integração de todos os órgãos e sistema do indivíduo biológico, psíquico e também social. Do mesmo modo, a saúde coletiva contempla a atuação integrada de todas as instituições públicas de saúde com fim de prover o bem-estar por meio de ações efetivas de prevenção e tratamento de doenças.

Em sua constituição, a OMS declara ainda que “gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social”.

A saúde é, portanto, bem e direito fundamental de todos e sua proteção depende de um esforço conjunto dos indivíduos e do estado para que seja alcançada em seu melhor grau e pelo maior número de pessoas. A OMS considera os governos como portadores de

8 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Declaração de Adelaide sobre a Saúde em Todas as Políticas,

2010. Disponível em:

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“responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas”.

No artigo 2º de sua constituição, a OMS elenca dentre suas funções a promoção “em cooperação com outros organismos especializados, quando for necessário, o melhoramento da alimentação, da habitação, do saneamento, do recreio, das condições econômicas e de trabalho e de outros fatores de higiene do meio ambiente9” bem como o

desenvolvimento de normas internacionais relacionadas aos produtos farmacêuticos o que se configura na adoção de parâmetros de vigilância rigorosa dos produtos que possam causar danos à saúde.

Dentre as funções que se podem destacar na atuação da OMS está a codificação da Denominação Comum Internacional dos Medicamentos10– DCI (conhecido no Brasil como nome genérico da substância) além de manter em seu banco de dados informações atualizadas sobre os efeitos colaterais dos medicamentos e uma lista de referência de medicamentos essenciais nos cuidados básicos de saúde (WHO Model Lists of Essential Medicines).

De certa maneira, ainda que o objetivo das entidades e estados seja a garantia da melhor condição de saúde possível, diversos fatores internos, externos, objetivos e subjetivos interferem no bem-estar do ser humano de maneira que a principal ação no sentido de preservação da saúde coletiva é a segurança da população na exposição a produtos e ambientes com potencial nocivo.

As campanhas públicas alertando sobre os perigos da obesidade, do cigarro, das drogas e até mesmo da automedicação tem ganhado espaço e investimento na mídia brasileira, mas a ação do Estado não exime os indivíduos, as famílias, empresas e comunidades de atuarem na defesa da saúde e na responsabilidade por ações que garantam o próprio bem-estar como a prática de exercícios físicos, alimentação balanceada, moderação no consumo de bebidas, dentre outros.

2.1.2 A saúde na Declaração Universal dos Direitos Humanos

9ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS/WHO). Constituição. Nova Iorque, 1946. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da

-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 26 maio 2016.

10 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Denominação Comum Internacional. Disponível em: <

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações unidas em 10 de dezembro de 1948 onde se considerou “[...] essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito [...]”.

Os direitos humanos são os direitos universais e as liberdades inerentes a todos os homens sejam quais forem sua nacionalidade, etnia, condição social, religião ou pensamento. A igualdade de deveres e direitos perante as leis e o espírito de fraternidade contido na declaração são lastreados acima de tudo pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Dentre os direitos humanos está a saúde11:

Artigo 25 [...]

§1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

O direito à segurança em caso de doença é, em verdade, a proteção da saúde e nasce do caráter solidário dos direitos humanos e da obrigação dos Estados pela prevenção e tratamento de doenças. Ainda que abstrata e de caráter não vinculativo a todos os países, a Declaração Universal dos Direitos Humanos representou enorme contribuição à concretização da proteção à saúde na adesão de muitas nações ao documento.

No Brasil, como exemplo da repercussão da Declaração dos Direitos Humanos, a previsão do direito à segurança em caso de desemprego, doença ou velhice restou consolidada no artigo 194 da Constituição Federal que trata exatamente da seguridade social como “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social12”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos juntamente com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos13 (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais14 (PIDESC), os últimos aprovados pela ONU em 1966,

11ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: < http://www.dudh.org.br/declaracao/>.

Acesso em: 28 maio 2016.

12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 2016. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 01jun. 2016.

13 BRASIL. Decreto 592 de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 08 jun. 2016.

14 BRASIL. Decreto 591 de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990

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compõem a Carta Internacional dos Direitos Humanos. O PIDESC que promove em especial os direitos sociais, dentre eles a saúde, possui a adesão de mais de 160 países aos quais se integra o Brasil que ratificou todo o conteúdo da Carta Internacional dos Direitos Humanos.

2.2 A Saúde na Constituição Federal de 1988 e o SUS

No Brasil, os primeiros serviços de saúde eram prestados de modo assistencialista, onde se destaca a atuação das Santas Casas da Misericórdia no tratamento de doentes. Posteriormente, a edição da Lei Elói Chaves em 1923 criou as caixas de pensão, aposentadoria e assistência médica para os trabalhadores ferroviários e representou o início da atuação estatal por meio da legislação específica.

Posteriormente, outras leis foram editadas estabelecendo no Brasil um serviço de saúde securitário (assistência somente aos trabalhadores contribuintes) e não integralizado. Aos demais brasileiros, o acesso à saúde continuou a ser realizado por meio das instituições beneficentes e filantrópicas, médicos particulares ou, quando havia, por algum hospital público local. Durante o período do governo militar no Brasil foi criado o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) que oferecia assistência aos segurados contribuintes por meio de convênios com hospitais privados.

Somente com a Constituição Federal de 1988 o direito subjetivo à saúde tornou-se bem jurídico protegido, contendo a previsão de criação de um Sistema Único de Saúde (SUS) organizado de forma descentralizada, com atendimento integral distribuído em rede hierarquizada e regionalizada. Só então o acesso aos serviços de saúde passou a ser universal e igualitário independente de contribuição.

A Constituição Federal de 1988 conferiu à saúde o status de direito fundamental elencando-o entre os direitos sociais (art. 6º), sendo, pois, um direito do indivíduo em face do estado e ao qual este não se negará a fornecer. Além disso, conferiu ao Poder Público a responsabilidade sobre a regulamentação, fiscalização e controle do serviço de saúde (art. 197), passando este a ser realizado através do SUS.

A Lei nº 8.080/9015, em seu artigo 4º, definiu o SUS como “o conjunto de ações e

serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder

15 BRASIL. Lei 8.080/90 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e

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Público[...]”. Dentre outros princípios contidos no art. 7º da mesma lei, os princípios básicos norteadores das ações do SUS são a universalidade e equidade.

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas noArt. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das

ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

A universalidade entendida como o acesso aos serviços de saúde por todos os cidadãos e equidade como a segurança do acesso aos serviços de acordo com o grau de necessidade e complexidade de cada caso, sem privilégios ou preconceitos.

O artigo 200 da CF/88 estabeleceu as competências do SUS:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a

saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de

saúde do trabalhador;

III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;

V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação;

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Apesar do SUS ser conhecido popularmente como a rede de hospitais públicos para tratamento de doenças e fornecimento gratuito de medicamentos, com longas filas de espera e muitas vezes precário em recursos e equipamentos, a previsão de suas atribuições na Constituição revela a preocupação maior com a prevenção e segurança da saúde dos assistidos pelo sistema do que propriamente o tratamento na recuperação da saúde e combate às doenças (sistema de atenção primária).

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Em suma, o sistema de saúde é uma estrutura adotada para que os serviços de prevenção, proteção e recuperação da saúde sejam fornecidos aos cidadãos por meio do acesso seguro a tratamentos, medicamentos, substâncias químicas e alimentos. A segurança naquilo que é fornecido aos cidadãos é critério básico e fundamental no dever do Estado à garantia da saúde de todos.

De fato, o direito à saúde superou o idealismo da pretensão almejada passando a ser dever do estado de prestação de serviço gratuito a toda a população. No Brasil, esse serviço é regulado pela previsão constitucional somada à legislação de normas infraconstitucionais.

Nesse sentido foram criadas leis, dentre as quais se destaca a Lei nº 8.080/90 (Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências) e mais recentemente o Decreto nº 7.646/2011 (Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências) e a Lei nº 12.401/2011(Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para

dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS).

No tocante à recuperação e manutenção da saúde, o Ministério da Saúde estabeleceu, por meio da Portaria nº 3.916/98, a Política Nacional de Medicamentos com o propósito de “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais16”.

Nesse seguimento, a legislação brasileira avançou consideravelmente. Contudo, a maior proteção repercute economicamente em gastos e investimentos, o que muitas vezes dificulta e limita o acesso aos serviços de saúde.

2.3 Reserva do possível e mínimo existencial

O sistema de saúde brasileiro, incapaz de atender de maneira plena todas as demandas de saúde e sem recursos financeiros para oferecer todos os serviços necessários à população, tem gerado a discussão entre a universalidade do atendimento e o mínimo existencial que deve ser oferecido à população e a reserva do possível.

16MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria 3.916, de 30 de outubro 1998. Disponível em: <

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23

A universalidade contempla o acesso de todas as pessoas aos serviços de saúde que deve fornecer o maior número de remédios e tratamentos possíveis. Conforme já tratado anteriormente, a universalidade está prevista expressamente na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) e também na Constituição Federal.

Já a reserva do possível tem sido alegada pelos gestores públicos municipais, estaduais e federal como a impossibilidade do estado em suprir todas as necessidades da população, em específico naquilo que refere aos direitos sociais como educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados...

A análise da questão, ainda que rápida, necessita da adequada compreensão daquilo que seria “reserva do possível”.

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técnica trata, por exemplo, de remédios experimentais que até mesmo em virtude de seu caráter não estão prontos para serem disponibilizados a toda população, enquanto que a escassez de recursos é exatamente a impossibilidade econômica de produzir o suficiente para atender a toda demanda que surja (SCAFF, 2013)17.

A questão parece longe de uma solução pacífica. Afinal, se o cidadão não pode exigir tudo do Estado, naquilo que pode exigir, o fará sem limites? Havendo, como é comum, falta de recursos para atender a todos, qual a solução a ser adotada? Seria o caso de um remanejamento de verbas públicas? Enfim, para o problema proposto em analise nesse trabalho, mais importante é a diferenciação já feita entre “reserva do possível de caráter econômico” e “impossibilidade técnica”.

No tocante aos medicamentos experimentais, a reserva do possível ainda que constante como fator limitador, por restringir até mesmo os recursos do Estado para pesquisas de novos tratamentos, atua secundariamente em relação à impossibilidade técnica. Os novos medicamentos e substâncias necessitam ser testados e analisados quanto à segurança e eficácia em humanos e isso demanda tempo, dinheiro e tecnologias. Ora, de todo modo a impossibilidade técnica não foge de ser espécie da reserva do possível, uma vez que a falta de segurança ou técnica de produção viável constituem limites ao que o indivíduo possa cobrar do estado. Não por acaso crescem a cada dia as demandas judiciais onde se pleiteia o fornecimento de tratamentos não cobertos pelo SUS o ainda a concessão de remédios novos ou em fase experimental18.

Sarlet19 (2009, p. 287) assim compreende a reserva do possível:

A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.

17SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível pressupõe escolhas trágicas. Revista Consultor Jurídico, 28

de fevereiro de 2013. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-fev-26/contas-vista-reserva-possivel

-pressupoe-escolhas-tragicas>. Acesso em: 09 jun.2016.

18 Sobre a distinção entre remédios novos e experimentais ver capítulo 3.

19 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado,

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A definição do autor abrange satisfatoriamente as dimensões da reserva do possível, as quais merecem comentários. Primeiramente, a disponibilidade fática é fundamental à justificativa da reserva do possível. Sem dinheiro o Estado não consegue efetivar direitos. De qualquer forma, diante de recursos finitos, cabe ao poder público garantir o mínimo existencial, ou seja, aqueles direitos e serviços básicos e fundamentais de que necessitam todos os cidadãos. A reserva do possível não deve, portanto, ser justificativa para o não atendimento às demandas de saúde pública, mas, ao contrário, deve ser a principal razão do bom uso do limitado orçamento visando garantir o mínimo existencial.

Isso já ocorre com, por exemplo, as vacinas. Diante de surtos como a dengue ou a gripe o governo, tendo pouco tempo para agir e recurso limitado no momento, seleciona grupos de risco, mais vulneráveis para aplicar o medicamento imediatamente. Nesses casos cabe ao governo elaborar estratégias para atingir da melhor forma os objetivos da prevenção e proteção da saúde pública.

Em seguida, a dimensão da disponibilidade jurídica merece alguma crítica. Ainda que o orçamento preveja um montante específico de gastos para a saúde, sendo o recurso insuficiente, nada justifica a manutenção de valores para propaganda institucional do governo ou mesmo o altíssimo número de cargos de confiança e comissionados em todas as esferas do poder público brasileiro, ou ainda gigantescas e inacabadas obras, muitas delas sem retorno efetivo nenhum para a população.

A garantia dos direitos fundamentais deve ser a prioridade das verbas públicas, obviamente resguardando as funções básicas da máquina estatal. De tal modo, a principal defesa dos Estados e Municípios nas demandas de saúde tem sido o limite dos gastos com a saúde em respeito à lei orçamentária.

Contudo, as regras estatais não devem estar acima dos direitos do homem. Afinal, o Estado nasceu para atender ao ser humano. Sua única função é prestar-lhe serviço, de tal modo que nenhuma construção da estrutura e organização estatal pode sobrepujar os direitos e liberdades do homem, anteriores aos regramentos públicos. Isso porque o Estado não tem objetivos e interesses próprios, mas somente é instrumento de efetivação dos direitos do homem (MARTINS, 1985)20.

Faz-se necessário, portanto, a prudência na aplicação do princípio da reserva do possível de tal modo que a última dimensão apresentada por Ingo Sarlet apresenta-se como a mais adequada limitação da prestação estatal.

20 MARTINS, Ives Gandra da Silva. A justiça e a lei positivainLei Positiva e Lei Natural. Caderno de Direito

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26

No tocante ao terceiro aspecto, tratando da razoabilidade, certamente não pode o indivíduo exigir da coletividade obrigação não prevista em lei, ou passível de prejudicar a coletividade em favor de um particular. Exemplificando, não seria razoável a aplicação de todo recurso público disponível no município para atender a um paciente em prejuízo de todos os outros pacientes atendidos com os mesmo recursos.

Além disso, a atuação estatal deve obviamente prezar pela razoabilidade nos atos, de modo a limitar-se pelo sensato, moderado, sem transpor os limites de sua responsabilidade ainda havendo recurso financeiro disponível. Nem toda pretensão pode e deve ser atendida pelo Estado. O princípio da legalidade, basilar da administração pública, veda ao Estado a atuação naquilo que não está normatizado.

Ora, ainda que houvesse quantidades muito superiores de recursos, permitir e atender toda e qualquer pretensão individual colocaria em risco a segurança do indivíduo, da coletividade e representaria uma sobrecarga nas responsabilidades do estado. Como bem prevê o artigo 2º, §2º da Lei nº 8.080/90, o dever do Estado não exclui o dever dos indivíduos, das famílias e empresas. Assim, a reserva do possível supera a possibilidade de recursos e adentra, de modo complementar, na razoabilidade da prestação e na existência ou não de obrigação do Estado em fornecer o pleito do indivíduo.

Aparentemente, a reserva do possível só merece acolhimento quando existe real e absoluta escassez de recurso e este foi utilizado da forma mais adequada possível dentro daquilo que é de responsabilidade do estado. Ademais, havendo escassez para a área de saúde, recursos devem ser remanejados para seu atendimento e ainda que não haja mais recursos, assim que forem obtidos a prioridade deve ser a saúde pública.

Em verdade, encarar a limitação da atuação estatal na saúde como mero controle de gastos é entender (de forma errada) o Estado com função exclusiva de gestor financeiro ignorando sua função de prevenção, proteção e manutenção da saúde.

Com efeito, Barcellos21 (2008) defende que de fato os recursos são limitados e

essa limitação não pode ser ignorada, devendo o intérprete e assim também o magistrado levar essa realidade em conta ao exigir judicialmente algum bem jurídico do Estado. Por outro lado, o Estado recolhe recursos exatamente para que os direitos fundamentais previstos constitucionalmente sejam garantidos e realizados por meio dos gastos públicos. Em verdade, o objetivo da Constituição Federal de 1988 bem como de outras constituições modernas está em assegurar o bem-estar do homem com base na sua dignidade que envolve dentre outros os

21BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da

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direitos individuais e condições mínimas matérias. Os elementos essências dessa dignidade, chamados mínimo existencial, determinam as prioridades do gasto público. Desse modo, estabelecendo prioridades, o mínimo existencial não conflita com a reserva do possível.

Considerando o Estado como servo do povo, a reserva do possível, ao contrário da forma como é utilizada atualmente para negar a prestação de serviços básicos à população, deveria ser pensada e utilizada para a máxima priorização de áreas fundamentais como a saúde. O mínimo existencial representa, pois, o foco dessa reserva do possível.

Do mesmo modo, o termo “mínimo” limita o direito individual e coletivo de requerer serviços do poder público que não se encontrem nessa esfera. Representa aquilo que não pode faltar ao ser humano, o básico, o essencial, o imprescindível e não aquilo que o Estado considera como o que pode fornecer minimamente. A limitação resulta do próprio conceito e não de uma determinação administrativa.

O mínimo elementar é a vida. Nesse sentido, o fornecimento de medicamentos a doentes graves é prioridade do Estado. Nessa situação já está superada a prevenção da saúde, restando somente a tentativa de restauração do estado sadio por meio de medicamentos. O Estado, portanto, ciente das limitações da reserva do possível, deve reservar prioritariamente seus recursos à saúde e não omiti-los, sob pena de não funcionar para o fim ao qual se destina.

2.4 Judicialização da saúde

De toda forma, no Brasil os problemas que a área da saúde enfrenta como deficiência de recursos, má-distribuição e utilização dos serviços, a corrupção e desvio de verbas além do pouco incentivo às novas tecnologias e pesquisas representam enorme desafio na atuação estatal. Consequentemente, a judicialização da saúde tem sido a maneira encontrada pela população para obter acesso aos tratamentos e medicamentos fornecidos pelo SUS e até mesmo a outros tratamentos não previstos e medicamentos não regulamentados.

Acionado, o Poder Judiciário enfrenta quase sempre a questão da escassez. Trata -se, contudo, de um problema às vezes relativo. Se por um lado muitas prefeituras enfrentam a total falta de recursos22, o que impossibilita de todo modo o cumprimento de decisões

judiciais que obriguem, por exemplo, o fornecimento de medicamentos, inversamente, outras

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O prefeito de Tabapuã/SP, Jamil Seron (PSDB), afirma que há falta de remédios no município por conta da falta de recursos. “Praticamente zerou tudo. Está faltando quase tudo”, afirmou. O prefeito admitiu que cortou cerca de 10 cargos em comissão - de livre nomeação e exoneração do chefe do Executivo.Disponível em: < http://www.diariodaregiao.com.br/politica/sem-dinheiro-prefeituras-est%C3%A3o-paralisadas-1.387130>.

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prefeituras, Estados23 e União se negam a cumprir as determinações judiciais enquanto

utilizam seus recursos sem priorizar os direitos fundamentais para dar destaque a banalidades como pintar os prédios públicos com as cores do partido que no momento detenha o poder.

Nesses casos, a reserva do possível não pode ser alegada como negativa à prestação jurisdicional. Não há, de fato, escassez, somente mau uso do dinheiro público. E, havendo escassez, cabe o melhor uso do recurso. Não é razoável que o direito à saúde seja deixado de lado por falta de recursos enquanto o dinheiro público é gasto com obras e festas desnecessárias. Daí as decisões judiciais serem, em sua maioria, desfavoráveis aos estados, municípios e união que não conseguem comprovar a total inexistência de recursos.

Em ação levada ao Supremo Tribunal Federal (STF)24 que versava sobre a

obrigação do estado em custear leitos privados a pacientes atendidos pelo SUS diante da inexistência de leitos vagos em hospitais públicos, o relator Ministro Celso de Mello destacou a atuação inafastável do Poder Judiciário em dar efetividade aos direitos sociais sob pena de ineficácia da própria Constituição Federal. A inércia do poder público na prestação positiva configuraria violação negativa de dos deveres constitucionais impostos ao Estado, o que o STF já definiu em outros julgados como inconstitucionalidade por omissão. Nesse caso, o Ministro considerou que não consta como função ordinária do Poder Judiciário a implementação de políticas públicas, mas cabendo primariamente aos Poderes Legislativo e Executivo, a atribuição seria exercida, excepcionalmente, pelo Poder Judiciário quando aqueles faltarem com suas obrigações políticas de proteção e eficácia dos direitos protegidos constitucionalmente seja em caráter individual ou coletivo.

Essa atuação do Poder Judiciário nas funções originárias do Poder Legislativo e Executivo não pode ser entendida como mera liberalidade, sobreposição do Judiciário sobre os demais poderes ou criação funcional do STF, mas está contida anteriormente na própria Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXV, bem como também na já citada Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 8º onde se lê que “todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”.

23 “Isso é um absurdo enorme, sem precedentes. Enquanto o Estado gasta dinheiro para pintar as farmácias com a

cor do partido, os estoques de medicamentos minguam”,disse Geraldo Lucas Lamounier, prefeito de Camacho, município no Centro-Oeste de Minas.Disponível em: < http://turmadochapeu.com.br/pimentel-gasta-r-34

-milhoes-para-pintar-farmacias-de-vermelho/>. Acesso em: 09 jun. 2016.

24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental 727864 PR. Agravante: Estado do Paraná. Agravado:

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Todavia, a atuação antes pontual do Poder Judiciário em casos individuais tem crescido ano após ano assustadoramente de tal modo que já representa impacto considerável nas contas dos Estados e União, sem contar a situação dos pequenos Municípios onde uma só decisão judicial que determine o cumprimento de uma compra e fornecimento de medicamento individual compromete todo ou parcialmente o recurso municipal para a saúde.

Assim sendo, Amaral25(2010) alerta que “as decisões judiciais tomadas no âmbito

da micro-justiça26 podem potencialmente comprometer o orçamento na medida em que, ao exceder os limites estruturais do sistema jurídico, passam, na prática, a alocar recursos, determinando de que maneira eles devem ser gastos”.

Por outro lado, apesar do SUS ser um sistema universal com objetivo de atender a todos os brasileiros, em muitos casos isso não ocorre. Em consequência, milhares de ações individuais e coletivas são ajuizadas todos os anos em busca de tratamentos e medicamentos que sejam fornecidos pelo sistema ou não. Em reflexão, ainda que não se possa ignorar o impacto nas contas públicas, as decisões judiciais apenas efetivam o sistema de saúde adotado pelo Brasil na Constituição de 1988. Nesse sentido, os tribunais superiores possuem jurisprudência pacífica quanto ao justificado pleito judicial na efetivação do direito à saúde.

Além disso, o poder público não pode, na tentativa de desobrigar-se de efetivar os direitos sociais, alegar que para cumprir decisão judicial em ação individual deixará de atender demandas coletivas. De fato, isso representaria uma transferência de responsabilidade da má gestão na saúde pública para o cidadão doente. Cabe, portanto, à Administração Pública gerir os recursos de modo a transferi-los de áreas menos importantes para o cumprimento de decisões judiciais na área da saúde.

Uma vez que o ente tenha em verdade esgotado seus recursos e possibilidades, a responsabilidade deverá ser compartilhada com os demais de forma solidária conforme previsão constitucional 27e sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal28.

25AMARAL, Gustavo

. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a

escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2010. p. 17.

26 Nota: O autor utiliza o termo micro-justiça para referir-se às decisões individualizadas que não contemplam ou

não geram eficácia de direitos à coletividade.

27 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

[...].

28 “O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou jurisprudência sobre a responsabilidade solidária dos entes

federados no dever de prestar assistência à saúde. A decisão foi tomada na análise do Recurso Extraordinário (RE) 855178, de relatoria do ministro Luiz Fux, que teve repercussão geral reconhecida, por meio do Plenário Virtual”. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Entes federados têm responsabilidade solidária na assistência à

saúde, reafirma STF. Disponível em:

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O problema interessante ao presente trabalho ocorre quando o Poder Judiciário interfere nas decisões técnicas concernentes à saúde. No caso de um paciente que, necessitando de tratamento, requer judicialmente um medicamento novo não fornecido pelo SUS, o pedido merece acolhimento e deferimento por parte do poder judiciário?

No Brasil os medicamentos fornecidos pelo sistema de saúde estão elencados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME. Contudo, é insustentável a pretensão de exaustão da lista quanto aos medicamentos fornecidos. Uma vez que, comprovadamente, um paciente precise de certo remédio prescrito por seu médico como mais adequado ao tratamento da doença e este remédio não esteja incluído na lista, não parece razoável a negativa no fornecimento. De fato, atualizações são feitas periodicamente na RENAME ampliando a lista ano após ano, porém é comum que não acompanhem em tempo hábil as necessidades e novas tecnologias na área da saúde.

Nesse sentido, o entendimento adotado pelo STF ora apoiado tem sido a determinação “de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade29”. O critério de eficácia deve sempre levar em consideração as variáveis subjetivas de cada paciente, o que vincula o fornecimento de medicamento não constate na lista do SUS especialmente ao diagnóstico e prescrição médica. Nesse contexto é necessário esclarecer que mesmo existindo tratamento no SUS para a doença, se o tratamento não atender da melhor forma a restauração da saúde do paciente com base naquilo que indicar o médico responsável, o paciente poderá pleitear outro tratamento.

Mais uma vez, destaca-se que o direito à saúde é indissociável do direito à vida, daí porque deva ser tratado com privilégio e responsabilidade pelo Estado.

29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 831.385 RS. Agravante: Estado do

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3. SEGURANÇA SANITÁRIA: ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS

O medicamento farmacêutico (produzido em laboratório) serve, sobretudo, para a recuperação da saúde. Contudo, seu uso apresenta risco, possibilidades de efeitos colaterais e outras reações indesejadas. Cabe à Administração Pública, portanto, regular sua utilização, seja no fornecimento aos indivíduos quanto na permissão para a venda, distribuição ou mesmo teste em seres humanos. O estado ao mesmo tempo em que é vedado de causar dano à saúde do indivíduo, também deve realizar ações no sentido de proibir a utilização de medicamentos e substâncias ainda não regulamentadas, não testadas ou que já testadas e proibidas por oferecerem risco à saúde. A Constituição Federal de 1988 obriga o Estado brasileiro nos moldes do artigo 197 a estabelecer regulamentação, fiscalização e controle sobre as ações e serviços públicos. Nesse sentido, Dallari (1988) afirma:

Contudo, atualmente, a saúde não tem apenas um aspecto individual que respeita apenas a pessoa. Não basta que sejam colocados à disposição dos indivíduos todos os meios para promoção, manutenção ou recuperação da saúde para que o Estado responda satisfatoriamente à obrigação de garantir a saúde do povo. Hoje os Estados são, em sua maioria, forçados por disposição constitucional a proteger a saúde contra todos os perigos. Até mesmo contra a irresponsabilidade de seus próprios cidadãos. A saúde "pública" tem um caráter coletivo. O Estado contemporâneo controla o comportamento dos indivíduos no intuito de impedir-lhes qualquer ação nociva à saúde de todo o povo. E o faz por meio de leis. É a própria sociedade por decorrência lógica que define quais são esses comportamentos nocivos e determina que eles sejam evitados, que seja punido o infrator e qual a pena que deve ser-lhe aplicada. Tal atividade social é expressa em leis que a administração pública deve cumprir e fazer cumprir30.

No Brasil, compete ao SUS por meio de ações de vigilância sanitária esse controle e fiscalização conforme estabeleceu a Lei nº 8.080/90 que regula em todo o território nacional as ações e serviços de saúde (art.1º). As ações de vigilância sanitária compreendem “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo31”.

Em síntese, a vigilância sanitária atua na prevenção de risco à saúde desde a produção até o consumo de medicamentos e substâncias relacionados à saúde.

30 DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 22:327-34,

1988.

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No Brasil, a coordenação nacional das ações de vigilância sanitária é realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, criada por meio de Lei nº 9.782/99, com status de autarquia sob regime especial com a finalidade de “promover a

proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados32”. Dentre outras competências, destacam-se:

Art.7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

[...]

III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;

[...]

IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação; XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

XXIV - autuar e aplicar as penalidades previstas em lei.

Dentre os produtos submetidos ao controle, fiscalização e regulamentação da Anvisa estão os medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias (art.8º, §1º, I). Esse controle é exercido sobre qualquer substância que possa causar risco à saúde, estando registrada ou não, abrangendo ainda medicamentos importados sem registro pela Anvisa.

No caso dos medicamentos importados, é possível solicitar à Anvisa uma autorização para importação de substâncias sem registro no Brasil para pessoas físicas, desde que acompanhado de laudo e prescrição médica. Sem a autorização o produto não pode entrar no Brasil e em algumas situações (substâncias controladas internacionalmente) o produto nem mesmo consegue autorização para sair do país de origem.

A Anvisa disponibiliza em seu sítio virtual a lista das substâncias possíveis de serem importadas (Portaria SVS/MS nº 344/1998 -Anexo I). Além das substâncias contidas na portaria, outras podem ser requeridas. A análise e autorização constituem atribuições discricionárias da agência.

De qualquer forma, a Anvisa atribui ao médico solicitante a responsabilidade pela utilização do medicamento e somente para uso próprio do paciente acompanhado. Trata-se de

32

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33

exceção que ainda assim guarda o equilíbrio entre eficácia e segurança pretendidos pelas ações da Anvisa no controle de medicamentos.

A concessão tem caráter individual, não coletivo, e admite novos medicamentos, ou seja, substâncias já utilizadas pelos médicos e registradas em outros países que ainda não chegaram ao Brasil ou não passaram pelos procedimentos administrativos de regularização segundo as normas brasileiras. Necessário, pois, a distinção entre novos medicamentos e medicamentos experimentais.

O STF, em julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada33 STA 175 ocorrido em

2010, determinou distinções entre medicamentos novos e medicamentos experimentais. No caso, uma jovem portadora de patologia neurodegenerativa requereu junto ao Município de Fortaleza (CE) e União o fornecimento de medicamento não constante na lista do SUS, por ser de alto custo. Mesmo não constando na lista, o medicamento possuía registro no Brasil e também na Europa, tendo sido prescrito por médico responsável. Em voto vencedor, o Ministro (Presidente) Relator Gilmar Mendes negou provimento ao agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF na qual indeferiu o pedido de suspensão de tutela antecipada n.º 175, formulado pela União.

Na ocasião, o Ministro Gilmar Mendes distinguiu as categorias de medicamentos sem registro pela Anvisa. Os medicamentos experimentais (sem garantia de segurança na utilização por humanos e sem comprovação científica de eficácia) são de uso restrito em pesquisas em laboratórios, não sendo possível obrigar o Estado a fornecê-los pois não possuem registro no Brasil ou em outros países.

Já os novos medicamentos são substâncias não fornecidas pelo SUS em virtude dos procedimentos administrativos burocráticos de incorporação de novas tecnologias e tratamentos. Contudo, já possuem aprovação e liberação de uso em outros países e, em alguns casos, também no Brasil. Isso porque o registro pela Anvisa é critério fundamental e anterior à incorporação do medicamento à lista do SUS.

Nesse caso, os critérios de eficácia e segurança já foram submetidos e aprovados, não havendo motivo para a recusa do Estado em fornecer o medicamento quando este se provar mais adequado à restauração da saúde. Na hipótese do registro somente em país estrangeiro, a Anvisa pode conceder permissão para importação sob pedido médico.

33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. na Suspensão de Tutela Antecipada 175 CE. Agravante: União.

Agravado: Ministério Público Federal e outros. Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente). Brasília, 17 de março

de 2010. Disponível em:

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34

3.1 Direito Sanitário

O Direito Sanitário, ramo ainda em desenvolvimento no Brasil, é de todo modo indissociável do direito à saúde. Contudo concerne ao conjunto de regras de segurança que obrigam e orientam as atividades de vigilância sanitária do estado em sua atuação na saúde pública. Portanto, enquanto o direito à saúde tem por fim essencial a disponibilidade de serviços e condições de saúde aos indivíduos de forma ampla, o direito sanitário possui caráter regulatório da atividade estatal no controle e segurança dos produtos fabricados e disponibilizados. Aborda também o efetivo poder de polícia34 em relação às substâncias utilizadas na área de saúde.

O Direito Sanitário é ramo do Direito que regula e efetiva o direito à saúde. Nesse sentido, Aith35(2007) define como “ramo do Direito que disciplina as ações e serviços públicos e privados de interesse à saúde. Ele é formado pelo conjunto de normas jurídicas (regras e princípios) que visa à efetivação do Direito à saúde e possui um regime jurídico específico”.

Dallari (2003)36 compreende o Direito Sanitário como responsável tanto pela efetivação da saúde enquanto direito humano reivindicado como pela saúde pública enquanto normas jurídicas de prevenção, proteção e recuperação da saúde. Decerto, é por meio da atuação regulatória que o direito sanitário exerce sua função em relação ao direito à saúde.

Em verdade, o crescimento da normatização sanitária tem destacado o direito sanitário como ramo próprio mesmo tomando emprestado princípios de outros ramos. No caso do direito administrativo, princípios como legalidade, eficiência e moralidade são obrigatoriamente admitidos ao direito sanitário, notadamente em virtude de seu caráter público. Em nosso entendimento o ramo sanitário, ainda que indissociável do direito à saúde, merece distinções didáticas em pelo menos duas classificações adotadas. O direito sanitário

34 Nota: Extraído do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) a definição de poder de polícia:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

35 AITH, Fernando.Curso de Direito sanitário: a proteção do direito à saúde no Brasil. São Paulo: Quartier

Latin, 2007. Pág. 91

36DALLARI, Sueli Gandolfi. Direito Sanitário

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