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Cavidades balísticas caóticas e funções simétricas: resultados exatos para a estatística de contagem de carga

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Academic year: 2021

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Universidade Federal Rural de Pernambuco

Departamento de Física

Pós-graduação em Física Aplicada

Cavidades balísticas caóticas e funções simétricas:

resultados exatos para a estatística de contagem de

carga

Carlos Alberto de Souza Filho

Dissertação de Mestrado

Recife - PE

(2)

Universidade Federal Rural de Pernambuco

Departamento de Física

Carlos Alberto de Souza Filho

Cavidades balísticas caóticas e funções simétricas:

resultados exatos para a estatística de contagem de

carga

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-graduação em Física Aplicada do Departamento de Física da Universi-dade Federal Rural de Pernambuco como requisito par-cial para obtenção do grau de Mestre em Física.

Orientador: Prof. Dr. Ailton Fernandes de Macedo Junior

Recife - PE

(3)

Agradecimentos

Agradecer não é uma tarefa fácil. Para não cometer nenhuma injustiça, agradeço de antemão a todos que de forma direta ou indireta contribuíram para minha formação pessoal e intelectual. Agradeço, particularmente a algumas pessoas:

• A toda minha família (meus pais, irmãs, tios) em especial a meu pai Carlos Alberto de Souza e a minha avó Irací Inácia de Lira que sempre estiveram ao meu lado, me dando apoio e força para chegar onde cheguei e também por me ensinarem a ser uma “pessoa de bem”.

• A Bárbara, minha mais que namorada, por está ao meu lado nesses últimos anos me dando apoio, amor, carinho e por manter meus pés firmes no chão quando eu achava que podia voar.

• Ao professor Ailton Macedo Junior, pela orientação, paciência e por dedicar tanto do seu tempo para me fazer entender um pouco de Física Mesoscópica.

• Aos professores Adauto Souza e Jairo Rocha, pela amizade e ensinamentos desde os tempos de graduação.

• Aos colegas de mestrado (Aguinaldo, Erval, Jorge, Luciano, Marcelo, Misael, Ra-nulfo) por compartilhar alegrias e tristezas dentro e fora do departamento.

Por fim, agradeço a CAPES, pelo apoio financeiro.

(4)

NO PAINS, NO GAINS. If little labour, little are our gains: Man’s fate is according to his pains. — ROBERT HERRICK (1650)

(5)

Resumo

Estudamos propriedades de transporte de uma cavidade balística caótica com dois ter-minais, acoplada a reservatórios de elétrons por guias ideais. No formalismo de Landauer-Büttiker, a cavidade é descrita por sua matriz de espalhamento, ou mais convenien-temente, pelo conjunto de autovalores de transmissão {τi}, i.e., autovalores da matriz

Hermitiana t†t, em que t é a matriz de transmissão. Neste formalismo, os observáveis de transporte, como a condutância, potência do ruído de disparo ou cumulantes de ordem superior da estatística de contagem de carga (ECC) são estatísticas lineares. Na presença de dinâmica caótica, os autovalores de transmissão são variáveis aleatórias correlacionadas cuja distribuição, obtida via princípio de máxima entropia, é relacionada com o ensemble de Jacobi da teoria de matrizes aleatórias. Neste trabalho, usamos uma função gera-triz baseada na função hipergeométrica multivariada para obter qualquer momento ou cumulante de um observável de transporte. Para ilustrar o poder deste método, obte-mos resultados exatos para os quatro primeiros cumulantes da estatística de contagem de carga para todas as classes de simetria e um número arbitrário de canais abertos. Todos os resultados analíticos são confirmados quando comparados com a simulação numérica do ensemble circular via parametrização de Hurwitz. Finalmente, estudamos a distribui-ção completa dos quatro primeiros cumulantes da ECC usando os resultados analíticos como entrada para a expansão de Edgeworth e via simulação numérica.

Palavras-chave: Física Mesoscópica, Estatística de Contagem de Carga, Teoria de Matrizes Aleatórias, Funções Simétricas, Função Hipergeométrica de Argumento Matri-cial.

(6)

Abstract

We study transport properties of a ballistic chaotic cavity ideally coupled to two elec-tron reservoirs via perfect conducting leads. In Landauer-Büttiker formalism, the cavity is described by its scattering matrix, or more conveniently, by the set of transmission eigenvalues {τi}, i.e., eigenvalues of the hermitian matrix t†t, where t is the transmission

matrix. In this theory, transport observables such as conductance, shot-noise power or higher order cumulants of the charge-counting statistics (CCS) are linear statistics of the transmission eigenvalues. In presence of chaotic dynamics, the transmission eigenva-lues become correlated random numbers whose joint distribution function, obtained by a maximum-entropy principle, is closed related to the Jacobi ensemble of random matrix theory. In this work, we use a generating function based on the multivariate hypergeome-tric function to obtain any moment or cumulant of a transport observable. To ilustrate the power of this method we obtain exact results for the first four cumulants of the charge counting statistics for all symmetry classes and an arbitrary number of open scattering channels. All analytical results were confirmed by performing numerical simulation of the circular ensemble via Hurwitz’s parametrization. Finally, we studed the full distribution of the first four cumulants of the CCS by using the analytical results as input to the Edgeworth expansion and via numerical simulation.

Keywords: Mesoscopic Physics, Charge-counting statistics, Random Matrix Theory, Symmetric Functions, Hypergeometric Function of Matrix Argument.

(7)

Sumário

1 Introdução 1

1.1 Regime de transporte 2

1.2 Fenômenos em sistemas mesoscópicos 5

1.2.1 Quantização da condutância 5

1.2.2 Localização Fraca 6

1.2.3 Flutuação universal da condutância 7

1.3 Sumário geral 7

2 Formalismo de Espalhamento 9

2.1 Definição da matriz de espalhamento 9

2.2 Simetrias da Matriz S 12 2.2.1 Conservação de corrente 12 2.2.2 Reversão temporal 12 2.3 A fórmula de Landauer 15 2.3.1 Condutância 16 2.3.2 Flutuações da corrente 17

2.4 Estatística de contagem de carga 18

2.4.1 Elementos de teoria de probabilidade 19

2.4.2 A fórmula de Levitov-Lesovik 23

3 Teoria de Matrizes Aleatórias e Ensemble Circular 26

3.1 Caos e Mecânica quântica 26

3.2 Matrizes aleatórias em pontos quânticos 28

3.2.1 Sistemas fechados: abordagem Hamiltoniana 29

3.2.2 Sistemas abertos 30

3.3 Médias no grupo unitário: abordagem numérica 32

3.4 Representação polar e o ensemble de Jacobi 36

3.4.1 Cálculo dos observáveis 36

3.4.1.1 Condutância 37

3.4.1.2 Potência do ruído de disparo 39

3.4.1.3 Terceiro cumulante 40

4 Estatística de Contagem e Função Hipergeométrica 43

4.1 Base de funções simétricas 44

4.2 Média no ensemble 46

4.2.1 Cálculo das derivadas 48

(8)

SUMÁRIO viii

4.3 Condutância 49

4.4 Potência do ruído de disparo 53

4.5 Assimetria 56

4.6 Curtose 57

5 Conclusões e Perspectivas 61

A Parametrização de Hurwitz 62

A.1 Implementação do algoritmo em C 63

B Distribuição da potência do ruído de disparo 67

B.1 Ensemble Ortogonal 71

B.2 Ensemble Unitário 71

B.3 Ensemble Simplético 71

C Funções simétricas, polinômios de Jack e função hipergeométrica de

argumento matricial 72

C.1 Conceitos básicos 72

C.1.1 Partição 73

C.2 Funções Simétricas 73

C.2.1 Função simétrica monomial 74

C.2.2 Função simétrica elementar 76

C.2.3 Função simétrica (homogênea) completa 76

C.2.4 Função simétrica soma de potências 77

C.2.5 Função de Schur 78

C.2.6 Polinômios de Jack 79

C.3 Função hipergeométrica de argumento matricial 80

D Resultados Exatos 83

D.1 Momentos dos observáveis na base das funções simétricas elementares 83

D.2 Programa em MapleTM 87

(9)

Lista de Figuras

1.1 (a) Junção de amostras de AlGaAs e GaAs para formação de um gás de elétrons bidimensional. Mostramos o perfil das bandas de condução e valência entre a junção (b) antes e (c) depois da transferência de carga. 2 1.2 Em (a), temos uma micrografia por escaneamento eletrônico de um ponto

quântico construído sobre um 2DEG e em (b), sua visão clássica. O ponto quântico tem analogia clássica a uma cavidade na qual os elétrons são refletidos nas fronteiras, semelhante a uma mesa de bilhar. 3 1.3 Desenho esquemático de um ponto quântico difusivo e um ponto balístico

ligado a dois terminais: (a) um ponto difusivo. Mostra a trajetória de um elétron sendo espalhado elasticamente pelas impurezas. Em (b) um ponto balístico. Há poucas impurezas e os elétrons movem-se balisticamente. Normalmente, um elétron é espalhado várias vezes nas fronteiras do ponto

antes de sair. 5

1.4 (a) Ilustração do uso do gás de elétrons bidimensional para construir um ponto de contato quântico. O ponto de contato quântico é formado quando uma voltagem negativa é aplicada nos eletrodos entre os GaAs e o GaAlAs. (b) Medida da condutância vs voltagem aplicada na constrição. 6 1.5 Condutância medida em T = 50mK para (a) um ponto quântico em forma

de um bilhar tipo stadium e (b) uma cavidade em forma circular. As inserções mostram a geometria das cavidades, que são fabricadas no gás de elétrons bidimensional de uma heteroestrutura de GaAs/AlGaAs. 7 1.6 (a) Flutuação da condutância como função do campo magnético

perpen-dicular aplicado em um fio de ouro de 310 nm de comprimento e 25 nm de largura, a T = 10 mK. (b) Condutância G medida em uma cavidade balística caótica como uma função de kF. A condutância cresce com o

aumento de kF, mas a magnitude da flutuação é constante da ordem de

e2/h. 8

2.1 Visão esquemática de um ponto quântico conectado a dois guias ideais. As setas dentro dos guias de onda representam ondas entrando e saindo da cavidade, como na equação (2.1). Em cada guia pode haver Nℓ ondas

entrando ou saindo; isto é indicado na figura pelos vetores a(ℓ) e b(ℓ),

respectivamente. 10

2.2 Exemplo de um sistema com dois terminais. 16

2.3 Diagrama representando a assimetria positiva e negativa. 20

(10)

LISTA DE FIGURAS x

2.4 Diagrama representado a curtose. 21

2.5 Elétrons incidindo sobre uma barreira de potencial. 22

2.6 Distribuição binomial para N = 15 e τ = 0.4. 22

3.1 (a) O movimento de uma só bola em uma mesa retangular não é caótico. No entanto, (b) a adição de uma segunda bola altera fundamentalmente o movimento da primeira, mesmo que ela seja fixa. Em geral, um bilhar qualquer, mesmo com uma forma pouco irregular, será caótico (c). 27 3.2 Os níveis de energia para o bilhar Sinai, em comparação com os do

En-semble Ortogonal Gaussiano e a estatística Poissoniana. 28

3.3 Cavidade balística caótica. 30

3.4 Em cima: simulação numérica usando o algoritmo de Hurwitz para con-dutância, com N1 = N2 = 2 e β = 1. Em baixo, temos a potência do

ruído de disparo para N1 = N2 = 1 e β = 2. Cada círculo (esquerda)

representa uma realização do algoritmo. No lado direito da figura, temos o histograma dos dados, comparando-o com o resultado exato da distribuição

desses observáveis (linha em vermelho). 35

3.5 Distribuição da condutância para N1 = N2 = 1 e β = 1, 2 e 4,

respectiva-mente. 38

3.6 Distribuição da condutância para N1 = N2 = 2 e β = 1, 2 e 4,

respectiva-mente. 38

3.7 Distribuição da potência do ruído de disparo para m = 0, N1 = N2 =

1 e β = 1, 2 e 4, respectivamente. A linha em vermelho representa o resultado exato dado pela equação (3.41) enquanto o histograma representa a simulação numérica utilizando o algoritmo de Hurwitz. 39 3.8 Distribuição da potência do ruído de disparo para N1 = N2 = 2 e β = 1, 2

e 4, respectivamente. 40

3.9 Terceiro cumulante κ = τ (1− τ)(1 − 2τ) e a inversa τ = τ(κ). Note que os três ramos da inversa estão mostrados em cores diferentes: τ1 (vermelho),

τ2 (verde) e τ3 (azul). 41

3.10 Distribuição do terceiro cumulante para N1 = N2 = 1 e β = 1, 2 e 4,

respectivamente. 42

4.1 Quatro primeiros cumulantes da condutância de uma cavidade caótica como função do número de canais abertos em cada guia. No caso es-pecífico, consideramos cavidades simétricas (N1 = N2 = n) para as três

ensambles de Wigner-Dyson 51

4.2 Distribuição da condutância. Os pontos pretos são dados numéricos, ge-rados utilizando o algoritmo de Hurwitz, enquanto as linhas vermelhas e verdes correspondem ao resultado exato e a expansão de Edgeworth, respectivamente. As linhas (de cima para baixo) correspondem aos três ensembles de Dyson (β = 1, 2 e 4, respectivamente), enquanto as colunas (da esquerda para direita) correspondem a n = 1, 2 e 3. 52

(11)

LISTA DE FIGURAS xi

4.3 Comparação entre a expansão de Edgeworth e a simulação numérica usando o algoritmo de Hurwitz para sistemas com simetria de reversão temporal (β = 1). Mantemos o número de canais abertos fixo N1 em um dos guias e

variamos o outro. Em (a), N1 = 2 e N2 ={2, 3, 4, 5} enquanto em (b)

ado-tamos N1 = 3 e N2 ={2, 3, 4, 5}. As linhas sólidas representam a expansão

de Edgeworth enquanto os pontos representam a simulação numérica. 53 4.4 Quatro primeiros cumulantes da potência do ruído de disparo de uma

cavidade caótica como função do número de canais abertos em cada guia. No caso específico, consideramos cavidades simétricas (N1 = N2 = n) para

três ensambles da TMA. 55

4.5 Distribuição da potência do ruído de disparo. Os pontos pretos são dados numéricos, gerados utilizando o algoritmo de Hurwitz, enquanto as linhas vermelhas e verdes correspondem ao resultado exato e a expansão de Ed-geworth, respectivamente. As linhas (de cima para baixo) correspondem aos três ensembles de Dyson (β = 1, 2 e 4, respectivamente), enquanto as colunas (da esquerda para direita) correspondem a n = 1, 2 e 3. 56 4.6 Média dos quatro primeiros cumulantes do assimetria (skewness) de uma

cavidade caótica como função do número de canais abertos em cada guia. No caso específico, consideramos cavidades simétricas (N1 = N2 = n) para

três ensambles da TMA. 58

4.7 Distribuição da assimetria da estatística de contagem de carga. Os pontos pretos são dados numéricos, gerados utilizando o algoritmo de Hurwitz, enquanto as linhas verdes correspondem ao resultado da expansão de Ed-geworth. As linhas (de cima para baixo) correspondem aos três ensembles de Dyson (β = 1, 2 e 4, respectivamente), enquanto as colunas (da esquerda

para direita) correspondem a n = 1, 2 e 3. 59

4.8 Média dos quatro primeiros cumulantes do curtose (kurtosis) de uma ca-vidade caótica como função do número de canais abertos em cada guia. No caso específico, consideramos cavidades simétricas (N1 = N2 = n) para

três ensambles da TMA. 60

4.9 Distribuição da curtose. Os pontos pretos são dados numéricos, gerados utilizando o algoritmo de Hurwitz, enquanto as linhas verdes correspondem ao resultado da expansão de Edgeworth.As linhas (de cima para baixo) cor-respondem aos índices β = 1, 2 e 4, respectivamente, enquanto as colunas (da esquerda para direita) correspondem a n = 1, 2, 3 e 4. 60

B.1 Potência do ruído de disparo p = τ (1− τ) e a inversa τ = τ(p). Note que os dois ramos da inversa estão mostrados em cores diferentes: τ(+) (azul)

e τ(−) (vermelho). 67

B.2 Regiões de integração nas variáveis τ12 (esqueda) e u, v (direita) 68

B.3 Mudança no domínio de integração induzida pela transformação (B.14). 69

C.1 Diagramas de Young para a partição λ = (4, 2, 2, 1) e sua partição

(12)

Lista de Tabelas

1.1 Ordem de grandeza de algumas escalas de comprimento relevantes. 4

3.1 Resumo dos três ensembles de Wigner-Dyson. A matriz hamiltoniana H (e sua matriz de autovetores U) são classificadas por um índice de β ∈

{1, 2, 4}, dependendo da presença ou ausência de inversão de tempo (SRT)

e simetria de rotação de spin semi-inteiro (SRS). 30 3.2 Classificação de Dyson dos ensembles circulares. 31

C.1 Funções simétricas monomiais com peso |λ| ≤ 3 e quatro variáveis. 75 C.2 Correspondência entre funções simétricas monomiais e elementares com

peso|λ| ≤ 4. 76

C.3 Correspondência entre funções simétricas monomiais e as homogêneas

com-pletas com peso|λ| ≤ 4. 77

C.4 Correspondência entre funções simétricas monomiais e as funções de Schur

com peso|λ| ≤ 4. 79

C.5 Polinômios de Jack com peso |λ| ≤ 3. 81

(13)

Capítulo 1

Introdução

“O começo é a parte mais difícil do trabalho.” — PLATÃO

É bem conhecido que a condutância de um condutor retangular bidimensional macroscópico é proporcional a sua largura (W ) e inversamente proporcional ao seu com-primento (L). Ou seja,

G = σW

L , (1.1)

onde σ é a condutividade, que é uma propriedade intrínseca do material. As propriedades de transporte (como condutividade elétrica e térmica, viscosidade, etc.) em sistemas macroscópicos são descritas através da equação de transporte de Boltzmann. Sistemas microscópicos são descritos pelas leis da mecânica quântica.

Condutores com suas dimensões intermediárias entre o microscópico e o macroscópico são chamados de mesoscópicos. Eles são muito maiores que objetos microscópicos, como átomos e moléculas, mas não são grandes o suficiente para serem dispositivos ôhmicos. Um condutor normalmente exibe comportamento ôhmico se suas dimensões são muito maiores que três escalas de comprimento características: o comprimento de onda de de Broglie, o caminho livre médio e o comprimento de relaxação de fase. Mais adiante falaremos com mais detalhes sobre essas escalas de comprimento.

Nesta dissertação, investigamos propriedades de transporte em sistemas mesoscópicos. Nos últimos 30 anos, a miniaturização de dispositivos eletrônicos influenciou fortemente a evolução tecnológica. Basta pensar no progresso feito em comunicação, tecnologia ou das melhorias em computadores pessoais. Um computador pessoal hoje é capaz de resolver tarefas numéricas bastante sofisticadas, que na década de 1970 poderia ser solucionada apenas por supercomputadores. O atual interesse em sistemas mesoscópicos deve-se a isto: a crescente miniaturização de dispositivos eletrônicos e a produção de materiais com capacidade de armazenar informação em altas densidades [1].

Dispositivos mesoscópicos apresentam novos fenômenos que não podem ser explicados pela física clássica, mas são grandes demais para serem descritos pelos modelos microscó-picos. Eles apresentam características tanto clássicas quanto quânticas, exigindo, assim, uma nova teoria que mescle esses conceitos.

Os trabalhos com condutores mesoscópicos são em grande parte baseados na hetero-estrutura de GaAs/AlGaAs (asceneto de gálio e asceneto de gálio dopado com alumínio) na qual uma fina camada de condução é formada na interface desses heterocompostos

(14)

1.1 REGIME DE TRANSPORTE 2

semicondutores. Os elétrons são confinados na interface entre o GaAs e AlGaAs, onde se movem sem perder coerência de fase. Essa estrutura é conhecida como gás de elétrons bidimensional - 2DEG [2]. A figura1.1 mostra um diagrama esquemático do 2DEG. Em ambos os materiais o nível de Fermi localiza-se dentro do gap de energia. No entanto, o gap é mais largo no AlGaAs que no GaAs e o nível de Fermi do AlGaAs está acima do nível de Fermi do GaAs. Consequentemente, elétrons saltam do AlGaAs deixando-o carregado positivamente. Este espaço deixado pelas cargas faz com que surja um poten-cial eletrostático que faz com que a banda se curve como mostrado na figura 1.1(c). No equilíbrio, a energia de Fermi é constante em toda parte e, na região entre a heteroestru-tura, aparece um poço de potencial que deixa os elétrons confinados (para detalhes das principais técnicas empregadas na construção destes dispositivos, ver a referência [3]).

Figura 1.1 (a) Junção de amostras de AlGaAs e GaAs para formação de um gás de elétrons bidimensional. Mostramos o perfil das bandas de condução e valência entre a junção (b) antes e (c) depois da transferência de carga.

O sistema mesoscópico de nosso interesse é o ponto quântico, ilustrado na figura 1.2. Pontos quânticos são tipicamente construídos através da formação de um gás de elétrons bidimensional na região de interface de heteroestruturas semicondutoras, na qual aplica-se um potencial eletrostático em alguns pontos para limitar ainda mais os elétrons a uma pequena região (“ponto”) no plano da interface. As propriedades de transporte de um ponto quântico podem ser medidas pelo acoplamento de guias de onda fazendo com que uma corrente passe através do ponto.

1.1

Regime de transporte

Como vimos, dispositivos mesoscópicos situam-se entre o microscópico e o macroscó-pico, apresentando efeitos clássicos presentes em sistemas macroscópicos e efeitos quân-ticos, presentes no mundo microscópico. Para tratarmos de transporte nessas nanoes-truturas devemos levar em consideração as escalas de comprimento relevantes, escalas estas importantes para caracterizar o fenômeno. Sendo assim, iremos conceituar esses comprimentos característicos.

Comprimento do sistema: Vamos rotular por L o comprimento do sistema, que é paralelo a direção da corrente e perpendicular a largura W . A largura, por sua vez também é perpendicular a direção da corrente.

(15)

1.1 REGIME DE TRANSPORTE 3

Figura 1.2 Em (a), temos uma micrografia por escaneamento eletrônico de um ponto quântico construído sobre um 2DEG e em (b), sua visão clássica. O ponto quântico tem analogia clássica a uma cavidade na qual os elétrons são refletidos nas fronteiras, semelhante a uma mesa de bilhar. Figuras retiradas da referência [4].

Comprimento de onda de Fermi (λF): Está relacionado com a energia de Fermi

e é dado por:

λF =

2mEF

. (1.2)

Em baixas temperaturas, apenas elétrons com energia próximas a de Fermi participam do transporte. Esta é a menor escala de comprimento.

Caminho livre médio elástico (l): É a distância média percorrida por um elétron até que seu momento inicial seja modificado, ou seja, é a distância média entre duas colisões elásticas.

Comprimento de localização (ξ): Determina a extensão espacial das funções de onda eletrônicas. Para condutores a função de onda se estende por toda a amostra, enquanto que em isolantes a função é localizada e decai exponencialmente a partir do centro de localização.

Comprimento de coerência de fase (Lϕ): Esta escala de comprimento é inerente

à mecânica quântica. É a distância média percorrida por um elétron até que a fase da função de onda que o descreve seja perdida. Fundamentalmente é esse comprimento que caracteriza os processos de transporte em condutores mesoscópicos. É importante enfatizar que, ao se mover dentro de um condutor, um elétron poderá sofrer espalhamentos elásticos. Entretanto, tais espalhamentos não influenciarão na fase da função de onda eletrônica, visto que há conservação do momento e da energia do elétron.

Um sistema é dito mesoscópico, então, quando o comprimento de coerência de fase do elétron é maior ou comparável ao tamanho do sistema L. A coerência de fase é

afetada pelo acoplamento do elétron com o seu ambiente, e os processos de quebra de fase envolvem uma mudança no estado do ambiente. Na maioria dos casos, a coerência de fase é perdida em espalhamentos inelásticos como, por exemplo, com outros elétrons ou fônons. Lϕ aumenta rapidamente com o decréscimo da temperatura, e para L∼ 1µm,

um sistema aberto tipicamente se torna mesoscópico abaixo de 100mK [5].

Em geral, para amostras em baixas temperaturas, temos λF < l < ξ < Lϕ. Nesse

(16)

1.1 REGIME DE TRANSPORTE 4

Balístico: O comprimento da amostra é menor do que o livre caminho médio (L < l). Nesse caso, o elétron se desloca praticamente sem sofrer colisões.

Difusivo: O comprimento da amostra é maior que o livre caminho médio e menor que o comprimento de localização (l < L < ξ). Este regime é caracterizado pelas diversas colisões elásticas que o elétron sofre. O comprimento de coerência de fase é dado por =

Dτϕ, onde D é a constante de difusão e τϕ o tempo de coerência de fase.

Localizado: O comprimento da amostra encontra-se entre o comprimento de locali-zação e o comprimento de coerência de fase (ξ < L < Lϕ). Esse regime é assim chamado

pois as funções de onda eletrônicas ficam localizadas de modo que a amostra se comporta como isolante.

A tabela 1.1 mostra a ordem de grandeza de algumas das escalas características dis-cutidas no texto.

1 mm

l no regime Hall quântico 100 µm

l e Lϕ em semicondutores com alta mobilidade

10 µm 1 µm

Dispositivos semicondutores comerciais (1990) 100 nm

λF em semicondutores

l em filmes metálicos policristalinos 10 nm

1 nm

λF em metais

Distância entre átomos 1 Å

Tabela 1.1 Ordem de grandeza de algumas escalas de comprimento relevantes. Tabela baseada na referência [2].

O campo de estudos da física mesoscópica teve origem em sistemas desordenados nos quais o movimento do elétron era difusivo, ou seja, l é pequeno em relação a L. No final de 1980, tornou-se possível a produção de microestruturas semicondutoras de alta mobilidade suficientemente pequenas e livres de impurezas para assegurar que o caminho livre médio l seja maior que o tamanho do dispositivo L. Tais dispositivos são denominados balísticos.

O objeto de estudo desta dissertação é o ponto quântico balístico conectado ao meio externo por dois guias ideais (ver figura 1.3(b)). O transporte em pontos quânticos balísticos são dominados pelo espalhamento eletrônico não de impurezas, mas pelos limites

(17)

1.2 FENÔMENOS EM SISTEMAS MESOSCÓPICOS 5

da estrutura. A maioria das pesquisas experimentais em pontos quânticos está focada em pontos balísticos.

(a) Ponto quântico difusivo (b) Ponto quântico balístico

Figura 1.3 Desenho esquemático de um ponto quântico difusivo e um ponto balístico ligado a dois terminais: (a) um ponto difusivo, mostra a trajetória de um elétron sendo espalhado elasticamente pelas impurezas. Em (b) um ponto balístico. Há poucas impurezas e os elétrons movem-se balisticamente. Normalmente, um elétron é espalhado várias vezes nas fronteiras do ponto antes de sair. Figura adaptada da referência [5].

No passado, os estudos experimentais de fenômenos quânticos em sistemas mesoscópi-cos estavam limitados a sistemas naturais, tais como átomos e núcleos. Pontos quântimesoscópi-cos são estruturas artificiais pequenas o suficiente para serem governadas pelas leis da me-cânica quântica. A vantagem desses sistemas artificiais reside na possibilidade de medir suas propriedades de transporte de forma direta, tais como a resistência dos pontos de contato, o número de elétrons no ponto, o tamanho e a forma do ponto, tudo sob o con-trole experimental. Além disso, o efeito da quebra de simetria de reversão temporal é simplesmente medido através da aplicação de um campo magnético.

1.2

Fenômenos em sistemas mesoscópicos

Alguns fenômenos são intrínsecos da física mesoscópica, tais como: a aparição da característica ondulatória dos elétrons na descrição das propriedades de transporte, o transporte com coerência de fase eletrônica por distâncias comparadas ao comprimento do sistema, o processo de condução ser visto como um processo de transmissão, a quan-tização da condutância em múltiplos inteiros de um valor universal, o comportamento não ôhmico, a flutuação universal da condutância vista no regime difusivo, os processos de localização fraca, as oscilações da condutância no efeito Aharonov-Bohm, as contri-buições dos estados localizados e estados estendidos para condutividade e o surgimento de estados da borda no efeito Hall quântico, dentre outros fenômenos concernentes a supercondutores mesoscópicos. Falaremos brevemente de alguns deles.

1.2.1

Quantização da condutância

A quantização da condutância foi primeiramente observada em heteroestruturas como a da figura1.1 em 1988 [2]. Na interface dessa heteroestrutura são introduzidos eletrodos

(18)

1.2 FENÔMENOS EM SISTEMAS MESOSCÓPICOS 6

que tem como objetivo “separar” em duas partes o 2DEG (ver figura 1.4(a)). Este dispo-sitivo é conhecido como ponto de contato quântico. Quando uma diferença de potencial é aplicada na amostra, surge uma corrente elétrica I = GV , onde G é a condutância. A

Figura 1.4 (a) Ilustração do uso do gás de elétrons bidimensional para construir um ponto de contato quântico. O ponto de contato quântico é formado quando uma voltagem negativa é aplicada nos eletrodos entre os GaAs e o GaAlAs. (b) Medida da condutância vs voltagem aplicada na constrição. Figuras adaptadas das referências [6] e [2], respectivamente.

largura da constrição W pode ser controlada através da voltagem aplicada aos eletrodos. Observa-se que, a medida que a largura W da constrição diminui, a condutância decresce na forma de degraus (ver figura 1.4(b)) onde cada degrau tem altura do quantum de condutância (G0 = 2e2/h). Ou seja, a condutância do sistema é

G = G0N (1.3)

onde N é o número de canais abertos e está relacionado com a largura da constrição por N = int ( kFW π ) , (1.4)

onde kF é o módulo do vetor de onda de Fermi. Nos metais, kF é muito grande, fazendo

com que N ≫ 1 (resistência elétrica baixa). Já em semicondutores, o comprimento de onda de Fermi é tipicamente ∼ 30 nm, o que permite que o fator kFW seja bem menor

que no caso dos metais, permitindo a observação desses degraus.

1.2.2

Localização Fraca

Quando o transporte em uma amostra mesoscópica é difusivo e sua temperatura é baixa o suficiente para que o comprimento de coerência de fase seja bem maior que suas dimensões, observamos efeitos de interferência quântica em suas propriedades de trans-porte. Essas interferências entre trajetórias revertidas no tempo faz com que o valor da

(19)

1.3 SUMÁRIO GERAL 7

condutância flutue e tenha uma correção em relação ao seu valor clássico. Essas correções quânticas devido aos efeitos de interferência podem ser destrutivas (localização fraca) ou construtivas (anti-localização fraca) e são efeitos da simetria de reversão temporal, o qual pode ser anulado aplicando um campo magnético, levando a uma quebra de simetria, de modo que à medida que a amplitude do campo magnético aumenta a condutância do sistema se aproxima do seu valor clássico. A figura 1.5 mostra o efeito de localização fraca.

Figura 1.5 Condutância medida em T = 50mK para (a) um ponto quântico em forma de um bilhar tipo stadium e (b) uma cavidade em forma circular. As inserções mostram a geometria das cavidades, que são fabricadas no gás de elétrons bidimensional de uma heteroestrutura de GaAs/AlGaAs. Figura retirada da referência [7].

1.2.3

Flutuação universal da condutância

A interferência quântica leva a significativas mudanças da condutância a baixas tempe-raturas, mesmo em amostras idênticas, feitas de mesmo material e pelo mesmo processo. Isso se deve ao fato de que, embora as amostras tenham sido feitas da mesma maneira, o padrão de impurezas difere, pois não há como controlar essa configuração. Essas flutua-ções podem também ser observada em uma única amostra variando-se o campo magnético aplicado, uma vez que uma pequena alteração no campo tem um efeito semelhante a mu-dança de configuração sobre o padrão de interferência [7]. A figura1.6mostra a flutuação da condutância (a) em termos do campo magnético e (b) em termos do módulo do vetor de onda de Fermi.

1.3

Sumário geral

Vimos neste capítulo uma breve revisão sobre os conceitos que envolvem o transporte quântico em sistemas mesoscópicos. Vimos como um ponto quântico é construído e a diferença entre o regime balístico, difusivo e localizado.

(20)

1.3 SUMÁRIO GERAL 8

Figura 1.6 (a) Flutuação da condutância como função do campo magnético perpendicular aplicado em um fio de ouro de 310 nm de comprimento e 25 nm de largura, a T = 10 mK. (b) Condutância G medida em uma cavidade balística caótica como uma função de kF. A

condutância cresce com o aumento de kF, mas a magnitude da flutuação é constante da ordem

de e2/h. Figuras retiradas das referências [7] e [5], respectivamente.

No próximo capítulo definiremos a matriz de espalhamento de um ponto quântico e mostraremos como as simetrias do sistema físico influenciam na sua estrutura. Abor-daremos o formalismo de Landauer, que relaciona as propriedades de transporte de um sistema quântico com sua matriz de espalhamento. Em seguida, falaremos da estatística de contagem de carga e qual a sua relação com os observáveis de transporte.

Iniciamos o capítulo 3 com uma revisão sobre teoria de matrizes aleatórias e vere-mos como aplicá-la em problemas de espalhamento quântico. Verevere-mos como abordar o problema analiticamente e numericamente.

No capítulo 4 desenvolvemos um método analítico para o cálculo exato de qualquer momento dos observáveis de transporte. De posse destes resultados, construiremos dis-tribuições aproximadas desses observáveis.

(21)

Capítulo 2

Formalismo de Espalhamento

De acordo com o formalismo da mecânica quântica, partículas também apresentam propriedades ondulatórias. No entanto, para que este comportamento seja perceptível é necessário que a escala espacial seja da mesma ordem que o comprimento de onda asso-ciado a essas partículas. O comprimento de onda de elétrons, por exemplo, é uma fração de um nanômetro em metais e pode atingir uma fração de um micrômetro em semicon-dutores [8]. Nesse caso, as propriedades ondulatórias dos elétrons em nanoestruturas são relevantes na caracterização da dinâmica do sistema.

Neste capítulo, estudamos o transporte de elétrons em pontos quânticos via matriz de espalhamento. A idéia básica da abordagem do espalhamento é relacionar as propriedades de transporte do sistema, como a condutância e as flutuações da corrente, com sua matriz de espalhamento, ou seja, com as amplitudes (probabilidades) de transmissão e reflexão. Para tal, iniciaremos definindo a matriz de espalhamento e, logo em seguida, mostramos como as simetrias do sistema físico influenciam em sua estrutura. Feito isso, apresentamos o formalismo de Landauer, que relaciona as propriedades de transporte com a matriz de espalhamento. Por fim, exploramos a estatística de contagem de carga.

2.1

Definição da matriz de espalhamento

Na figura 2.1, mostramos uma amostra mesoscópica conectada a dois guias ideais. Nós estamos interessados em estudar o espalhamento de um elétron na energia de Fermi ϵF = ℏ2kF2/2m. Por simplicidade não levaremos em conta o grau de liberdade de spin

no que se segue. O ℓ-ésimo guia (ℓ = 1, 2) tem largura Wℓ. O confinamento transversal

nos guias produz modos discretos, ou canais, de propagação. Em cada guia introdu-zimos um sistema de coordenadas x e y referente a direção longitudinal e transversal, respectivamente.

A solução da equação de Schrödinger é uma combinação de ondas planas entrando e saindo da cavidade. A função de onda no ℓ-ésimo guia é do tipo

Ψn(⃗rℓ)∝ e±ik

(ℓ)

n xℓχ

n(yℓ) (2.1)

onde o sinal positivo (negativo) é para ondas saindo (entrando) da (na) cavidade. Na ausência de um campo magnético externo as funções χn(yℓ), solução transversal,

são χn(yℓ) = √ 2 Wℓ sen(Kn(ℓ)yℓ) ∴ Kn(ℓ) = Wℓ , n = 1, 2 . . . , (2.2) 9

(22)

2.1 DEFINIÇÃO DA MATRIZ DE ESPALHAMENTO 10

Figura 2.1 Visão esquemática de um ponto quântico conectado a dois guias ideais. As setas dentro dos guias de onda representam ondas entrando e saindo da cavidade, como na equação (2.1). Em cada guia pode haver Nℓ ondas entrando ou saindo; isto é indicado na figura pelos

vetores a(ℓ) e b(ℓ), respectivamente.

onde Kn(ℓ) é o ‘número de onda transversal’. As funções χn(yℓ) vão a zero nas paredes dos

guias e formam um conjunto ortonormal completo de funções para variável yℓ; isto é

⟨χn|χm⟩ = δnm. (2.3)

Os números de onda longitudinal e transversal satisfazem a relação [ Kn(ℓ)]2+[k(ℓ)n ]2 = kF2. (2.4) Se Kn(ℓ) < kF, então [ kn(ℓ) ]2

> 0, kn(ℓ) é real, e as exponenciais na equação (2.1)

representam ondas propagantes nos guias: são os modos propagantes ou canais abertos. Por outro lado, quando Kn(ℓ) > kF, então

[ k(ℓ)n

]2

< 0, k(ℓ)n é imaginário, dando origem

a ondas que decaem exponencialmente nos guias: estes são os modos evanescentes ou canais fechados. Se

Nℓ < kFWℓ/π < Nℓ+ 1 (2.5)

há Nℓ canais abertos no guia ℓ. Longe da cavidade, ou seja, para xℓ → ∞, apenas os

canais abertos contribuem para a função de onda. A forma mais geral da função de onda no guia ℓ deve ser uma combinação linear

Ψ(⃗rℓ) = Nℓn=1 ϕn(xℓ)χn(yℓ) = Nℓn=1 [ a(ℓ)n e −ik(ℓ) n xℓ (ℏk(ℓ)n /m)1/2 + b(ℓ)n e ikn(ℓ)xℓ (ℏkn(ℓ)/m)1/2 ] χn(yℓ). (2.6)

A normalização é tal que dá origem a um fluxo unitário [9].

Usando a equação de Schrödinger dependente do tempo podemos facilmente derivar a equação da continuidade

∂ρ

(23)

2.1 DEFINIÇÃO DA MATRIZ DE ESPALHAMENTO 11

onde ρ(⃗r, t) é a densidade de probabilidade |Ψ|2 e ⃗J é a densidade de corrente. Para o ℓ-ésimo guia, a densidade de corrente é dada por

jℓ ≡ − i2mWℓ 0 [ Ψ†(⃗rℓ) ∂Ψ(⃗rℓ) ∂xℓ ∂Ψ†(⃗rℓ) ∂xℓ Ψ(⃗rℓ) ] xℓ=0 dyℓ = ℏ mIm ∫ Wℓ 0 [ Ψ†(⃗rℓ) ∂Ψ(⃗rℓ) ∂xℓ ] xℓ=0 dyℓ. (2.8) Percebendo que [ Ψ†(⃗rℓ) ∂Ψ(⃗rℓ) ∂xℓ ] xℓ=0 =∑ jj′ [ ϕ∗j(xℓ) ∂ϕj′(xℓ) ∂xℓ ] xℓ=0 χj(yℓ)χj′(yℓ) (2.9)

e usando a relação de ortogonalidade (2.3), temos

jℓ = ℏ mIm Nℓj=1 [ ϕ∗j(xℓ) ∂ϕj(xℓ) ∂xℓ ] xℓ=0 = Nℓn=1 ( b(ℓ) n 2 a(ℓ)n 2 ) . (2.10)

Definimos o vetor Nℓ-dimensional

a(ℓ) = (a(ℓ)1 , . . . , a(ℓ)N

)

T (2.11)

que contém as Nℓ amplitudes entrantes no guia ℓ (ℓ = 1, 2). Concatenando os a(ℓ)

formamos o vetor

a = (a(1), a(2))T (2.12)

associado as ondas entrantes em todos os canais nos dois guias. Similarmente, podemos definir o vetor b, relacionado com as ondas saindo nos guias. A matriz de espalhamento, ou matriz S, é definida pela relação

b =Sa (2.13)

conectando as amplitudes de entrada e saída. No nosso caso, a matriz S tem a seguinte estrutura de blocos S = ( s11 s12 s21 s22 ) ( r t′ t r′ ) . (2.14)

Aqui, sℓℓé uma matriz Nℓ×Nℓ contendo as amplitudes de reflexão dos Nℓcanais do guia ℓ

de volta para ele mesmo; sℓm, com ℓ̸= m, é uma matriz Nℓ× Nm contendo as amplitudes

de transmissão dos Nℓ canais do guia ℓ para os Nm canais do guia m. A matrizS é então

(24)

2.2 SIMETRIAS DA MATRIZ S 12

2.2

Simetrias da Matriz

S

2.2.1

Conservação de corrente

A conservação de de corrente implica

jℓ = 0, (2.15) ou seja, ∑ Nℓn=1 b(ℓ)n 2 =∑ Nℓn=1 a(ℓ)n 2. (2.16) Usando os vetores a e b definidos pela equação (2.12), a equação (2.16) pode ser escrita em uma forma matricial

bb = aa†. (2.17)

Da definição da matriz de espalhamento (2.13), concluímos que

SS†=1, (2.18)

ou seja, a conservação de corrente implica na unitariedade da matriz S. Na ausência de qualquer outra simetria este é o único vínculo.

Considerando os blocos de matrizes da matriz de espalhamento (2.14), obtemos as seguintes relações

r†r + t†t = 1 (2.19)

r′†r′+ t′†t′ = 1 (2.20)

r†t′+ t†r′ = 0 (2.21)

r′†t + t′†r = 0. (2.22)

Temos ainda como consequência da unitariedade da matriz S que as quatro matrizes Hermitianas tt†, t′t′†, 1− rr† e 1− r′r′† tem os mesmos autovalores 1, τ2, . . . , τN} [7].

Cada um desses N “autovalores de transmissão”, onde N =min(N1, N2), é um número real compreendido entre 0 e 1.

2.2.2

Reversão temporal

As leis da mecânica clássica são invariantes quando fazemos a transformação t −t. De fato, como a segunda lei de Newton é de segunda ordem no tempo, se r(t) é uma trajetória possível para uma partícula, então a trajetória revertida no tempo r(−t) também é possível. Essa solução revertida no tempo tem momentum p(−t) = −p(t) e pode ser entendida como a visualização de um filme do movimento descrito por r(t) rodado para trás.

(25)

2.2 SIMETRIAS DA MATRIZ S 13

Em mecânica quântica, operações de simetria são representadas por operadores. O operador de reversão temporal Θ é definido por

rev(−t)⟩ = Θ|ψ(t)⟩. (2.23)

Analogamente ao caso clássico, o operador de reversão temporal não altera o operador posição ⃗R, mas troca o sinal do operador momentum ⃗P . Dessa forma, devemos ter [10,11]

Θ ⃗RΘ† = R,⃗ (2.24)

Θ ⃗P Θ† = − ⃗P . (2.25)

Dessas equações conclui-se que a ação do operador de reversão temporal altera o sinal da relação de comutação entre posição e momentum

Θ[Xj, Pl=−[Xj, Pl], (2.26)

e, consequentemente, que Θ satisfaz

ΘiΘ† =−i1. (2.27)

Portanto, um o operador de reversão temporal é anti-unitário.

Para estudar sistemas em que o hamiltoniano é invariante sob reversão temporal (IRT)

[H, Θ] = 0 (2.28)

e avaliar os vínculos impostos por essa simetria à matriz de espalhamento, vamos tratar os casos de partículas sem spin e com spin 1/2 separadamente.

• Partículas sem spin

Em situações que o spin não é relevante, o operador de reversão temporal na repre-sentação de coordenadas pode ser escrito apenas como

Θ = C (2.29)

onde C denota o operador de conjugação complexa. Portanto, a ação do operador de reversão temporal sobre a função de onda é simplesmente a conjugação complexa, ou seja, para uma dada solução Ψ(⃗r) da equação de Schröndinger independente do tempo, sua conjugada Ψ∗(⃗r) é solução da equação revertida no tempo. Na base de espalhamento, esta conjugação inverte o sentido de propagação das ondas nos guias, de modo que a matriz de espalhamento fica

a =Srevb (2.30)

a partir da qual

(26)

2.2 SIMETRIAS DA MATRIZ S 14

Comparando com a equação (2.13) e usando o fato do sistema preservar a simetria de reversão temporal, i.e. Srev =S, encontramos

S = (S∗)−1 ou SS =1. (2.32)

Essa equação, juntamente com a relação de unitariedade (2.18) fornece

S = ST. (2.33)

Ou seja, a matriz de espalhamento é real e simétrica. • Partículas de spin 1/2

Em algumas situações o spin das partículas não pode ser ignorado, como no caso de forte interação spin-órbita ou a presença de impurezas magnéticas [7]. Levando em conta o grau de liberdade de spin, a função de onda é representada por um spinor

Ψ(⃗r) = ( ψ(⃗r) ψ(⃗r) ) . (2.34)

O operador de reversão temporal, por sua vez, é representado por [10,12]

Θ = iσyC, (2.35)

onde σy é a segunda matriz de Pauli e C denota o operador de conjugação complexa. A

ação de (2.35) sobre o spinor (2.34) é dada por

Ψrev = ΘΨ = ( 0 1 −1 0 ) ( ψ∗(⃗r) ψ∗(⃗r) ) = ( ψ∗(⃗r) −ψ∗ ↑(⃗r) ) . (2.36)

Portanto, além de conjugar as componentes, a reversão temporal inverte o estado do spin. Descrevendo os estados de espalhamento nos guias por spinores, podemos reescrever a equação (2.6) como Ψ(⃗r) = Nℓn=1 [( a(ℓ)n, a(ℓ)n, ) e−ik(ℓ)n xℓ (ℏk(ℓ)n /m)1/2 + ( b(ℓ)n, b(ℓ)n, ) eikn(ℓ)xℓ (ℏkn(ℓ)/m)1/2 ] . (2.37)

Podemos reunir as ondas planas que entram e saem do sistema

a = ( a(1)1,, a(1)1,, . . . , a(1)N 1,↑, a (1) N1,↓, a (2) 1,↑, a (2) 1,↓, . . . , a (2) N2,↑, a (2) N2,↓ )T (2.38) b = ( b(1)1,, b(1)1,, . . . , b(1)N 1,↑, a (1) N1,↓, b (2) 1,↑, b (2) 1,↓, . . . , b (2) N2,↑, b (2) N2,↓ )T (2.39) e definir a matriz de espalhamento por

(27)

2.3 A FÓRMULA DE LANDAUER 15

que possui dimensão 2NT × 2NT devido ao grau de liberdade de spin.

Para o sistema revertido no tempo, as ondas trocam o sentido de propagação e o spin é invertido de acordo com (2.36), dessa forma as matrizes de amplitudes se relacionam por ˜ a = Kb∗, (2.41) ˜ b = Ka∗, (2.42) onde K =12NT ⊗ (iσy) =        0 1 −1 0 0 . .. 0 0 1 −1 0        .

Dessa forma, definindo a matriz de espalhamento do sistema revertido no tempo por ˜

b =S˜a, (2.43)

e usando as equações (2.40), (2.41) e (2.42), concluímos que a matriz de espalhamento satisfaz

SKS∗ = K (2.44)

ou ainda

SKS∗KT =1. (2.45)

Os graus de liberdade de spin podem ser acomodados convenientemente no formalismo de quatérnions1. Dessa forma, a matriz S, 2N

T × 2NT, pode ser encarada como uma matriz

NT×NT de quatérnions. Nesta linguagem o vínculo (2.45) pode ser escrito comoSS∗ =1

onde “ * ” indica conjugação complexa quaterniônica. Esta condição, juntamente com o fato da matriz S ser unitária implica em ¯S = S, ou seja, que a matriz é auto-dual2.

2.3

A fórmula de Landauer

O formalismo de Landauer-Büttiker [13,14] relaciona as propriedades de transporte do sistema (em particular, flutuações de corrente) com suas propriedades de espalhamento. A baixa dimensionalidade do condutor torna a característica ondulatória dos elétrons evidente, fazendo com que o processo de condução dos elétrons seja melhor representado por um processo de transmissão da função de onda que descreve esses elétrons. O condutor é modelado por uma cavidade balística, conectada a reservatórios de elétrons por guias ideais (ver figura 2.2). Supõe-se que os reservatórios são tão grandes que podem ser

1Uma matriz Q de quatérnions tem elementos Q

nm = anm1 + ibnmσx+ icnmσy + idnmσz, onde

i =√−1 e σx, σy e σz são as matrizes de Pauli.

2 O dual QR de uma matriz Q de quatérnions tem elementos (QR)

nm = amn1− ibmnσx− icmnσy−

(28)

2.3 A FÓRMULA DE LANDAUER 16

Figura 2.2 Exemplo de um sistema com dois terminais.

caracterizados por uma temperatura Tα e um potencial químico µα, onde α = 1 ou

2 para esquerda ou direita, respectivamente. A função de distribuição de elétrons nos reservatórios, definida via esses parâmetros, são as funções de distribuição de Fermi

fα(E) =

1

e(E−µα)/kBTα+ 1. (2.46)

Os reservatórios atuam como fontes de portadores determinados pela distribuição de Fermi mas também atuam como sumidouros perfeitos de portadores independentemente da energia com que estes portadores deixam o condutor. Seguindo a referência [15], é possível mostrar que o valor esperado (média temporal) do operador corrente é dado por

⟨I⟩ = e

dE Tr[t†(E)t(E)][f1(E)− f2(E)] (2.47) onde t é bloco de transmissão da matriz de espalhamento (2.14).

2.3.1

Condutância

Aplicando uma diferença de potencial V entre os reservatórios, tal que µ1− µ2 = eV , temos a condutância do sistema, que é definida por

G ≡ lim V→0 ⟨I⟩ V = e 2 ℏ ∫ dE ( −∂f ∂E ) Tr[t†(E)t(E)]. (2.48) Em particular, para T = 0, apenas elétrons no nível de Fermi contribuem para a condu-tância. Sendo assim, a equação (2.48) torna-se

G = e 2 ℏ Tr [ t†(EF)t(EF) ] (2.49) que é conhecida como Fórmula de Landauer. Podemos escrever o traço Tr(t†t) =n(t†t)nn =

(29)

2.3 A FÓRMULA DE LANDAUER 17

de transmissão. Devido a relação de unitariedade da matriz de espalhamento devemos ter 0≤ τj ≤ 1. Podemos escrever, então, a condutância adimensional como

g ≡ G/G0 = ∑

j

τj (2.50)

onde G0 ≡ 2e2/h é o quantum de condutância. O fator 2 vem do fato de existirem duas orientações possíveis para o spin [8].

2.3.2

Flutuações da corrente

A corrente através de uma nanoestrutura é, em princípio, dependente do tempo sempre que uma voltagem é aplicada, uma vez que consiste de transferências individuais de elétrons. No transporte quântico, existe muitas fontes de ruído sendo a principal delas o ruído térmico, que causa flutuações na ocupação de níveis de energia. A potência do ruído de disparo, por outro lado, está associada a flutuações no transporte quântico de amplitudes de espalhamento e atua mesmo à temperatura nula. A corrente em um dado instante de tempo é, assim, dada por

I(t) =⟨I(t)⟩ + δI(t). (2.51)

onde δI(t) é o desvio em relação a média. As flutuações da corrente podem ser caracte-rizadas pela função de correlação corrente-corrente

⟨δI(t + t0)δI(t0)⟩. (2.52)

No regime estacionário, a média da corrente não depende do tempo, enquanto a função de correlação depende apenas da diferença temporal t0. É conveniente analisar as flutuações da corrente no domínio da frequência, em termos da transformada de Fourier da função de correlação

P (ω) =

−∞

dt eiωt⟨δI(t + t0)δI(t0)⟩, (2.53) onde P (ω) é a densidade espectral ou potência do espectro. Abaixo discutimos breve-mente sobre as principais fontes de ruído.

• Ruído térmico

À temperatura finita (kBT ≫ e|V |, ℏω), as colisões dos elétrons com as vibrações

da rede e impurezas induzem flutuações nas velocidades e posições desses elétrons. A agitação térmica faz surgir uma flutuação da corrente no condutor e está presente em qualquer sistema, independente da natureza de sua corrente [8]. Esse ruído é chamado de ruído Nyquist-Jonnson ou ruído térmico.

No equilíbrio termodinâmico, o número médio de ocupação⟨n⟩ é determinado pela distribuição de Fermi, f =⟨n⟩. Considerando sistemas fermiônicos, temos n2 = n e encontramos imediatamente que as flutuações do número de ocupação é dada por [15]

⟨(n − ⟨n⟩)2⟩ = f(1 − f).

(30)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 18

Para o problema com dois terminais, é possível mostrar que ruído térmico é dado por [15]

P = 4kBT G, (2.55)

onde T é a temperatura e G é a condutância. Este é o resultado do teorema da flutuação-dissipação [16], que relaciona a condutância com flutuações da corrente de equilíbrio. Assim, a investigação de flutuações da corrente no equilíbrio fornece a mesma informação que a investigação da condutância. Perceba que o ruído térmico vai a zero no limite de temperatura nula.

• Potência do ruído de disparo (T = 0)

Como veremos na próxima seção, a potência do ruído de disparo é o segundo cu-mulante da estatística de contagem de carga e está relacionado com a largura da distribuição de transmissão através do sistema. O ruído de disparo em um condutor é uma consequência da quantização de carga. Sua expressão para o problema de dois terminais é dada por [15]

P = e 3|V |

πTr(tt

rr), (2.56)

onde os elementos da matriz de espalhamento são calculados no nível de Fermi. Definindo P0 = e3|V |/πℏ, temos a potência do ruído de disparo adimensional

p≡ P/P0 = Tr(tt†rr†) = ∑

j

τj(1− τj), (2.57)

onde usamos os autovalores de transmissão. Perceba que o ruído de não-equilíbrio (de disparo) não é simplesmente determinado pela condutância do sistema. Em vez disso, ele é determinado pela soma de produtos das probabilidades de transmissão e reflexão dos autocanais.

Como vimos, o ruído térmico não nos dá nenhuma informação relevante que não esteja contida na condutância. Já a potência do ruído de disparo, relacionada com o segundo momento da corrente, contém mais informações sobre os canais de transmissão que a condutância média. Na próxima seção estudamos momentos (ou cumulantes) de ordem superior, que podem revelar ainda mais informações.

2.4

Estatística de contagem de carga

A estatística de contagem foi inspirada nos trabalhos de Glauber [17] para detecção de fótons em óptica quântica. O objetivo era calcular a probabilidade Pn(T0) de n fótons atingirem um detector no intervalo de tempo T0. Em física mesoscópica, o análogo a contar fótons é contar elétrons. No entanto, existem muitas diferenças entre estas “partículas”.

(31)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 19

Fótons obedecem a estatística de Bose-Einstein, permitindo que vários ocupem o mesmo nível de energia. Já elétrons são férmions e, ao contrário dos fótons, um ou dois elétrons podem ocupar certo nível de energia (princípio da exclusão de Pauli). Além disso, o processo de detecção de fótons é direto, ou seja, eles são absorvidos pelo detector. Todavia, para contar elétrons, precisamos de um processo indireto, pois os elétrons não podem ser absorvidos no ato da contagem. Essas diferenças influenciam a estatística de contagem, a qual se apresenta de uma forma mais complexa para elétrons que para seu análogo óptico.

Levitov e Lesovik [18,19] foram os primeiros a trazerem o conceito de estatística de contagem para a linguagem da física mesoscópica. O principal problema enfrentado pelos autores foi elaborar um método eficiente de detecção de elétrons, além [15]de entender como essa informação poderia ser introduzida no modelo microscópico. O modelo in-troduzido por eles, conhecido como galvanômetro de spin, introduz uma variável de spin fictícia acoplada ao campo magnético gerado pela corrente que atravessa o sistema me-soscópico. Isso faz com que o ângulo de precessão do spin seja proporcional ao número de cargas que atravessa a amostra durante um tempo de observação T0.

Antes de falar da estatística de contagem propriamente dita, vamos lembrar alguns conceitos de mecânica estatística, seguindo a referência [20].

2.4.1

Elementos de teoria de probabilidade

Seja PX(x) a função distribuição de probabilidade (f.d.p.) de uma determinada

variá-vel estocástica X. Se for possívariá-vel determinar PX(x), nós podemos obter toda informação

possível acerca do sistema. Na prática, isso é bastante difícil. No entanto, quando não podemos determinar PX(x), podemos obter as informações do sistema através dos

mo-mentos de X. O m-ésimo momento de X é definido ⟨xm⟩ = ∫ + −∞ dx xm PX(x) ou ⟨xm⟩ = j=1 xmj PX(xj) (2.58)

no caso de x ser uma variável contínua ou discreta, respectivamente.

É conveniente definir a função característica como sendo a transformada de Fourier de PX(x) χ(λ) = ∫ + −∞ dx eiλx PX(x) ou χ(λ) = j=1 eiλxjP X(xj). (2.59)

A relação com os momentos pode ser imediatamente obtida tomando a expansão de eiλx

em série de potências, o que nos dá χ(λ) = m=0 (iλ)m m! ⟨x m⟩. (2.60)

O conhecimento de todos os momentos permite obter χ(λ) através da equação (2.60) e, tomando a transformada de Fourier inversa, é possível determinar PX(x).

(32)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 20

Os momentos de X podem ser obtidos diretamente invertendo a equação (2.60)

⟨xm⟩ = (−i)m [ dmχ dλm ] λ=0 . (2.61)

Os cumulantes de PX(x), Cm(X), são definidos por

Cm =−(i)m [ ∂mΦ(λ) ∂λm ] λ=0 (2.62) onde Φ(λ) = − ln[χ(λ)] = − m=1 (iλ)m m! Cm. (2.63)

Se tomarmos o logaritmo da equação (2.60), expandir em série de potência e comparar com a equação (2.63), obtemos a relação entre os momentos e os cumulantes. Para os quatro primeiros cumulantes temos

C1 = ⟨x⟩ (2.64)

C2 = ⟨x2⟩ − ⟨x⟩2 (2.65)

C3 = ⟨x3⟩ − 3⟨x⟩⟨x2⟩ + 2⟨x⟩3 (2.66)

C4 = ⟨x4⟩ − 3⟨x22− 4⟨x⟩⟨x3⟩ + 12⟨x⟩2⟨x2⟩ − 6⟨x⟩4. (2.67) O primeiro cumulante é a média da distribuição de probabilidade. O segundo cumu-lante é a variância, quantidade que caracteriza a largura da f.d.p. O terceiro cumucumu-lante é a assimetria da f.d.p. e é positiva (negativa) quando a cauda longa está a direita (es-querda) da média (ver figura2.3). O quarto cumulante é a curtose, fornece uma medida do achatamento ou “agudeza” da função em relação à distribuição normal. F.d.p’s com curtose positiva tem um pico agudo, enquanto distribuições com curtose negativa tem um pico mais arredondado em relação à distribuição normal (C4 = 0). Na figura 2.4 representamos a curtose positiva, negativa e nula.

Figura 2.3 Diagrama representando a assimetria positiva e negativa. Figura adaptada da referência [21].

(33)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 21

Figura 2.4 Diagrama representado a curtose.

Exemplo 2.1. Distribuição Normal.

A distribuição normal, também conhecida como Gaussiana, é uma das mais importantes distribuições da estatística. Ela serve de aproximação para o cálculo de outras distri-buições quando o número de observações torna-se grande. Essa importante propriedade provém do Teorema Central do Limite [22] que diz que “toda soma de variáveis aleatórias independentes de média finita e variância limitada é aproximadamente Normal, desde que o número de termos da soma seja suficientemente grande”. A expressão geral para essa distribuição é dada por

PX(x) = 1 2πσ2 exp [ −(x− µ)2 2 ] (2.68) onde µ e σ são dois parâmetros. Substituindo a expressão acima na equação (2.59) obtemos a função característica

χ(λ) = exp[iλ(2µ + iλσ2)/2]. (2.69) Tomando o logaritmo, obtemos

ln[χ(λ)]= (iλ)µ + (iλ) 2 2! σ

2. (2.70)

Comparando com a equação (2.63), temos que µ é o primeiro cumulante (média) e σ2 é o segundo cumulante (variância). Todos os cumulantes de ordem superior ao segundo são nulos em uma distribuição gaussiana.

Exemplo 2.2. Distribuição binomial.

É utilizada em situações em que se disponha somente de eventos binários. Um sistema físico que pode ser interpretado como um processo binomial é o de elétrons tunelando uma barreira de potencial a temperatura nula (ver figura 2.5).

Os elétrons tem probabilidade τ de serem transmitidos e (1− τ) de serem refletidos. A transferência de elétrons, neste caso, obedece a um processo de Bernoulli. Seja N o nú-mero de tentativas de transmissão e n o núnú-mero de elétrons transmitidos, a probabilidade de transmissão Pn(τ ) é dada por

Pn(τ ) = ( N n ) τn(1− τ)N−n. (2.71)

(34)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 22

Figura 2.5 Elétrons incidindo sobre uma barreira de potencial.

A Função característica é

χ(λ) =[1 + τ (eiλ− 1)]N (2.72) e a função geratriz dos cumulantes é dada por

Φ(λ) =−N ln[1 + τ (eiλ− 1)]. (2.73) Substituindo a equação (2.73) em (2.62), obtemos os quatro primeiros cumulantes da estatística de contagem

C1 = N τ (2.74)

C2 = N τ (1− τ) (2.75)

C3 = N τ (1− τ)(1 − 2τ) (2.76)

C4 = N τ (1− τ)(1 − 6τ + 6τ2). (2.77) A figura2.6 mostra a distribuição da equação (2.71) para N = 15 e τ = 0.4. Apresen-tamos nesta mesma figura a interpretação dos primeiros quatro cumulantes da estatística de contagem.

(35)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 23

Quando o número de partículas que tentam atravessar a barreira é muito grande (N → ∞), todas as distribuições tendem à gaussiana como consequência do teorema central do limite.

Exemplo 2.3. Expansão de Edgeworth.

De posse dos cumulantes, é possível construir uma distribuição aproximada dos observá-veis usando a expansão de Edgeworth [23]

P(β)(x)≃ 2 ∑ k=0 ϕk(x) (2.78) onde ϕ0(x) = 1 2πC2 e−(x−C1)2/(2C2) (2.79) ϕ1(x) = C3 3! 3 ϕ0(x) (2.80) ϕ2(x) = C4 4! 4ϕ 0(x) + 10 C2 3 6! 6ϕ 0(x) (2.81) e Ci é o i-ésimo cumulante.

A vantagem de se usar a expansão de Edgeworth é que podemos controlar o erro. Como podemos calcular qualquer cumulante de ordem superior, pode-se facilmente au-mentar a precisão da aproximação, adicionando as correções de ordem superior, se neces-sário.

O que percebemos nesta seção é que, para obter a estatística de contagem de carga, se faz necessário o conhecimento da função geratriz Φ(λ). Com ela, podemos obter todos os cumulantes através da equação (2.62) e, consequentemente, a função distribuição de probabilidade.

2.4.2

A fórmula de Levitov-Lesovik

O exemplo da seção anterior (figura2.5) é análogo a um condutor mesoscópico com um único canal aberto (N = 1). A estatística de contagem de carga para sistemas mesoscó-picos com N > 1 foi obtida pela primeira vez por Levitov, Lee e Lesovik [19]. Utilizando o formalismo de matriz-S eles foram capazes de calcular a função geratriz da estatís-tica de contagem Φ(λ) de um dispositivo mesoscópico descrito pelos seus autovalores de transmissão, τj. Esta expressão ficou conhecida como fórmula de Levitov-Lesovik

Φ(λ) = −T0 Nj=1dE h ln { 1 + τj [ (eiλ− 1)f1(1− f2) + (e−iλ− 1)f2(1− f1) ]} (2.82)

as funções f1 e f2 são as funções de distribuição dos reservatórios à esquerda e a direita da nanoestrutura, respectivamente. A soma em j indica que a contagem de elétrons em

(36)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 24

canais diferentes é independente. Considerando o caso limite de temperatura desprezível, kBT ≪ eV , temos que f1 = 1 e f2 = 0 e a expressão acima se reduz a

Φ(λ) = −T0 Nj=1dE h ln [ 1 + τj(eiλ− 1) ] . (2.83)

Além disso, a integral na energia é confinada no intervalo min(µ1, µ2) < E < máx(µ1, µ2) e o integrando não depende da energia. Lembrando que µ1− µ2 = eV obtemos

Φ(λ) = −M0 Nj=1 ln[1 + τj(eiλ− 1) ] . (2.84)

Comparando a equação acima com a equação (2.73) percebemos que o transporte em cada canal se comporta como uma processo binomial, onde M0 = eV T0/h é o número de tentativas de transmissão por canal aberto durante um intervalo de tempo T0 de observação. Porém, é importante notar que as transmissões de elétrons de um reservatório a outro são correlacionadas devido ao princípio de exclusão de Pauli.

Os cumulantes da estatística de contagem de carga são dados por [24]

qn = Ni=1 ( τ (1− τ) d )n−1 τ τ =τi . (2.85)

Os quatro primeiros cumulantes são

q1 ≡ g = Nj=1 τj (2.86) q2 ≡ p = Nj=1 τj(1− τj) (2.87) q3 ≡ κ = Nj=1 τj(1− τj)(1− 2τj) (2.88) q4 ≡ ζ = Nj=1 τj(1− τj)(1− 6τj+ 6τj2). (2.89)

onde fizemos M0 = 1 para obter os cumulantes adimensionais.

O primeiro cumulante é a condutância (g) e está ligado a média da distribuição da corrente, pois ⟨I⟩ = GV . O segundo cumulante é conhecido como a potência de ruído de disparo e representa a variância da corrente. O terceiro cumulante está ligado a assime-tria da distribuição de corrente. O achatamento da curva de distribuição de corrente é quantificado pelo quarto cumulante.

Neste capítulo, introduzimos o formalismo do espalhamento e fizemos a conexão en-tre a matriz de espalhamento (autovalores de transmissão) de um sistema quântico e os

(37)

2.4 ESTATÍSTICA DE CONTAGEM DE CARGA 25

observáveis de transporte (cumulantes da estatística de contagem de carga). Em uma cavidade balística, a geometria do sistema torna sua dinâmica caótica, sendo os autovalo-res de transmissão variáveis aleatórias correlacionadas. No próximo capítulo abordamos a Teoria de Matrizes Aleatórias, que é útil para estudar propriedades estatísticas desses autovalores de transmissão.

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