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A família no processo de saúde-doença no envelhecer com HIVAids

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Maria Irene Ferreira Lima Neta

A família no processo de saúde-doença no envelhecer com HIV/Aids

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Maria Irene Ferreira Lima Neta

A família no processo de saúde-doença no envelhecer com HIV/Aids

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Clínica, do Núcleo de Psicossomática e Psicologia Hospitalar, sob a orientação da Professora Doutora Edna Maria Severino Peters Kahhale.

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus pelo dom da vida e por me conceder a graça da realização e finalização deste trabalho.

Agradeço a meus pais, Sizino e Ana Thereza, que com tanto amor a mim me prepararam emocional e espiritualmente não apenas para uma vida longe de suas abas, mas acima de tudo me proporcionaram o crescimento profissional.

Agradeço, a painho, Sizino, pelo apoio financeiro a mim concedido e por ter me mostrado como é bom ler.

Agradeço, a mainha, Ana Thereza, pelo apoio emocional nos momentos de preocupação; pelo apoio nas transcrições de algumas entrevistas, sem as quais seria complicado para mim a finalização; e por fim por toda a dedicação concedida a mim sempre com muito amor.

Agradeço, a meu irmão Leleu, Alcides Neto, pelo apoio a mim concedido desde a minha vinda à São Paulo até toda a minha moradia. As ligações com a finalidade apenas de saber se eu estava bem e se estava precisando de alguma coisa. E por fim por ter compreendido como é bom ter uma relação fraternal.

Agradeço, a minha cunhada Lele, Marta Danielle, que a pouco tempo faz parte de nossa família, mas que sempre se mostrou amiga e feliz por minha trajetória profissional.

Agradeço a toda a família Ferreira Lima, meus avós, Maria Irene, Antônio, Terezinha; meus tios e tias, Gildo, Vera, Silvio, Alcides Filho, Cristina, Mauricinho, Maria Helena, Walfredo, Elizabeth, Anna Carolina, Luís Henrique; aos meus primos e primas, Gildo Filho, Hélio, Marília, Gabriela, Gabriel, Isabela, Anna Carolina Filha, Luís Henrique Filho, Vinícios, pela graça de fazer parte de uma família onde o amor e as tradições familiares são preservadas e cultivadas.

Agradeço a meu namorado, João Carlos, que compartilhou comigo momentos alegres e difíceis nesta caminhada profissional e que me concedeu apoio emocional, tão necessário em muitos momentos.

Agradeço a Valdirene, minha manicure e amiga em Recife/PE, pelas orações direcionadas a mim e que com certeza foram de grande auxílio em momentos em que os caminhos pareciam obscurecidos.

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Agradeço a Profª. Drª. Edna Maria Peters Kahhale, minha orientadora e em alguns momentos mãe, que ainda em Recife/PE me fez o convite de ser pós-graduanda em São Paulo/SP. Sou muito grata a você, Edna, não apenas pelas orientações no trabalho de mestrado, mas também por ter me concedido a honra de ser sua pós-graduanda; pelos conselhos pessoais; pelas broncas nos momentos que se fizeram necessários; pelos elogios; por todas as nossas conversas que sempre me proporcionaram crescimento e amadurecimento tanto profissional quanto pessoal.

Agradeço a equipe de profissionais do ambulatório de infectologia da UNIFESP, os médicos Dr. Paulo Roberto Abrão, Dra. Gisele Cristina Gosuen, Dra. Simone Tenore; as enfermeiras Marli Campos, Rosimeire Gabriel e os demais componentes da equipe Danilo Dias e Rony Azevedo, pelo apoio proporcionando na realização deste trabalho. Agradeço aos idosos que aceitaram conversar comigo, pois sem eles este trabalho não ficaria tão enriquecedor para a nossa compreensão das relações familiares na vivência com HIV.

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RESUMO

A família tem sofrido inúmeras modificações tanto estruturais quanto funcionais ao longo de sua existência há milhões de anos. Algumas dessas mudanças dizem respeito à diminuição no número de filhos; aumento no número de casais sem filhos; aumento no número de idosos; dentre outros. Todas essas modificações de uma forma ou de outra tem influência de acontecimentos sociais, jurídicos, bem como de saúde e doença. Há 31 anos a sociedade tomou conhecimento de uma nova doença sexualmente transmissível por meio do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Esta é causadora de alterações não apenas na vida de quem vive com HIV, mas também de familiares que tomam conhecimento da vivência de um familiar soropositivo. Sendo uma doença que carrega grandes preconceitos e porque o seu diagnóstico, em muitos casos, revela a traição de um dos membros do casal, são poucas as pessoas que falam para a família sobre a sua vivência com HIV. Dentre os que contam, há critérios para contar a um familiar e não contar a outro, desta forma, estudos mostram que este diagnóstico tem influência em uma mudança no funcionamento familiar, bem como na relação existente entre os familiares. Com o aumento no número de idosos soropositivos, e sendo estes os representantes mais antigos da família, depositários das tradições familiares, objetiva-se analisar a sua vivência familiar a partir do diagnóstico de HIV+. Trabalha-se tanto com a família extensa quanto com a família nuclear. Este trabalho foi realizado no Ambulatório de Moléstias Infectocontagiosas e Parasitárias da Universidade Federal de São Paulo/SP, participaram 37 idosos, sendo 24 homens e 13 mulheres, com idades entre 60 e 82 anos. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e de forma individual e gravada, responderam a questões relacionadas a relações familiares, autocuidado, saúde, história do adoecimento e adesão ao tratamento. E por fim fizeram o genograma da família de origem e atual apontando os familiares que tem conhecimento de sua soropositividade, os que não tem, com quem moram e como é a sua relação com os mesmos. Os resultados nos mostram que as relações estabelecidas na família bem como o estilo e formas de agir de cada familiar são responsáveis pelo contar ou não sobre o diagnóstico. O viver com o diagnóstico de forma individualizada é feito por 3 idosos, enquanto que para 26 famílias o diagnóstico está restrito a alguns familiares formando um núcleo de confiança em meio a família extensa. Havendo também 8 famílias em que todos sabem da vivência do idoso com HIV. Finalizando, percebe-se que a vivência familiar com soropositividade para o HIV pode causar modificações tanto positivas quanto negativas na dinâmica familiar. As positivas dizem respeito a maior amor e cuidado, enquanto as negativas estão relacionadas a afastamentos e discriminações. Os cuidados com a saúde são realizados em sua maioria de forma independente, sem interferência familiar, e no sentido de não fumar, beber, ter uma alimentação específica e boa adesão ao tratamento, mas a prática de atividade física é realizada pela minoria.

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ABSTRACT

Family has passed through distinct chances both in structures and functional throughout its conception some millions of years ago. Some of these chances have happen in respect to the reduction on children number in families; increase of families with no children; increase of elder people among others. All such chances, one way or another, influence social events, legal events, health and diseases one. For 31 years, society recognized a new sexually transmitted disease by human immunodeficiency virus (HIV). Such disease causes, not only modifications in the diseased, but also in their families when they get to know the HIV positive virus. Being it a disease that brings great prejudice and due to knowing that the diagnosis, usually, brings to the attention of one of the couple´s member the betrayal point. There are a few people who mention to their family the fact of being an HIV positive. Among those who talk about it, there are criteria on how to tell it to one relative and not the other and thus, such studies demonstrate that the diagnosis influences the family movements when it comes to modifications such as the relationship among relatives. As the increase of older HIV positive people take place and, as they are the oldest family members who represent the concept, being them family tradition depositaries, the aim here is to analyze their family existence from the discover of the disease on. The work is performed both in the extended family and nuclear family. This research has been performed at Ambulatório de Moléstias Infecto-Contagiosas e Parasitárias da Universidade Federal de São Paulo, where 37 elderly took part of it, being 24 men and 13 women, from 60 to 82 years old. They all signed the Free and Informed Consent Term, individually interviewed and correctly recorded, they all replied back about questions on family relations, self-care, health, and disease history and treatment adherence. Thus, they performed a family genogram on its origin pointing out to those relatives who are aware about the HIV positive virus and also regarding the relatives who are not aware about it, those who live with the HIV positive and how it is their relation with them. Results demonstrated the settled relations in the family such as the style and the way each relative behave upon the ones undertaking the responsibility to set free the news about the diagnosis. Living with the diagnosis in an individual approach is shown here in 3 elderly cases, while the diagnosis for 26 families is restricted to some members enabling this way a trust centered family inside the extended family. There are 8 families where all members know the older relative has the HIV positive virus. Finally, it is possible to verify that family living having HIV positive virus may cause changes, both positive or negative in the family dynamic basis. Positive basis have to do with love and care. Negative ones are related to those who preferred to be kept away or provoked prejudice distinctions towards the diseased. Health cares are performed usually in an independent way, with no family meddling. Also, the aim on not smoking, not drinking alcohol, having a specific diet and a healthy treatment adherence, physical activities are practiced only by a minority.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1 FAMÍLIA 14

1.1 A família na última fase do ciclo vital 17

2 ENVELHECER 21

2.1 O olhar de Erik Erikson para a velhice e a partir dele o nosso olhar para o idoso que vive

com HIV 27

2.2 O viver em família com HIV 32

3 OBJETIVOS 39

3.1 Geral 39

3.2 Específicos 39

4 MÉTODO 40

4.1 Local de trabalho 40

4.2 Participantes 40

4.3 Instrumentos 41

4.4 Procedimento de coleta de dados 41

4.5 Procedimento de análise dos dados 42

5 RESULTADOS 43

5.1 Concepção de família 49

5.2 Relação família e HIV 56

5.3 Cuidados de saúde 61

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 70

6.1 Discussão: concepção de família 70

6.2 Discussão: relação família e HIV 75

6.3 Discussão: cuidados de saúde 81

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 88

REFERÊNCIAS 90

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico1: Porcentagem de idosos segundo sexo e idade 43 Gráfico 2: Porcentagem de idosos segundo religião e sexo 44 Gráfico 3: Porcentagem de idosos segundo sexo e condições de moradia 45 Gráfico 4: Porcentagem de idosos segundo sexo e escolaridade 45 Gráfico 5: Porcentagem de idosos segundo sexo e vínculo de trabalho 46 Gráfico 6: Porcentagem de idosos segundo sexo e renda familiar 46 Gráfico 7: Porcentagem de idosos segundo sexo e quantidade de pessoas que contribuem para

a renda familiar 47

Gráfico 8: Porcentagem de idosos segundo sexo e estado civil 48 Gráfico 9: Porcentagem de idosos segundo sexo e parceria afetiva-sexual 48 Gráfico10: Porcentagem de idosos segundo sexo e filhos 49 Gráfico 11: Porcentagem de idosos segundo sexo e conceito de família 50 Gráfico 12: Porcentagem de idosos segundo sexo e descrição da família 51 Gráfico 13: Porcentagem de idosos segundo sexo e significado de ter uma relação

afetiva-sexual 52

Gráfico 14: Porcentagem de idosos segundo sexo e significado de estar sem companhia

afetiva-sexual 53

Gráfico 15: Porcentagem de idosos segundo sexo e mecanismos para resolução de problemas

familiares 54

Gráfico16: Porcentagem de idosos segundo sexo e líder familiar 55 Gráfico17: Porcentagem de idosos segundo sexo e conversa familiar 55 Gráfico18: Porcentagem de idosos segundo sexo e familiar que tem conhecimento da

soropositividade 56

Gráfico19: Porcentagem de idosos segundo sexo e razão para contar sobre o diagnóstico para

a família 57

Gráfico 20: Porcentagem de idosos segundo sexo e razão de não contar sobre o diagnóstico de

HIV+ para a família 58

Gráfico 21: Porcentagem de idosos segundo sexo e existência de segredos familiares 59 Gráfico 22: Porcentagem de idosos segundo sexo e mudança nas relações familiares após o

diagnóstico de HIV+ 59

Gráfico 23: Porcentagem de idosos segundo sexo e papel da família frente o diagnóstico de

HIV/Aids 60

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 - Termo de Consentimento 96

ANEXO 2 - Roteiro da Entrevista 98

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INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade o homem se forma em meio a um grupo de pessoas, que com o tempo foi chamada de família. Esta, é a responsável não apenas pela formação inicial do ser humano, mas também, para muitos, a sua importância encontra-se em todos os aspectos de vida, tais como social, profissional, amoroso, como também em cuidados de saúde e doença.

Dentro de todos estes contextos as relações familiares podem sofrer modificações, e ao se falar na vivência com uma doença crônica isto não seria diferente. Quando da ocorrência de algumas doenças crônicas há o entendimento e suporte, como o diabetes, já para outras, as mudanças familiares podem não ser claras, como no caso do HIV.

Desta forma a temática central deste trabalho está na vivência em família de idosos soropositivos para o HIV/Aids, tendo como objetivo principal analisar os conceitos de saúde e doença das pessoas idosas que vivem com HIV, e a compreensão das relações familiares neste contexto saúde-doença.

O interesse pelo estudo da família das pessoas que vivem com HIV/Aids foi despertado por meio de um trabalho realizado, que se intitulou “Relações de gênero e sexualidade: a transversalidade com a adesão ao tratamento em HIV/Aids”.1 Em entrevistas com as pessoas que vivem com HIV/Aids notamos as fragilidades e por vezes inexistência de relações familiares após o diagnóstico de HIV+. Diante desta realidade optamos por investigar esta temática.

Sendo o idoso, em geral, o cabeça das relações familiares, e o depositário das tradições, optamos por esta parcela da população para investigar as questões de saúde, doença, autocuidado e relações familiares na vivência com HIV.

A revisão teórica foi organizada de tal forma que primeiramente se debate sobre família, os conceitos teóricos acerca desta instituição tão antiga e que veio sofrendo tantas mudanças ao longo do tempo. E assim damos seguimento com a caracterização de como é a família no último ciclo vital: a velhice.

Mas achamos por bem também compreender os processos do envelhecer e de como está o cenário do envelhecimento em nossa atualidade e por isso fizemos isso no segundo capítulo. Prosseguimos com o conhecimento a respeito do psiquismo do idoso por meio da

1 Projeto financiado pelo CNPq, processo 403023/2005-0, Edital 045/2005. Parte dos resultados estão publicados

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teoria psicossocial de Erik Erikson, e através do olhar deste teórico elaboramos o nosso olhar para o idoso soropositivo. E por fim caracterizamos as relações familiares na vivência com HIV.

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1 FAMÍLIA

Há quatro milhões de anos tem-se o início do que se pode chamar de formação familiar “remontando-se aos ancestrais da espécie humana, dando-lhe assim um caráter universal.” (HINTZ, 2007, p. 156) Desde então, esta instituição chamada família passou por diversas modificações, tanto estruturais quanto funcionais. Estas modificações ocorreram em função de mudanças relativas à sociedade, condições econômicas, históricas, políticas, processos de saúde e doença, dentre outras.

As famílias do início do século XX, na maioria, tinham em sua constituição familiar a presença dos pais, muitos filhos, familiares consanguíneos, pessoas afins, trabalhadores do lar, enquanto as famílias da segunda metade deste século, em geral, ficaram restritas a pais e filhos, passando assim da família extensa para uma família nuclear. (HINTZ, 2007; DESSEN, 2010)

Entre as causas para as mudanças na estrutura e funcionamento familiar estão: situação a socioeconômica em que a família vive; o advento da pílula anticoncepcional, e a consequente baixa taxa de fecundidade; o ingresso da mulher no mercado de trabalho, bem como o aumento da escolaridade da mesma; a regulamentação do divórcio; a diminuição da desigualdade entre os papéis da mulher e do homem; “a aquisição tecnológica e novos valores sociais e religiosos também contribuíram para a modificação da estrutura familiar, provocando nos indivíduos a necessidade de se adequarem internamente reestruturando seus valores familiares e individuais.” (HINTZ, 2007, p. 158)

Nos anos 90 houve um grande aumento no número de casais se separando legalmente, e isto ocasionou novas configurações familiares, tais como as famílias monoparentais (formada apenas por um do pais , que cumpre a parentalidade para com os filhos enquanto o outro é inativo na educação dos mesmos) (HINTZ, 2007) e o retorno a casa dos pais.

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que não se formaliza a união nem oficialmente, nem religiosamente, e que é um acordo entre ambas as partes. (HINTZ, 2007)

Contudo, as mudanças familiares não dizem respeito apenas à questão estrutural, mas também no que se relaciona ao seu funcionamento. Antes, o pai era autoridade máxima, o responsável pela liderança da família. Com o passar dos anos, as modificações abordadas anteriormente, ocasionaram mudanças também neste sentido, sendo que, a partir da década de 90, os filhos se tornaram mais participativos nas decisões familiares. (CERVENY & BERTHOUD, 2010)

Esta mudança ocasiona uma descentralização das resoluções familiares feitas apenas pelo pai, pois as resoluções passam a ser compartilhadas de modo que toda a família pode participar da problemática de cada um dos membros. Mas é preciso levar em consideração que esta forma de agir não é universal, uma vez que num mesmo núcleo familiar têm-se pessoas com personalidades distintas, havendo assim funcionamentos familiares diferentes.

Com isso, a transformação familiar pode ser vista por dois ângulos: da retração e da intimidade. O primeiro representa a diminuição no número de filhos e o segundo ao aumento da intimidade e cumplicidade entre os membros da família. (FÉREZ-CARNEIRO, PONCIANO E MAGALHÃES, 2007)

A liderança familiar geralmente é centrada em uma pessoa, mas esta pode modificar-se tanto no decorrer dos anos, quanto com relação à problemática familiar; por exemplo, situações de doença de um familiar podem evidenciar uma liderança diferente da habitual, representada por quem toma a frente dos cuidados com o doente. De modo que problemáticas de saúde também podem ser responsáveis por modificações nos vínculos familiares.

Mas, antes de abordamos a família no contexto de saúde-doença, devemos buscar compreender o conceito desta instituição, bem como descrever as fases pelas quais esta passa, desde a sua formação por um casal.

A família é definida por González Rey (2004, p. 29) como sendo “o grupo social no qual o homem expressa sua maior intimidade e espontaneidade, visto que, como grupo, ela dispõe de uma larga margem de liberdade para definir seu próprio sistema de normas, estilo de vida etc.”

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classe social na qual a família se insere interfere na visão de mundo e de valores que são transmitidos aos filhos pelos pais.

A formação do indivíduo é complementada pela sociedade que o rodeia e a qual, conforme afirma Souza (2009, p. 106):

...é a sociedade, com suas instituições específicas, que cria os indivíduos como eles são, e não o contrário. Para todos os grandes pensadores clássicos das ciências sociais, essas instituições são duas: o mercado competitivo capitalista e o Estado moderno centralizado. Sem essas duas instituições fundamentais não temos nem sociedade moderna, nem indivíduos modernos guiados por valores e ideais modernas.

Desta forma constata-se que a família, o Estado e o mercado são as responsáveis pela formação humana. Nesta perspectiva concordamos com Kahhale (2010, p. 51) quando afirma que

...a família é uma instituição social responsável pela divisão e reprodução sexual e do trabalho, o que significa constituir um grupo heterogêneo em

termos de gerações e gêneros, instituição especializada “na e para a

reprodução quotidiana e geracional dos seres humanos” (Bilac, 1995). A

família é um espaço de pessoas empenhadas umas com as outras, nas relações familiares, também construídas em relação com outras esferas, como o Estado, o mercado, as associações, os movimentos...É o melhor

lugar inventado para “fazer gente” (Miotto, 2001). Com a permanência de

fortes laços intragrupo familiar, podem desenvolver-se internamente à família, elevadas transferências materiais e imateriais (Campos, 2004).

As relações familiares são formadas por relações de conjugalidade e de parentalidade, que Kahhale (2010, p. 51) define como:

As relações de conjugalidade referem-se às relações afetivo-sexuais entre dois adultos, que podem ser ou não relações igualitárias, promover ou não a autonomia e desenvolvimento de cada um dos membros do par. As relações de parentalidade expressam relações de duas ou mais gerações diferentes; são relações desiguais, em que a geração adulta provê acolhimento e suporte afetivo e econômico das gerações jovens, bem como a transmissão dos valores e significados sociais do grupo social em que se inserem; enfim, são responsáveis pela socialização das novas gerações.

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McGOLDRICK, 1995) Desta forma, assim como a vida humana é dividida em ciclos em que se têm atitudes esperadas para cada uma delas, a família também é assim concebida.

O estudo da família levou os estudiosos a separá-la em fases, havendo diferentes classificações, conforme o autor. Iremos nos utilizar da proposta de Cerveny (1995 In CERVENY & BERTHOUD, 2010), que divide o ciclo vital da família em quatro fases, a saber: 1ª “fase de aquisição”; 2ª “fase adolescente”; 3ª “fase madura”; e 4ª “fase última”.

Cada uma das fases tem suas especificidades de acordo com as idades dos integrantes, e dos momentos de vida de cada um. Voltaremos o nosso olhar para a 4a fase, descrita por Cerverny como a fase última, pois é aqui que se encontra a família do idoso, já que o foco de discussão é o idoso que vive com HIV, e suas particularidades familiares nesta vivência. Desta maneira, primeiramente iremos abordar como é a vivência de uma família em “fase última” e, posteriormente, nos encaminharemos para as relações familiares de um portador de HIV.

1.1 A família na última fase do ciclo vital

Na fase última geralmente tem-se a aposentadoria, a volta do viver a dois para o casal, podendo proporcionar maior intimidade e companheirismo; nesta fase o presente é vivido com aprendizado de novos valores trazidos pelas gerações mais novas (VALENÇA E SILVA, 2011); há o balanço das vivências passadas de modo que “a olhada para trás pode trazer grandes alegrias ou grandes decepções porque não existe mais muito tempo para reparações ou mudanças drásticas”. (CERVENY, 2010 In CERVENY & BERTHOUD, 2010, p. 15)

Nesta revisão, alguns sentimentos são considerados de suma importância, tais como o “orgulho pela idade, pela própria história, experiência de vida e capacidade de lidar com a mudança”. (CARTER E McGOLDRICK, 1995, p. 283)

Porém, é preciso ponderar que alguns idosos não têm orgulho da idade vivenciada, podendo este sentimento estar relacionado a comportamentos, atitudes e construções não realizadas no decorrer da vida, o que pode ocasionar a percepção de fracasso. Estes idosos, em geral, apresentam-se rancorosos com a vida.

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meio da ajuda nos cuidados com os netos, ou ainda na necessidade de ser cuidado, com a troca de parentalidade. A vivência do luto torna-se mais próxima com a perda de alguns amigos, familiares e a possibilidade de viuvez. (SILVA, ALVES E COELHO, 2010; VALENÇA E SILVA, 2011)

Com isso “a reconstrução relacional intra-sistema e com as gerações mais novas, aliadas às mudanças necessárias decorrentes do envelhecimento constituem-se como desafios fundamentais às famílias nesta etapa do seu ciclo”. (FIGUEIREDO, MARTINS, SILVA E OLIVEIRA, 2011, p. 12)

A reestruturação familiar também pode se dar no sentido de que com a saída dos filhos de casa, o casal passa a se encontrar a sós, como no começo da vida conjugal, esta configuração pode proporcionar ao casal de idosos um “contrato de velhice”. (SILVA, ALVES E COELHO, 2010)

A vivência da velhice no seio familiar é estruturada em dois aspectos: ruptura e continuidade. A ruptura representa o fechamento do ciclo profissional, é o desligamento de uma relação que durante anos norteou a vida de modo que “a relação com o tempo, pautada cotidianamente pelo trabalho, para o funcionamento individual e da família, é totalmente alterada pela retirada das atividades funcionais”. (SILVA, ALVES E COELHO, 2010, p. 126) A relação com o tempo deve ser redimensionada, repensada de forma a planejar o que irá fazer com o tempo que agora se mostra livre.

A continuidade é configurada na preservação dos laços familiares por meio dos filhos e pelo reencontro do casal na vivência a dois,2 uma vez que tendo tido filhos a vivência ficou atrelada aos mesmos. Nesta fase o casal pode encontrar-se a sós para um “contrato de velhice a dois”. (SILVA, ALVES E COELHO, 2010)

E neste sentido de continuidade e revisão cabem as reflexões a respeito da família formada. Silva, Alves e Coelho (2010, p. 128) colocam que

cabe ao idoso o movimento de voltar-se como revisão (visão revisada), de avaliação da própria família constituída para a frente, colocando o olhar não mais em si, mas nas futuras gerações da quais são os precursores vivos, únicos videntes do caminho mais extenso percorrido pela família.

2 A análise aqui desenvolvida refere-se à família nuclear hegemônica heterossexual presente na sociedade

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Podemos pensar aqui como uma forma de deixar viva a tradição familiar, os aprendizados, os erros cometidos a fim de servirem como exemplo para que as gerações mais novas não incorram no mesmo erro, e que desta forma o elo formado tenha continuidade. Isto nos remete à família como responsável não apenas pela transmissão dos valores e tradições familiares, mas também de ser esta o local onde o novo tenha espaço, podendo ser transmitido para toda uma sociedade. E assim concordamos com Romagnoli (2010, p. 113) quando afirma que

... a família também é fruto tanto do atravessamento operando em defesa da reprodução, onde o grupo familiar aparece em articulação com outras organizações atuando conjuntamente para a perpetuação do que já existe, como ainda é fruto da transversalidade operando em defesa da produção, uma vez que a família também pode ser um espaço gerador do novo, apresentando-se como um local de novas idéias, de ajuda mútua, de luta contra preconceitos, de novos tipos de associações.

Temos que estar atentos que o olhar revisado do idoso também está relacionado ao olhar para si mesmo.

Diferentemente do que afirma Silva, Alves e Coelho (2010) citados acima, concordamos com Coelho (2007) que aborda que o idoso deve olhar para si mesmo. A velhice pode ser uma fase de isolamento para alguns devido à diminuição das atividades diárias, e o aumento nos cuidados com a saúde, mas, voltando o olhar para si mesmo, o idoso pode obter um maior conhecimento de suas possibilidades e limitações e, com isso, proporcionar um melhor envelhecimento de modo a torná-lo menos destruidor tanto para si mesmo, quanto para os que o rodeiam.

Assim, concordamos com a autora citada, pois na atualidade, com o aumento da expectativa de vida e com a plena atividade da população idosa, o idoso deve sim olhar para si mesmo a fim de buscar formas saudáveis de fechamento de seu ciclo vital com autonomia.

Moura, Silva e Marques (2011, p. 191) afirmam que “a família cria e recria seu contexto sociocultural, se (re)organizando ao longo do tempo, de acordo com as múltiplas possibilidades relacionais travadas em seu interior e para além dele”. Sendo assim o idoso pode ser o responsável pela recriação de novas formas de relacionamentos ou funcionamento da família, e a relação com as gerações mais novas pode proporcionar estas modificações.

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...o adoecimento de um membro familiar idoso pode afetar as funções dos membros em suas etapas do ciclo vital familiar, impondo alteração na estrutura e nas relações familiares, e implicando em ajustamento da estrutura, flexibilidade e recursos da família. (VALENÇA E SILVA, 2011, p. 40)

Contudo, percebe-se que todo ajustamento familiar depende tanto das relações estabelecidas entre os familiares, quanto de que doença acometem o idoso. No caso de um familiar que vive com HIV, as modificações familiares podem ser tanto negativas, como por exemplo de afastamento e discriminação (podendo esta estar relacionada à forma de infecção), quanto positivas, tais como maior união, apoio.

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2 ENVELHECER

O envelhecimento é um processo natural e que faz parte do viver. A partir do momento em que se nasce, já se está envelhecendo, pois o tempo não para, tampouco volta. Todos sabem disto, mas é indiscutível que o processo do envelhecimento, para a maioria, só é sentido a partir de algumas ocorrências tais como: problemas de visão, dores lombares, aparecimento de doenças. Algumas manifestações clínicas que fazem parte do processo do envelhecimento incluem perda da função de órgãos-alvo, tais como fígado, rim, coração; perda óssea, representando a osteoporose; perda muscular, chamada de sarcopenia; diminuição cognitiva e perda da função imunológica. (DEEKS, 2011)

A população, em geral, tem sido liderada pelos idosos, tornando desta forma o envelhecimento um relevante fenômeno mundial. (IBGE, 2002; MORESCHI, SCHAURICH, SIQUEIRA, NICOLA E ALMEIDA, 2009)

Os determinantes do envelhecimento podem ser divididos em dois grupos. O primeiro representa os determinantes que não podem ser modificados, tais como raça, sexo e família. O segundo, representar os determinantes passíveis de modificações, tais como hábitos, estilo de vida e formas de enfrentar a vida. (PASCHOAL, 2006)

O envelhecer é inerente ao corpo humano, faz parte do ciclo vitacional, porém o modo como a pessoa chegará nesta – que é caracterizada como a última fase da vida, a velhice – suas capacidades físicas, mentais, sociais, profissionais, bem como de relações e modos de ser e agir, podem ser escolhidos ou planejados pelas pessoas no decorrer de sua vida.

Os cuidados com a saúde ao longo da vida são uma forma de prevenção, e que irão fazer a diferença na velhice, pois as atitudes tomadas na juventude interferem no envelhecer. Deste modo “não são apenas os aspectos da atualidade do idoso, como boa saúde física e mental, que caracterizam a velhice como bem sucedida, pois esta necessita ser construída durante todo o ciclo de vida”. (LIMA E COELHO, 2011, p. 5)

Os cuidados com a saúde no decorrer dos anos podem vir a representar uma conquista, que culmina no prolongamento do viver, mas esta, só vem a representar uma verdadeira conquista na medida em que haja qualidade aos anos restantes de vida. (VERAS, 2009)

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aumento da população com mais de 60 anos. Estes eram 9.935.100, representando 5,90% da população brasileira em 2000, e de acordo com o censo de 2010 esta população cresceu para 20.590.599 idosos, que vem a ser responsável por 7,60% dos brasileiros.

As razões apontadas para este aumento populacional dos idosos está ligada diretamente tanto ao aumento da expectativa de vida, como foi visto acima, quanto em melhorias nos cuidados em saúde-doença, menor índice de mortalidade e menores taxas de natalidade. (FIGUEIREDO E PROVINCIALI, 2007; REZENDE, LIMA E REZENDE, 2009) O envelhecimento da população desencadeou mudanças socioeconômicas e políticas como a criação de políticas públicas voltadas para esta parcela da população. Estes indivíduos, atualmente, são amparados pela Política Nacional de Saúde do Idoso (1999), instrumento pelo qual se busca a promoção de saúde no envelhecimento. (ALMEIDA E ANDRADE, 2008).

A meta para a Política Nacional de Saúde do Idoso é a promoção do envelhecimento saudável; a prevenção e/ou melhora, ao máximo da capacidade funcional dos idosos; a prevenção de doenças; a recuperação da saúde daqueles que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacidade funcional restringida, de modo a garantir-lhes permanência no meio em que vivem, exercendo de forma independente suas funções na sociedade.

A saúde ou melhoria desta para os idosos é preocupação constante da Organização Mundial de Saúde (OMS), de modo que no dia 4 de abril de 2012 a Organização Pan-Americana da Saúde/OMS Brasil comemorou o Dia Mundial da saúde com o tema “Envelhecimento saudável e saúde das pessoas idosas”, visando melhorias para os cuidados da saúde das pessoas com mais de 60 anos. (BRASIL, 2012a)

Com esta mudança no cenário populacional percebe-se que houve também uma mudança no estilo de vida das pessoas, pois os idosos que antes eram caracterizados por debilidades físicas e mentais, na atualidade mostram-se mais ativos e independentes. Um exemplo disto é o aumento no número de idosos morando sozinhos, bem como da continuidade destes no mercado de trabalho mesmo após a aposentadoria. (MOTTA, 2007)

Na atualidade os que têm mais 60 anos não se veem como velhos (termo utilizado com conotação de debilidade, dependência e passividade), pelo contrário, ao falarem desta fase carregam em suas falas uma distância considerável da velhice, sendo claro para eles que se encontram longe desta fase, mesmo carregando consigo 60 ou mais anos de vida. (ROZENDO E JUSTO, 2011)

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representar a entrada na última fase da vida, o mesmo pode não ser verdadeiro para as pessoas que vivem com uma doença crônica como o HIV. O vírus da imunodeficiência Adquirida (HIV) é o responsável por acelerar o processo de envelhecimento no corpo humano. O HIV pode ocasionar hipertensão, diabetes, problemas cardíacos e musculares fazendo com que o corpo biológico envelheça com maior rapidez ou antes do esperado. (DEEKS, 2011)

Neste processo de envelhecimento acelerado ou prematuro, devemos lembrar que ao falarmos em pessoas com mais de 60 anos que vivem com HIV falamos em dois grupos. O primeiro composto pelos que vivem com o HIV há muitos anos, pois descobriram na fase adulta serem HIV+ e deste modo vem há anos em tratamento. Este grupo, em razão de já ser portador do HIV há mais tempo, pode sofrer um processo de aceleramento do envelhecimento biológico, podendo-se afirmar até que as pessoas que fazem parte deste grupo podem estar em processo de degradação biológica maior que os que compõem o segundo grupo. Este, por sua vez é formado pelas pessoas que descobriram a partir dos 60 anos serem HIV+.

Da mesma forma que houve um aumento dos idosos na população em geral, como visto anteriormente, também houve um grande aumento no número de casos de pessoas com mais de 60 anos que vivem com HIV. De acordo com o boletim epidemiológico DST – AIDS 2011 o total de casos notificados na faixa etária acima de 60 anos foi de 16.838 no período entre 1980 e 2011.

Para perceber o relevante aumento, dividimos os números de casos notificados em dois grupos, o primeiro compreendido entre 1980 e 2000 e o segundo compreendido entre 2001 e 2011. No primeiro período registraram-se 4.761 casos, enquanto que no segundo foram registrados 12.077 casos. Deste modo, percebe-se que no período de 10 anos o Brasil teve um aumento de quase o triplo de casos notificados nos primeiros 20 anos da vivência com o HIV.

Este aumento no número de idosos com HIV deve estar relacionado ao advento da terapia antiretroviral. Assim é chamado o tratamento medicamentoso realizado pelas pessoas que vivem com HIV. Este é o responsável por controlar o vírus no organismo humano proporcionando uma maior sobrevida.

Este aumento nos mostra a eficácia do tratamento para a maioria. Portanto, o aumento no número de idosos soropositivos deve ser encarado positivamente, pois não significa tão somente a ocorrência dum maior número de casos, mas advém do aumento da expectativa de vida para as pessoas que vivem com HIV.

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anos nas campanhas de prevenção à aids. E desta forma, em 2008, esta parcela da população foi alvo da campanha do Dia Mundial de Luta Contra a Aids com o Slogan “Sexo não tem idade. Proteção também não”. A população alvo foi aquela a partir de 50 anos porque, para a Política Nacional DST/Aids, são consideradas idosas as pessoas a partir desta faixa etária, e não apenas aqueles que possuem 60 anos ou mais, como prega o Estatuto do Idoso. (BRASIL, 2008 E PORTAL DA SAÚDE, 2008)

Esta campanha alertou para duas temáticas que são importantes serem abordadas ao se falar em idoso HIV+, a primeira diz respeito a um dos preconceitos com a vida sexual dos idosos que é o pensar que na velhice não se possa ter uma sexualidade ativa. A segunda é o uso do preservativo por parte das pessoas idosas.

No que está relacionado à sexualidade estudos comprovam que com o decorrer da idade a capacidade sexual não é perdida, apenas há uma diminuição devido às alterações e limitações fisiológicas que podem dificultar as relações afetivo-sexuais. Contudo, o desejo, a capacidade de amar, beijar, abraçar continua intacta até o fim da vida. (MOURA, LEITE E HILDEBRANDT, 2008)

Um dos obstáculos para a continuidade da vida sexual dos idosos é a família, pois idosos que moram com a família se deparam com grande número de pessoas em casa ou a própria não aceitação dos familiares para a vivência de sua sexualidade de forma íntegra e saudável. (CATUSSO, 2005)

O aumento na frequência e qualidade da vida sexual do idoso é explicado, de um lado, pelo advento das medicações para impotência sexual (no caso dos homens) e reposição hormonal (no caso das mulheres). Porém não é possível afirmar que apenas estas sejam as causas principais, pois as medicações para impotência sexual tem apenas 5 anos de existência e o HIV tem 31, ou seja, ignorava-se a prática sexual no envelhecimento. (CALDAS E GESSOLO, 2007; SILVA E PAIVA, 2007; ALMEIDA E ANDRADE, 2008)

A falta de informação tanto sobre o HIV/Aids, quanto com relação ao uso do preservativo, também são motivos para a não incorporação da prevenção, bem como o medo da perda da potência e sensibilidade. (CALDAS E GESSOLO, 2007; SILVA E PAIVA, 2007; ALMEIDA E ANDRADE, 2008)

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Sabe-se que alguns idosos têm dificuldade em incorporar determinados aspectos da atualidade, como por exemplo, a utilização de tecnologias, tais como, celular, computador. Caminhando neste sentido e entrelaçando com a educação sexual abordada acima, podemos dizer que o não uso do preservativo pela população acima de 60 anos, tal como os exemplos dados, pode vir a representar a não incorporação da atualidade.

Pesquisas realizadas com idosos soronegativos constataram que os mesmos não usam o preservativo em suas relações afetivo-sexuais, pois acreditam que devido à idade não correm o risco de serem infectados; por crença de que se relacionam apenas com pessoas corretas e que conhecem há muito tempo; por crerem que tem higiene íntima adequada e que, portanto, se tornam livres de serem infectados. (SILVA E PAIVA, 2007; LISBOA, 2007; SÁ, CALLEGARI E PEREIRA, 2007; REZENDE, LIMA E REZENDE, 2009)

Contudo, alguns fatos que estão relacionados às barreiras encontradas pelos idosos ao uso do preservativo devem ser levados em consideração, e são fatos diferentes para homens e mulheres.

Para os homens há o temor em perder a ereção; e ainda, pensar que estes tipos de cuidados só são necessários em relações extraconjugais ou com profissionais do sexo. (FONTES, SALDANHA E ARAÚJO, 2007; SILVA E PAIVA, 2007)

Dois fatos devem ser somados ao se falar no homem. O primeiro deles está relacionado à cultura machista em que se exalta a possibilidade do homem ser capaz de gerar filhos em qualquer idade da vida, e sendo assim, o uso do preservativo acaba privando-os desta possibilidade. E em segundo lugar, está a dificuldade do homem em falar abertamente a respeito de suas necessidades de saúde, pois este comportamento pode ser considerado como fraqueza. (SILVA E PAIVA, 2007)

Com relação às mulheres, estas acreditam que por estarem na menopausa e não poderem mais gestar filhos, não têm a necessidade do uso do preservativo. O relacionamento afetivo-sexual na menopausa sem utilização do preservativo é prejudicial à mulher, pois nesta etapa as paredes vaginais ficam ressecadas e finas favorecendo o aparecimento de ferimentos, os quais abrem caminho para infecções sexuais, tais como o HIV. (FONTES, SALDANHA E ARAÚJO, 2007; SILVA E PAIVA, 2007).

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Outros comportamentos relacionados ao diagnóstico de HIV+ são o medo de infectar outras pessoas, e a culpa por ter sido infectado, o que afasta os desejos sexuais, e ainda, a falta de orientação e diálogo aumenta a dificuldade na volta do prazer e da sexualidade. (FREITAS, GIR E RODRIGUES, 2000)

Em geral, o diagnóstico de positividade para o HIV é tardio, pois a maioria das pessoas quando descobrem, já viviam com o vírus há anos, uma problemática de saúde o faz ter complicações sem explicações, até que se pede o exame de HIV. Estes casos também ocorrem com os idosos, mas as problemáticas geralmente se confundem com o envelhecimento, de modo que alguns médicos ao não conceber o idoso com a vida sexual ativa, não solicitam, nem questionam o idoso sobre exames para DST. (FIGUEIREDO E PROVINVIALI, 2007; SOUSA, SALDANHA E ARAÚJO, 2007; SÁ, CALLEGARI E PEREIRA, 2007; REZENDE, LIMA E REZENDE, 2009)

Os sentimentos e reações vivenciados com a descoberta de ser soropositivo para o HIV, em geral, são de ressentimento, desorientação, desespero, amargura, culpa, remorso, arrependimento, revolta, medo, negação frente à aceitação do diagnóstico, raiva, agressividade, insegurança, solidão e discriminação. De modo que com os idosos não é diferente, uma vez que estas questões estão relacionadas ao HIV e que mais uma vez independe da idade a reação. (FIGUEIREDO E PROVINCIALI, 2007)

É também bastante comum entre as pessoas diagnosticadas com HIV o fato receber esta notícia como uma sentença de morte. (LOPES E FRAGA, 1998) Neste comportamento o que diferencia os idosos dos demais em outra faixa etária é de que o estágio da vida em que vivem já está preparando-os para o fechamento do ciclo vivencial, e o ser soropositivo para o HIV desencadeia sentimentos de maior proximidade com este fechamento.

Desde o surgimento dos antiretrovirais é notório um prolongamento na vida dos soropositivos, de modo que diminuíram as mortes em função do HIV, quando estes medicamentos são tomados conforme prescrição médica.

Devido a esta realidade já foram realizadas inúmeras pesquisas em relação à adesão ao tratamento e no caso dos idosos percebe-se que estes aderem com maior afinco ao tratamento medicamentoso. (GORINCHTEYN, 2010)

Há uma melhor aceitação da medicação por parte desta população. O costume de tomar remédios ocasiona a incorporação do tratamento à rotina das medicações já tomadas diariamente.

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religiosidade. Contudo, encontra-se entre os idosos o conformismo com o pensamento de que foi melhor na velhice que na juventude. (FIGUEIREDO E PROVINCIALI, 2007; FONTES, SALDANHA E ARAÚJO, 2007; SOUSA, SALDANHA E ARAÚJO, 2007)

Há entre os idosos uma preocupação e cuidados constantes em não infectar nenhum familiar. (FONTES, SALDANHA E ARAÚJO, 2007) Porém, estes em sua maioria não têm conhecimento da soropositividade do idoso ou se tem, são poucos, de modo que o conhecimento de ter um familiar HIV+ não é de toda a família.

Isto também é notório nas demais parcelas da população de soropositivos. O não contar para um familiar sobre seu diagnóstico pode ter inúmeras causas. Algumas delas podem estar relacionadas a todo o imaginário social e de preconceito frente ao vírus HIV; aos tipos de vínculos familiares, como desconfiança, insegurança, falta de apoio; as questões de gênero, uma vez que podem se sentir mais seguros contando para as mulheres ou para os homens.

O fato do contar ou não para os familiares pode ser um reflexo do tipo de relações estabelecidas na família. Uma família em que todos se relacionam bem, o soropositivo se sente à vontade para contar, compartilhar ou mesmo para solicitar apoio, enquanto nas famílias problemáticas ou com relacionamentos mais distantes o não contar pode estar relacionado tanto às diferentes personalidades quanto ao medo do preconceito.

As questões familiares serão melhor explanadas mais adiante, pois com o conhecimento do envelhecimento e do vivenciar com HIV a partir dos 60 anos, antes faz-se necessário compreendermos o psiquismo do idoso. Este olhar será realizado a partir da teoria do desenvolvimento psicossocial realizada por Erik Erikson.

2.1 O olhar de Erik Erikson para a velhice e a partir dele o nosso olhar para o idoso que vive com HIV

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Erikson afirma que o desenvolvimento do homem é realizado, pelo que ele declarou como sendo “as oito idades do homem”, em que da primeira à quarta são dedicadas do nascimento à infância; da quinta à sétima compreende a adolescência e a fase adulta; e a oitava e última fase é destinada à velhice.

Para Erikson o processo de desenvolvimento da personalidade humana é realizado de forma contínua e com dinamicidade. Em cada uma das oito idades do homem, o indivíduo passa por crises psicossociais, com duas vertentes, sendo uma positiva e uma negativa, e para um bom desenvolvimento do ego a pessoa deve buscar um equilíbrio entre ambos. Este equilíbrio tem como centro o ego, em que a contínua experiência e vivência é a representação mais difícil no desenvolvimento da personalidade. O ego se desenvolve continuamente, de modo que, em todas as idades do homem, é possível um desenrolar mais amplo e maduro do mesmo, mas para que este alce sua totalidade ele deve ser capaz de “relacionar as memórias e experiências de um estágio com aquelas de todos os outros estágios.” (GALLATIN, 1978, p. 189)

Com este desenrolar já é possível perceber que diferentemente de uma descrição mecânica da personalidade, como na teoria psicanalítica, a teoria erikssoniana é “orgânica”, uma vez que leva em consideração as experiências individuais. Gallatin (1978, p. 180) nos afirma que Erikson “embora concordasse que a gratificação de certos instintos fosse uma força diretriz da vida, ele concluiu que algo denominado ‘síntese egóica’ – a ordenação e integração das experiências – era igualmente significativa.”

Sendo assim, Erikson acredita que a formação da personalidade é construída e organizada gradualmente, de modo a formar um “todo orgânico” chegando à completa integridade na última fase da vida. (GALLATIN, 1978; ERIKSON, 1998)

Entretanto, para que todo este desenvolvimento de personalidade ocorra se faz necessária a presença de três fatores básicos e fundamentais, que são o orgânico, o social e o cultural. (GALLATIN, 1978; ERIKSON, 1998) E neste aspecto Erikson (1998, p. 27) os define como

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Cada um destes sistemas é independente dos demais, mas na formação da personalidade eles são inseparáveis, uma vez que cada um tem seu papel para a totalidade do ego em formação.

Uma pessoa sã, é considerada assim por Erikson, quando consegue integrar em si mesma uma consciência de que é única, sendo parte integrante de uma sociedade e com passado, presente e futuro particular. Esta integração é o que forma a identidade humana em cada indivíduo. Enquanto que as pessoas que apresentam uma desorganização nesta integração e consciência de si mesmo, num espaço-tempo podem tornar-se confusas. Sendo assim a personalidade do indivíduo é dependente de um sentido de identidade. (GALLATIN, 1978)

Erikson afirma que as crises psicossociais da última fase, a velhice, provém da relação entre a integridade x desespero e desgosto. “Se é verdade que uma das necessidades principais do homem é dar significado e continuidade à sua experiência, a oitava idade do homem é aquela em que isto se torna mais marcante.” (GALLATIN, 1978, p. 207)

Antes de continuar com as explanações do que Erikson afirma a respeito desta última fase, faz-se necessário uma pontuação sobre a nossa visão de idoso que ele apresenta: uma pessoa sem saúde, fraca e com capacidades físicas e mentais deterioradas. Esta visão pode ser decorrente da época em que o autor escreveu sua teoria, quando a longevidade era limitada.

Esta ressalva se faz relevante, uma vez que a visão da sociedade em relação ao idoso veio se modificando, de modo a este ter uma participação e importância na sociedade atual.

Dando continuidade, Erikson coloca a desesperança como contraponto entre a integridade e a sabedoria presentes no idoso. Estas, formam as crises psicossociais desta etapa e que caracterizam o idoso com capacidades físicas, mentais e sociais limitadas e sem condições de realização de um trabalho produtivo para a sociedade.

Na atualidade, com os idosos sendo mais ativos e independentes, podemos pensar que o desespero “é experimentado quando o idoso, ao olhar sua trajetória vislumbra sua existência através dos erros cometidos. A vida, sob o olhar do desespero, é vista como um conjunto de tarefas não terminadas, falhas e limitações”. (LIMA E COELHO, 2011, p. 6-7)

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A outra dimensão desta crise é a da integridade, que é descrita da seguinte forma por Gallatin (1978, p. 208):

Se a pessoa idosa é capaz de acreditar que já passou por crises anteriores e as enfrentou com razoável sucesso, se ela pode crer que seu destino é único e válido, então pode predominar o sentimento de integridade. Seu ego e sua identidade passaram intactos pelo ciclo vital e sua própria vida pode ser encarada segundo uma perspectiva verdadeiramente histórica.

Esta perspectiva histórica é descrita por Erikson como uma revisão de todas as crises psicossociais que passou, de modo a ver de forma madura como foram passadas, o que acrescentou para se tornar quem é atualmente. É uma visão do passado, presente e futuro como íntegro, que permite se expressar com sabedoria.

Esta fase também é descrita por Joan Erikson (1998, p. 95) quando nos fala que “a vida no oitavo estágio inclui uma revisão retrospectiva da nossa existência até o momento; quanto abraçamos a vida como tendo sendo bem-vivida, numa oposição a lamentar oportunidades perdidas, contribuirá para o grau de desgosto e desespero que experienciamos”. Conforme Erik nos lembra: “O desespero expressa o sentimento de que o tempo agora é curto, curto demais para a tentativa de iniciar uma outra vida e experimentar caminhos alternativos...(childhood and society, p. 269)” (Idem).

Esta revisão perpassa também para os âmbitos familiares, profissionais, sociais, de modo que o idoso pode passar a aceitar ou compreender o que em fase anterior pode ter sido rejeitado ou não compreendido, como por exemplo a educação recebida pelos pais e o que mudou na educação dos próprios filhos. É ser responsável por sua própria vida e pelo caminho que trilhou.

Voltando o olhar para o idoso vivendo com HIV é possível pensarmos que todas as crises psicossociais e as forças básicas, colocadas por Erikson, em cada idade do homem, podem ser da mesma forma revividas e refeitas pelo idoso HIV+. Uma vez que o diagnóstico de uma doença, até o momento incurável, irá acompanhá-lo até os últimos dias de sua vida.

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O modo de infecção via sexual, o mais comum, pode fazer esta balança pender para o lado da desconfiança não apenas no parceiro amoroso como também em si mesmo colocando-o assim ncolocando-o ccolocando-onflitcolocando-o entre a autcolocando-oncolocando-omia x vergcolocando-onha e dúvida.

No idoso a vergonha pode expressar o preconceito social com a sexualidade dos idosos e com o soropositivo, então unir a velhice ao HIV+ pode fazer a balança desta crise pender para a vergonha social, mas, ao mesmo tempo é necessário um equilíbrio com a autonomia para se reerguer. O elevar-se faz necessário para a continuidade de sua vida, pois mesmo com uma doença crônica como o HIV medidas devem ser tomadas para um prolongamento da vida como a adesão ao tratamento médico necessário para todos que vivem com HIV.

Este comportamento encaminha a necessidade da iniciativa que compõe o terceiro estágio juntamente com a culpa. Esta última fase da vida sendo uma fase de sabedoria, qualidade destinada a esta etapa da vida devido os anos vividos, pode se pensar que a iniciativa pode ser a responsável pelo início dos cuidados de saúde necessários para a continuidade da vida com soropositividade.

As crises de produtividade x inferioridade nos fazem lembrar que, inicialmente o diagnóstico de HIV+ desencadeia sentimentos de inferioridade na pessoa, uma vez que esta se excluí, pelo menos inicialmente, da sociedade e todas as suas relações humanas como forma de compreensão do que lhe ocorreu e decisão do que irá fazer adiante.

Este sentimento de inferioridade aliado ao isolamento da fase posterior pode levar a crise da identidade e confusão de identidade. Claro que aqui, como falamos acima, o idoso deveria reviver estas fases de modo maduro, portanto esta confusão pode ser no sentido de pensar em quem ele foi até o momento e em quem ele se tornará com a soropositividade.

Seus papéis dentro da família de origem e da família formada podem ser colocados em foco, de modo a questionar sua identidade familiar, suas qualidades colocadas em conflito de forma a pensar quem realmente é a pessoa que se apresenta diante de uma possível traição conjugal e familiar.

Como foi colocado acima, o princípio norteador da velhice é o gostar de si mesmo, é o entendimento do caminhar realizado até o momento, bem como curtir suas próprias escolhas com orgulho próprio.

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A fase da generatividade x estagnação é colocada para o idoso como sendo a fase em que ele não é mais um cuidador, mas sim a pessoa que precisa de cuidados, e, caso esta forma não seja respeitada pode haver a estagnação da vida. Colocando o olhar para a velhice com soropositividade é difícil perceber o idoso sendo cuidado, pois há o segredo familiar do diagnóstico em que poucos sabem de sua vivência com HIV, portanto também pode se fazer necessário cuidados para o idoso não cair na estagnação por desgosto ou desespero da vida.

Assim entrando na última crise de Erikson da integridade x desespero, desgosto. Da mesma forma que um idoso saudável, o idoso soropositivo também necessita estar íntegro com suas vivências para conseguir finalizar sua vida com dignidade.

Nesta fase Erikson descreve a virtude da sabedoria para aqueles que alçaram esta integridade. Contudo é preciso estarmos atentos que “apesar de estar comumente associada à velhice, a sabedoria é uma capacidade construída durante a vida.” (LIMA E COELHO, 2011, p. 8)

Os anos vividos fazem com que os idosos sejam um marco de experiência, sabedoria, maturidade e no seio familiar, sejam o cabeça das tradições familiares. Para algumas famílias o idoso é o responsável pelos conselhos mais sábios, não seria possível ser este o transmissor de prevenção em seio familiar?

Para muitos idosos a rede formada por familiares e amigos é de suma importância uma vez que estes podem minimizar os efeitos do estresse na saúde do idoso com o fornecimento de suporte emocional na forma de amor, afeição, preocupação e assistência. Porém resta saber se esta é uma realidade também na vivência com a soropositividade.

Com isso agora iremos mergulhar no universo do viver em família com uma doença crônica como o HIV, pois como vimos no nosso caminhar até o presente momento as problemáticas de saúde-doença causam modificações e remodelações nas relações familiares.

2.2 O viver em família com HIV

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Um exemplo disso pode ser o apresentado por Shang (2009) que fala a respeito de crianças chinesas em que os pais vivem com HIV/Aids. Com a difícil situação socioeconômica dessas famílias e devido ao fato dos pais não terem mais condições de trabalhar e sustentar a família, muitas crianças se tornaram os chefes de sua família, sendo obrigadas a se afastar da escola e trabalhar. Isto gerou nestas crianças uma pseudo-maturidade em relação a outras crianças não influenciadas pelo HIV/Aids.

Portanto, vemos que estas modificações terão como norteador a cultura em que a família está inserida, as crenças familiares, podendo o soropositivo ser discriminado e/ou excluído desta convivência, ou irem à procura de modos de enfrentamento e superação na tentativa de uma reestruturação frente à nova realidade de saúde e doença. (VIEIRA E PADILHA, 2007)

Sousa, Kantorski e Bielemann (2004) afirmam que os comportamentos apresentados pela família têm influência dos significados de estigmatização envoltos no HIV/Aids, que foram construídos socialmente e, aos quais, o grupo familiar pode agregar a suas crenças e valores formados ao longo de sua existência, e, assim, disseminar no seio da família.

Os autores afirmam que o indivíduo acometido por uma doença não pode e nem deve ser visto unilateralmente, a sua constituição é global, portanto o sujeito doente deve ser visto em toda sua rede de relações. E esta visão não pode e nem deve ser diferenciada no caso do HIV/Aids.

Desta forma eles fazem uma reflexão a respeito do adoecer como “manifestação intencional do corpo em um processo de movimentação da vida. É uma oportunidade de termos contato com o nosso corpo finito e isso enriquece nossa existência.” (SOUSA, KANTORSKI E BIELEMANN, 2004, p. 4) Porém, de acordo com seus resultados os familiares veem a situação de viver com HIV/Aids como sendo de difícil aceitação, pois não apresentam compatibilidade com os padrões sociais aceitos para o adoecer. Os familiares de quem vive com HIV/Aids não estão acometidos pela Aids, mas a vivência é de como se estivessem.

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O silêncio familiar com relação ao HIV é analisado por Sousa, Kantorski e Bielemann(2004) como uma estratégia para proteção e tentativa de implantação de uma pseudo-tranquilidade e segurança familiar, que vem a representar, segundo a autora, uma vivência real da brincadeira “do faz de conta”.

Um segredo familiar pode estar relacionado a atos que a sociedade designa como vergonhosos, de modo que seu desvelamento pode ter consequências desastrosas para os familiares, mas também pode estar relacionado a atos não vergonhosos tendo como finalidade maior proximidade de um determinado núcleo intrafamiliar. (CERVENY, 2011b)

O segredo que fica restrito para um determinado grupo de familiares pode estar relacionado à proteção deste grupo ou até mesmo diferenciação deste grupo em relação aos demais familiares. (CERVENY, 2011b) Normalmente esta diferenciação pode estar relacionada ao tipo de relação estabelecida entre os membros, de modo que proporciona a este grupo uma abertura para a comunicação intrafamiliar sem preconceitos ou medo de represálias. Estas podem ser a causa das pessoas que vivem com HIV contarem ou não para os familiares sobre a sua soropositividade.

Pensando sobre o “contrato de velhice” abordado no item anterior como uma vivência entre o casal de idosos, este também pode ser visto no contexto da vivência com HIV.

Este contrato pode ser visto em casais tanto soroconcordantes quanto sorodiscordantes na vivência com HIV, uma vez que para alguns o diagnóstico fica restrito ao casal de modo que o restante da família não tem conhecimento. Nestes casos o contrato não é apenas de uma velhice a dois, mas uma vivência particularizada e de um pacto velado entre os dois em que firmam os cuidados um com o outro.

Também há o contrato solitário que pode caracterizar tanto o guardar unicamente para si sua vivência com HIV sem compartilhar com nenhum familiar ou amigo quanto pelas pessoas que decidem não ter mais vida afetivo-sexual. Este tipo de contrato solitário para a velhice com HIV pode ser visto, principalmente, entre as mulheres, pois em geral estas descobrem ser HIV+ a partir do diagnóstico do marido, e com isso fica claro a traição masculina. E nestes casos, em geral, a família não é vista como aliada, pois a família, em alguns casos, foi desintegrada. Esta desintegração está relacionada à separação conjugal ou falecimento do companheiro.

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situação pode não ter mais a convivência com a família extensa, pois em geral, os pais já são falecidos e a relação com os irmãos nem sempre tem a força suficiente para o compartilhamento do HIV, da traição e da desintegração da família formada por este.

Entrevistar familiares de pessoas vivendo com HIV é uma dificuldade que pode estar perpassada pela não aceitação ou pelo desconhecimento de ter um familiar HIV+, ou o não querer falar sobre mágoas afloradas. Constata-se desta forma casos de idosos morando sozinhos, de família não ciente de sua vivência com HIV, ou se ciente não aceitando. (DINIZ, SALDANHA E ARAÚJO, 2007)

O morar sozinho na vivência com HIV pode se tornar inevitável frente ao movimento de afastamento familiar e de amigos, (DINIZ, SALDANHA E ARAÚJO, 2007), pois estar junto nesta realidade pode implicar comportamentos de cuidados para não infecção, como também do falar a respeito de práticas sexuais ou de uso de drogas que nem sempre são assuntos fáceis de se tocar em família.

Os significados atribuídos pela cultura ao HIV podem desencadear comportamentos de discriminação e exclusão do soropositivo do seio familiar. (DINIZ, SALDANHA E ARAÚJO, 2007)

No entanto, a forma como a cultura concebe a família e como entende o papel desta nos casos em que há uma pessoa que vive com doença crônica, também pode ser o diferencial. Olhando para a cultura da África vemos que a família africana é descrita como ativa nos cuidados à saúde, e isto parece ser algo aprendido como sendo função da família agregada há décadas atrás, e vivenciada ativamente. Estes cuidados eram as mesmas ações e medidas tomadas com doenças ou problemáticas de outra natureza antes da Aids, tais como fome, guerra. Ankrah (1993) afirma que Mrs. Noreen Kaleeba, fundador da Organização de Suporte à Aids de Uganda descreve a Aids como uma “sobrecarga familiar”, uma vez que a família africana tem como papel principal a gestão das doenças e a prestação de cuidados à saúde e não tem suporte governamental para tal. (SEELEY, KAJURA, OKONGO, WAGNER E MULDER, 1993)

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o costume é de completa abertura de suas casas para as visitas de vizinhos a qualquer hora. Sendo assim a família com um familiar acometido pela vivência do HIV desenvolve o rompimento desta abertura social, uma vez que neste contexto toda a família é discriminada e isolada dos relacionamentos sociais.

As discriminações não são apenas das famílias, mas também podem ser também de toda uma província. Shang (2009) relata que toda uma província foi excluída, as pessoas passaram a não comprar mais os produtos dos comerciantes que eram HIV+ ou dos seus familiares, nem a comprar os alimentos dos produtores rurais locais. Isto desencadeou no endividamento de inúmeras famílias e que acabaram por ficar sem perspectivas de pagamento de suas dívidas.

Shang (2009) nos coloca em uma realidade completamente diferente da vivenciada no Brasil atualmente. As discriminações, exclusões e preconceitos vivenciados pelos chineses nessas províncias é a realidade do que foi o cenário do HIV/Aids no início de sua disseminação, e conhecimento popular e mundial. O diferencial destas realidades pode estar na implantação do tratamento gratuito, uma vez que no Brasil isto foi possível a partir de 1991, enquanto que na China só foi realizado em 2004. O prolongamento do acesso ao tratamento gratuito pode ter ocasionado uma maior vivência com a realidade de doentes por Aids e com isso maior devastação social e familiar por parte dos que vivem com HIV.

O avanço no tratamento da doença não proporcionou apenas tornar a vivência com HIV em uma doença crônica, mas também pode ser o responsável por proporcionar a estas pessoas não ter mais o apontamento social de ter “cara de aidético”. Isto ocasionava preconceito, uma vez que estas pessoas eram descobertas socialmente apenas por sua aparência. E com a demora da chegada do tratamento gratuito na China este cenário de preconceito pode ter sido prolongado. Este cenário de preconceito, no Brasil, nos parece estar velado, de modo que existe, mas não é visualizado tão claramente quanto a situação da população chinesa.

Pensando desta forma podemos colocar que o idoso pode ser o disseminador da prevenção em seu núcleo familiar, de modo a transmitir as gerações posteriores formas de cuidados e precauções servindo como exemplo ou não.

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A relação entre os idosos e a geração mais nova pode ser enriquecedora para ambos, pois “a sabedoria e experiência das pessoas idosas, unidas à energia e novo conhecimento dos jovens, pode ser a base para um rico intercâmbio e planejamento para o futuro”. (KUHN, 1979 In CARTER E McGOLDRICK, 1995, p. 283)

Falar em futuro para esta etapa da vida é pensar em planejamentos a curto prazo dependendo da idade e com a expectativa de vida aumentando pode-se encontrar também planejamentos a médio e longo prazo.

Coelho (2007, p. 157) nos coloca que

Ao voltar-se para o futuro fazendo planos compreende a vida num nível razoável de expectativas colocadas no futuro. Idosos mais ativos têm maior capacidade de pensar prospectivamente. Mas nos planos está também presente o fantasma da solidão e o medo do abandono. São planos precavidos de poupar para não ficar desatendido na velhice.

Assim percebemos que os planos futuros de algum modo estão presentes na vida dos idosos, mas ao falarmos no planejamento do futuro para os idosos soropositivos, em geral, pelo que observamos no atendimento clínico a estes, o futuro não é planejado, pois já tem a graça dos anos vividos com o vírus como uma sobrevida, de modo que o futuro é posto aos cuidados de Deus ou de uma força superior. Esta ligação religiosa, em muitos casos, é iniciada devido ao adoecimento severo e à recuperação do estado vivido, de forma a não sentir nada ou se permitir sentir nada, em termos físicos, na atualidade.

Gorinchteyn (2010) afirma que o HIV no seio familiar ocasiona mágoas a serem revividas, ausências a serem cobradas, raiva a ser expressada. É como se a Aids fosse o catalisador de emoções nunca ditas e, finalmente, afloradas. O mesmo autor nos alerta para os diferentes comportamentos dos filhos que estão entrelaçados nas questões de gênero, pois para os filhos homens há uma preservação do pai, entre eles sobressai a velha cultura da sobrevivência masculina, de se protegerem uns aos outros.

Para as filhas mulheres há uma perda na imagem de homem ideal que tinham no pai, companheiro, trabalhador e passam a ver este pai com os olhos da mágoa, da traição e unem-se às esposas/mães em unem-seu sofrimento e busca por respostas.

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Gráfico 1: Porcentagem de idosos segundo sexo e idade
Gráfico 2: Porcentagem de idosos segundo religião e sexo
Gráfico 3: Porcentagem de idosos segundo sexo e condições de moradia
Gráfico 5: Porcentagem de idosos segundo sexo e vínculo de trabalho
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Referências

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