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Voto obrigatório, justificativas constitucionais e processo de participação política

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VOTO OBRIGATÓRIO, JUSTIFICATIVAS CONSTITUCIONAIS E PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Palhoça 2014

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LUAN DOS SANTOS DA SILVA

VOTO OBRIGATÓRIO, JUSTIFICATIVAS CONSTITUCIONAIS E PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Msc. Danielle Maria Espezim dos Santos

Palhoça 2014

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LUAN DOS SANTOS DA SILVA

VOTO OBRIGATÓRIO, JUSTIFICATIVAS CONSTITUCIONAIS E PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 11 de junho de 2014.

_________________________________________ Prof.ª e orientadora Msc. Danielle Maria Espezim dos Santos.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Profa.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Prof.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

VOTO OBRIGATÓRIO, JUSTIFICATIVAS CONSTITUCIONAIS E PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, 11 de junho de 2014.

_____________________________________

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RESUMO

O presente trabalho monográfico tem como tema o voto obrigatório, consagrado pela Constituição Federal de 1988. O objetivo desta pesquisa é verificar as justificativas apresentadas pelo Constituinte de 1987-1988 para a instituição do voto obrigatório e constatar o grau de participação política da população brasileira no período compreendido entre a promulgação da Constituição de 1988 e o ano de 2014, com vistas a subsidiar a reflexão acerca da subsistência - ou insubsistência - dos argumentos que justificaram a instituição do voto obrigatório. O estudo trata de direitos políticos, apresentando o conceito dado pela doutrina, bem como uma breve abordagem desses direitos na história constitucional do Brasil. Trata ainda da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 e de aspectos do processo de participação política, abordando as leis nacionais de iniciativa popular que tratam de matéria afeta ao Direito Eleitoral e as manifestações de massa de caráter político que ocorreram no país no ano de 2013. A pesquisa trata, por fim, da ainda latente influência do abuso de poder econômico e político em eleições ocorridas no ano de 2012, que põe em xeque a maturidade política de parcela do eleitorado brasileiro. O método de abordagem é o dedutivo, o procedimento é monográfico e a técnica bibliográfica. Constata-se que a população brasileira vem aprimorando sua participação política e se demonstrando cada vez mais vigilante em relação às atividades de governo, no caminho de entender o dever cívico de votar, a ponto de fazê-lo espontaneamente. Conclui-se que qualquer decisão sobre o tema será mais legítima se dada pelos verdadeiros titulares desse direito e sugere-se que se dê continuidade à pesquisa sobre a temática em nível de pós-graduação, especialmente acerca da viabilidade de realização de consulta pública sobre a questão.

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LISTA DE SIGLAS

Ajufe – Associação dos Juízes Federais CBJP – Comissão Brasileira de Justiça e Paz CF – Constituição Federal

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNM – Confederação Nacional dos Municípios

Conamp – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 MCCE – Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil PEC – Proposta de Emenda Constitucional

TRE-RN – Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte TRE-SC – Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina TSE – Tribunal Superior Eleitoral

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 07 2 DIREITOS POLÍTICOS NO BRASIL ...

2.1 BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA ...

2.1.1 A Constituição de 1824 ... 2.1.2 A Constituição de 1891 ... 2.1.3 A Constituição de 1934 ... 2.1.4 A Constituição de 1937 ... 2.1.5 A Constituição de 1946 ... 2.1.6 A Constituição de 1967 ... 09 10 10 11 13 14 15 16

2.2 DIREITOS POLÍTICOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 2.3 CIDADANIA, SOBERANIA POPULAR, SUFRÁGIO E VOTO ...

18 22

3 A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987-1988 ...

3.1 O PODER CONSTITUINTE ... 3.2 O CONTEXTO POLÍTICO EM QUE NASCE A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987-1988, O SEU DESLINDE E O SEU DESFECHO ... 3.3 OS DEBATES ACERCA DA INSTITUIÇÃO DO VOTO OBRIGATÓRIO NAS SUBCOMISSÕES E COMISSÕES DA ASSEMBLEIA NACIONAL

CONSTITUINTE DE 1987-1988 ...

25

25 28

33

4 ASPECTOS DO PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ...

4.1 AS LEIS NACIONAIS DE INICIATIVA POPULAR QUE TRATAM DE

MATÉRIA AFETA AO DIREITO ELEITORAL ... 4.2 AS MANIFESTAÇÕES DE MASSA DE CARÁTER POLÍTICO OCORRIDAS NO ANO DE 2013 ... 4.3 A INFLUÊNCIA DO ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO NO PROCESSO ELEITORAL EM ELEIÇÕES OCORRIDAS NO ANO DE 2012 ...

39 39 47 49 5 CONCLUSÃO... 54 REFERÊNCIAS... 57

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa terá como tema o voto obrigatório, instituído pela Carta Magna de 1988. O objetivo do trabalho será verificar as justificativas apresentadas pelo Constituinte de 1987-1988 para a instituição do voto obrigatório e constatar o grau de participação política da população brasileira no período compreendido entre a promulgação da Constituição de 1988 e o ano de 2014, com vistas a subsidiar a reflexão acerca da subsistência - ou insubsistência - dos argumentos que justificaram a instituição do voto obrigatório.

O Constituinte de 1987-1988, ao consagrar o voto obrigatório no texto original da Constituição Federal vigente, levou em consideração aspectos de diversas naturezas, tais como cultura, características geográficas do país, tecnologia existente à época, economia, entre outros. Questiona-se, todavia, se 26 anos após a promulgação da Lei Maior, tais aspectos ainda sustentam a manutenção do voto obrigatório.

A pesquisa mostrar-se-á pertinente diante de fatos ocorridos no país após a promulgação da Constituição de 1988 até o ano de 2014, os quais dão conta de que os cidadãos brasileiros vêm aprimorando sua participação política, como leis nacionais de iniciativa popular que tratam sobre Direito Eleitoral e manifestações de massa de caráter político.

No campo do Direito Constitucional, valer-se-á das doutrinas de autores como Paulo Bonavides, José Afonso da Silva e Alexandre de Morais. Na seara do Direito Eleitoral, os ensinamentos de José Jairo Gomes nortearão esta pesquisa. A lição do historiador Boris Fausto, igualmente, contribuirá sobremaneira para alcançar o objetivo do trabalho.

O presente procedimento monográfico utilizar-se-á do método de abordagem dedutivo e da técnica bibliográfica, valendo-se de livros, artigos científicos, notícias publicadas em sítios eletrônicos, anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, entre outras fontes. A pesquisa dividir-se-á em cinco seções, sendo a primeira a sua introdução, as três seguintes os capítulos que expõem o tema e a última a sua conclusão.

O primeiro capítulo desta pesquisa trará um estudo acerca dos direitos políticos. Inicialmente, far-se-á uma exposição do conceito doutrinário desses direitos e, em seguida, abordar-se-á brevemente a história constitucional dos direitos

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políticos no país, tratando das sete Constituições que já vigeram no Brasil. Quanto à Constituição Federal de 1988, reservar-se-á uma subseção inteira para abordagem, uma vez que a Lei Maior atual é o cerne da pesquisa.

O segundo capítulo deste trabalho monográfico tratará da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1998. Em um primeiro momento, abordar-se-á conceitos apresentados pela doutrina acerca do poder constituinte. Em seguida, demonstrar-se-á o cenário político existente no Brasil quando da convocação da Assembleia e como se deram os trabalhos dos Constituintes.

A última subseção do segundo capítulo exporá as justificativas constitucionais apresentadas para a instituição do voto obrigatório no texto original da Lei Maior, bem como aquelas apresentadas pelos Constituintes que eram favoráveis à facultatividade do voto, todas colhidas das atas de reuniões das subcomissões da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988.

O terceiro capítulo demonstrará aspectos do processo de participação política, ao abordar as duas leis nacionais de iniciativa popular que tratam de matéria afeta ao Direito Eleitoral e as manifestações de massa de caráter político que ocorreram no país no ano de 2013. Embora existam outras formas de participação política, optou-se por esse dois fenômenos por apresentarem maior relação com o tema em estudo.

Por fim, ainda no terceiro capítulo, demonstrar-se-á a latente influência do abuso de poder econômico e político no processo eleitoral em eleições ocorridas no ano de 2012, que põe em xeque a maturidade política de parcela do eleitorado brasileiro e reacende a discussão acerca da viabilidade de instituição do voto facultativo.

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2 DIREITOS POLÍTICOS NO BRASIL

Em uma pesquisa cujo cerne é o direito de votar, imperioso verificar qual seja o conceito de direitos políticos construído pela doutrina, bem como a sua evolução na história constitucional do país.

O autor José Jairo Gomes (2013, p. 4) conceitua direitos políticos como "[...] as prerrogativas e os deveres inerentes à cidadania. Englobam o direito de participar direta ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento do Estado".

E continua:

É pelos direitos políticos que as pessoas individual e coletivamente -intervêm e participam no governo. Tais direitos não são conferidos indistintamente a todos os habitantes do território nacional - isto é, a toda a população -, mas só aos nacionais que preencham determinados requisitos expressos na Constituição - ou seja, ao povo (GOMES, 2013, p. 4).

Igualmente elucidativos são os ensinamentos de Pinto Ferreira (1998, p. 166), o qual preleciona que "[...] direitos políticos são os que asseguram a participação do indivíduo no governo de seu país, seja votando ou sendo votado".

Na mesma senda é a lição de José Afonso da Silva (2009, p. 211, grifo do autor), citando Pimenta Bueno (1958, p. 458), a saber:

Pimenta Bueno – que é, sem sombra de dúvidas, um dos mais lúcidos publicistas brasileiros de todos os tempos – já conceituava os direitos políticos, em face da Constituição do Império, naquele sentido estrito, como "as prerrogativas, os atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou só indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos". Nesse sentido, podemos, hoje, dizer que os direitos políticos consistem na

disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania popular.

Para Teori Albino Zavascki (1994, p. 177), direitos políticos ou direitos de cidadania podem ser compreendidos como:

[...] o conjunto de direitos atribuídos ao cidadão que lhe permite, através do voto, do exercício de cargos públicos ou da utilização de outros instrumentos constitucionais e legais, ter efetiva participação e influência nas atividades de governo.

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Extrai-se das lições dos autores supracitados, portanto, que os direitos políticos existem atualmente no Brasil como forma de garantir a participação do cidadão nos rumos políticos do país, com vistas a fazer prevalecer a vontade popular, soberana no Estado Democrático de Direito.

Ocorre que o Estado Brasileiro nem sempre se fundou em bases democráticas, daí a importância de se verificar a evolução dos direitos políticos na história constitucional do Brasil e constatar de que forma eram exercidos nos outros regimes que vigoraram no país.

2.1 BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA

O direito de votar instituído pela Constituição do Império, a primeira do país, difere do instituído pela Constituição Federal de 1988, a mais recente. E nesses mais de 150 anos que as separam, outras 5 constituições vigoraram, trazendo em seus textos inovações ao ordenamento jurídico pátrio quanto ao exercício da cidadania.

Dessa forma, não se pode pretender realizar um estudo acerca do direito ao voto sem se debruçar sobre as diversas facetas que esse direito ganhou ao longo da história constitucional do Brasil, o que se fará nos subseções seguintes.

2.1.1 A Constituição de 1824

Também conhecida como Constituição do Império, a Carta de 1824 foi a primeira Constituição brasileira. Quando da sua outorga, o país recentemente havia se tornado independente da Coroa Portuguesa e sua forma de governo ainda era a monarquia.

Em razão disso, o autoritarismo, marca dessa forma de governo e exercido pela figura do Monarca por meio do Poder Moderador, foi decisivo na elaboração e na outorga da Constituição de 1824, que instituiu o sufrágio restrito (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Sobre o exercício do voto instituído pela primeira Carta Magna, o historiador Boris Fausto (2000, p. 151) esclarece:

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O voto era indireto e censitário. Indireto, porque os votantes, correspondentes hoje à massa dos eleitores, votavam em um corpo eleitoral, nas eleições chamadas de primárias; esse corpo eleitoral é que elegia os deputados. Censitário, porque só podia ser votante, fazer parte do colégio eleitoral, ser deputado ou senador quem atendesse a alguns requisitos, inclusive de natureza econômica, chamados de "censo".

E continua:

A eleição para a Câmara dos Deputados se processava da seguinte forma. Nas eleições primárias, votavam cidadãos brasileiros, inclusive os escravos libertos, mas não podiam votar, entre outros, os menores de 25 anos, os criados de servir, os que não tivessem renda anual de pelo menos 100 mil-réis provenientes de bens de raiz (imóveis), indústria, comércio ou emprego. (FAUSTO, 2004, p. 151).

Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 107-108), acerca dos critérios estabelecidos pela Constituição de 1824 para o exercício do voto, discorrem:

A Constituição do Império repartia o eleitorado em duas categorias: os eleitores com direito a votar nas assembléias primárias de paróquia, que nós chamaríamos eleitores de primeiro grau, e os eleitores provinciais, a saber, os eleitores de segundo grau, que em verdade eram os mesmo eleitores paroquiais, com exceção daqueles que tivessem renda líquida anual inferior a 200$0 por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. Aliás, o obstáculo à participação também se estendia nas assembléias paroquiais àqueles que não tivessem renda líquida anual de 100$0 por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego.

E da lição de Vera Chaia (2010, p. 1), quanto ao exercício do voto durante o período imperial, colhe-se: "[...] o voto era a descoberto [sic] e oral, como maneira de controlá-lo. Os analfabetos possuíam o direito ao voto, e eles constituíam a grande maioria da população brasileira daquele período (70% a 80%)."

A Carta de 1824, e seu sufrágio restrito, vigorou durante todo o período imperial, longe, como visto alhures, de qualquer indício de exercício pleno da cidadania.

2.1.2 A Constituição de 1891

A Carta de 1891 foi de imensurável importância para a história política do Brasil. Ela instituiu a forma de governo republicana, o presidencialismo, a separação dos poderes nos moldes de Montesquieu e o sistema federativo, abolindo as antigas

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províncias, que passaram a ser chamadas de Estados, em consonância com o modelo estado-unidense (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Essa nova forma de governo e de Estado não se coadunava com o sufrágio restrito que vigorava no país até então. Desse modo, a Constituição da Primeira República instituiu o voto direto aos maiores de 21 anos, sem distinção de qualquer natureza. Dispunha o caput do art. 70: "São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei." (BRASIL, 1891).

O Carta de 1891, todavia, foi sucinta quanto ao exercício do voto. Além do citado caput do art. 70, o diploma abordou apenas as hipóteses em que o alistamento eleitoral era vedado, não havendo qualquer disposição quanto à obrigatoriedade ou não de votar.

Sobre o sufrágio na Carta Magna de 1891, assinala Boris Fausto (2000, p. 251):

Para proceder às eleições, fixou-se o sistema do voto direto e universal, ou seja, suprimiu-se o censo econômico. Foram considerados eleitores todos os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos, excluídas certas categorias, como os analfabetos, os mendigos, os praças militares. A Constituição não fez referência às mulheres, mas considerou-se implicitamente que elas estavam impedidas de votar.

Porém, ressalva o historiador: "Excepcionalmente, os primeiros presidente e vice-presidente da República seriam eleitos pelo voto indireto da Assembléia Constituinte, transformada em Congresso comum." (FAUSTO, 2004, p. 251).

Da lição de Vera Chaia (2010, p. 2), sobre o Diploma em tela, extrai-se:

[...] a Constituição de 1891 instituiu que os eleitores deveriam ser maiores de 21 anos; excluíram-se mulheres, mendigos, praças de pré e religiosos em comunidade claustral. O argumento utilizado para a exclusão de analfabetos e mulheres do processo eleitoral justificava-se pela ideia de que seriam mais influenciáveis, fosse pelos patrões, fosse pelos maridos e pais. Portanto, por esse argumento as mulheres e os analfabetos não teriam opinião política própria.

Como se vê, a Carta de 1891 deu passos fundamentais para a instituição do sufrágio universal ao abolir os critérios econômicos que sua antecessora estabelecera, embora ainda estivesse distante do modelo atual de exercício da cidadania.

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2.1.3 A Constituição de 1934

Os direitos sociais, que impulsionaram a Revolução de 1930, foram determinantes na elaboração da segunda Constituição republicana (BONAVIDES; PAES, 2004).

Não só por isso, a Constituição de 1934 foi um marco na história política do Brasil. Ela foi a primeira a consagrar, constitucionalmente, o voto da mulher no país. Tal feito, de acordo com Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 325), "[...] fez do Brasil um dos pioneiros do voto feminino em todo o mundo".

Dispunha o caput do art. 108 da Carta de 1934: "São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei." (BRASIL, 1934).

Em contrapartida, o artigo seguinte da Constituição de 1934 logo restringia essa conquista feminina, estendendo o direito de votar apenas às mulheres que exercessem função pública remunerada.

Era a redação do caput do art. 109: "O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar." (BRASIL, 1934).

Cumpre sublinhar que o voto feminino já havia sido reconhecido pelo Código Eleitoral de 1932, de acordo com a lição do historiador Boris Fausto (2000, p. 343-344), a saber:

O código [eleitoral] trouxe algumas importantes inovações. Estabeleceu a obrigatoriedade do voto e seu caráter secreto. Pela primeira vez, reconhecia-se o direito de voto das mulheres. A lei eleitoral do Rio Grande do Norte, de 1927, tinha sido pioneira, mas ficara restrita àquele Estado.

Ainda sobre o exercício do voto no período em comento, assinala Vera Chaia (2010, p. 3):

A elaboração do Código eleitoral de 1932 e a Constituição de 1934 possibilitaram o voto às mulheres, mas somente àquelas que trabalhassem fora. A idade foi reduzida para maiores de 18 anos e o alistamento se tornou obrigatório.

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Como se pode notar, a Lei Maior de 1934 instituiu, textualmente, o voto como uma obrigação e reconheceu o voto feminino, assemelhando-se, nesses pontos, com o modelo consagrado pela Constituição Cidadã.

2.1.4 A Constituição de 1937

A Lei Fundamental de 1934 não vigorou por muito tempo. Isso ocorreu porque, consoante ensina Pinto Ferreira (1998, p. 55), o país vivia "[...] uma temível efervescência política".

Ainda de acordo com o autor, emendas à Constituição elaboradas pelo Congresso Federal contribuíram para o enfraquecimento da democracia e leis aceleraram a ditadura, como a que tipificou os crimes contra a ordem pública e social e a que criou o Tribunal de Segurança Nacional (FERREIRA, 1998).

Dessa forma, a Carta de 1937 deu início a um período autoritário na história do Brasil ao instituir o regime denominado de Estado Novo, o qual teve inspiração em movimentos totalitários que dominavam a Europa após a Primeira Guerra Mundial (FAUSTO, 2000).

O Diploma foi apelidado de "A Polaca", porque, de acordo com Paulo Bonavides e Paes de Andrade, sofreu maior influência da Constituição da Polônia (BONAVIDES; ANDRADE, 2004). Os autores afirmam ainda que a Constituição de 1937 "[...] foi a primeira que dispensou o trabalho de representação popular constituinte". (BONAVIDES; ANDRADE, 2004, p. 345).

Embora a Carta Magna de 1937 tenha reconhecido, em seu art. 117, o direito de votar aos homens e mulheres maiores de 18 anos, a maior parte de seus dispositivos nunca foi aplicada. Isso porque a manutenção da Lei Fundamental em comento estava condicionada a um plebiscito, que não foi realizado (FAUSTO, 2000).

Sobre a Carta Magna de 1937 e o Estado Novo, ensina o historiador Boris Fausto (2000, p. 365):

A Constituição entrava em vigor imediatamente e devia ser submetida a um plebiscito nacional. O Parlamento, as Assembléias estaduais e as Câmaras Municipais eram dissolvidas, devendo realizar-se eleições para o Parlamento somente depois do plebiscito. Enquanto isso, o presidente tinha o poder de expedir decretos-lei em todas as matérias de responsabilidade do governo federal.

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E continua: "Na realidade, o presidente ficaria durante todo o Estado Novo com o poder de governar através dos decretos-lei, pois não se realizaram nem o plebiscito nem as eleições para o Parlamento". (FAUSTO, 2000, p. 365-366).

E dos ensinamentos de Vera Chaia (2010, p. 3), extrai-se:

A instauração do Estado Novo, com Getúlio Vargas (1937-1945), extinguiu todos os direitos políticos dos cidadãos brasileiros, bem como qualquer tipo de participação política. O argumento utilizado pela corrente autoritária que detinha o poder era de que faltava capacidade e maturidade ao povo brasileiro e que somente esta elite política poderia representar e construir a nação brasileira. Todos os cargos eletivos foram eliminados, a escolha dos governadores e prefeitos passou a ser comandada pelo governo central, e o Poder Legislativo, em todas as esferas, foi fechado.

O contrassenso constituído pela Carta de 1937 é ainda verificado na lição de Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 348), a saber:

Ao enunciar em seu art. 1º que o poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade" [sic], a Constituição de 37 desmentiu-se ao afastar-se do estado democrático com o cancelamento das eleições, e extinção dos partidos, o fechamento do Congresso e outras medidas marcadamente autoritárias.

Percebe-se, portanto, que, não obstante tenha consagrado em seu texto o direito de votar, a Constituição de 1937, com seu regime totalitário, representou um verdadeiro aniquilamento dos direitos políticos no período em que vigeu.

2.1.5 A Constituição de 1946

A Carta Magna de 1946 representou uma retomada da democracia na história do país. Ela resgatou a autonomia dos entes federativos, restabeleceu o Congresso Nacional bicameral e salvaguardou os direitos e garantias individuais (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

No campo dos direitos políticos, a Lei Fundamental de 1946 instituiu, em seu art. 133, o direito - e a obrigação - de votar aos brasileiros de ambos os sexos, maiores de 18 anos (BRASIL, 1946).

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Embora intitulasse o sufrágio como universal, os analfabetos ainda estavam impedidos de participarem do processo de escolha dos representantes políticos, conforme dispunham os arts. 132 e 134 do Diploma em comento:

Art 132 - Não podem alistar-se eleitores: I - os analfabetos;

[...]

Art 134 - O sufrágio é universal e, direto; o voto é secreto; e fica assegurada a representação proporcional dos Partidos Políticos nacionais, na forma que a lei estabelecer (BRASIL, 1946).

Imperioso esclarecer que, de acordo com Vera Chaia (2010, p. 3), os analfabetos "[...] representavam, em 1950, cerca de 50% da população brasileira com mais de 18 anos".

Sobre o exercício da cidadania instituído pela Carta Magna de 1946, Boris Fausto (2000, p. 400) assevera:

No capítulo referente à cidadania, o direito e a obrigação de votar foram conferidos aos brasileiros alfabetizados, maiores de dezoito anos, de ambos os sexos. Completou-se assim, no plano dos direitos políticos, a igualdade entre homens e mulheres. A Constituição de 1934 determinava a obrigatoriedade do voto apenas para as mulheres que exercessem atividade pública remunerada.

Como se vê, o restabelecimento da democracia concretizado pela Constituição de 1946 representou a reconquista do voto direto no Brasil, semelhante - mas não idêntico - ao instituído pela Carta Magna de 1988.

2.1.6 A Constituição de 1967

A Carta de 1967 foi precedida por Atos Institucionais baixados por militares, vitoriosos no Golpe de 1964 (FAUSTO, 2000). Tais atos indicavam o caráter autoritário do regime que estava por vir.

As modificações estabelecidas pelos Atos Institucionais atingiram também a escolha dos representantes políticos, que passou a ocorrer de forma indireta para alguns cargos (FAUSTO, 2000). À guisa de exemplo, sublinha-se o AI-1, que "[...] estabeleceu a eleição de um novo presidente da República, por votação indireta do Congresso Nacional". (FAUSTO, 2000, p. 468).

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Na mesma toada foram os Atos Institucionais de números 2 e 3, de acordo com a lição do historiador Boris Fausto (2000, p. 474), a saber:

O AI-2 estabeleceu em definitivo que a eleição para presidente e vice-presidente da República seria realizada pela maioria absoluta do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal. Evitava-se assim o voto secreto para prevenir surpresas. Diga-se de passagem que, em fevereiro de 1966, o AI-3 estabeleceu também o princípio da eleição indireta dos governadores dos Estados através das respectivas Assembléias estaduais.

O AI-4 convocou o Congresso Nacional para a aprovação da Carta Magna de 1967. Embora a Constituição em comento considerasse eleitores os brasileiros maiores de 18 anos e reconhecesse o sufrágio como sendo direto em seus arts. 142 e 143, respectivamente (BRASIL, 1967), as eleições continuaram sendo realizadas de maneira indireta para alguns cargos (FAUSTO, 2000).

A respeito do processo eleitoral existente durante a ditadura militar, colhe-se da lição de Vera Chaia (2010, p. 4):

Com o golpe foi cassado o direito de voto do cidadão brasileiro, pois várias restrições marcaram o processo eleitoral: os prefeitos das capitais, áreas de segurança nacional e estâncias hidrominerais eram nomeados pelo governador, que, por sua vez, era eleito indiretamente pelas respectivas Assembleias Legislativas. O presidente também deixou de ser eleito diretamente pelo povo. Tal atribuição passou para o Colégio Eleitoral, formado pelo Congresso Nacional, que escolhia o presidente por via indireta.

E continua:

Vários casuísmos foram criados para controlar o processo eleitoral: decretos-leis, atos institucionais, reformas no sistema partidário brasileiro, fechamento do Congresso Nacional, cassações, censura aos meios de comunicação, supressão dos direitos políticos, prisões e banimento políticos. (CHAIA, 2010, p. 4).

A abertura política durante a ditadura militar foi um processo paulatino, o qual teve marco importante em 1982, ano em que "[...] mais de 48 milhões de brasileiros foram às urnas para eleger de vereadores a governadores dos Estados. Estes seriam eleitos pelo voto direto pela primeira vez desde 1965". (FAUSTO, 2000, p. 508).

Nesse processo de abertura política, houve ainda o surgimento do voto vinculado, "[...] pelo qual o eleitor era forçado a escolher candidatos de um mesmo

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partido em todos os níveis de representação, de vereador a governador. O voto em candidatos de partidos diferentes seria considerado nulo". (FAUSTO, 2000, p. 508).

As eleições indiretas para Presidente e Vice-Presidente da República, entretanto, perduraram durante toda a ditadura militar e ensejaram a campanha denominada de "Diretas Já", a qual objetivava o restabelecimento do voto direito mediante a aprovação da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, o que não aconteceu (FAUSTO, 2000).

2.2 DIREITOS POLÍTICOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

As eleições diretas para Presidente e Vice-Presidente da República foram restabelecidas por legislação infraconstitucional em 1985, bem como o direito de voto dos analfabetos. No ano seguinte, houve eleições para a Assembleia Nacional Constituinte (FAUSTO, 2000).

Marcada pela participação popular em seu processo de elaboração (BONAVIDES; ANDRADE, 2004), a Constituição de 1988 reservou um capítulo aos direitos políticos - o capítulo IV - contendo 3 artigos.

Acerca dos direitos políticos consignados no texto da Constituição de 1988, preleciona José Afonso da Silva (2009, p. 211, grifo do autor): "A Constituição emprega a expressão 'direitos políticos' em seu sentido estrito, como conjunto de regras que regulam os problemas eleitorais, quase como sinônima de direito eleitoral."

Em seu art. 14, o primeiro do capítulo reservado aos direitos políticos, a Lei Fundamental de 1988 consagra o sufrágio universal e o voto direto e secreto, com valor igual para todos, como meio de exercício da soberania popular. Dispõe que essa será exercida ainda por meio de plebiscito, referendo e iniciativa popular (BRASIL, 1988).

Plebiscito e referendo são, de acordo com o caput do art. 2º da Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998, "[...] consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa". (BRASIL, 1998).

O próprio dispositivo legal apontado tratou de distinguir os dois institutos, em seus §§ 1º e 2º. Dispõe que o plebiscito precede o ato legislativo ou administrativo, e ao povo cumpre aprovar ou denegar a questão a ele submetida. Ao

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passo que o referendo ocorre após o ato legislativo ou administrativo, hipótese em que os cidadãos ratificam-no ou rejeitam-no (BRASIL, 1998).

Procurando aclarar ainda mais a diferença entre os essas duas formas de exercício da soberania popular, Alexandre de Moraes (2009, p. 223, grifo do autor) ensina:

Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional, o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva).

A iniciativa popular, outra forma de exercício da soberania popular instituída pelo art. 14 da Constituição Federal, é disciplinada pelo art. 61, § 2º, da Carta Magna. Dispõe o aludido dispositivo constitucional:

Art. 61. [...]

§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. (BRASIL, 1988).

Acerca do instituto da iniciativa popular, José Afonso da Silva (2009, p. 223) preleciona:

É forma de iniciativa legislativa pela qual se admite que o povo apresente projetos de lei ao Legislativo, desde que subscritos por número razoável de eleitores, acolhida no art. 14, III, e regulada no art. 61, § 2º. O projeto precisa ser subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional (cerca de 1.200.000 eleitores), distribuídos pelo menos em cinco Estados, com não menos de três décimos por cento (0,3%) dos eleitores em cada um deles).

A obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto é imposta aos maiores de 18 anos e está consignada no § 1º do art. 14 da CF. Já a facultatividade, tratada no mesmo parágrafo, é atribuída aos analfabetos, aos maiores de setenta anos e aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (BRASIL, 1988).

O § 2º do art. 14 veda o alistamento eleitoral aos estrangeiros e aos conscritos, durante o serviço militar obrigatório (BRASIL, 1988). José Jairo Gomes (2013, p. 132), ao definir o que seja conscrito, dispõe:

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Conscrito é o nome dado aos que prestam serviço militar obrigatório. O artigo 143, § 1º, da Constituição dispõe que "o serviço militar é obrigatório nos termos da lei". Consiste esse serviço no exercício de atividades específicas desempenhadas nas Forças Armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica -, compreendendo todos os encargos relacionados com a defesa nacional.

Até aqui, citou-se os primeiros parágrafos do art. 14 da Constituição Federal, pois tratam do voto e de suas características, importantes para a temática em questão. Sublinha-se que o aludido dispositivo constitucional, em seus parágrafos seguintes, estabelece ainda regras relativas a elegibilidade e impugnação de mandato eletivo, as quais fogem ao objeto deste estudo.

O caput do art. 15 da CRFB/88 veda expressamente a cassação dos direitos políticos. O dispositivo, todavia, elenca em seus incisos as hipóteses em que os direitos políticos do cidadão podem ser perdidos ou suspensos, a saber

Art. 15. [...]

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. (BRASIL, 1988).

De acordo com Teori Albino Zavascki, o art. 15 da CF deixou de contemplar uma sexta hipótese de privação dos direitos políticos. Trata-se da perda dos direitos políticos pela perda da nacionalidade, prevista no art. 12, § 4º, II, da Constituição Federal (ZAVASCKI, 1994).

Tal privação ocorre por decorrência lógica, uma vez que "o cidadão brasileiro que adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária perderá a nacionalidade brasileira e, conseqüentemente, seus direitos de cidadania". (ZAVASCKI, 1994, p. 178).

Um sétima hipótese de privação dos direitos políticos igualmente não prevista no texto constitucional é a suspensão dos direitos políticos do brasileiro que passar a exercê-los em Portugal, nos termos do art. 17 do Decreto 3.927, de 19 de setembro de 2001, que promulgou o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta,

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celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa em 22 de abril de 2000 (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2013).

Dispõe o supramencionado dispositivo:

1. O gozo de direitos políticos por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil só será reconhecido aos que tiverem três anos de residência habitual e depende de requerimento à autoridade competente.

[...]

3. O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade. (BRASIL, 2001).

Distinguindo os dois institutos - perda e suspensão -, José Afonso da Silva define a perda como sendo a privação definitiva dos direitos políticos e a suspensão como sendo a privação temporária desses direitos (SILVA, 2009).

Embora a Carta Magna de 1988 preveja as hipóteses de privação dos direitos políticos, o Constituinte deixou de indicar em quais situações a sanção cominada seria a de perda e em quais seria a de suspensão.

Tal lacuna tratou de ser preenchida pela doutrina. Ainda da lição de Zavascki (1994, p. 178-179), extrai-se:

A rigor, são apenas duas as hipóteses de perda dos direitos políticos: o cancelamento da naturalização e a perda da nacionalidade brasileira. Todas as demais são hipóteses de suspensão, pois que de efeitos temporários: perduram enquanto perdurar a causa determinante, nos casos de incapacidade civil absoluta, de condenação criminal e de recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa; no caso de improbidade administrativa, o tempo de suspensão dos direitos políticos é o estabelecido na lei regulamentadora do art. 37, § 4.º, da Constituição Federal, ou seja, a Lei n.º 8.429, de 2 de junho de 1992.

Tal entendimento doutrinário não é, todavia, uníssono, consoante se depreende da lição de José Jairo Gomes (2013, p. 9):

Parte da doutrina tem considerado os incisos I (cancelamento de naturalização) e IV (escusa de consciência) do citado artigo 15 da Constituição como hipóteses de perda e direitos políticos. As demais são de suspensão.

Por fim, o art. 16 da Constituição Cidadã, o último do capítulo que trata dos direitos políticos, traz regra relativa ao processo eleitoral, sobre a qual não se fará apontamentos, porque estranha ao objeto deste estudo.

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2.3 CIDADANIA, SOBERANIA POPULAR, SUFRÁGIO E VOTO

Cidadania, soberania popular, sufrágio e voto são termos que permeiam esta pesquisa e, não raro, geram dúvidas quanto aos seus significados. Assim, para um melhor deslinde deste estudo, impende elucidar quais sejam seus conceitos, de acordo com a construção doutrinária pátria.

De acordo com José Jairo Gomes, recebe a qualificação de cidadão o nacional que adquirir direitos políticos, sendo admitido a participar da vida política do país, ativa ou passivamente (GOMES, 2013).

Assim, pode-se dizer que "'cidadão', no Direito Brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado, e suas conseqüências". (SILVA, 2009, p. 211).

O autor José Jairo Gomes (2013, p. 47-48, grifo nosso) busca ainda aclarar a diferença entre Cidadania e Nacionalidade, a saber:

A cidadania é um status ligado ao regime político; identifica os detentores de direitos políticos. Já a nacionalidade é um status do indivíduo perante o Estado. Indica que uma pessoa encontra-se ligada a determinado Estado. Conforme salientado, o indivíduo pode ser brasileiro (nacionalidade) e nem por isso ser cidadão (cidadania), haja vista não poder votar nem ser votado (ex: criança). A cidadania constitui atributo jurídico que nasce no momento em que o nacional se torna eleitor.

Gomes, entretanto, esclarece que o termo cidadania possui concepção mais ampla nas ciências sociais, como se vê no fragmento que segue:

[...] não se pode olvidar que esse termo - cidadania - apresenta amplo significado nas ciências sociais, em que denota o próprio direito à vida digna em sentido pleno, abarcando os direitos fundamentais, civis, políticos e sociais. É evidente que, nesse sentido amplo, todos têm direito à cidadania, independentemente de se estar ou não alistado como eleitor (GOMES, 2013, p. 47, grifo do autor).

A soberania popular, por sua vez, é o princípio básico da democracia e está consagrada no § 1º do art. 1º da Carta Magna de 1988, o qual reza que "todo poder emana do povo [...]" (SILVA, 2009).

Ao definir o referido princípio, José Afonso da Silva (2009, p. 214, grifo do autor), citando Carlos Sánchez Viamonte (1957, p. 183 e p. 485), ensina:

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Na democracia o povo é o centro e a fonte de todos os poderes; é ele que faz a Constituição; soberana, aí, não é mais a Nação enquanto pessoa abstrata, mas a massa dos cidadãos; enfim, "a soberania primária, o poder constituinte, reside essencialmente no povo, na totalidade e em cada um de seus membros".

A lição de Gomes (2013, p. 44) muito contribui para o entendimento do princípio em comento: "[...] a soberania popular se revela no poder incontrastável de decidir. É ela que confere legitimidade ao exercício do poder estatal. Tal legitimidade só é alcançada pelo consenso expresso na escolha feita nas urnas."

Conforme visto no início desta seção, a soberania popular é exercida, dentre outras formas, pelo sufrágio universal, nos termos do caput do art. 14 da Lei Fundamental de 1988.

No tocante à definição do que seja sufrágio, José Jairo Gomes (2013, p. 46-47, grifo do autor) é elucidativo em sua lição: "Literalmente, o vocábulo sufrágio significa aprovação, opinião favorável, apoio, concordância, aclamação. Denota, pois a manifestação de vontade de um conjunto de pessoas para a escolha de representantes políticos."

E continua o autor:

Em suma: o sufrágio traduz o direito de votar e de ser votado, encontrando-se entrelaçado ao exercício da soberania popular. Trata-encontrando-se do poder de decidir sobre o destino da comunidade, os rumos do governo, a condução da Administração Pública. (GOMES, 2013, P. 47)

Acerca especificamente do sufrágio universal, José Afonso da Silva (2009, p. 215, grifo do autor) preleciona:

A universalidade do direito de sufrágio é um princípio basilar da democracia política, que se apóia na identidade entre governantes e governados. Essa identidade será tanto mais real quanto mais se amplie o direito de sufrágio aos integrantes da nacionalidade. É o que caracteriza o sufrágio universal, acolhido no art. 14 da CF, que se funda na coincidência entre a qualidade de eleitor e a de nacional de um país.

O autor assevera que essa coincidência entre eleitor e nacional não é absoluta, de modo que para qualificar-se como eleitor o nacional está sujeito a condições - preenchimento dos requisitos de nacionalidade, idade e capacidade, e necessidade de alistar-se eleitoralmente -, sem qualquer prejuízo ao sufrágio universal (SILVA, 2009).

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Silva, contudo, ressalva: "Só se podem reputar compatíveis com o sufrágio universal as condições puramente técnicas e não-discriminatórias [...]" (SILVA, 2009, p. 215).

Imperioso sublinhar ainda que o sufrágio manifesta-se em dois aspectos: a capacidade de eleger e a capacidade de ser eleito. A primeira é denominada capacidade eleitoral ativa. A segunda capacidade eleitoral passiva (MORAES, 2013).

Mas sufrágio e voto não são sinônimos. Para distinguir os dois institutos, Gomes (2013, p. 50) assinala: "Sufrágio e voto não se confundem. Enquanto sufrágio é um direito, o voto representa seu exercício. Em outras palavras, o voto é a concretização do sufrágio."

O caput do art. 14 da Constituição Cidadã instituiu o voto como sendo direto. Esse, de acordo com José Afonso da Silva, ocorre "[...] quando os eleitores escolhem por si, sem intermediários, seus representantes e governantes". (SILVA, 2009, p. 220).

Ao final desta seção, vê-se que os direitos políticos - e, por conseguinte, o voto - foram uma conquista dos cidadãos brasileiros, os quais atualmente, em razão do sufrágio universal consagrado pela Constituição Cidadã, estão legitimados a participarem da vida política do país.

Os apontamentos tecidos até então, contudo, não se propuseram a verificar as justificativas do Constituinte de 1987-1988 para instituição do voto obrigatório, o que se fará na seção que segue, cujo ponto central é a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988.

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3 A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987-1988

Os 487 deputados e 72 senadores que compunham a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 (BONAVIDES; ANDRADE, 2004), no exercício do poder constituinte, elaboraram a Constituição Cidadã, que foi promulgada em 05 de outubro de 1988.

De acordo com Paulo Bonavides (2012, p. 175), a Carta Magna de 1988 é um dos "[...] quatro únicos documentos de organização constitucional do país que resultaram em rigor de Constituintes soberanas, livremente eleitas pelos cidadãos, representativas da vontade nacional e legitimadas pelo princípio democrático [...]"

Os outros três documentos de organização constitucional a que se refere o autor supramencionado são a Constituição de 1891, a Constituição de 1924 e a Constituição de 1946 (BONAVIDES, 2012).

Isso posto, para um melhor deslinde da pesquisa, convém fazer alguns apontamentos acerca do que seja o poder constituinte e de que forma se dá essa legitimação para a elaboração de uma nova Lei Fundamental.

3.1 O PODER CONSTITUINTE

Como dito alhures, a Lei Maior de 1988 originou-se a partir do trabalho de parlamentares que compunham a Assembleia Nacional Constituinte, os quais, no exercício do poder constituinte, elaboraram seu texto original.

Pinto Ferreira (1998, p. 18) ensina que "o poder constituinte é o poder de elaborar uma Constituição. É a expressão da vontade suprema do povo social e juridicamente organizado".

Ainda discorrendo sobre o tema, o autor preleciona: "Trata-se de um poder que cria inicialmente a ordem jurídica. É ilimitado, soberano e incondicionado." (FERREIRA, 1998, p. 18).

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2007, p. 13), parafraseando Emmanuel Joseph Sieyès (1970), busca distinguir o Poder Constituinte do poder constituído:

A distinção entre o Poder Constituinte e poder constituído aparece solidamente pela primeira vez na obra de Sieyès. O Poder Constituinte estabelece a Constituição; estabelecendo-a, cria poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. Esses poderes são, pois,

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constituídos por um Poder Constituinte, que é distinto daqueles, anterior a eles e fonte da autoridade deles.

E continua:

Na verdade, a idéia da existência de um Poder Constituinte é o suporte lógico da idéia de Constituição; é a justificativa da superioridade da Constituição, que, derivando do Poder Constituinte não pode ser modificada pelos poderes constituídos, porque estes são obra daquele, por intermédio da própria Constituição. O titular desse Poder Constituinte, segundo Sieyès, é a nação. (SIEYÈS, 1970, apud FERREIRA FILHO, 2007, p. 13, grifo do autor).

Na mesma senda é a lição de Paulo Bonavides (2012), o qual igualmente diferencia o poder constituinte originário do poder constituinte constituído ou derivado.

Ensina o doutrinador que o poder constituinte originário "[...] faz a Constituição e não se prende a limites formais: é essencialmente político ou, se quiserem, extrajurídico". (BONAVIDES, 2012, p. 152).

Em contrapartida, acerca do poder constituinte constituído ou derivado, Bonavides (2012, p. 152) preleciona:

[...] se insere na Constituição, é órgão constitucional, conhece limitações tácitas e expressas, e se define como poder primacialmente jurídico, que tem por objeto a reforma do texto constitucional. Deriva da necessidade de conciliar o sistema representativo com as manifestações diretas de uma vontade soberana, competente para a alterar os fundamentos institucionais da ordem estabelecida.

Para Pinto Ferreira (1998), o poder constituinte originário distingue-se do derivado, uma vez que o primeiro é o poder que institui a Constituição, ao passo que o segundo é o poder de revisá-la ou reformá-la.

De acordo com o autor supramencionado, o poder constituinte originário é "[...] inicial, absoluto, soberano, ilimitado, incondicionado" e o poder constituinte derivado é "[...] secundário, relativo, limitado [...]" (FERREIRA, 1998, p. 18).

Quanto às formas de expressão do Poder Constituinte, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2007, p. 62) ensina que "[...] são os modos pelos quais o Poder Constituinte se manifesta, os modos pelos quais o Poder Constituinte estabelece a Constituição formal".

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Entre esses modos estão a outorga e a Convenção ou Assembleia Constituinte (FERREIRA FILHO, 2007). O primeiro, de acordo com o autor:

[...] consiste no estabelecimento da Constituição pela declaração unilateral do agente do Poder Constituinte. É, portanto, o agente do Poder Constituinte que estabelece, de uma só vez, a Constituição e entrega a Constituição ao povo, recomendando, evidentemente, a sua observância. (FERREIRA FILHO, 2007, p. 63).

Em contrapartida, discorrendo sobre a Convenção ou Assembleia Constituinte, Ferreira Filho preleciona: "Essencialmente na Convenção, o estabelecimento da Constituição provém da deliberação da representação popular." (FERREIRA FILHO, 2007, p. 67).

E continua: "[...] na Convenção é a representação convocada para tanto que estabelece, através do debate e das votações, uma Constituição." (FERREIRA FILHO, 2007, p. 68).

Embora refira-se sempre à convenção, conclui-se que Ferreira Filho trata convenção e assembleia como sinônimos a partir da leitura do excerto que segue:

Relativamente às convenções constituintes, cumpre observar que, em relação a elas, podem-se distinguir dois subtipos: aquele em que a decisão da Assembléia é suficiente para a perfeição da Constituição, e o caso em que a decisão da Assembléia — o outro tipo — não é suficiente por si para a perfeição da Constituição. (FERREIRA FILHO, 2007, p. 70)

Em que pese esses dois modos de expressão do Poder Constituinte se afigurem bastante distintos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera que todas as Constituições elaboradas a partir de uma Assembleia ou Convenção Constituinte são precedidas por, ao menos, um ato de outorga (FERREIRA FILHO, 2007).

Preleciona o doutrinador que "[...] existe um ato de outorga, que é o que extingue a vigência da Constituição anterior e convoca essa mesma Assembléia, chama a representação popular para estabelecer uma nova Constituição". (FERREIRA FILHO, 2007, p. 68).

Diante de todo o exposto, vê-se que aos Constituintes de 1987-1988 foi conferido elevado poder para a instituição da Lei Fundamental vigente - o poder constituinte -, de modo que se faz necessária uma verificação mais aprofundada da Assembleia Nacional Constituinte, com o escopo de se verificar de que forma esse poder foi exercido, o que se fará nas subseções seguintes.

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3.2 O CONTEXTO POLÍTICO EM QUE NASCE A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987-1988, O SEU DESLINDE E O SEU DESFECHO

Conforme já visto na subseção 2.1 desta pesquisa, a Carta Maga de 1988 foi precedida pela Constituição de 1967, a qual foi elaborada em meio a um regime autoritário, instituído após o Golpe Militar de 1964.

Assim, porque os brasileiros recentemente haviam passado por uma ditadura, na qual tiverem direitos suprimidos - entre esses, os direitos políticos -, não é difícil perceber que "as atenções e as esperanças do país voltaram-se para a elaboração da nova Constituição". (FAUSTO, 2000, p. 524).

De acordo com os ensinamentos do historiador Boris Fausto (200, p. 524): "Havia um anseio de que ela [a Constituição] não só fixasse os direitos dos cidadãos e as instituições básicas do país como resolvesse muitos problemas fora de seu alcance."

A sociedade civil teve importante papel no processo de abertura política -que culminaria posteriormente com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Isso fica claro no fragmento que segue, extraído da doutrina de Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 456):

Sem a fadiga da Nação, a descrença do povo, a erosão completa do princípio da legitimidade, nada poderia contrariar a vocação perpetuísta que animava os bolsões radicais do movimento de 64, indiferentes e hostis, como sempre, à democracia e ao exercício das franquias liberais.

Lecionam os doutrinadores que o desejo de instituição de um governo confiável e cuja investidura ocorresse de forma legítima vinha de "[...] organizações civis, entidades populares, órgãos de imprensa, estudantes, advogados, professores, trabalhadores e políticos de oposição [...]" (BONAVIDES; ANDRADE, 2004, p. 456).

Entre essas instituições engajadas na convocação da Assembleia Nacional Constituinte estava a Ordem dos Advogados do Brasil, a qual, em um de seus congressos em Manaus, no ano de 1980, assumiu "[...] o compromisso de luta sem trégua em prol da concretização dessa causa". (BONAVIDES; ANDRADE, 2004, p. 456).

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Além da campanha pela instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte, houve também o movimento que buscava a realização de eleições diretas para a Presidência da República, denominado Diretas-Já (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Embora na subseção 2.1.6 desta pesquisa já se tenha feito apontamentos acerca desse movimento, impende, neste momento do estudo, verificar com maiores detalhes o que foi a campanha denominada Diretas-Já, que marcou a história política do país.

Sobre o tema, discorrem os autores Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 518):

O movimento popular das Diretas-já [...] principiou no dia 24 de janeiro de 1984, com um colossal comício na Praça da Sé, em São Paulo, a que compareceram aproximadamente 300 mil pessoas. A concentração popular, a maior até então verificada na história da cidade, fora patrocinada, convocada e organizada pelo Comitê Pró-Diretas, onde se congregavam 70 entidades, distribuídas por sindicados, partidos políticos, associações estudantis e organizações religiosas, com a intensa e efetiva participação de lideranças estudantis, trabalhadores, advogados e sacerdotes. De São Paulo o movimento se irradiou rapidamente por todo o resto do País, levando à praça pública e às ruas milhões de cidadãos em solene protesto contra a ditadura e pela imediata concretização do sufrágio presidencial legítimo, restituindo, assim, ao povo tanto a titularidade quanto o exercício incontinente da soberania.

E da lição de Boris Fausto (2000, p. 509), acerca do movimento popular em tela, colhe-se:

[...] o movimento pelas diretas foi além das organizações partidárias, convertendo-se em uma quase unanimidade nacional. Milhões de pessoas encheram as ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro, com um entusiasmo raramente visto no país. A campanha das "diretas já" expressava ao mesmo tempo a vitalidade da manifestação popular e a dificuldade dos partidos para exprimir reivindicações. A população punha todas as suas esperanças nas diretas: a expectativa de uma representação autêntica, mas também a resolução de muitos problemas (salário baixo, segurança, inflação) que apenas a eleição direta de um presidente da República não poderia solucionar.

Dessa forma, em que pese o movimento denominado Diretas-Já não tenha logrado conquistar a aprovação da Emenda Dante de Oliveira e por conseguinte as eleições diretas para a Presidência da República (FAUSTO, 2000), a campanha foi essencial para disseminar a ideia de que era preciso instituir uma

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nova ordem jurídica, o que aconteceria poucos anos depois, com a instalação da Constituinte e a promulgação de Carta Magna de 1988.

O ato convocatório para a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 nasceu a partir de uma mensagem contendo a proposta de convocação enviada pelo Vice-Presidente da República1ao Congresso Nacional, em 28 de junho de 1985, a qual originou a Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985 (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Dispunham os primeiros artigos da aludida Emenda à Constituição de 1967:

Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente. Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte. (BRASIL, 1985)

Antes, porém, de ser instalada a Assembleia Nacional Constituinte, foi criada a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, por meio do Decreto n. 91.450, de 18 de julho de 1985 (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Determinava o aludido diploma, em seu art. 1º, que tal comissão seria composta por 50 membros de livre escolha do Chefe do Poder Executivo (BRASIL, 1985), os quais, de acordo com Bonavides e Andrade, eram chamados de "notáveis" (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Já no seu art. 2º, o Decreto n. 91.450, de 18 de julho de 1985, dispunha que o objetivo da comissão era desenvolver "[...] pesquisas e estudos fundamentais, no interesse da Nação Brasileira, para futura colaboração aos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte". (BRASIL, 1985).

A Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, indo além do objetivo para o qual fora criada, elaborou um anteprojeto constitucional. O trabalho da

1O vice-presidente ocupava a Presidência da República, uma vez que o presidente não pôde assumir

o cargo na data prevista para a posse por motivo de doença, tendo falecido algumas semanas depois (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

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Comissão, contudo, foi recebido pelo governo como um relatório ou documentário, não tendo sido remetido à Constituinte, que ainda seria instalada2 (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Ocorreram no dia 15 de novembro 1986 as eleições diretas para a Assembleia Nacional Constituinte, cuja composição era de 487 deputados e 72 senadores. Os trabalhos iniciaram-se no dia 1º de fevereiro de 1987, conforme previa o art. 1º da emenda convocatória, citado alhures (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Já no dia seguinte - 2 de fevereiro de 1987 -, procedeu-se à eleição do presidente da Assembleia. O Regimento da Constituinte, contudo, foi promulgado somente no dia 24 de março de 1987, após muitos debates, controvérsias e apresentação de emendas (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Para a elaboração da Constituição, o Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte (Resolução nº 2, de 1987), em seu Título IV, tratou de dividir os trabalhos em comissões e subcomissões (BRASÍLIA, 1987).

Dispunha o caput do art. 13 do aludido diploma: "As Comissões incumbidas de elaborar o Projeto da Constituição, em número de 8 (oito), serão integradas, cada uma, por 63 (sessenta e três) membros titulares e igual número de suplentes." (BRASÍLIA, 1987).

O § 1º do mesmo art. 13 previa e regulava a Comissão de Sistematização, a saber:

Além das Comissões referidas neste artigo, haverá uma Comissão de Sistematização, integrada inicialmente por 49 (quarenta e nove) membros e igual número de suplentes, a qual terá sua composição complementada com os Presidentes e Relatores das demais Comissões, e os Relatores das Subcomissões, assegurada a participação de todos os partidos com assento na Assembléia. (BRASÍLIA, 1987).

Já no § 6º do art. 13, havia previsão de que cada comissão, exceto a de Sistematização, deveria dividir-se em subcomissões, as quais vinham arroladas no art. 15, sendo 3 subcomissões para cada comissão (BRASÍLIA, 1987).

2Por despacho presidencial, o anteprojeto foi enviado ao Ministério da Justiça, onde provavelmente

(33)

A respeito da estrutura funcional da Assembleia Nacional Constituinte, Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 460) são elucidativos:

[...] criavam-se oito comissões, cada qual subdividida em três subcomissões. A par dessas comissões e subcomissões, haveria um comissão central, a chamada Comissão de Sistematização, para a qual convergiria depois todo o trabalho das oito comissões temáticas, mediante a ação coordenadora, condensadora e sistematizadora do relator. Na Sistematização deveria nascer assim o primeiro esboço articulado de anteprojeto, congregando obviamente todo o trabalho produzido e encaminhado pelas comissões temáticas, onde a contribuição das três subcomissões respectivas já deveria ter passado decerto por um possível crivo.

A partir do trabalho das 24 subcomissões e das 8 comissões temáticas, o relator da Comissão de Sistematização pôde elaborar um anteprojeto, que continha 501 artigos. Após a análise de mais de mil emendas em menos de duas semanas, esse anteprojeto, em 9 de julho de 1987, deu origem ao projeto de Constituição, que ainda sofreria modificações (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

O prazo para apresentação de emendas populares findou em 12 de agosto de 1987, tendo sido elevado o número de assinaturas de pessoas que desejavam que a Constituinte fixasse eleições presidenciais diretas para o ano de 1988 (BONAVIDES; ANDRADE, 2004), o que denota o anseio popular existente à época pelo restabelecimento dos direitos políticos.

As votações em primeiro turno iniciaram-se em 27 de janeiro de 1988 e findaram em 30 de junho do mesmo ano. O projeto da Comissão de Sistematização que chegou ao plenário para votação não continha mais 501 artigos, mas sim 334, diante das milhares de emendas recebidas, das quais 421 haviam sido aceitas (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

Após, procedeu-se às eleições em segundo turno, as quais tiveram fim em 22 de setembro de 1988. O texto final da nova Constituição, que continha 245 artigos no texto principal e 70 artigos no Ato das Disposições Transitórias, obteve em plenário 474 votos a favor, 15 contra e seis abstenções (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

A Constituição da República Federativa do Brasil foi finalmente promulgada em 5 de outubro de 1988, em sessão solene realizada no Congresso Nacional (BONAVIDES; ANDRADE, 2004).

(34)

Acerca dos trabalhos realizados na Assembleia Nacional Constituinte, colhe-se da lição de Boris Fausto (2000, p. 524):

A inexistência de um projeto inicial contribuiu para alongar os trabalhos. Embora desse muitas vezes a impressão de ser caóticos, o fato é que foram debatidas, além de coisas menores, questões centrais da organização do Estado e dos direitos dos cidadãos.

A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, de acordo com Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2004, p. 479), foi "[...] a que obteve maior participação popular".

Discorrem os autores:

Pode-se afirmar que essa participação não resultou em adoção de propostas populares, mas o fato é que sugestões e emendas com milhões de assinaturas chegaram ao Congresso e foram submetidas à Comissão de Sistematização, permitindo-se aos indicados pelos subscritores das mesmas, o direito de palavra no plenário. (BONAVIDES; ANDRANDE, 2004, p. 479-480).

Os direitos políticos foram objeto de debate em duas subcomissões. Na Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias, subordinada à Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, e na Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos, subordinada à Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Na subseção sequente, proceder-se-á a uma verificação dos debates travados pelos Constituintes e das justificativas por esses apresentadas para a implementação do voto obrigatório no texto da Lei Maior, a partir da averiguação das atas de comissões constantes dos Anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988.

3.3 OS DEBATES ACERCA DA INSTITUIÇÃO DO VOTO OBRIGATÓRIO NAS

SUBCOMISSÕES E COMISSÕES DA ASSEMBLEIA NACIONAL

(35)

Como dito anteriormente, duas Subcomissões da Assembleia Nacional Constituinte trataram de debater com afinco a obrigatoriedade do voto, instituída no texto final da Constituição Federal de 1988.

Uma dessas subcomissões foi a Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias, que integrava a Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, nos termos do art. 15 do Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte.

Nessa subcomissão, um dos Constituintes foi escolhido para elaborar um parecer sobre as propostas apresentadas para a instituição do voto facultativo. O parecer elaborado foi favorável à manutenção do voto obrigatório (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

No parecer, foi defendida a ideia de que Brasil não havia alcançado maturidade política para entender a função social do voto. Argumentou-se também que a adoção do voto facultativo induziria ao fortalecimento do coronelismo nas cidades interioranas, em razão da estrutura político-eleitoral existente à época (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Restou consignado ainda no parecer que a iniciativa de instituição do voto facultativo partia de classes conservadoras, as quais detinham poder econômico e poderiam influenciar os eleitores no dia do pleito (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Destaca-se o seguinte fragmento do parecer apresentado:

Por essas razões, filio-me à corrente dos que entendem não haver contradição entre a obrigação de votar e a ideologia democrática. O direito do sufrágio é um direito individual reconhecido como parte da soberania individual, mas não retira o caráter duplo de dever cívico e função social que impõe a obrigatoriedade de votar. Votar é um direito, mas é, também, um dever cívico (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Foram ouvidos os demais membros da subcomissão acerca do tema em pauta, tendo a maioria se posicionado favorável ao parecer apresentado, isto é, à manutenção do voto obrigatório (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

O receio de influência do poder econômico no processo eleitoral, caso fosse instituída a facultatividade do voto, pôde ser percebido no pronunciamento de outros Constituintes que igualmente se posicionaram favoráveis ao voto obrigatório (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

(36)

Outro argumento ventilado foi o de que o voto facultativo traria a marginalização do voto do homem vinculado à agricultura, em razão da grande extensão territorial do país (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Já na defesa do voto facultativo, foi defendida a ideia de que o voto universal é uma conquista afirmada ao longo dos séculos, de modo que não pode ser concebido como um dever. Argumentou-se ainda que o voto facultativo exigiria dos partidos políticos um aperfeiçoamento dos seus trabalhos de mobilização e catequese, o que avivaria a disputa eleitoral (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Além disso, levantou-se em defesa da instituição do voto facultativo o entendimento de que o voto obrigatório retira a liberdade do cidadão e que, embora seja um dever cívico, a nação deve ser conscientizada a exercê-lo (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

O Presidente da subcomissão, que se posicinou favorável à manutenção do voto obrigatório, defendeu que esse não fere a liberdade individual, uma vez que "[...] nossa liberdade termina onde começa o novo dever". (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Revelando-se receoso quanto à instituição do voto facultativo, o Presidente da subcomissão ponderou:

[...] meu grande receio, em um país com grandes desajustes sociais, como o Brasil, é que haja uma acentuação do descrédito das instituições políticas às vésperas das eleições e, conseqüentemente, que tenhamos uma eleição esvaziada, em função da descrença da população, descrença sub-repticiamente imposta pelos meios de comunicação a serviço dos interesses mais reservadores da sociedade brasileira. Teríamos, então, um arremedo de democracia reclamando uma legitimidade que não tem, com governos eleitos por uma fração mínima da população (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Por fim, destaca-se que o relatório final apresentado pelo Relator da subcomissão em estudo à Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher foi pela instituição do voto obrigatório aos maiores de 18 anos (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2014).

Os trabalhos realizados na Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos, subordinada à Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições, distinguem-se, do ponto de vista procedimental, daqueles

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