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SÍNTESE DE TRENS COMPOSTOS SÍNTESE DE TRENS REVERTIDOS
O Conceito de Síntese
Até agora, as atividades com mecanismos consistiam em analisar algum meca-nismo dado, obtendo determinadas propriedades a partir de sua configuração, utilizando algumas regras e fórmulas. Por exemplo, no caso das engrenagens, a partir do número de dentes e da configuração de engrenamento entre os pares de engrenagens, é possível determinar as razões de velocidade entre os com-ponentes, a razão final do trem inteiro (razão entre a velocidade da engrenagem de saída e a velocidade da engrenagem de entrada), e a velocidade de saída para uma dada velocidade de entrada.
A atividade de síntese é o contrário: a partir de propriedades desejadas, deve-mos arbitrar a respeito da quantidade, das configurações e dos números de den-tes dos componenden-tes para que seu comportamento apresente aquelas proprie-dades.
Em geral, projetar (sintetizar) um trem de engrenagens envolve obter uma de-terminada razão final (dada), respeitando restrições quanto à razão máxima permitida por estágio (dado), e quanto ao número de dentes máximo e/ou mí-nimo permitido no mecanismo (dados). Vale lembrar que cada par de engrena-gens é um estágio e apresenta uma razão parcial. Isso é conseguido a partir da escolha de uma determinada combinação de razões parciais (arbitradas), e da determinação do número de dentes de cada engrenagem (arbitrados).
Assim sendo, em um nível mais abstrato, podemos dizer que o conjunto de re-quisitos combinado com o conjunto de restrições nos dá um espaço de solu-ções, ou seja, em princípio existe um número finito de soluções válidas, e a ati-vidade de síntese consiste numa sequência de passos que nos leva em direção a alguma dessas soluções, e – se houver paciência e método – a TODAS elas.
Passos para sintetizar um trem composto
De acordo com o que já foi visto, sabemos que a razão final (razão de velocida-des entre a engrenagem de saída e a de entrada) é dada pelo produto de den-tes das motoras dividido pelo produto de denden-tes das movidas:
( 1) 2 4 1 2 2 3 5
( )
n( )
n F n nN
N
N
R
r r
r
N
N
N
ω
ω
−=
= −
⋅−
⋅
⋯
⋅−
= ⋅ ⋅
⋯
⋅
Ou, de maneira mais direta:
1 2 3
...
F
R
= ⋅ ⋅
r r r
Ou seja, a razão final é igual ao produto das razões parciais. Nosso trabalho consistirá, então, em encontrar um número adequado de razões parciais, que combinadas resultarão na razão final, seguindo os seguintes passos:
Descobrir (inventar, arbitrar ou extrair do enunciado de um problema) qual é a razão final, lembrando que se for um trem de redução ela deverá ser um número menor que um, e vice-versa;
Considerar a existência ou não das seguintes restrições:
Quantidade de estágios (pares de engrenagens, razões parciais) do trem. Isso pode ser dado, ou resultar de outras restrições;
Valor máximo admitido para as razões parciais (geralmente dado);
Impor-tante: por razão máxima se entende a maior DIFERENÇA RELATIVA en-tre as engrenagens, ou seja 1:8 é uma razão “maior” do que 1:5, mesmo considerando que um oitavo é de fato menor do que um quinto.
Valor máximo e mínimo da quantidade de dentes;
Determinar o número de estágios, de modo que não haja razão parcial maior do que o valor máximo permitido. Para isso, devemos tomar a razão final e extrair a raiz quadrada, a cúbica, etc. Aquela que fornecer um valor menor que o valor máximo corresponde ao número de estágios do trem: raiz qua-drada, dois estágios; raiz cúbica, três estágios; etc.
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Fatorar a razão final em n razões parciais, observando o seguinte:
Cada razão parcial é o resultado da divisão do número de dentes de uma engrenagem pelo número de dentes de outra engrenagem. Isso significa que é a divisão de dois números inteiros, e portanto é um número racio-nal;
Os valores das razões parciais não devem ser excessivamente diferentes entre si, e se possível devem oscilar em torno de n
F
R . Por exemplo, se queremos uma razão final de 500, é melhor utilizar fatores de 20 e 25 do que 10 e 50, ou pior ainda: 5 e 100.
Determinar a quantidade de dentes de cada engrenagem, cuidando o seguin-te:
Optar geralmente por menor quantidade de dentes, por razões de econo-mia de material, desde que se respeite as restrições de número máximo ou mínimo de dentes;
Caso as razões encontradas violem a restrição do número de dentes, po-de ser necessário usar um número maior po-de estágios.
Vejamos um exemplo:
PROBLEMA: deve-se projetar um trem composto com razão final de 1:220 (re-dução), com razão máxima de 1:9 por estágio, e no máximo 110 dentes por em-grenagem.
SOLUÇÃO:
1. Determinar o número de estágios: a raiz quadrada de 1/220 é 1/14,83, ou se-ja, é “maior” do que 1/9. Já a raiz cúbica é 1/6,03 , estando dentro da restri-ção. Assim sendo, usaremos três estágios.
2. Fatoração da razão final. Se dividirmos 220 por 5, obtemos 44. Se dividirmos 44 por 6, temos 7,3333.... Esses números foram escolhidos pelo seguinte: as razões parciais não devem ser muito diferentes entre si, oscilando ao redor da raiz cúbica de 220, que é 6,03, ou praticamente seis. O fator cinco é um
divisor óbvio de 220, e a divisão de 44 por 6 (o fator “ideal”) nos dá 7,3333... que é um número racional (multiplicando por três, é igual a 22). Assim, o que precisamos é achar engrenagens que nos dêem:
1
1 1 3
220
= ⋅ ⋅
5 6 22
3. Se nos foi dado um número máximo de dentes, que é 110, temos várias op-ções para as razões parciais. Vamos optar por usar as maiores possíveis, então:
1
22
18
15
220
=
110 108 110
⋅
⋅
Notem que, por exemplo, ao invés de 22/110 poderia estar 21/105, ou 20/100, desde que a razão fosse 1:5.
Síntese de trem revertido
Somente vamos trabalhar com trens revertidos de dois estágios, e nesse caso não há restrições quanto ao número de dentes ou quanto à razão máxima por estágio. Por outro lado, o número de dentes das engrenagens, e suas relações, estão determinados por duas equações, já que é necessário que as somas do número de dentes das engrenagens de cada par sejam iguais:
2 4 1 2 3 5 F
N
N
R
r r
N
N
=
⋅
= ⋅
2 3 4 5N
+
N
=
N
+
N
O procedimento aqui é um pouco diferente, mas segue a mesma lógica. Veja-mos:
Fatorar a razão final em dois fatores mais próximos possíveis entre si (e por-tanto próximos à raiz quadrada da razão final), observando que cada fator seja um número racional fácil de ser transformado em uma razão entre o número de dentes de duas engrenagens;
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Aplicar as razões na primeira equação, encontrando as relações entre os números de dentes das engrenagens de cada par, e depois substituir na e-quação de baixo, descobrindo as relações entre os dentes das engrenagens menores (ou maiores) dos dois pares diferentes. Fica melhor se acompa-nharmos abaixo:
(
)
(
)
2 4 1 2 3 5 2 1 3 4 5 2 3 1 3 5 5 2 3 1 5 2 3 2 5 1;
;
1
(1
)
(1
)
1
N
N
r
r
N
N
N
r N
N
N r
N
r N
N
N r
N
r
N
r
N
r
N
r
=
=
=
=
+
=
+
+
=
+
+
=
+
Atribui-se valores numéricos para N3 e N5, e depois volta-se atrás para en-contrar os valores de N4 e N2. Isso pode requerer alguns testes e tentativas, o que pode tornar o número de dentes das engrenagens mais alto.
Vejamos um exemplo:
PROBLEMA: deve-se desenvolver um trem revertido com razão 1:12. SOLUÇÃO:
1. A raiz quadrada de 12 é 3,4641... de modo que os dois fatores devem oscilar em torno desses valores. Se escolhermos, por exemplo, 1/3 e 1/4, isso nos dá, de acordo com as equações acima:
3 5
1, 25
1, 333
N
N
=
2. Percebe-se que teremos de multiplicar por algum múltiplo de quatro, para tornar o numerador um número inteiro, e também por um múltiplo de três, pa-ra tornar o denominador inteiro. Assim, multiplicamos por doze! (gênio!):
3 5
15
16
N
N
=
3. Isso nos daria o valor das engrenagens ímpares, que são as que ficam no numerador da equação das razões parciais. Se fosse assim, uma resposta seria:
1
5
4
1/ 3 1/ 4
12
=
15 16
⋅
=
⋅
4. O problema é que esse número de dentes é muito pequeno. Uma engrena-gem com 4 dentes é praticamente um “xis”... Vamos multiplicar a equação do item 2: 3 5
15
60
4
16
64
N
N
=
⋅ =
5. E daí chegaríamos no resultado:
1
20 16
12
=
60 64
⋅
Exercício visto em aula (agora dando certo)
PROBLEMA: projete um trem revertido razão 1:12 com as razões parciais 1/3,6 e 1/3,333... (alguns já viram o que foi que deu errado naquela hora...)
(
)
2 1 3 4 5 2 3 1 3 5 5 2 3 2 5 1;
(1
)
1, 3
1
1, 2777...
N
r N
N
N r
N
r N
N
N r
N
r
N
r
=
=
+
=
+
+
=
=
+
E isso nos deixa algo aparentemente pepinóide para resolver... Vamos tentar multipli-car:
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1,3
13
117
1, 2777...
12, 777...
115
N
N
=
=
=
Isso aconteceu multiplicando primeiro por dez (pra andar uma casa da vírgula) e de-pois por nove (porque dízimas desse tipo sempre dão certo multiplicando por nove) O passo seguinte mata a charada:
2 1 3 4 5 2
117
32, 5
3, 6
115
34, 5
3, 333...
N
r N
N
N r
=
=
=
=
=
=
Bom, parece que não é tão fácil... Vamos apelar para o recurso de multiplicar tudo por dois, e aí temos:
1
65
69
12
=
234 230
⋅
E esse é exatamente o mesmo resultado que encontramos aquela hora. A lição apren-dida é que é melhor que as razões parciais sejam números mais ou menos “bem com-portados”, e não que elas estejam o mais próximo possível da raiz quadrada da razão final (e portanto tenham valor muito próximo uma da outra).