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Althusser, Marx e o problema da questão do estado

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Academic year: 2021

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JOANIR FERNANDO RIBEIRO

ALTHUSSER, MARX E O PROBLEMA SOBRE A QUESTÃO DO

ESTADO

Campinas 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

JOANIR FERNANDO RIBEIRO

ALTHUSSER, MARX E O PROBLEMA SOBRE A QUESTÃO DO ESTADO

ORIENTADOR: Prof. Dr. Alcides Hector Rodriguez Benoit

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, para obtenção do Título de Mestre em Filosofia.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO, DEFENDIDA PELO ALUNO JOANIR FERNANDO RIBEIRO E ORIENTADA PELO PROF. DR. ALCIDES HECTOR RODRIGUEZ BENOIT.

CAMPINAS 2014

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Ribeiro, Joanir Fernando,

R354a RibAlthusser, Marx e o problema da questão do estado / Joanir Fernando Ribeiro. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

RibOrientador: Alcides Hector Rodriguez Benoit.

RibDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Rib1. Althusser, Louis, 1918-1990. 2. Marx, Karl, 1818-1883. 3. Teoria do estado. I. Benoit, Alcides Hector Rodriguez,1951-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Althusser, Marx and the problem of the question of the state Palavras-chave em inglês:

State theory

Área de concentração: Filosofia Titulação: Mestre em Filosofia Banca examinadora:

Alcides Hector Rodriguez Benoit [Orientador] Fernando Frota Dillenburg

Rodnei Antonio do Nascimento Data de defesa: 18-12-2014

Programa de Pós-Graduação: Filosofia

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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Resumo

Algumas teorias de inspiração marxista afirmam que Marx estaria ultrapassado. Segundo esses marxistas, dentre os quais destacamos Louis Althusser, o capitalismo teria tomado rumo distinto do previsto por Marx. Assim, o fator econômico não seria mais o determinante na reprodução do sistema. Marx teria supostamente negligenciado novos fatores que se sobrepuseram ao econômico como reprodutores ideológicos das relações sociais de dominação, dentre eles o Estado como administrador do capital. O objetivo desta pesquisa é realizar uma leitura dialética da Seção I do Livro Primeiro da obra O Capital de Marx, buscando compreender em que medida Marx teria negligenciado acerca de uma teoria do Estado no capitalismo tardio. Para tanto, partimos do pressuposto de que é possível, por meio de uma exposição dialética, pensar a categoria Estado desde o início dessa obra de Marx. O grande desafio que O Capital apresenta é entender seu método de exposição que sujeita o aparecimento do conceito de Estado como totalidade desde o início e ao longo de seu desenvolvimento da obra. Dessa forma, procuramos mostrar que Marx pensa a categoria Estado dialeticamente presente-ausente já no primeiro capítulo d’O Capital.

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Abstract

Some theories of Marxist claim that Marx would be exceeded. According to these Marxists, among which Louis Althusser, capitalism would have taken different direction predicted by Marx. Thus, the economic factor would not be the determining factor in the system's playing. Marx allegedly neglected new factors which overlapped the economic and ideological breeding of social relations of domination, including the state capital as administrator. The objective of this research is to perform a dialectical reading of Section I of Book First of the work Marx's Capital, trying to understand the extent to which Marx would have overlooked about a theory of the state in late capitalism. Therefore, we assume that it is possible, through a dialectical exposure, think the category State since the beginning of this work of Marx. The great challenge is to understand Capital presents its exposure method which makes the appearance of the concept of state as whole from the beginning and throughout its development work. Thus, we try to show that Marx thinks the State category dialectically present-absent in the first chapter of Capital.

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Sumário

Introdução ... 13

1 - Louis Alhtusser e a questão sobre o Estado ... 15

1.2. O Estado sob o ponto de vista da reprodução das condições de produção. ... 20

1.3. Os aparelhos ideológicos do Estado AIE ... 23

1.4. O conceito de Ideologia enquanto existência material nos Aparelhos Ideológicos de Estado 28 1.5. O marxismo como teoria finita ... 40

2 - Marx, a questão do Estado e o método de exposição de O Capital. ... 46

3 - A dialética do conceito de Estado na Seção I do Livro Primeiro de O Capital ... 52

3.1. A forma lógica de Estado capitalista e sua relação com a forma lógica da mercadoria ... 52

3.2. O Estado capitalista e sua relação com o valor ... 59

3.3. O Estado capitalista e sua relação com o processo de troca das mercadorias ... 62

3.4. O Estado capitalista e sua relação com o processo de circulação simples das mercadorias ... 69

3.5. A importância da força extra-econônica do Estado capitalista no processo de circulação das mercadorias ... 77

3. 6. O Estado capitalista e sua relação com o processo de acumulação originária ... 83

Conclusão ... 90

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Introdução

A maior parte da humanidade continua sem ter acesso às mínimas condições que garantem sua subsistência. O capitalismo, desde seu advento até sua consolidação na sociedade moderna, dia após dia tem reproduzido relações sociais de dominação entre as classes sociais. Essas relações de dominação, legitimadas por uma aparente ordem natural, jogam à margem da sociedade uma quantidade cada vez maior de seres humanos que passam a viver na miséria e sob condições sub-humanas.

Diante das crises econômicas mundiais esse processo constante de destruição das condições da vida humana torna-se ainda mais evidente. A crise econômica provoca demissões em massa e rebaixamento dos salários da classe trabalhadora, tirando-lhe as mínimas condições de sobrevivência. Essas simples afirmações encerram em si uma infinidade de contradições. Por trás de uma aparência simples desses processos do desemprego e do rebaixamento de salários há um processo histórico fundamental violento de luta de classes.

O capitalismo está em colapso, e o processo de destruição das forças produtivas é o meio que o capital utiliza na tentativa de se salvar. Como um vampiro o capital suga o sangue dos trabalhadores e deixa atrás de si um rastro de destruição1. Esse processo histórico demonstra que a teoria desenvolvida por Marx em sua obra O Capital continua válida para se compreender e transformar a história.

Certas teorias de inspiração marxista, elaboradas por inúmeros teóricos contemporâneos como Louis Althusser, Antonio Gramsci, Nicos Poulantzas, e tantos outros, insistiram em afirmar que Marx estaria ultrapassado, pois o capitalismo havia tomado novas configurações, diferentes das previstas por ele. Esses marxistas revisionistas discordam da tendência histórica indicada por Marx segundo a qual o capitalismo se tornaria cada vez mais monopolista, acirrando a contradição entre capital e trabalho devido à queda gradual da taxa de lucro, enquanto por outro lado a classe operária se organizaria em um processo de crescente revolução. Segundo esses revisionistas, o capitalismo teria tomado outro rumo na medida em que houve um grande desenvolvimento da técnica e da ciência e da consolidação do Estado enquanto administrador do capital. Assim, o fator econômico, caracterizado pela dimensão mundial da produção capitalista,

1 Marx afirma em O capital: “o capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando

trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa”. MARX, K. O capital. Crítica da economia

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não seria mais o determinante na reprodução do sistema. Novos fatores teriam se sobreposto a ele, devendo ser levados em consideração como reprodutores ideológicos das relações sociais de dominação.

Nessa concepção revisionista, após a morte de Marx e já no século XX com um espetacular desenvolvimento da técnica e da ciência e do formidável crescimento do Estado e seus poderes, o capitalismo teria se colocado sobre novos e múltiplos fundamentos. Seria necessário então atualizar a teoria de Marx para dar conta dessa multiplicidade. Desenvolveu-se, assim, entre outras, a teoria do capitalismo administrado pelo Estado e abandonou-se o diagnóstico proposto por Marx sobre os pilares da contradição entre capital e trabalho e, por consequência, a luta de classes como fundamento da sociedade capitalista.

Esses teóricos abandonaram ainda qualquer possibilidade de superação desse sistema de dominação para defender ideais reformistas. A revolução proletária como forma de superação do capitalismo não seria mais adequada a um sistema onde a luta de classes havia dado lugar a múltiplas contradições, que teriam retirado da luta de classes seu valor universal. Esses marxistas afirmam que a teoria de Marx negligenciou as particularidades das categorias históricas, e por esse motivo sua teoria não corresponderia mais à realidade, devendo, portanto, ser revista ou superada. Dentre essas particularidades que Marx teria negligenciado estaria a questão do Estado como administrador do capital.

O ponto central de nossa investigação é: Teria Marx realmente cometido um erro em seu diagnóstico da luta de classes como fundamento da sociedade capitalista e, portanto, sobre o fundamento das condições de reprodução das relações de produção capitalista? Teria Marx negligenciado as particularidades das categorias históricas da sociedade capitalista?

O fato é que a questão sobre o Estado em torno das obras de Marx se revelou como uma das problemáticas mais complexas para os marxistas deste século. No entanto, o ponto mais crucial e que muito pouco foi explorado pelos marxistas é pensar o Estado a partir do desenvolvimento dialético das demais categorias históricas, expostas na obra da maturidade de Marx, O Capital.

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1 – Louis Alhtusser e a questão sobre o Estado

Em sua obra Aparelhos Ideológicos de Estado, Althusser pretende expor sobre a reprodução das condições de produção. A importância dessa questão é atribuída à própria sobrevivência da formação social capitalista. Para Althusser não pode haver produção capitalista sem que haja ao mesmo tempo a reprodução das condições dessa produção. “Portanto a condição última da produção é a reprodução das condições de produção.” (ALHTUSSER, 1983, p.53).

Segundo o filósofo, a investigação sobre os segredos da reprodução das condições de produção deve seguir um método que supere a abstração da esfera da produção vista sob o ponto da simples prática produtiva, pois, do contrário toda análise permanecerá abstrata, parcial e deformada.

Como pressuposto à sua investigação, Althusser considera que toda a formação social é resultado de um modo de produção dominante e o processo de produção aciona as forças produtivas existentes em e sob as relações de produção definidas. Segue-se a isso que a existência de toda formação social está condicionada à produção e, ao mesmo tempo, à reprodução das condições de sua produção, ou seja, a reprodução das forças produtivas e das relações de produção.

Esse pressuposto, reconhece Althusser, já foi demonstrado por Marx, no Livro II de O Capital:

Todo mundo reconhece (mesmo os economistas burgueses que cuidam da contabilidade nacional e os modernos teóricos “macro-economistas”), uma vez que Marx impôs a demonstração no Livro II de O Capital, que não há produção possível sem que seja assegurada a reprodução das condições materiais da produção: a reprodução dos meios de produção. (ALHTUSSER, 1983, p.54)

Considerando esse pressuposto, o filósofo concentra seu método de investigação sobre a primeira questão, a reprodução dos meios de produção.

Sob o ponto de vista dos economistas burgueses e dos capitalistas é necessário prever, a cada determinado espaço de tempo, a reposição do que se esgota ou se utiliza na produção: matéria-prima e instrumentos de produção. Essa previsão é feita do ponto de vista abstrato da administração da empresa, nos termos da simples prática financeira e contábil. No entanto, segundo afirma Althusser, a reprodução das condições materiais da produção não pode ser

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pensada nesse nível, pois nele as condições reais para sua existência não estão dadas. O que acontece ao nível da empresa seria apenas um efeito, que indica somente a ideia da necessidade da reprodução, mas não permite encontrar suas condições e mecanismos.

A respeito dessa questão Althusser reconhece a necessidade de uma análise seguindo o método dialético que Marx já havia proposto em O Capital:

Basta refletir um pouco para se convencer: o Sr. X, capitalista, que produz tecidos de lã em sua fábrica, deve “reproduzir” sua matéria-prima, suas máquinas, etc... Porém quem as produz para sua produção são outros capitalistas: o Sr. Y, um grande criador de ovelhas da Austrália; o Sr. Z, grande industrial metalúrgico, produtor de máquinas-ferramentas, etc, etc, devem por sua vez, para produzir esses produtos que condicionam a reprodução das condições de produção do Sr. X, reproduzir as condições de sua própria produção, e assim infinitamente, tudo isso numa proporção tal que, no mercado nacional (quando não no mercado mundial), a demanda de meios de produção (para a reprodução) possa ser satisfeita pela oferta.

Para pensar este mecanismo que constitui uma espécie de “fio sem fim”, é necessário seguir a trajetória “global” de Marx, e estudar especialmente as relações de circulação do capital entre o Setor I (produção dos meios de produção) e o Setor II (produção dos meios de consumo), e a realização da mais-valia, nos Livros II e III do Capital. (ALHTUSSER, 1983, p.55).

No entanto, logo após o reconhecimento da necessidade de análise a partir do método exposto em O Capital, Althusser suspende a abordagem da questão: “Não penetraremos na análise desta questão. Basta-nos haver mencionado a existência da necessidade da reprodução das condições materiais da produção.” (ALHTUSSER, 1983, p.55).

Após essa suspensão, Althusser segue sua análise sobre a questão da reprodução da força de trabalho. Para o filósofo, a reprodução da força de trabalho é o que distingue as forças produtivas dos meios de produção. Como então se daria a reprodução da força de trabalho?

Do ponto de vista do que ocorre no interior da empresa há um problema. Da mesma forma que a resultado da análise sobre a reprodução das condições materiais da produção a partir da administração empresarial se mostra abstrato, a observação do que ocorre na empresa, do ponto de vista da simples prática contábil também é completamente inútil para desvendar os segredos da reprodução da força de trabalho. O pressuposto então é de que a reprodução da força de trabalho se dá, no essencial, fora da empresa, por meio do salário pago ao trabalhador. De acordo com Althusser:

Como se assegura a reprodução da força de trabalho? Ela é assegurada ao se dar à força de trabalho o meio material de se reproduzir: o salário. O salário consta na

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contabilidade de cada empresa, mas como “capital mão-de-obra” e de forma alguma como condição da reprodução material da força de trabalho. (ALHTUSSER, 1983, p.56).

Sob essa compreensão, o salário é indispensável para a reconstituição da força de trabalho do trabalhador, pois, é o meio pelo qual ele supre suas necessidades de alimentação, vestuário, habitação, etc., para que ele esteja em condições de retornar à empresa todos os dias, bem como é indispensável para a criação e educação dos filhos nos quais o proletariado se reproduz como força de trabalho.

Esse valor do salário enquanto quantidade de valor necessário para a reprodução da força de trabalho não é determinado apenas por necessidades biológicas de sobrevivência, mas também, por um mínimo historicamente variável visto que, por exemplo, os operários ingleses têm necessidades distintas dos operários franceses. E não apenas isso, mas o valor do salário torna-se um mínimo duplamente histórico, quando não é determinado por uma concessão da classe capitalista que reconhece as necessidades da classe operária, mas pelas necessidades históricas impostas pela luta de classes contra o aumento da jornada de trabalho e contra a diminuição dos salários.

Entretanto, Althusser afirma que não basta assegurar à força de trabalho as condições materiais (o salário) de sua reprodução para que se reproduza como força de trabalho. É preciso acrescer a essas condições materiais uma diversidade qualitativa, que lhe assegure a competência para ser utilizada em um sistema complexo do processo de produção:

O desenvolvimento das forças produtivas e o tipo de unidade historicamente constitutivo das forças produtivas num dado momento determinam que a força de trabalho deve ser (diversamente) qualificada e então reproduzida como tal. Diversamente: conforme as exigências da divisão social-técnica do trabalho, nos seus diferentes “cargos” e “empregos”. (ALHTUSSER, 1983, p.57).

Por sua vez, essa reprodução da qualificação diversificada da força de trabalho tende a se dar, no capitalismo, fora do ambiente de trabalho, através do sistema escolar e de outras instâncias e instituições capitalistas. Nessas instituições educacionais o proletariado recebe as instruções diversas que serão utilizadas nos diferentes postos da produção:

Ora, o que se aprende na escola? É possível chegar-se a um ponto mais ou menos avançado nos estudos, porém de qualquer maneira aprende-se a ler, escrever, a contar, ou seja, algumas técnicas, outras coisas também, inclusive elementos (que podem ser rudimentares ou ao contrário aprofundados) de “cultura científica” ou “literária” diretamente utilizáveis nos diferentes postos

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da produção (uma instrução para os operários, uma outra para os técnicos, uma terceira para os engenheiros, uma última para os quadros superiores, etc...) Aprende-se o “know-how”. (ALHTUSSER, 1983, p.58).

Porém, o proletariado não aprende na escola apenas essas técnicas e conhecimentos. Ele aprende ainda a moral estabelecida pela classe dominante:

[...] junto com essas técnicas e conhecimentos, aprende-se na escola as “regras” do bom comportamento, isto é as conveniências que devem ser observadas por todo agente da divisão do trabalho conforme o posto que ele esteja “destinado” a ocupar; as regras de moral e de consciência cívica e profissional, o que na realidade são regras de respeito à divisão social-técnica do trabalho e, em definitivo, regras da ordem estabelecida pela dominação de classe. Aprende-se também a “falar bem o idioma”, a “redigir bem”, o que na verdade significa (para os futuros capitalistas e seus servidores) saber “dar ordens”, isto é, (solução ideal) dirigir-se adequadamente aos operários etc... (ALHTUSSER, 1983, p.58).

Nesse sentido a reprodução da força de trabalho não exige somente uma reprodução de suas condições materiais (o salário) e de sua qualificação diversa (técnica), ela exige ainda a reprodução de sua submissão às normas da ordem vigente. Ou seja, a reprodução da força de trabalho exige uma reprodução da submissão dos operários e uma reprodução da capacidade de perfeito domínio da ideologia dominante por parte dos agentes da exploração e repressão, de modo que eles assegurem também, pela palavra o predomínio da classe dominante. Althusser afirma:

Em outras palavras, a escola (mas também outras instituições do Estado, como a Igreja e outros aparelhos como o Exército) ensina o “Know-how” mas sob formas que asseguram a submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua “prática”. Todos os agentes da produção, da exploração e da repressão, sem falar dos “profissionais da ideologia” (Marx) devem de uma forma ou de outra estar “imbuídos” desta ideologia para desempenhar “conscensiosamente” [sic.] suas tarefas, seja a de explorados (os operários), seja a de exploradores (capitalistas), seja a de auxiliares na exploração (os quadros), seja a de grandes sacerdotes da ideologia dominante (seus “funcionários”) etc... (ALHTUSSER, 1983, p.58).

O filósofo conclui disso que a reprodução da qualificação da força de trabalho é assegurada em e sob as formas de submissão ideológica. E a ideologia é por ele reconhecida como uma nova realidade, como um palco da luta política e não mais apenas como um ilusório meio de dominação de classes.

No momento seguinte da obra, Althusser faz duas observações. A primeira é a respeito da análise da reprodução que se ocupou até aquele momento do estudo dos meios de produção e da

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força de trabalho (reprodução das forças produtivas), porém sem abordar ainda a questão da reprodução das relações de produção. O filósofo afirma que este é um problema crucial da teoria marxista do modo de produção e deixá-lo em silêncio seria um grave erro teórico e político. A segunda observação é que para tratar da questão da reprodução das relações de produção, é necessário dar uma grande volta e recolocar uma velha questão sobre o que é uma sociedade.

Para responder à segunda questão, sobre a definição de sociedade, Althusser retoma o que ele chama de “concepção do todo social”, elaborada por Marx. Segundo o filósofo, Marx teria concebido a estrutura de toda a sociedade como constituída por níveis ou instâncias articuladas por uma determinação específica: a infraestrutura e a superestrutura. A Infraestrutura consistiria na base econômica social formada por uma unidade de forças produtivas e relações de produção. Por sua vez a superestrutura compreenderia dois níveis: o jurídico-político (o direito e o Estado) e a ideológica (as ideologias: religiosa, moral, jurídica, política etc.).

Essa representação do todo social de Marx é ilustrada com uma metáfora espacial de um edifício, que possui uma base sobre a qual é construído dois andares superiores. E como toda metáfora sugere algo fora de si mesma, esta quer fazer ver que os andares superiores não poderiam sustentar-se por si sós se não se apoiassem sobre sua base. Althusser afirma:

A metáfora do edifício tem então como objetivo primeiro representar a “determinação em última instância” pela base econômica. Esta metáfora espacial tem então como resultado dotar a base de um índice de eficácia conhecido nos célebres termos: determinação em última instância do que ocorre nos “andares” da superestrutura pelo que ocorre na base econômica. (ALHTUSSER, 1983, p.60).

Segue-se a isso que os andares da superestrutura não são determinantes em última instância, mas que são determinados pela eficácia da base. E se de algum modo próprio os andares da superestrutura são determinantes, o são somente enquanto determinados pela infraestrutura. Em outras palavras, qualquer determinação da superestrutura tem uma autonomia relativa à infraestrutura e essa determinação existe apenas enquanto ação de retorno da superestrutura sobre a base.

Em consequência dessa representação clássica do todo social, Althusser afirma ser obrigado a pensar no que a tradição marxista designa pelos termos conjuntos de autonomia relativa da superestrutura e de ação de retorno da superestrutura sobre a base.

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Segundo Althusser, o grande inconveniente dessa representação de toda a sociedade pela metáfora espacial do edifício está justamente no fato de ela ser metafórica, ou seja, de permanecer descritiva. Diante desse ponto inconveniente, o filósofo propõe sua superação:

Parece-nos desejável e possível representar as coisas de outra maneira. Que sejamos bem entendidos: não recusamos em absoluto a metáfora clássica, já que ela mesma nos obriga superá-la. E não a superaremos afastando-a como caduca. Pretendemos simplesmente pensar o que ela nos dá sob a forma de uma descrição. (ALHTUSSER, 1983, p.61).

E em quê consistiria essa outra maneira não descritiva de se pensar as coisas? A proposta de Althusser é pensar a natureza da existência da superestrutura a partir da tese fundamental do ponto de vista da reprodução. É a partir dessa tese que o filósofo analisará o direito, o Estado e a ideologia.

1.2. O Estado, sob o ponto de vista da reprodução das condições de produção.

Althusser compreende que na tradição marxista, mais especificamente em Marx, desde o Manifesto do Partido Comunista, do 18 Brumário e Sobre a Comuna de Paris e em Lênin, a partir de O Estado e a Revolução, o conceito de Estado é concebido como um aparelho repressivo, que tem por função fundamental assegurar a dominação das classes dominantes, burguesa e grandes latifundiários, sobre a classe operária, submetendo-a ao processo de extorsão da mais-valia. O filósofo observa:

O Estado é, antes de mais nada, o que os clássicos do marxismo chamaram de o aparelho de Estado. Este termo compreende: não somente o aparelho especializado (no sentido estrito), cuja existência e necessidade reconhecemos pelas exigências da prática jurídica, a saber: a política – os tribunais – e as prisões; mas também o exército, que intervém diretamente como força repressiva de apoio em última instância (o proletariado pagou com seu sangue esta experiência) quando a polícia e seus órgãos auxiliares são “ultrapassados pelos acontecimentos”; e, acima deste conjunto, o Chefe de Estado, o Governo e a Administração. (ALHTUSSER, 1983, p.62)

Althusser considera ainda que dessa forma a teoria marxista-leninista teria tocado na essência da questão sobre o Estado:

O aparelho de Estado que define o Estado como força de execução e de intervenção repressiva “a serviço das classes dominantes”, na luta de classes da

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burguesia e seus aliados contra o proletariado é o Estado, e define perfeitamente a sua “função” fundamental. (ALHTUSSER, 1983, p.63).

No entanto ele afirma que há um ponto fraco nessa apresentação marxista clássica. Da mesma maneira como na questão da infraestrutura e superestrutura, também a teoria de Marx e Lênin sobre a natureza do Estado permanece, em parte, descritiva. Mas, o que Althusser compreende por esse conceito de teoria descritiva?

Por teoria descritiva Althusser compreende a primeira etapa de uma investigação da ciência das formações sociais. Nesse sentido, nenhum grande descobrimento científico poderia deixar de passar por essa etapa inicial. No entanto, tal etapa deve ser encarada como transitória e necessária ao desenvolvimento da teoria propriamente dita. De acordo com ele:

A nossa expressão: “teoria descritiva” aponta este caráter transitório ao mostrar, pela conjunção dos termos empregados, o equivalente a uma espécie de “contradição”. Com efeito, o termo teoria choca-se em parte com o adjetivo “descritiva” que o acompanha. Isso significa exatamente: 1) que a “teoria descritiva” é, sem dúvida alguma, o começo sem retorno da teoria, porém, 2) que a forma “descritiva” em que se apresenta a teoria exige, pelo efeito mesmo dessa “contradição”, um desenvolvimento da teoria que supere a forma da “descrição”. (ALHTUSSER, 1983, p.63).

Althusser sugere, portanto, que a teoria de Marx e Lênin sobre a questão do Estado seria, na verdade, uma primeira etapa descritiva, um princípio fundamental de uma investigação científica não concluída como teoria no sentido estrito do conceito. E é justamente a partir desse princípio descritivo, posto pela teoria marxista clássica, que o filósofo propõe continuar a investigação sobre o Estado, com vistas a um desenvolvimento teórico.

O princípio descritivo sobre a questão do Estado – o Estado enquanto aparelho repressivo da classe dominante – posto pela teoria marxista é justo, conforme defende Althusser (1983, p.64), pois, corresponderia à maioria dos fatos observáveis nos diferentes níveis de repressão, desde os massacres de junho de 1848 e da Comuna de Paris, o Domingo Sangrento de maio de 1905 em Petrogrado, a Resistência, dentre outros grandes acontecimentos até às mais sutis formas de censura. A teoria descritiva do Estado enquanto aparelho repressivo elucidaria, portanto, todas as formas cotidianas, diretas ou indiretas, de domínio, de exploração e extermínio do proletariado, a que Marx e depois Lênin chamaram de ditadura da burguesia.

No entanto, ainda que a teoria descritiva do Estado, que o concebe como aparelho repressivo, forneça os meios pelos quais é possível reconhecer os fatos opressivos na história e

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relacioná-los com o Estado, essa acumulação de fatos à definição do conceito de Estado não faria mais que multiplicar as formas de ilustração, impedindo o avanço da investigação para uma teoria científica. E para que se possa desenvolver uma teoria propriamente dita sobre o Estado, Althusser afirma a necessidade de acrescentar algo à definição clássica do Estado como aparelho repressivo.

Para determinar o que seria esse acréscimo à definição clássica de Estado, Althusser estabelece uma distinção conceitual entre poder de Estado e aparelho de Estado. O primeiro consiste no objetivo de toda a luta política das classes. O segundo tende a permanecer de pé, sem ser afetado ou modificado mesmo sob os acontecimentos políticos que afetem a posse do poder de Estado. Sobre isso Althusser afirma que: “Mesmo depois de uma revolução social como a de 1917, grande parte do aparelho de Estado permanecia de pé quando da tomada do poder pela aliança do proletariado e do campesinato pobre: Lênin o repetiu inúmeras vezes”. (ALHTUSSER, 1983, p.65 e 66). E pouco mais à frente continua: “Pode-se dizer que esta distinção entre poder de Estado e aparelho de Estado faz parte da teoria marxista do Estado de maneira explícita depois do 18 Brumário e das lutas de classes na França, de Marx.” (ALHTUSSER, 1983, p.66).

Segue-se a essa concepção que o proletariado deve tomar o poder do Estado para destruir o aparelho burguês existente, substituindo-o em uma primeira etapa por outro completamente diferente, proletário, para em seguida realizar a destruição total, tanto do poder do Estado, quanto do aparelho de Estado.

Althusser reconhece que sob o ponto de vista dessa distinção conceitual o que deve ser acrescentado à definição clássica de Estado já está contido nela, porém, sem um aprofundamento teórico não é possível compreender as regras e o funcionamento desses elementos contidos na teoria descritiva. Althusser (1983, p. 66). E salienta ainda que:

Na verdade, os clássicos do marxismo, em sua prática política, trataram do Estado como uma realidade mais complexa do que a da definição da “teoria marxista do Estado”, mesmo completado como acabamos de fazer. Eles perceberam esta complexidade em sua prática, porém não a exprimiram numa teoria correspondente. (ALHTUSSER, 1983, p.67).

É importante observar que ao final do parágrafo citado acima, Althusser acrescenta uma nota de rodapé onde afirma o seguinte:

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Ao que saibamos, Gramsci é o único que avançou no caminho que retomamos. Ele teve a ideia “singular” de que o Estado não se reduzia ao aparelho (repressivo) de Estado, mas compreendia, como dizia, um certo número de instituições da “sociedade civil”: a Igreja, as Escolas, os sindicatos etc. [...] (ALHTUSSER, 1983, p.67).

Para avançar nesse aprofundamento teórico, Althusser retoma o caminho de Gramsci e propõe que se acrescente à definição clássica de Estado outra realidade que se manifesta junto ao aparelho repressivo do Estado, mas que não se confunde com ele: os aparelhos ideológicos do Estado.

1.3. Os aparelhos ideológicos do Estado

Segundo Althusser os aparelhos ideológicos do Estado são distintos do aparelho repressivo do Estado compreendido pela teoria marxista como: o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, dentre outros. Em síntese, o aparelho de Estado funciona através da violência em situações limites.

O que Althusser designa pelo conceito aparelhos ideológicos do Estado (AIEs) consiste em um número de realidades que se apresentam sob a forma de instituições distintas e especializadas, tais como: os AIEs religiosos, escolar, familiar, jurídico (o Direito pertenceria ao mesmo tempo ao Aparelho (repressivo) do Estado e ao sistema dos AIE), político, sindical, de informação e o cultural.

A diferença entre os AIE e o Aparelho (repressivo) do Estado está em um primeiro momento, no fato de existir apenas um Aparelho (repressivo) do Estado, ao passo que existe uma pluralidade de Aparelhos Ideológicos do Estado. Em um segundo momento, enquanto o Aparelho (repressivo) do Estado pertencente inteiramente ao domínio público, a maior parte dos Aparelhos Ideológicos do Estado está sob o domínio privado e sua unidade não é imediatamente visível. Essa unidade dos Aparelhos Ideológicos enquanto pertencentes ao Estado é determinada a partir da compreensão de que a distinção entre o público e o privado é intrínseca ao direito burguês. De acordo com Althusser:

O Estado, que é o Estado da classe dominante, não é nem público nem privado, ele é ao contrário a condição de toda distinção entre o público e o privado. Digamos a mesma coisa partindo dos nossos Aparelhos Ideológicos do Estado. Pouco importa se as instituições que o constituem sejam “públicas” ou

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“privadas”. O que importa é o seu funcionamento. Instituições privadas podem perfeitamente “funcionar” como Aparelhos Ideológicos do Estado. (ALHTUSSER, 1983, p.69).

O filósofo estabelece ainda um terceiro e mais fundamental aspecto que distingue os AIE do Aparelho (repressivo) do Estado: o Aparelho repressivo do Estado funciona através da violência, ao passo que os AIE funcionam através da ideologia. No entanto, essa distinção entre ambos não significa uma cristalização de funções, que impeça os Aparelhos repressivos do Estado de funcionar secundariamente através da Ideologia e, da mesma forma, que impeça os AIE de funcionar secundariamente através da violência. Pelo contrário, em determinados momentos, exige-se um jogo de combinações sutis ou explícitas de funcionamentos entre os AIE e o Aparelho repressivo do Estado. Althusser comenta:

[...] O exército e a Polícia funcionam também através de ideologia tanto para garantir sua própria coesão e reprodução, como para divulgar os “valores” por eles propostos [...] a Escola, as Igrejas “moldam” por métodos próprios de sanções, exclusões, seleção etc... não apenas seus funcionários mas também suas ovelhas. E assim a Família... Assim o AIE cultural (a censura, para mencionar apenas ela) etc. (ALHTUSSER, 1983, p.70).

Identificadas as diferenças fundamentais entre os AIE e o Aparelho repressivo do Estado, bem como identificada a unidade sob a pluralidade dos AIE – o seu funcionamento predominantemente através da ideologia da classe dominante – Althusser segue sua exposição e estabelece uma relação de identidade entre os AIE e os Aparelhos repressivos do Estado. Para o filósofo, uma classe dominante que detém o poder do Estado dispondo, portanto, do Aparelho repressivo do Estado é, também, uma classe ativa nos Aparelhos Ideológicos do Estado. Nas palavras de Althusser, “nenhuma classe pode, de forma duradoura, deter o poder do Estado sem exercer ao mesmo tempo sua hegemonia sobre e nos Aparelhos Ideológicos do Estado”. (ALHTUSSER, 1983, p.71). E fundamenta sua concepção citando o exemplo de Lênin:

Cito apenas um exemplo e prova: a lancinante preocupação de Lênin em revolucionar o Aparelho Ideológico de Estado escolar (entre outros) para permitir ao proletariado soviético, que se apropriara do poder do Estado, garantir nada mais nada menos do que o próprio futuro da ditadura do proletariado e a passagem para o socialismo. (ALHTUSSER, 1983, p.71).

A partir da compreensão dessa relação de identidade entre os AIE e os Aparelhos repressivos do Estado, Althusser compreende que os Aparelhos Ideológicos do Estado não são apenas os meios, mas também o lugar da luta de classes. Isso se explica porque a classe no poder

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do Estado age facilmente por leis e decretos no Aparelho repressivo do Estado, mas não pode ditar facilmente leis sobre os AIE, pois, estes podem ser conservados durante muito tempo após a ocorrência de um fato revolucionário, a partir dos quais a antiga classe dominante mantêm suas fortes posições e ainda, a partir dos quais as classes exploradas pode encontrar o meio de expressão de sua resistência. Sobre isso Althusser salienta, citando Marx:

Para tratar desta questão, deve-se ter presente dois princípios. O primeiro foi formulado por Marx no prefácio da Contribuição: “Quando consideramos tais abalos (uma revolução social), é necessário distinguir entre o abalo material – que pode ser constatado de maneira cientificamente rigorosa – das condições de produção econômicas, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas através das quais os homens tomam consciência deste conflito e o levam até o fim”. A luta de classes se expressa e se exerce portanto nas formas ideológicas, e portanto se exerce também nas formas ideológicas dos AIE. Mas a luta de classes ultrapassa amplamente estas formas, e é porque ela as ultrapassa que a luta das classes exploradas pode se exercer nos AIE, voltando a arma da ideologia contra as classes no poder.

Isto em função do segundo princípio: a luta das classes ultrapassa os AIE porque ela não tem suas raízes na ideologia, mas na Infraestrutura, nas relações de produção, que são relações de exploração, e que constituem a base das relações de classe. (ALHTUSSER, 1983, p.72).

Após o acréscimo do conceito Aparelhos Ideológicos do Estado, Althusser retoma a questão que fora colocada em suspenso no início da obra, sobre a reprodução das relações de produção.

O filósofo reconhece que a reprodução das relações de produção acontece antes de tudo na esfera da materialidade do processo de produção e circulação, contudo, esses mesmos processos estão repletos de relações ideológicas. Nesse sentido, a reprodução das relações de produção é, em grande parte, assegurada pelo exercício do Estado, através do Aparelho repressivo do Estado e dos Aparelhos Ideológicos do Estado, ou seja, pela superestrutura jurídico-política e ideológica.

Mas como o Aparelho repressivo do Estado e os AIE garantem a reprodução das relações de produção? Para responder a questão Althusser utiliza uma representação através do que ele chama de divisão do trabalho entre esses Aparelhos do Estado:

O papel do aparelho repressivo do Estado consiste essencialmente, como aparelho repressivo, em garantir pela força (física ou não) as condições políticas da reprodução das relações de produção, que são em última instância relações de exploração. Não apenas o aparelho de Estado contribui para sua própria reprodução (existem no Estado capitalista as dinastias políticas, as dinastias militares, etc.), mas também e sobretudo o Aparelho de Estado assegura pela

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repressão (da força física mais brutal à simples ordens e proibições administrativas, à censura explícita ou implícita, etc.) as condições políticas do exercício dos Aparelhos Ideológicos do Estado. (ALHTUSSER, 1983, p.74).

Portanto, os AIE são os responsáveis por assegurarem, em grande parte, a reprodução das relações de produção, sob a proteção do aparelho repressivo do Estado. “É neles que se desenvolve o papel da ideologia dominante, e da classe dominante, que detém o poder do Estado”. (ALHTUSSER, 1983, p.74). E é através da ideologia que a classe dominante no poder do Estado assegura uma harmonia entre o Aparelho repressivo do Estado e os AIE, bem como, também, assegura a unidade entre a multiplicidade desses AIE.

Segundo a tese de Althusser, dentre os inúmeros Aparelhos Ideológicos de Estado identificados nas formações sociais capitalistas contemporâneas, o aparelho ideológico que assumiu a posição dominante é o AIE escolar. Isso porque o aparelho ideológico escolar foi estabelecido pela burguesia, após intenso processo de luta de classe política e ideológica, para substituir o antigo aparelho ideológico dominante nas formações econômicas pré-capitalistas, a Igreja.

Para Althusser, todos os Aparelhos Ideológicos de Estado concorrem para o mesmo objetivo, que é a reprodução das relações de produção, cada um segundo uma maneira que lhe é própria, formando uma espécie de harmonia que em certos momentos pode ser tensa e apresentar contradições causadas tanto pelos resquícios das antigas classes dominantes, quanto pela classe dos proletários e suas organizações:

O aparelho político submetendo os indivíduos à ideologia política do Estado, a ideologia “democrática”, “indireta” (parlamentar) ou “direta” (plebiscitária ou fascista). O aparelho de informação despejando pela imprensa, pelo rádio, pela televisão doses diárias de nacionalismo, chauvinismo, liberalismo, moralismo etc. O aparelho religioso lembrando nos sermões e em outras cerimônias do Nascimento, do Casamento e da Morte que o homem é cinza e sempre será, a não ser que ame seu irmão ao ponto de dar a outra face àquele que primeiro a esbofetear. O aparelho familiar... Não insistamos. (ALHTUSSER, 1983, p.78).

Em meio a esta harmonia um aparelho ideológico do Estado desempenha o papel dominante, embora aparentemente o aparelho político ocupe o cenário em primeiro plano. Trata-se da Escola, que tem a função de incluir em todas as etapas da educação da clasTrata-se explorada os valores, a cultura, a arte, a literatura a ciência, enfim, a ideologia da classe dominante. Althusser comenta:

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Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e desde o Maternal ela lhes sulca, durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história natural, as ciências, a literatura), ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral, educação cívica, filosofia). Por volta do 16º ano, uma enorme massa de crianças entra na “produção”: são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude escolarizável prossegue: e, seja como for, caminha para os cargos dos pequenos e médios quadros, empregados, funcionários pequenos e médios, pequenos burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja para cair num semi-desemprego intelectual, seja para fornecer além dos “intelectuais do trabalhador coletivo”, os agentes de exploração (capitalistas, gerentes), os agentes de repressão (militares, policiais, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda espécie, que em sua maioria são “leigos” convictos). (ALHTUSSER, 1983, p.79).

Segundo o filósofo, ao final de cada etapa, cada respectivo grupo dispõe da ideologia que convém ao papel que ele deverá preencher na sociedade de classe. Para o desempenho do papel de explorados, o grupo dispõe de uma consciência profissional, moral, cívica, nacional e apolítica. Para o papel dos agentes de exploração o grupo dispõe dos saberes relativos ao comando, ao modo de se dirigir aos operários, as relações humanas, dentre outros. Para o papel dos agentes de repressão o grupo dispõe do saber relativo ao comando, a fazer-se obedecer, a retórica e manipulação etc. Para o papel dos profissionais da ideologia, o grupo dispõe do saber relativo ao trato das consciências através das demagogias que convém, com ênfases na moral, nas virtudes, no nacionalismo etc.

Para Althusser, toda essa ideologia pode ser aprendida também através de outros AIE, tais como da Informação, da Família, da Igreja ou ainda por meio da cultura, nos livros, filmes etc., no entanto, nenhum destes meios tem à sua disposição tantas horas de um dia, tantos dias da semana e tantos anos de uma vida quanto o aparelho Escolar. Soma-se a isso o fato de que o aparelho Escolar está encoberto enquanto aparelho da classe dominante pela ideologia da Escola universalmente aceita e neutra:

[...] uma ideologia que representa a Escola como neutra, desprovida de ideologia (uma vez que é leiga), aonde os professores, respeitosos da “consciência” e da “liberdade” das crianças que lhe são confiadas (com toda confiança) pelos “pais” (que por sua vez são também livres, isto é, proprietários de seus filhos), conduzem-nas à liberdade, à moralidade, à responsabilidade adulta pelo seu exemplo, conhecimento, literatura e virtudes “libertárias”. (ALHTUSSER, 1983, p.80).

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Em síntese, o aparelho ideológico Escolar do Estado é, dentre os demais AIE e sob a proteção do Aparelho repressivo de Estado, o que exerce um papel hegemônico no processo de reprodução das relações de produção, pois é sua a responsabilidade de inculcação maciça da ideologia da classe dominante. Logo, é pela aprendizagem dessa ideologia que as relações entre exploradores e explorados da sociedade capitalista são diariamente, em grande parte, reproduzidas. Segundo Althusser:

De fato, a Igreja foi substituída pela Escola em seu papel de Aparelho Ideológico de Estado dominante. Ela forma com a Família um par, assim como outrora a Igreja o era. Podemos então afirmar que a crise, de profundidade sem precedentes, que abala por todo o mundo o sistema escolar de tantos estados, geralmente acompanhada por uma crise (já anunciada no Manifesto) que sacode o sistema familiar, ganha um sentido político se considerarmos a Escola (e o par Escola-Família) como o Aparelho Ideológico de Estado dominante, Aparelho que desempenha um papel determinante na reprodução das relações de produção de um modo de produção ameaçado em sua existência pela luta mundial de classes. (ALHTUSSER, 1983, p.81).

Apresentada a teoria de que nas formações capitalistas maduras o aparelho ideológico Escolar de Estado, juntamente com o aparelho ideológico Família, ocupa um lugar dominante no processo de reprodução das relações de produção, Althusser suspende então essa questão para esclarecer outra realidade que considera fundamental, a ideologia.

1.4. O conceito de Ideologia e sua existência material nos Aparelhos Ideológicos de

Estado

Ao acrescentar o conceito Aparelhos Ideológicos do Estado à teoria marxista clássica e ao afirmar que eles funcionam através da ideologia, Althusser se vê obrigado a esclarecer o que compreende por ideologia. Para o início dessa tarefa ele retoma o conceito de ideologia presente nas obras da juventude de Marx, a saber, que a ideologia é um sistema de ideias e de representações que domina o espírito do homem ou de um grupo social. No entanto, Marx, ao longo de sua luta política, não aprofundou essas primeiras intuições em uma teoria da ideologia em seus escritos de maturidade. Haveria também uma lacuna sobre a ideologia, na teoria de Marx:

Portanto estamos diante de um paradoxo bastante surpreendente. Tudo parecia levar Marx a formular uma teoria da ideologia. De fato, a Ideologia Alemã nos oferece, depois dos Manuscritos de 44, uma teoria explícita da ideologia, mas...

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ela não é marxista (nós o veremos daqui a pouco). Quanto ao Capital, mesmo que contendo inúmeras indicações para uma teoria das ideologias (a mais visível: a ideologia dos economistas vulgares), ele não contém esta teoria em si, que depende em grande parte de uma teoria da ideologia em geral. (ALHTUSSER, 1983, p.82).

Para o filósofo, em A Ideologia Alemã Marx esboçou uma teoria da ideologia, mas sob uma fórmula positivista, isto é, da ideologia sem história própria, como pura ilusão sem qualquer realidade além daquela que lhe é exterior e que a determina enquanto ilusória. Althusser observa:

Na ideologia alemã, esta fórmula aparece num contexto nitidamente positivista. A ideologia é concebida como pura ilusão, puro sonho, ou seja, nada. Toda a sua realidade está fora dela. [...] A ideologia é então para Marx um bricolagem imaginário, puro sonho, vazio e vão, constituído pelos “resíduos diurnos” da única realidade plena e positiva, a da história concreta dos indivíduos concretos, materiais, produzindo materialmente sua existência. É neste sentido que, na Ideologia Alemã, a ideologia não tem história, uma vez que sua história está fora dela, lá onde está a única história, a dos indivíduos concretos etc... (ALHTUSSER, 1983, p.83).

Diante dessa suposta lacuna observada na teoria marxista clássica, Althusser se propõe a realizar um projeto de uma teoria da ideologia em geral, radicalmente diferente da tese “positivista e historicista esboçada por Marx em A Ideologia Alemã.” (ALHTUSSER, 1983, p.84). Essa diferença consiste, por um lado, na sustentação da tese de que as ideologias em particular têm uma história própria, ainda que sejam determinadas pela luta de classes e, por outro lado, de que a ideologia em geral não tem história, no sentido de que ela possui uma estrutura e funcionamento que a caracterizam como uma realidade não-histórica, mas que se manifestam da mesma forma imutável em toda história da luta de classes. Portanto, essa estrutura e funcionamento que se manifestam de forma imutável em toda a história conferem à ideologia uma existência que Althusser denomina como eterna, traçando um paralelo entre sua tese e a tese de Freud sobre o inconsciente em geral:

Se eterno significa, não a transcendência a toda história (temporal), mas omnipresença, transhistória [sic.] e, portanto imutabilidade em sua forma em toda extensão da história, eu retomarei palavra por palavra da expressão de Freud [que afirmou ser o inconsciente eterno, isto é, sem história] e direi: a ideologia é eterna, como o inconsciente. E acrescentarei que esta aproximação me parece teoricamente justificada pelo fato de que a eternidade do inconsciente não deixa de ter relação com a eternidade da ideologia em geral. Eis porque me considero autorizado, ao menos presuntivamente, a propor uma teoria da ideologia em geral, no mesmo sentido em que Freud apresentou uma teoria do inconsciente em geral. (ALHTUSSER, 1983, p.85).

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Para desenvolver a tese sobre a ideologia em geral, Althusser propõe duas outras teses: a primeira consiste na ideologia enquanto representação da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência; a segunda trata da ideologia enquanto existência material.

A primeira tese, em essência, concebe a ideologia como uma visão de mundo que não corresponde à realidade do indivíduo, isto é, que é mera imaginação da consciência. Segue-se a isso que a ideologia é apenas um modo de representação, ilusória, da realidade. Para encontrar a realidade verdadeira sob sua representação é necessário interpretá-la. Althusser afirma que as mais conhecidas correntes de interpretação foram a mecanicista, do séc. XVIII e a hermenêutica, inaugurada pelos primeiros padres da Igreja e retomada por Feuerbach. Ambas tomam ao pé da letra a tese que supõem e sobre a qual se fundamentam: a tese de que o que é refletido na representação imaginária do mundo, ou seja, na ideologia, são as reais condições de existência dos indivíduos, o seu mundo real.

Segundo Alhtusser, Marx retomou o método de Feuerbach em suas obras de juventude, em busca de uma resposta para a questão sobre quais seriam as causas que levariam os homens à necessidade dessa transposição ilusória (ideologia) para representar suas condições reais de existência. E ele teria encontrado uma causa, a alienação material nas condições de existência dos homens. O filósofo escreve:

Esta causa não é nem mais os padres ou os déspotas [causas pressupostas pela corrente de interpretação mecanicista do séc. XVIII], nem a sua própria imaginação ativa ou a imaginação passiva de suas vítimas. Esta causa é a alienação material que reina nas condições mesmas de existência dos homens. É desta maneira que Marx defende, na Questão Judia e em outras obras, a ideia feuerbachiana de que os homens se fazem uma representação (= imaginária) de suas condições de existência porque estas condições de existência são em si alienadas (nos Manuscritos de 44: porque estas condições são dominadas pela essência da sociedade alienada: o “trabalho alienado”). (ALHTUSSER, 1983, p.87).

Para Althusser, tanto o mecanicismo do século XVIII quanto o método de Feuerbach são igualmente falsos. Consequentemente, também o jovem Marx estaria errado em sua teoria da ideologia.

Contrariando essa falsa tese de Feuerbach e do jovem Marx - da ideologia como representação da relação ilusória dos indivíduos com suas condições reais de existência -

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Althusser defende que não são as condições reais de existência que os homens representam ilusoriamente na ideologia, mas sim, representam a relação com as condições reais de existência:

É esta relação que está no centro de toda representação ideológica, e portanto, imaginária do mundo real. É nesta relação que está a “causa” que deve dar conta da deformação imaginária da representação ideológica do mundo real. Ou melhor, deixando de lado a linguagem da causa, é preciso adiantar a tese de que é a natureza imaginária desta relação que sustenta toda a deformação imaginária observável em toda ideologia. (ALHTUSSER, 1983, p.87).

Dessa forma, conforme afirma Althusser (1983, p. 88), é a relação imaginária dos indivíduos com suas relações reais em que vivem e não o sistema de relações reais que governam a existência dos homens que é representado na ideologia.

Se isso é verdade, a questão sobre a “causa” da deformação imaginária das relações reais na ideologia, que fora preocupação de Feuerbach e do jovem Marx, desaparece e dá lugar a outra questão: por que a representação ideológica das relações sociais que determinam suas condições reais de sua existência é necessariamente imaginária? E qual seria a natureza desse imaginário?

Desse modo, não apenas a questão levantada por Feuerbach e pelo jovem Marx desaparece, mas também se esvazia a teoria da ideologia por ele esboçada. Haveria então uma grande lacuna conceitual na teoria marxista clássica.

A segunda tese que Althusser propõe para fundamentar sua tese central, a respeito da necessidade de uma teoria da ideologia em geral, vem de encontro a essa suposta lacuna conceitual na teoria marxista. Para o filósofo, a ideologia possui uma existência material. Tal afirmação sobre natureza material da ideologia deve ser tomada imediatamente como pressuposto válido, antes mesmo dos desenvolvimentos necessários para sua demonstração. Althusser justifica:

Certamente apresentada sob a forma de afirmação, esta tese não está demonstrada. Pedimos simplesmente que, em nome do materialismo, lhe seja dado um julgamento favorável. Longos desenvolvimentos seriam necessários para a sua demonstração.

Esta tese presuntiva da existência não espiritual mas material das “ideias” ou outras “representações” é necessária para prosseguirmos a nossa análise da natureza da ideologia. Ou melhor, ela simplesmente nos é útil por possibilitar que apareça, de forma mais clara, o que qualquer análise um pouco séria de uma ideologia qualquer mostra imediatamente, empiricamente a todo observador, mesmo que pouco crítico. (ALHTUSSER, 1983, p.89).

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Partindo desse pressuposto, o filósofo retoma sua afirmação anterior de que a ideologia existe sempre em um aparelho e em sua prática ou práticas. Ou seja, os distintos Aparelhos Ideológicos do Estado e suas práticas são a realização de uma ideologia, compreendida como a unidade das diferentes ideologias, seja religiosa, moral, jurídica, política, dentre outras que estão sob o governo da ideologia da classe dominante. Esta forma de existência sempre a partir de um AIE é, para Althusser, a natureza material da ideologia.

Concordando com Aristóteles, que afirmou que a matéria se expressa de inúmeras maneiras, esse conceito de existência material empregado por Althusser deve ser compreendido não da mesma forma que a existência de um fuzil ou de um paralelepípedo, mas como existência enraizada em última instância na matéria física.

Feito isso, o filósofo segue a análise sobre como a ação da ideologia interfere na vida prática dos indivíduos. Para Althusser (1983, p. 89), um indivíduo que vive na ideologia experimenta em seu imaginário uma representação do mundo deformada, determinada por sua relação imaginária com suas condições reais de existência, ou seja, em última instância, com as relações de produção e de classe. Em outras palavras, a ideologia pode ser compreendida como uma relação imaginária com as relações reais. E essa relação imaginária é em si mesma dotada de uma existência material.

Althusser se opõe a uma representação ideológica da ideologia que, pelo contrário, reduz a ideologia às ideias dotadas de existência espiritual. A partir dessa concepção ideológica um indivíduo crê em uma divindade, no Dever ou na Justiça e essa crença provém de suas ideias, formuladas livremente em sua consciência enquanto sujeito. Portanto, para todos que vivem na representação ideológica da ideologia, os atos materiais desse indivíduo possuem suas ideias neles impressas. Segundo o filósofo:

O indivíduo em questão se conduz de tal ou qual maneira, adota tal ou qual comportamento prático, e, o que é mais, participa de certas práticas regulamentadas que são as do aparelho ideológico do qual “dependem” as ideias que ele livremente escolheu com plena consciência, enquanto sujeito. Se ele crê em Deus, ele vai à Igreja assistir à Missa, ele se ajoelha, reza, se confessa, faz penitência, e naturalmente se arrepende, e continua etc. Se ele crê no Dever, ele terá comportamentos correspondentes, inscritos nas práticas rituais, “segundo os bons costumes”. Se ele crê na Justiça, ele se submeterá sem discussão às regras do Direito, e poderá mesmo protestar quando elas são violadas, assinar petições, tomar parte em uma manifestação, etc. (ALHTUSSER, 1983, p.90).

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Ainda sobre essa concepção idealista à que se opõe Althusser, se verdadeiramente esse indivíduo não faz o que, em função de suas crenças, deveria fazer, é porque faz algo diferente que, a partir do mesmo esquema idealista, é compreendido como uma anomalia tratada como incoerência, inconsequência, cinismo ou mesmo perversidade. O filósofo comenta:

Em todos os casos, a ideologia da ideologia reconhece, apesar de sua deformação imaginária, que as “ideias” de um sujeito humano existem em seus atos, ou devem existir em seus atos, e se isto não ocorre, ela lhe confere ideias correspondentes aos atos que ele realiza. (ALHTUSSER, 1983, p.81).

Enquanto essa concepção ideológica da ideologia fala de atos, Althusser propõe falar de atos inscritos em práticas e mais, a observar que essas práticas são reguladas por rituais nos quais elas se inscrevem no interior da existência material de um aparelho ideológico. Neste sentido, considerando um indivíduo Althusser afirma que a existência das ideias de sua crença é material, pois, suas ideias são seus atos materiais inseridos em práticas materiais, reguladas por rituais materiais que são, por sua vez, definidos pelo respectivo aparelho ideológico.

Segundo Althusser, obtém-se com isso, mais que uma apresentação invertida das coisas, o fato de que determinadas noções da concepção idealista da ideologia desapareceram, tal como o termo ideias, no sentido de uma existência ideal ou espiritual, enquanto outras noções permaneceram, tal como os termos sujeito, consciência, crença, atos, e ainda novos termos apareceram, tais como práticas, rituais e aparelho ideológico. Essa apresentação proposta tem como objetivo a enunciação das determinações reais do funcionamento da ideologia sobre a vida dos indivíduos. O filósofo salienta:

As ideias desapareceram enquanto tais (enquanto dotadas de uma existência ideal, espiritual), na medida mesma em que se evidenciava que sua existência estava inscrita nos atos das práticas reguladas por rituais definidos em última instância por um aparelho ideológico. O sujeito, portanto, atua enquanto agente do seguinte sistema (enunciado em sua ordem de determinação real): a ideologia existente em um aparelho ideológico material, que prescreve práticas materiais reguladas por um ritual material, práticas estas que existem nos atos materiais de um sujeito, que agem conscientemente segundo sua crença. (ALHTUSSER, 1983, p.92).

Das noções que foram conservadas (sujeito, consciência, crença e atos), Althusser extrai uma que considera central e decisiva para sua tese central: a noção de sujeito. A partir dessa noção ele enuncia duas teses interdependentes. A primeira afirma que só há prática através e sob uma ideologia e a segunda afirma que só há ideologia pelo sujeito e para o sujeito.

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Althusser quer dizer que a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos e, portanto, é através e sob ela que a prática passa a existir. Segue-se, ao mesmo tempo, que a ideologia está destinada ao sujeito e essa destinação da ideologia só é possível através do funcionamento dessa categoria de sujeito. Isso significa que para Althusser a categoria de sujeito é constitutiva de toda ideologia, seja qual for sua determinação regional, de classe e do momento histórico. Porém, Althusser acrescenta que ao mesmo tempo e imediatamente a categoria de sujeito não é constitutiva de toda ideologia, uma vez que toda ideologia tem por função constituir indivíduos concretos em sujeitos. Esse funcionamento da ideologia se manifesta nas formas materiais de existência e é o que define a ideologia enquanto tal. É na Ideologia que aprendemos o ser, o movimento e a vida. Segundo ele:

Segue-se que, tanto para vocês como para mim, a categoria de sujeito é uma “evidência” primeira (as evidências são sempre primeiras): está claro que vocês, como eu, somos sujeitos (livres, morais etc.) como todas as evidências, inclusive as que fazem com que uma palavra “designe uma coisa” ou “possua um significado” (portanto inclusive as evidências da “transparência” da linguagem), a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e até aí que não há problema – é um efeito ideológico, e efeito ideológico elementar. Este é aliás o efeito característico da ideologia – impor (sem parecer fazê-lo, uma vez que se tratam de “evidências”) as evidências como evidências, que não podemos deixar de reconhecer e diante das quais, inevitável e naturalmente, exclamamos (em voz alta, ou no “silêncio da consciência”): “é evidente! É exatamente isso! É verdade!”. (ALHTUSSER, 1983, p.95).

Dessa maneira, a ideologia produz, a partir de certos rituais da vivência material dos indivíduos, um efeito característico, o reconhecimento. Esses rituais variam de acordo com o tipo de Aparelho Ideológico de Estado, de lugar ou de época histórica, porém, de modo geral estão sempre presentes em toda sociedade, independente das particularidades. Althusser ilustra essa tese com um exemplo de ritual de reconhecimento:

Tomando um exemplo bastante “concreto”, quando nossos amigos batem à porta, quando perguntamos, através da porta fechada, “quem é?” eles respondem (“é evidente”) “sou eu”. Com efeito reconhecemos que “é ele” ou “é ela”. Abrimos a porta, e “verdadeiramente era ele quem batia”. Tomando um outro exemplo, quando reconhecemos na rua alguém do nosso (re) conhecimento, demonstramos que o reconhecemos (e que reconhecemos que ele nos reconheceu) dizendo-lhe “alô, como vai?” apertando-lhe a mão (prática ritual material do reconhecimento ideológico da vida cotidiana, ao menos na França: em outros lugares, outros rituais). (ALHTUSSER, 1983, p.95).

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Pela prática constante desses diversos rituais de reconhecimento, determinados pelos AIE e presentes no cotidiano da vida dos indivíduos, estes se reconhecem ideologicamente a si próprios como sujeitos e, também, os demais indivíduos como outros sujeitos. Althusser afirma:

Por este preâmbulo e estas ilustrações concretas, quero assinalar que você e eu já somos sempre sujeito e que, enquanto tais, praticamos ininterruptamente os rituais do reconhecimento ideológico, que nos garantem que somos de fato sujeitos concretos, individuais, inconfundíveis e (obviamente) insubstituíveis. O que escrevo neste momento e a leitura que vocês fazem neste momento estão entre os rituais de reconhecimento ideológico, inclusive a “evidência” através da qual pode se impor a vocês a “verdade” ou o “erro” de minhas reflexões. (ALHTUSSER, 1983, p.95).

No entanto, o reconhecimento do indivíduo como sujeito, através dos rituais práticos da vida cotidiana (um aperto de mão, ser chamado por um nome, saber que tem um nome próprio etc.), dá a ele apenas a consciência de sua prática incessante do reconhecimento ideológico e não o conhecimento científico do mecanismo deste reconhecimento. Desse modo, é necessário chegar a esse conhecimento para que se possa romper com a ideologia. Para isso Althusser propõe esboçar um discurso científico sem sujeito sobre a ideologia, retomando de início a sua formulação de que toda ideologia interpela os indivíduos concretos enquanto sujeitos concretos, através do funcionamento da categoria de sujeito. O filósofo ilustra essa sua formulação da seguinte forma:

Sugerimos então que a ideologia “age” ou “funciona” de tal forma que ela “recruta” sujeitos dentre os indivíduos (ela os recruta a todos), ou “transforma” os indivíduos em sujeitos (ela os transforma a todos) através desta operação muito precisa que chamamos interpelação, que pode ser entendida como o tipo mais banal de interpelação policial (ou não) cotidiana: “ei você aí!”

Supondo que a cena teórica ocorre na rua, o indivíduo interpelado se volta. Nesse simples movimento físico de 180° ele se torna sujeito. [...] Um indivíduo (90% das vezes o interpelado) se volta, acreditando-suspeitando-sabendo que se trata dele, reconhecendo portanto que “certamente é ele” quem está sendo chamado. [...] A existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos enquanto sujeitos são uma única e mesma coisa. (ALHTUSSER, 1983, p.97).

Segundo Althusser, o que ocorre no cotidiano da vida concreta dos indivíduos, mais precisamente na rua, como ilustrou o exemplo, é justamente o que ocorre na realidade da ideologia. Portanto, o que ocorre na ideologia parece ocorrer fora dela. Isso responde a questão do porque os indivíduos no interior da ideologia pensam a si mesmos como fora dela, ou seja,

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