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Neste caso prático temos um único acto/situação que importa analisar: o indeferimento do Secretário de Estado da Saúde.

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Resolução do Caso Prático 35, da Colectânea de casos práticos “Direito

Administrativo – casos práticos, de Fausto de Quadros, Margarida

Cabral, João Tiago Silveira e Mafalda Carmona, AAFDL, Lisboa, 2002”

(com os contributos da aluna Ana Cristina Lopes)

Neste caso prático temos um único acto/situação que importa analisar: o indeferimento do Secretário de Estado da Saúde.

Vejamos separadamente as questões que estes acto coloca.

a) Saber se o Secretário de Estado da Saúde (SES) é competente

Em primeiro lugar, é necessário verificar se o Secretário de Estado da Saúde é competente para indeferir o pedido do João.

O Ministro da Saúde é coadjuvado no exercício das suas funções pelo Secretário de Estado da Saúde (artigo 4.º-10 da Lei orgânica do Governo - LOG), que, à semelhança dos subsecretários de Estado, não tem competência própria.

Dadas estas circunstâncias, o SES apenas poderá decidir sobre esta matéria se tiver existido delegação de competências e se essa delegação de competências cumprir os respectivos requisitos legais. Em concreto, é preciso verificar se houve delegação de competência e se havia norma habilitante que permitisse tal delegação.

O artigo 8.º-2 da LOG prevê o facto de os Ministros poderem delegar as suas competências nos Secretários de Estado. Portanto, existe norma habilitante para que esta competência possa ser delegada.

Porém, em parte alguma se refere no caso prático ter havido delegação de competências. Consequentemente, parece que o SES não poderia ter exercido esta competência. Desta forma, o SES não é competente, pois não houve delegação de poderes.

Estamos, assim, na presença de um vício de incompetência relativa, na medida em que tudo se processa dentro do mesmo Ministério. O desvalor correspondente é o de anulabilidade do acto praticado pelo SES.

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A anulabilidade encontra-se prevista nos artigos 135.º do CPA, sendo o regime regra em Direito Administrativo.

b) Saber se o interessado devia ter sido informado da decisão

Coloca-se o problema de saber se existe um direito à informação por parte dos particulares. Ou seja, se estes deveriam ter sido informados do acto de indeferimento do SES, uma vez que João só se apercebe de ter existido uma decisão porque foi, por sua iniciativa, consultar o processo..

Os artigos 66.º CPA. e 268.º-1 da CRP dispõem que os particulares têm o direito de conhecer e ser informados sobre as decisões definitivas tomadas pela Administração Pública. Têm ainda a possibilidade de consultar os processos e de aceder aos documentos administrativos (artigo 62.º CPA e Lei de Acesso aos Documentos Administrativos – Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto).

Portanto, todos os particulares, tal como João, devem ser notificados sobre os actos administrativos que decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas- artigo 66.º, alínea a) do CPA. A notificação é, assim, um acto que tem por objectivo transmitir ao destinatário “o conteúdo do mesmo ou se lhe faz saber um facto ou uma situação do seu interesse próprio”.

No caso em análise, João devia ter sido notificado no prazo de oito dias após a decisão de indeferimento (artigo 69.º do CPA). A notificação é um requisito de eficácia dos actos administrativos pelo que a sua preterição tem como consequência a ineficácia do acto de indeferimento. Não afecta a validade do acto, mas impede que este produza efeitos.

c) A ausência de resposta da Administração Pública

A Administração Pública deve responder às pretensões dos particulares no prazo de 90 dias úteis (artigos 58.º, 109.º e 108.º CPA, conjugados com o artigo 72.º CPA).

No caso de João, o prazo da administração para a prática do acto devido não foi ultrapassado. Com efeito, a decisão de indeferimento foi adoptada dentro desse prazo de 90 dias úteis. Porém, como vimos, essa decisão não foi notificada e, por isso, não produz

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efeitos. Ou seja, não produziu o efeito de interromper a contagem do prazo de 90 dias úteis que a Administração tinha para se pronunciar.

Portanto, para efeitos de reacção contenciosa e eventual formação de acto tácito, o prazo não deixou de contar, uma vez que ainda não se verificou qualquer decisão eficaz. Houve uma decisão, mas não foi comunicada ao interessado e, logo, não é eficaz/não produz efeitos.

Pergunta-se, então, qual a consequência do incumprimento do prazo de 90 dias úteis de que a Administração Pública dispunha para responder.

Como sabemos, quando esse prazo não é cumprido, o particular insatisfeito pode mover uma acção administrativa especial solicitando a condenação da Administração Pública a praticar o acto que deveria ter praticado (artigos 46.º-2-b) e 67.º-1-a) do CPTA, que revogaram parcialmente, de forma tácita, as referências do artigo 109.º CPA ao “indeferimento tácito”). Em casos excepcionais identificados na lei, forma-se deferimento tácito (artigo 108.º CPA). Isto é, o particular vê a sua pretensão concedida pelo silêncio da Administração Pública.

Temos, então de verificar, se neste caso se formou deferimento tácito.

Apenas existe deferimento tácito nos casos previstos na lei (artigo 108.º-3 CPA, havendo quem entenda que também nos casos do artigo 108.º-1 CPA). Ora, à primeira vista, parece que a presente situação não cabe no elenco de situações do artigo 108.º-3 CPA (eventualmente também artigo 108.º-1 CPA), pelo que não se terá formado deferimento tácito.

Apenas poderíamos defender que se tenha formado deferimento tácito se i) entendermos que todas as autorizações e aprovações também estão submetidas à regra do deferimento tácito, por o artigo 108.º-1 CPA acrescentar casos de deferimento tácito ao elenco do artigo 108.º-3 CPA e se ii) entendermos que o pedido para a abertura de uma farmácia é uma verdadeira “autorização” e não uma “licença”. Ou seja, que o direito de abrir uma farmácia já pré-existe na esfera jurídica dos particulares, apenas sendo necessário um acto que o permita exercer.

Assim, João terá a faculdade de reagir perante este silêncio administrativo lançando uma acção administrativa especial nos tribunais administrativos, na qual solicite a condenação á

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emissão do acto administrativo em falta. Veremos mais adiante se este direito está em condições de ser exercido.

d) O Secretário de Estado da Saúde tinha de seguir as conclusões do parecer do INFARMED, ou seja, verificar se era vinculativo?

Os pareceres são actos opinativos emitidos por entidades administrativas ou não relativamente a certas áreas do saber.

Para verificar se os pareceres (e este, em particular) precisam de ser seguidos quanto ao seu conteúdo, importa considerar o artigo 98.º CPA.

O artigo 98.º-2 CPA prevê que, em regra, os pareceres referidos na lei são obrigatórios, mas não são vinculativos. Ora, no caso prático nada nos é dito quanto ao facto de este parecer ser legalmente exigido. Ou seja, o caso em apreço não se inclui expressamente na situação do artigo 98.º-2 CPA.

No entanto, parece que se pode retirar, a partir do artigo 98.º-2 CPA, a regra quanto aos pareceres “não referidos na lei”, a partir de um argumento de maioria de razão. Com efeito, se os pareceres referidos na lei não são vinculativos, o parecer que nem sequer é referido na lei “ainda menos vinculativo o será”.

Portanto, parece evidente que o conteúdo do parecer do INFARMED não era vinculativo e que o SES poderia ter decidido de forma diferente, caso pretendesse. Assim, o SES não tinha razão por dizer que não tinha outra alternativa, uma vez que este parecer não era vinculativo. O acto padece, por isso, de um vício de violação de lei, que provoca a sua anulabilidade.

e) Devia ter havido audiência dos interessados?

No caso apresentado os interessados não foram, nem ouvidos antes da tomada da decisão final, nem informados.

Em regra, terminada a fase de instrução no procedimento, deve existir audiência dos interessados (artigo 100.º CPA), salvo as excepções do artigo 103.º CPA, que, nesta situação, não se verificavam.

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Existe, portanto, um vício por não se ter realizado a audiência dos interessados legalmente exigida. A falta de audiência prévia dos interessados traduz-se num vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial no procedimento.

Uma questão controversa na doutrina versa sobre a sanção a aplicar face a esta invalidade. A posição maioritária, entre a qual a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entende que se aplica o regime da anulabilidade (artigo 135.º CPA), não se verificando nenhum dos pressupostos do artigo 133.º CPA.

Porém, alguns autores defendem que a sanção será a nulidade por estarmos na presença de um direito fundamental que encontra a sua previsão constitucional no artigo 267.º-5 da CRP, o qual seria um Direito, Liberdade e Garantia de natureza análoga (artigo 17.º CRP). Assim, segundo o artigo 133.º-2-d) CPA, a inobservância da audiência dos interessados significaria a violação do conteúdo essencial de um Direito Fundamental e geraria a nulidade do acto.

f) O acto de indeferimento deveria ter sido fundamentado?

Sim. Nos termos do artigo 124.º-1-a) CPA, os actos que neguem direitos ou interesses legalmente protegidos devem ser fundamentados. No mesmo sentido, os actos que decidam ao contrário de pretensões dos particulares também o devem ser artigo 124.º-1-c) CPA.

Portanto, é evidente que este acto deve ser fundamentado. Será que o foi?

O acto de indeferimento do SES invoca o parecer para não acolher o pedido de João. Pode tal invocação constituir fundamentação suficiente do acto administrativo? Parece evidente que sim. O artigo 125.º-1 CPA determina que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de um parecer, o que parece ter acontecido. Naturalmente que, neste caso, a fundamentação constante do parecer tem de ser suficiente e cumprir os requisitos do artigo 125.º CPA, o que parece ter acontecido.

Em suma, parece não existir qualquer vício por falta de fundamentação.

g) A autorização podia ter sido indeferida por João não ser licenciado em farmácia?

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O SES indeferiu o pedido em virtude de João não ser licenciado em farmácia, uma vez que a lei determinava que só os licenciados em farmácia podiam ser proprietários de farmácias.

Sucede, porém, que João era licenciado em farmácia, ao contrário do que o SES indicou. Assim, encontramos nesta situação um erro de facto nos pressupostos, uma vez que o pressuposto relativo à licenciatura de João estava, na realidade, preenchido. Trata-se de um vício de violação de lei que provoca a anulabilidade do acto.

h) A autorização poderia ser indeferida por a sua abertura afectar o equilíbrio económico das restantes farmácias da Baixa?

Quanto à circunstância de a abertura da farmácia afectar o equilíbrio económico das outras farmácias, importa verificar se esta circunstância podia ser invocada para indeferir o pedido.

A resposta efectiva a esta questão dependeria da análise dos diplomas legais que regem a abertura de farmácias, o que não pode ser analisado para resolver este caso prático. Assim, existem duas hipóteses que, em abstracto, devemos colocar.

Numa primeira hipótese, a abertura de farmácias é, essencialmente, livre, apenas havendo que efectuar a verificação de ordem técnica, segurança e higiene. Se for assim, estamos na presença de um poder que pode conter aspectos de discricionariedade ou margens de liberdade, mas que é, essencialmente vinculado. Se a solução da lei for esta, o indeferimento do SES contém um vício de desvio de poder, por se o poder que lhe é conferido para autorizar a abertura de farmácias não se dirigir à verificação da sua possibilidade de sucesso comercial. O desvalor será a anulabilidade, nos termos do artigo 135.º CPA.

Numa segunda hipótese, haverá que verificar aspectos relativos a questões técnicas, de segurança e de higiene, mas não só. Neste caso, a abertura de farmácias não será essencialmente livre, pois haverá que verificar outros aspectos de interesse público, como seja a viabilidade económica das farmácias, para evitar que, numa determinada zona do País, deixem de existir farmácias por terem falido. Se for esta a solução legal, provavelmente, a margem de liberdade conferida à Administração será maior. Neste caso, não haverá vício algum, pois a lei terá pretendido, não apenas a verificação de aspectos técnicos e análogos, mas também a garantia da sua viabilidade económica, como forma de assegurar que todas as zonas do País beneficiam de um certo número de farmácias em

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actividade. E, portanto, será perfeitamente legal um indeferimento baseado na ponderação da viabilidade económica da farmácia.

i) Como pode João reagir contenciosamente?

Relativamente ao indeferimento do SES, João pode reagir contenciosamente e, como vimos, tem razões que podem levar à condenação da Administração Pública. Para o efeito deverá propor uma acção administrativa especial, solicitando a condenação da Administração Pública à emissão do acto administrativo omitido (artigos 46.º-1-b) e 67.º-1-a) do CPTA).

Esta acção teria como finalidade condenar a Administração à prática do acto administrativo em falta. Como se viu, não existe resposta ao pedido de João, pois o acto de indeferimento nunca foi notificado. Consequentemente, verifica-se uma situação de silêncio da Administração contra a qual João pode reagir, utilizando esta via.

Como se viu também, João já verificou que existia um acto praticado, mas não notificado. E também se pode verificar, através da análise do caso prático, que esse acto padece de vários vícios. Como evita então João que a Administração Pública, em sede de execução de sentença, venha a cumprir a decisão do tribunal notificando um acto já praticado, mas que já se viu ter vício?

João tem a possibilidade de, no pedido de condenação à prática do acto administrativo em falta/omitido/não notificado, solicitar a condenação de um acto que cumpra as vinculações legais que sobre ele impendem (artigo 71.º CPTA). E deve fazê-lo, para evitar que o tribunal apenas profira uma decisão de condenação em abstracto, sem se referir ao conteúdo do acto.

Assim, por exemplo, João poderia pedir à condenação da Administração à prática de um acto, “o qual não pode ser praticado pelo SES, dado que o mesmo não tem competência” ou que “não pode ser de indeferimento por o requerente não ter a qualidade de licenciado em farmácia, uma vez que a tem”.

Há, contudo, um último factor que impede João de mover esta acção. É que a mesma deveria ter sido interposta no prazo de um ano após o final do prazo de 90 dias úteis que a Administração tinha para decidir (artigo 69.º-1 CPTA e 58.º e 109.º CPA) e não o foi. Com

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efeito, a situação de silêncio da Administração verificou-se há mais de 10 anos, tendo já caducado o direito à acção de João.

Referências

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