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AS ELITES CIVIS E A DITADURA MILITAR: O EXEMPLO DE JOINVILLE-SC (1965)

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AS ELITES CIVIS E A DITADURA MILITAR: O EXEMPLO DE

JOINVILLE-SC (1965)

Juliano Cabral Pereira1 Resumo: Instaurou-se no Brasil, a partir do golpe civil-militar de 31 de março 1964, não somente uma ditadura

como também um novo modelo de Estado. Necessitando dar suporte para as estruturas institucionais do regime que surgia a partir de então, as Forças Armadas, através da Escola Superior de Guerra (ESG), elaboram uma série de cursos visando espalhar entre a população a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) – aporte teórico que embasou o pensamento militar para o planejamento do golpe e do governo ditatorial. Entre estes cursos estavam os chamados Ciclos de Estudo sobre Segurança Nacional, que ocorreram em diversos estados brasileiros em meados dos anos 1960 e 1970, cujos participantes eram ou viriam a ser envolvidos com a política e ocupariam cargos na máquina pública. Assim, objetivando formar uma elite que conduziria a sociedade brasileira ao progresso, estes eventos eram voltados à alta classe das cidades que os sediavam; em Santa Catarina, houve uma etapa em Joinville – a qual é o objeto de estudo deste trabalho. Seria pretensioso afirmar que o tal curso teria, em termos práticos, moldado grandemente o desenrolar da ditadura na cidade; no entanto, as análises em torno do mesmo podem revelar aspectos das relações entre a sociedade civil e o regime. Assim, a proposta desta breve produção é visualizar através do exemplo joinvilense como as elites civis se envolviam com as Forças Armadas a partir de interesses mútuos, recorrendo ao braço armado do Estado em tempos de crise. Há ainda o intuito de apontar para o fato de que, em um estado como Santa Catarina, pouquíssimo lembrado em termos de ditadura militar, também existiam aspectos que voltavam os olhos do governo autoritário para o seu território, os quais poderiam gerar novas pesquisas. Sendo assim, as fontes para análise são provenientes dos materiais da etapa do ciclo realizada em Joinville-SC, em agosto de 1965, como os manuais didáticos e os relatórios produzidos pelos participantes do curso.

Palavras-chave: Ditadura Militar. Doutrina de Segurança Nacional. Santa Catarina. The civilian elites and the military dictatorship: the example of Joinville (1965)

Abstract: In Brazil, from the civilian-military coup of march 31, 1964, a military dictatorship and a new Estate

model has established. Needing support for the new institutional structures of the regime, the military forces, through the Superior War School, elaborated a series of courses with the objective of spread among the population the National Security Doctrine – theoretical input that had supported the military thinking for the coup’s planning and the dictatorial government. Amongst these courses were the Cycles of Studies about the National Security, which occurred in many Brazilian states in the 1960s and the 1970s, whose participants were or would be involved with politics and occupy posts in the public machinery. Thus, to create an elite that would lead the Brazilian society to progress, these events were dedicated to the high classes of the host-cities; in Santa Catarina, a stage of the cycle occurred in Joinville – which is the object of this article. Would be pretentious to affirm that this course, in practical terms, would have shaped the dictatorship history in the city; however, the analysis about it could reveal aspects of the relations between the civilian society and the military regime. Then, the porpoise of this short production is to visualize through the example of Joinville how the civilian elites became involved with the Military Forces from mutual interests, recurring to the Estate army in hard times. Have yet the intent of appoint to the fact that in a state like Santa Catarina, very little remembered in the studies about the military dictatorship, have existed aspects that claimed the attention of the authoritarian government to its territory, which could generate new researches. Therefore, the sources for analysis are stemming from the

1Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina

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materials of the stage that was realized in Joinville-SC, in august 1965, as the learning materials and the reports written by the participants of the course.

Keywords: Military Dictatorship. National Security Doctrine. Santa Catarina.

O novo regime instaurado após o golpe civil-militar de 1964 trouxe na bagagem aquilo que Alves (1985, p. 27) afirma ser um Estado de Segurança Nacional – uma complexa configuração que alia o autoritarismo a projetos de centralização político-econômica. No entanto, se parte dos brasileiros foi favorável ao movimento golpista, estudos apontam que este suporte não era tão grande quanto alguns podem imaginar; pesquisas de opinião realizadas pouco antes do golpe apontavam que 72% da população apoiava o governo de João Goulart (FICO, 2014, p. 9). Logo, se a adesão civil ao golpe havia sido parcial, era necessário expandi-la. É a partir disso que a Escola Superior de Guerra (ESG) começa a promover cursos para a população brasileira, objetivando propagar a chamada Doutrina de Segurança Nacional (DSN) – o aporte teórico que embasava o planejamento do tal novo modelo de Estado. Isso porque, de acordo com os preceitos da doutrina, o conflito com a subversão caracterizava também uma guerra de cunho psicológico, não denotando um embate típico entre duas nações diferentes. O inimigo seria interno e utilizaria de meios doutrinários para conquistar a população através de práticas como a panfletagem, a infiltração em organizações sociais e da imprensa alternativa. Assim, o confronto bélico não seria suficiente para superar o adversário, havendo a necessidade de combatê-lo em seus próprios termos: doutrinando e conquistando o ideário popular (ALVES, 1985, p. 38-39).

O estado de Santa Catarina também fora palco desses eventos planejados pelos militares, de tal maneira que em agosto de 1965 ocorrera o 1° Ciclo de Estudos sobre

Segurança Nacional. Esses ciclos eram cursos realizados pela Associação dos Diplomados da

ESG (ADESG) em diversos estados do país e em diferentes períodos da ditadura militar, sendo compostos por etapas (que fechavam um ciclo, daí o nome) realizadas em diferentes localidades dentro dos territórios estaduais. No entanto, não era qualquer cidadão que podia cursá-los. Eram voltados especificamente para as elites político-econômicas das cidades que os sediavam e, no caso catarinense, foram escolhidas Blumenau e Joinville, ainda com uma

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viagem de estudos a Florianópolis (ADESG, 1965a, p. 4). Dispondo do material utilizado na etapa joinvilense do ciclo, o objetivo do artigo em questão é analisar as relações das elites civis com a ditadura militar através do exemplo de Joinville. O conjunto documental da pesquisa é composto pelos manuais didáticos utilizados no curso, pelo registro das atividades realizadas pelos participantes e por um discurso proferido no evento de formatura.

O ciclo: a escolha das cidades-sede

O curso foi ministrado com base em materiais criados especificamente para a sua realização, os quais eram fundamentados pelas obras do general Golbery do Couto e Silva – a principal mente por trás da Doutrina de Segurança Nacional. Dentre eles havia uma espécie de livreto instrutivo denominado Informações Gerais sobre o 1º Ciclo de Estudos, a transcrição da oração proferida pelo Dr. Eugenio Luis Vieira na formatura dos participantes e três livros didáticos, intitulados Os objetivos nacionais permanentes, Aspectos políticos da Segurança

Nacional e Democracia e Ideologia. Além disso, os cursantes foram reunidos em grupos com

a finalidade de realizarem seminários e produzirem relatórios (bastante semelhantes a artigos acadêmicos em seu formato), cada qual com um tema diferente. Foram eles: O papel das

elites locais no quadro da Guerra Revolucionária; Qual o sentido que se poderia dar à propaganda no Quadro da Segurança Nacional em Regime Democrático?; A aculturação e a integração das colônias europeias no sul do Brasil, no quadro da Segurança Nacional e por

fim, A cooperação do Sul do Brasil na eliminação de desequilíbrios sócio-econômicos

regionais, tendo em vista a Segurança Nacional. Infelizmente, não há com precisar se foram

utilizados e produzidos outros materiais, mas é possível tecer algumas considerações sobre a realização do ciclo em Santa Catarina a partir daquilo que se encontra disponível.

A primeira observação a ser elencada diz respeito às cidades escolhidas para receberem o curso. As duas cidades-sedes possuíam em comum o fato de serem localidades marcadas pela colonização alemã (SEYFERTH, 2012), com o forte apego ao ideário do cidadão europeu disciplinado e trabalhador, além de estarem passando por processo de industrialização naquele período. Sendo o setor econômico um dos principais pontos de

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preocupação do governo golpista recém alçado ao poder, nada seria mais sensato do que buscar focos de apoio onde a presença de elites industriais crescia gradualmente, as quais poderiam enxergar no novo governo uma maneira de garantir vantagens para seus empreendimentos.

Já em relação ao caráter “europeu” das cidades, podemos recorrer ao relatório produzido pelo grupo número 2, A aculturação e a integração das colônias europeias no sul

do Brasil, no quadro da Segurança Nacional, para levantar algumas hipóteses. Observemos o

seguinte trecho:

Todos êstes (sic) imigrantes vieram para o Brasil tendo assegurada uma série de direitos como escolas próprias, clubes culturais e recreativos, preservação dos costumes e tradições, liberdade religiosa, etc. Face aos compromissos assumidos perante os colonos e as dificuldades encontradas pelo Gôverno (sic) em cumpri-las, surgiram em determinadas épocas os agrupamentos fechados, nos quais os estrangeiros constituíram sistemas sociais próprios. Fato bastante compreensível se atentarmos a sua cultura, em estágio muito mais elevado do que a dos nacionais, nas regiões onde se estabeleciam. Entretanto, o gôverno (sic), em tempo, compreendeu a situação e tomou providências necessárias para sanar tais dificuldades. Isto porque, é inegável o interêsse (sic) nacional na imigração [grifos meus] (DOS ANJOS et al., 1965, p. 2).

Pintando um quadro bastante positivo em torno da imigração no sul do país, os autores apontam que o governo brasileiro – sem determinar especificamente a qual época estão se referindo – tratou de sanar as dificuldades encontradas pelos europeus. Se for considerado o contexto do final do século XIX e início do século XX, onde ocorrera grande campanha pela imigração objetivando buscar mão de obra após o fim do sistema escravagista, pode-se dizer que há um fundo de sentido nas afirmações feitas pelos cursantes. Entretanto, o grupo ignorou completamente as políticas nacionalistas adotadas durante o governo de Getúlio Vargas, em que foram intensas as perseguições às colônias estrangeiras em Santa Catarina, indo desde a alteração nos currículos das escolas até a proibição do uso de outra língua que não fosse o português (SANTOS, 2010). Antes de completar o raciocínio, cabe observarmos mais um trecho do relatório:

Os fatos históricos nos ensinam que os elementos oriundos de outros países, desde que aqui chegaram se constituíram em elementos positivos da Segurança Nacional. Sempre tiveram consciência dos deveres que tinham para com a nova Pátria (grifo meu). Tanto assim que de suas colônias saíram verdadeiros batalhões de voluntários para lutar, destemidamente, em defesa de seus lares, de suas famílias, conseqüentemente (sic) de seu País, nos campos de batalha da Guerra do Paraguai e

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outras. E, na medida que suas colônias se desenvolviam e os seus setôres (sic) econômicos se fortaleciam, em melhores e mais fortes baluartes da Segurança Nacional se constituíam os seus componentes (grifo meu). (DOS ANJOS et. al., 1965, p. 5).

Mais do que ignorar a perseguição às colônias estrangeiras no estado catarinense durante a campanha de nacionalização de Getúlio Vargas, onde colonos imigrantes eram vistos enquanto um perigo a Segurança Nacional, os autores apontam um aspecto citado anteriormente que pode nos ajudar a compreender que talvez este esquecimento tenha sido proposital: o econômico. Se ao longo das décadas de 1930 e 1940 houve a busca pelo fortalecimento da economia brasileira por um viés nacionalista, o que se via a partir de 1964 eram tentativas do governo golpista de se dobrar à política econômica ortodoxa do FMI e de entidades internacionais como o Banco Mundial (SKIDMORE, 1988). O planejamento da economia do governo Castelo Branco, com base nas ideias de seus ministros Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, visava abrir as portas do Brasil ao capital estrangeiro e estimular novos investimentos através da limitação do salário mínimo, do controle dos sindicatos, da regulação das taxas de importação/exportação, dentre outros fatores, sem desestimular os empreendedores brasileiros (ALVES, 1985; SKIDMORE, 1988).

Diante disso, observando os conteúdos ministrados no Ciclo, o que parece ter acontecido é o apelo ao sentido identitário das elites locais de Joinville como uma maneira tanto de enaltecer os elementos estrangeiros, agora tão caros o governo brasileiro, quanto de convencer os industriais de sua importância para o novo regime que se instaurava. É importante ressaltar que, de acordo com Thomas Skidmore (1988), as políticas econômicas que Castelo Branco desejava consolidar vinham sendo bastante contestadas por setores oposicionistas e populares, sendo fundamental o apoio das elites empreendedoras para o sucesso de suas medidas – apoio que deveria ser atraído com as ferramentas que fossem necessárias; se o que caracterizava as camadas sociais mais altas de Joinville era sua ascendência europeia, então que este fator fosse utilizado como maneira de conquistar seu suporte. Se nas décadas anteriores as colônias estrangeiras representavam fator de risco para a Segurança Nacional, agora era preciso incluí-las no projeto de governo para que os objetivos econômicos fossem atingidos.

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Tal fato se conecta com a estrutura, coordenação e andamento do Ciclo; não se tratava apenas de trazer militares de alta patente para discursar diante de um auditório lotado de civis. De acordo com o livreto instrutivo denominado Informações Gerais sôbre o 1º Ciclo de

Estudos (ADESG, 1965a), eram realizadas uma série de atividades visando a absorção do

conteúdo por parte dos cursantes, tais quais conferências com debates, exposições, demonstrações, sessões de leitura, discussões dirigidas, simpósios, trabalhos em grupo e viagens de estudo que demandavam a produção de relatórios. Isto demonstra que o curso foi elaborado a partir de didáticas cuidadosamente formuladas, havendo a preocupação de que estas elites realmente saíssem do Ciclo com o embasamento necessário para levar adiante o planejamento do regime – fator que perpassa também a minuciosa escolha daqueles que poderiam participar do evento.

Os industriais de Joinville, o governo militar e os interesses mútuos

Teriam cursado esta etapa do ciclo 47 pessoas, com presença massiva de empresários locais, dos quais muitos ocupavam ou viriam a ocupar cargos políticos. Por demonstração podemos citar José Henrique Carneiro de Loyola – empresário com projeção nacional, estava à frente da Companhia Fabril Lepper na época do Ciclo, vindo a ser senador e vice-prefeito de Joinville em fins dos anos 1990 pelo então PMDB – e Curt Alvino Monich – vereador pela UDN e presidente da Câmara dos Vereadores de Joinville no período (FILHO et al., 1965, n.p.). Além disso, de acordo com Fernando Mezadri (2016, p. 8), as conexões entre a elite empresarial da cidade com a política podem ser expressas na lista de seus prefeitos, onde constam membros de famílias influentes que foram representadas no Ciclo por pelo menos um integrante. É, por exemplo, o caso dos Douat – importante clã no ramo da metalurgia e um dos mais prestigiosos de Joinville. Tivera seu representante na prefeitura (Henrique Douat, 1928-1929/1935-1936) e no curso em questão marcara presença Arnaldo Rossi Douat (CARNEIRO et al., 1965, p. 13), então diretor administrativo da companhia metalúrgica da família.

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Mezadri (2016, p. 216) afirma ainda que a guinada à oposição no cenário eleitoral joinvilense ocorreu apenas na década de 1970, devido ao contingente considerável de operários vindos de outras regiões, em decorrência do grande desenvolvimento industrial da cidade. Indo ao encontro de tal exposição, Sirlei de Souza (1998, p. 22-24) informa que, no alvorecer da ditadura, a Câmara dos Vereadores reiteradamente prestava apoio ao governo militar. Além da presença do supracitado presidente da Câmara, Curt Alvino Monich, há o fato de que o conteúdo ministrado no curso incentivava a participação dos “estagiários” em cargos públicos; dizia-se que a ação de propaganda para divulgar a DSN pode ter efeitos à médio prazo “através da ministração de cursos às Elites, visando esclarecê-las e motivá-las

para o processo político público (grifo meu)” (FILHO et al., 1965, n.p.). Somando isso ao

entendimento transmitido nas aulas de que “O fortalecimento do Poder Nacional depende, em grande parte, da boa qualidade da estrutura institucional do Estado” (ADESG, 1965b, p. 2), é possível inferir que o objetivo do Ciclo era não somente espalhar a Doutrina de Segurança Nacional entre as altas camadas da população, mas também ocupar cargos na máquina pública com profissionais que estivessem devidamente alinhados ao planejamento do governo autoritário, estabelecendo suporte ideológico e ao mesmo tempo administrativo.

É perceptível que por décadas a administração de Santa Catarina possuiu um viés liberal que privilegiou o empresariado tanto no sentido econômico quanto no aspecto político. Sob o predomínio das oligarquias locais em várias regiões, o governo catarinense por muito tempo operou com uma lógica liberal e uma práxis autoritária (DUWE, 2016, p. 56). Concomitante ao fato de que defendiam ideais de liberdade individual, havia o impedimento da participação de setores populares no interior de seus partidos (o PSD, comandado pelos Ramos, e a UDN, comandada pelos Konder-Bornhausen), consequentemente restringindo o comando político às elites que já dominavam o setor econômico. O PTB, sigla que deveria em tese agregar a oposição, era considerado de pouca força no estado e frequentemente influenciado pelos dois citados partidos, além de ter nascido em SC sob a liderança da família Ramos (SOUZA, 1998, p. 19). Assim, Santa Catarina configurava um território elitizado, dirigido por setores da alta classe; característica da qual não parecia fugir Joinville. Afinal,

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segundo Mezadri (2016, p. 15), “desde a sua constituição, a entidade empresarial assumiu para si a responsabilidade de ser o arauto das principais decisões políticas, econômicas e sociais fundamentais para o desenvolvimento do município”.

Ademais, a alta classe joinvilense partilhava de um mesmo temor que acometia as elites dirigentes Brasil afora. Com o crescente engajamento político das camadas populares ao longo dos anos 1950 e início dos 1960, juntamente com o medo do comunismo causado em parte por esta mesma situação, os grupos mais abastados da sociedade brasileira sentiram-se ameaçados. Preocupada com seu status, a Associação Comercial e Industrial de Joinville (ACIJ) – a qual patrocinou o Ciclo (ADESG, 1965a, p. 6) – se uniu a outras entidades como a União Cívica Feminina, o 13º Batalhão de Caçadores e a Igreja Católica para garantir a manutenção de seu projeto desenvolvimentista (SOUZA, 1998, p. 12). De outro lado, o regime também possuía planos liberais de desenvolvimento; entretanto, tratava-se de um liberalismo de Estado, que não só se afastava do liberalismo típico do laissez-faire praticado por estas elites como também o criticava. Para os teóricos da DSN, o capitalismo liberal seria falho e propício às consequências negativas apontadas pelo marxismo – o ideal, na visão dos militares, seria um modelo que se baseasse “em forte interferência do Estado no planejamento econômico nacional, na produção direta e no investimento infra-estrutural (sic), com eventual apropriação direta dos recursos naturais por este mesmo Estado” (ALVES, 1985, p. 50).

Diante disso, as Forças Armadas acreditavam que as elites civis deveriam sim conduzir a sociedade rumo ao progresso, mas seus erros nesta empreitada teriam permitido a suposta infiltração comunista no país – estes grupos precisavam ser moldados nos termos da Doutrina de Segurança Nacional para realizarem sua missão apropriadamente. Dessa maneira, a escolha da cidade de Joinville como sede de uma das etapas do curso não fora por acaso. Uma alta classe industrial que enxergava seu poderio sob risco possivelmente encontrou no governo ditatorial, que possuía tanto uma ideologia para governar quanto força bélica para lidar com as adversidades, uma forma de assegurar sua posição. Ao mesmo tempo, é provável que o regime tenha visto nesta elite temerosa um foco de apoio por necessidade – seria uma relação de troca com potenciais benefícios mútuos.

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Considerações finais

Visando conquistar o apoio da sociedade brasileira e legitimar o novo governo autoritário, a Escola Superior de Guerra (ESG) elaborou cursos para difundir a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) entre a população. Dentre os mesmos, estavam os Ciclos de Estudos sobre Segurança Nacional, realizados em vários estados em diferentes períodos da ditadura militar – em Santa Catarina, o primeiro ocorrera em 1965 com uma das etapas sendo sediada na cidade de Joinville. Com participação restrita a um seleto grupo de figuras proeminentes, majoritariamente composto pela elite industrial e política do município, buscava inserir na máquina pública profissionais alinhados com os objetivos do regime. Ao mesmo tempo, esta alta classe, preocupada com seu status devido ao crescimento da atuação política das camadas populares, apoiou o golpe e a ditadura que se seguiu. Apesar disso, cabe acrescentar que não se pode superestimar os efeitos do Ciclo sobre o panorama da cidade durante a ditadura. Não há comprovações empíricas, pelo menos no que tange a este trabalho, de que fora de fato o curso em questão o responsável pelas circunstâncias de Joinville ao longo dos 21 anos seguintes. O que fica desta breve pesquisa é a tentativa de enxergar através do exemplo desse município como as elites civis, que se definiam como liberais, não tardaram em recorrer ao braço armado do Estado em tempos de crise. Da mesma maneira, demonstrar como em Santa Catarina, um estado pouco lembrado em termos de ditadura, havia também pontos de interesse que fizeram o regime voltar sua atenção para o território catarinense. A proposta é trazer mais perguntas do que respostas e estimular novas pesquisas sobre as temáticas apresentadas, especialmente sobre SC durante o período ditatorial, que sofre de uma escassez de trabalhos acadêmicos sobre o assunto se comparado a outros estados brasileiros.

Referências

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São Paulo – documento em formato PDF: BR_SPAPESP_DEOPSOS000205. Blumenau, 1965a.

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